2121 – Capítulo 36

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Capítulo 36 – Aquiescer

 

Sam conduziu Theo devagar, continuava com a mão em suas costas. Morris abriu a porta e entrou, com Sam entrando em seguida. Num gesto rápido, Sam tomou a arma do cós da calça de Theo e bradou para ela.

– Theo, fuja com Igor! Não no nosso carro, tem dois caras lá! Corra!

Morris tentou sair do quarto e ir atrás de Theo, mas Sam acertou dois tiros em sua testa, o eliminando instantaneamente. Ainda assistindo o corpo caindo no chão, foi agarrada de forma violenta pelo segurança de terno, que a arremessou contra a parede dentro do quartinho. Bateu com a cabeça na parede e caiu já sangrando, o segurança tirou a arma de sua mão e a chutou algumas vezes, colocou o pé com um sapato lustrado em cima do seu peito, a prendendo no chão.

– Minhas instruções não foram claras o suficiente, minha amiga? – O baixinho disse a fitando de perto. Sacou o comunicador e deu ordens para alguém do outro lado da linha. – Peguem a garota e matem o cara.

Apesar da forte pancada na cabeça, Sam se recompôs e aplicou um golpe com o cotovelo na perna do grandalhão. Foi o suficiente para conseguir reerguer-se, ofegante e com um semblante raivoso.

– Você pode me matar, mas Theo não vai com você. – Sam disse enxugando o sangue que escorria pela lateral do seu rosto.

– Que tal duzentos mil? Vamos lá, você está desarmada e sangrando, estou lhe fazendo uma ótima oferta, pegue o dinheiro e vamos todos buscar a garota.

– Nada, nada na face da terra me compraria, Theo vai fugir.

– Se é assim que você quer. Morris, você…– O baixinho foi interrompido pelo seu comunicador, o atendendo prontamente. – O que foi? Como assim sumiram? É uma garota cega! Procurem ao redor, seus incompetentes!

– Vocês não irão colocar as mãos nela. – Sam o desafiou.

– Minha amiga Samantha, nossa conversa foi muito enriquecedora mas tenho outras coisas para resolver, Morris vai finalizar a conversa. Foi um prazer não fazer negócios com você. – Ele ajeitou sua gravata borboleta de quatro pontas. – Vamos fazer churrasco, Morris?

Morris apontou sua arma elétrica para Sam, que adiantou-se e chutou sua mão, a arma caiu atrás de um conjunto de baldes e esfregões. Agora a luta era no corpo a corpo, o baixinho assistia sem saber o que fazer.

– Morris, acabe logo com isso.

– Meu nome não é Morris, senhor.

– Tanto faz, apenas faça o que mandei. – O baixinho disse com ar entediado.

O brutamontes partiu para cima de Sam, que desviou-se dos socos, mas acabou encurralada na parede. Defendeu-se dos golpes seguintes com os braços erguidos, com um passo para o lado deu um chute em seu estômago com a perna mecânica, o afastando momentaneamente. O grandalhão sacou uma faca militar de dentro do paletó, partindo novamente para cima de Sam, que desviou-se, mas não o suficiente. Acabou levando um corte profundo no alto do braço.

– Ah, seu… – Sam segurou seu corte, enfurecida.

– Morris, não tenho a noite inteira. – O chefe falou após um suspiro irritado.

Sam desviava-se para trás e para os lados, fugindo dos golpes com a grande faca, numa das investidas conseguiu segurar o punho de Morris, e arrancou a faca de sua mão. Levou um soco no rosto com a mão solta dele, mas rapidamente cravou a faca em seu peito, com raiva.

A faca cravada no coração não lhe parecia o suficiente, apesar de Morris jazer inerte no chão, Sam retirou a faca e o esfaqueou mais quatro vezes. Removeu a faca e ficou de pé, encarou furiosamente o baixinho jogando a faca para cima girando, a pegando no ar.

– Minha amiga Samantha, ainda podemos fazer um acordo favorável a ambas as partes. – O homem dizia com a voz trêmula e olhos arregalados.

– Minha vez de propor um acordo. – Sam correu até o local onde a arma elétrica havia caído, a tomou e apontou para ele.

– Vamos, abaixe a arma. Quanto você quer? Dê seu preço.

– Theo não tem preço, seu desgraçado. – Sam parecia irada, enxugou novamente o sangue no rosto.

– Não cometa este erro, meu superior ficará muito zangado.

– Gosta de churrasco?

No momento em que Sam apertava o gatilho, a porta foi aberta com violência, Igor fulminou o baixinho com cinco tiros, Sam apenas olhou perplexa, ainda com a arma elétrica erguida.

– Tem mais algum? – Igor perguntou ofegante, com o nariz sangrando.

– Onde ela está? – Sam perguntou, preocupada.

– Segura. Tem mais algum bastardo para acertar um tiro no meio da testa?

– Não, aqui não. Mas lá fora tem dois, no estacionamento.

– Não tem mais.

– Você deu um jeito?

– Sim, nos dois babacas.

– E Theo, onde está? Ela se machucou?

– Eu estou bem, obrigada, meu nariz está doendo um pouco. – Igor brincou.

– Theo está bem?

– Está, está sim, relaxe.

– Onde?

– Vamos sair daqui, antes que a polícia chegue. – Igor pegou em seu braço.

Sam tomou de volta sua pistola e a de Theo, colocando a de Theo no cós, a sua no coldre, e entregando a elétrica a Igor.

Saíram apressados pelo longo corredor, passando por alguns curiosos que ouviram o embate e se aproximavam receosos, deixaram o restaurante por uma porta lateral e cruzaram a loja de souvenires. Do lado de fora, foram até os fundos, Igor abriu a porta de um banheiro desativado, onde Theo estava escondida.

– Igor? – Theo perguntou, com medo.

– Theo… – Sam correu até ela, a abraçando com força.

– Você está bem? – Theo perguntou, ainda com Sam em seus braços.

– Sim, agora sim.

Theo a soltou, franzindo as sobrancelhas.

– Esse sangue é seu? – Theo percebeu o sangue em seu braço.

– Não foi nada, temos que ir embora.

– Se me permitem interromper, mas esse corte no braço não parece nada bem. – Igor disse, logo atrás.

– Cortou o braço? – Theo estendeu a mão, procurando seu braço.

– Foi só um arranhão. Vamos, Igor?

Caminharam apressadamente até a caminhonete, Sam assumiu o volante e saíram daquele estacionamento, deixando mais um rastro de sangue na longa viagem.

– O que aconteceu com seu nariz? Você apanhou? – Sam perguntou a Igor, que enxugava o nariz.

– Sabe como é, você tem que deixar eles acreditarem que estão vencendo, para poder partir para a reviravolta, eles ficam confiantes demais.

– O que aconteceu lá dentro? Quem estava lá? – Theo perguntou.

– Alguém querendo comprar você.

– Comprar? – Theo respondeu assustada.

– Eles queriam levar você, me trouxeram uma maleta com cem mil como presentinho pela minha cooperação.

– Eles quem?

– Eu não faço ideia, Theo.

– Não deve ser Elias.

– Seu pai, não é? Seu pai está te procurando?

– Eu não sei… – Theo esfregava seu pulso esquerdo. – Talvez, talvez ele tenha descoberto. Eu espero que não, se ele estiver atrás de mim…

– Não vai parar.

– Não.

– Enquanto eu puder, não deixarei que te levem. – Sam disse e pousou sua mão na perna de Theo, que a tirou dali prontamente, para sua decepção.

Por volta das dez resolveram parar para dormir num prédio abandonado em Eunápolis, sul da Baia. Manobraram o carro para dentro de um grande salão com cadeiras empilhadas por todo o canto.

– Vamos limpar ali em cima daquele pequeno palco e colocar o colchão lá em cima. – Sam orientava, enquanto tiravam as coisas da caminhonete.

– Theo, sente no carro, deixe que eu carrego estas coisas. – Igor tirou uma caixa das mãos dela.

– Não, eu posso ajudar. – Theo tentou pegar outra coisa de dentro do carro.

– Poupe a mão. – Foi a vez de Sam tirar os cobertores das mãos dela.

– Ok. – Exasperou e sentou-se no banco da frente, com a porta aberta.

– Igor, me ajude a montar o chuveiro.

– Chuveiro? Vocês realmente sabem se virar na estrada.

– Temos nossos truques.

Após deixarem tudo pronto, Sam foi até o carro, para buscar Theo.

– Quer tomar banho?

– Tome primeiro, você tem um corte no braço. – Theo disse de forma fria.

– Tudo bem, não sangro como você, posso esperar.

– Ok. – Theo virou para trás, alcançando sua bolsa.

Sam a conduziu pela mão até outra sala, onde haviam montado um banheiro improvisado.

– Acho que aqui era um teatro, mas o palco é tão pequeno, e tem demarcações estranhas. Nessa sala onde improvisamos o chuveiro tem coisas nas paredes, acho que eram lousas digitais, tem cadeiras como as de escola e isolamento acústico, é um teatro estranho.

– Eu não perguntei nada. – Theo resmungou, começando a tirar a roupa já dentro do lugar onde estava o chuveiro, num canto com uma grande placa fazendo a terceira parede.

Sam a olhou com surpresa, ficando sem palavras num primeiro momento.

– Ok, desculpe. – Sam falou ainda atordoada. – Eu vou deixar você a vontade e volto depois para te buscar.

– Não, fique.

– Quer que eu fique aqui com você?

– Não gosto de ficar sozinha. – Theo respondeu sem jeito, tentando pendurar suas roupas.

– Aqui, me dê. – Sam tomou suas roupas.

Lá estava novamente Sam, observando Theo tomando banho, sem poder se aproximar ou tocá-la, para sua angústia.

– É um conservatório de música. – Theo a despertou.

– O que?

– Aqui, não é um teatro, é um conservatório musical. – Theo esclareceu, enquanto se banhava de costas para Sam.

Sam olhou ao redor, se dando conta.

– Claro, e essa é uma sala de aula.

– É sim. Me ajuda a tirar? – Theo estendeu a mão ferida.

– Quer tirar o curativo?

– Sim, para lavar.

Sam removeu cuidadosamente a atadura e as gazes, olhou de perto e pode ver o quanto sua mão havia piorado, fazendo um semblante preocupado.

– Pronto, limpe bem, eu vou cuidar dessa mão depois, você querendo ou não.

Ao final do banho, Theo procurou a toalha, não encontrando.

– Aqui. – Sam a cobriu com a toalha, a trazendo para perto.

– Sam, não. – Theo deu um passo para trás, incomodada.

– Eu só ia enxugar você.

– Eu sei me enxugar. – Theo enrolou-se na toalha.

– Só estou tentando ser cordial.

– Você pode ir agora. – Theo falou, impassível.

Sam suspirou decepcionada, e lhe entregou suas roupas.

– Eu vou ficar, você não sabe voltar sozinha.

– Eu me viro.

– Theo… – Sam fez uma pausa angustiada. – Eu sei que você está cansada das minhas desculpas, mas eu estou realmente arrependida do que fiz com você, eu explodi e num momento de confusão achei que você era o inimigo. Não é justificável, nunca será, mas te peço perdão.

Theo vestia-se em silêncio, mas ouvia atentamente.

– Eu prometo a você nunca mais agir desta forma, mesmo que você me confesse agora, diante de mim, que é alguém enviado para dificultar minha busca, ou mesmo alguém que tem a missão de impedir que eu sobreviva, eu juro, eu não faria nada a você, eu não lhe faria mal.

– É difícil acreditar em você agora.

– Eu peço uma chance.

– Você ia atirar na minha mão… – Theo murmurou ressentida. Era a primeira vez que parecia contra argumentar de guarda baixa.

– Eu não atiraria.

– É fácil falar agora, já que não paguei para ver.

– Eu só queria te assustar, eu não atiraria.

– Você sabe que algo se quebrou aqui dentro, não sabe?

Sam deu um curto suspiro com os olhos fechados.

– Eu quero consertar. Eu quero ter tempo para consertar. Theo, escute, eu sei que você passou por tempos violentos, e que esperava encontrar paz aqui fora. Infelizmente você me encontrou, e eu estou nessa corrida desesperada, sem poder te dar a paz que você merece, sem poder te dar sensação de segurança. Além de tudo aconteceu essa avalanche na minha vida sentimental, me desestruturando, não que eu seja uma rocha ou a pessoa mais centrada da face da terra, mas nunca passei por nada parecido, estou tentando acertar.

– É um bom começo… – Theo murmurou. – Você vai cuidar da minha mão?

– Sim, venha.

Sam a colocou sentada no banco da frente do carro, sentou-se numa cadeira à sua frente, com a caixa médica ao lado.

– Vai arder um pouco. – Sam segurou sua mão com a palma virada para cima, antes de derramar o líquido antisséptico percebeu que a região do primeiro tiro começava a necrosar.

– Vá em frente.

– Ok. – Sam derramou, trazendo feições doloridas de Theo. – Eu acho que você precisa ir a um hospital, sua mão não está nada bem.

– Não temos tempo para hospital.

– Então eu vou entupir você com antibióticos e anti-inflamatórios.

– Mais?

– Não quero que você perca a mão.

– Não perderei. Passe a pomada e enrole a atadura.

– Quer hidrometa?

– Quero.

– Vou tomar um banho depois aplico em você. Até eu estou pensando em usar, minhas costas estão me matando, acho que minha coluna nunca mais será a mesma. – Sam reclamou.

– Eu vou primeiro. – Igor passou por elas, indo para a sala ao lado com sua bolsa.

– Ok, nem estava com pressa mesmo. – Sam brincou.

– Depois vou remendar seus cortes, ok?

Minutos depois pode-se ouvir Igor berrando do banheiro.

– Alguém pode me atirar uma toalha? Eu esqueci.

– Eu levo. – Sam largou o comunicador e foi na direção do carro, onde Theo estava sentada.

– Você vai levar a toalha para ele?

– Sim, o que que tem?

– Nada.

Sam levou a toalha e retornaram juntos do outro quarto, conversando.

– Quantos anos você tem? – Sam perguntou.

– Trinta e dois.

– Sério? Achei que tinha menos, você aparenta uns vinte e cinco.

– Eu me exercito. – Igor brincou, os dois se aproximaram do carro, guardando as coisas. Theo estava com cara de poucos amigos ainda no banco da frente.

– Dá para perceber. – Sam riu.

Theo fechou ainda mais seu semblante.

– Quer a hidrometa agora? – Sam perguntou.

– Não. – Theo respondeu grosseiramente.

– Mas já vamos dormir.

– Eu me viro sem hidro.

– Tem certeza?

– Tenho.

Igor observou o que se passava.

– Vocês usam hidro? – Igor perguntou.

– Ela usa para conseguir dormir, por causa da mão.

– Também usei depois do acidente, mas depois parou de fazer efeito.

– Que acidente? – Sam perguntou, estava recostada no carro ao lado da porta aberta onde estava Theo.

– Na marinha, uma explosão me fez colocar oito placas na coluna.

– Oito? Isso deve incomodar, não?

– É, incomoda um pouco.

– Durma no colchão, eu posso dormir no carro. – Sam disse.

– Não, tudo bem, posso dormir no banco traseiro do carro.

– É desconfortável, acredite, eu descobri isso hoje.

– Mas você também está com a coluna ruim. – Igor respondeu a Sam.

– Deve estar melhor que a sua.

– Somos dois com a coluna estragada. – Igor riu.

Theo fechou os olhos e deu um suspiro profundo, antes de se manifestar.

– Eu durmo no carro. – Se ofereceu, mesmo parecendo contrariada com a ideia.

– Não, não se incomode, eu durmo. – Igor disse.

– Não, Theo.

– Eu durmo, está resolvido, apenas me dê um travesseiro.

– Tem certeza? – Sam perguntou.

– Tenho.

Depois do banho, Sam teve seu corte no braço e no alto da testa suturados por Igor, Theo aguardava para dormir.

– Theo, vá para o colchão, eu durmo no carro. – Sam tentou.

– Não, eu durmo aqui, vá logo.

– Ok, vou deitar, se quiser trocar de lugar me avise.

Sam hesitou por um momento, mas pegou um travesseiro na parte de trás e entregou a Theo.

– Sam, vá na frente, vou fazer uma coisa aqui antes de dormir. – Igor disse.

– Boa noite, me chame se precisar de algo ou ir no banheiro.

– Não se preocupe, eu me viro. – Theo respondeu friamente.

Igor permaneceu ao lado de Theo, observando Sam deitar-se.

– Ok mocinha, onde você prefere a picada? – Igor disse já pegando a caixa médica no fundo do carro.

– Picada?

– Eu sei que você quer a hidro, mas não quer que Sam aplique. Deixe comigo, eu tive vários treinamentos em primeiros socorros.

– Ok.

– Quanto você quer?

– Dois.

Igor preencheu a seringa e sentou-se ao seu lado, acendendo a luz interna do carro.

– Onde prefere?

– No braço.

Igor terminou de injetar o líquido em sua veia, e já guardava na caixa. Theo segurou seu braço, o pegando de surpresa.

– Espere. – Theo falou em voz baixa.

– O que foi?

– Não encoste nela. – Theo disse, com firmeza.

– Eu não faria isto, palavra de marinheiro. – Igor sorriu.

– Eu estou falando sério, não ouse encostar na Sam.

– Me manterei o mais afastado possível, eu a respeito e respeito você também.

Theo balançou a cabeça, ainda parecia contrariada com a ideia dos dois dormirem no mesmo colchão.

– Ok. Obrigada, boa noite.

Igor subiu os degraus que davam no pequeno palco e deitou-se ao lado de Sam, que continuava acordada e também parecia incomodada.

– Pronto, a menina vai dormir melhor, dei hidrometa. – Igor disse, se ajeitando no colchão.

– Aplicou nela?

– Sim.

– Que bom, que bom.

Uma hora se passou e Igor percebeu Sam ainda acordada, fitando o teto.

– Não consegue dormir?

– Não.

– Preocupada com amanhã?

– Bastante.

– Quer repassar nossos passos, desde o início?

– Não, amanhã durante a viagem repassaremos toda a ação.

– Não está preocupada apenas com a ação de amanhã, não é?

– Não. – Sam exasperou.

– Está sentindo falta de certa pessoa ao seu lado?

– Sim, e do ronco dela. – Sam riu.

– Talvez eu possa resolver isso. – Igor disse com um sorrisinho, já se erguendo do colchão.

No carro Theo também não conseguia dormir, girava de um lado para outro no banco. Levou um susto com batidas no vidro.

– Quem está aí? – Sentou-se assustada.

– Sou eu, Igor, abra.

Theo continuava sentada no banco do carro, titubeou antes de abrir a janela.

– Preciso falar com você. – Igor insistiu.

Acabou baixando o vidro, Igor colocou a cabeça para dentro do carro, e começou a falar em voz baixa.

– Sam não consegue dormir. – Igor falou, apoiando os braços na janela do carro.

– Ela está preocupada com amanhã à noite.

– Não, ela não consegue dormir porque eu não ronco alto o suficiente.

Theo acabou abrindo um pequeno sorriso.

– Claro…

– Vamos trocar de lugar.

Theo não respondeu, apenas moveu a cabeça.

– Vamos, amanhã é um dia importante para ela, apenas faça companhia. – Igor pediu.

– Acho melhor não.

– Vamos, mocinha tatuada, saia do carro, te levo lá. – Igor insistiu.

– Ok, ok.

Igor a levou para cima do tablado, Sam apenas acompanhou em silêncio, por fim Theo deitou-se, segurando o cobertor com a mão direita em cima do peito.

Sam virou-se, a observou por alguns minutos, até que Theo fechou os olhos. Era desesperador tê-la ao seu lado daquela forma, a situação estava ficando insustentável para Sam.

Resolveu arriscar, de forma hesitante ergueu o braço e pousou a mão por cima da mão direita de Theo, que abriu os olhos imediatamente. Sam percebeu os braços dela arrepiados com o toque, e sorriu timidamente. Nada aconteceu em seguida, mas Sam permaneceu com sua mão cobrindo a de Theo.

Finalmente Theo se manifestou, de forma delicada e lenta abriu seus dedos, envolvendo os dedos de Sam, e deslizando o polegar pela lateral de sua mão, trazendo agora um sorriso aberto dela e a enchendo de esperança.

Sam regozijava-se com aquele pequeno gesto carinhoso, mas acabou quebrando o silêncio, fazendo um pedido angustiado.

– Não desista de mim.

Theo parou o movimento com o polegar, e desentrelaçou seus dedos dos dela. Tirou sua mão e abriu o braço para o lado, por cima dos travesseiros. Sam não sabia o que estava acontecendo, apenas a fitou confusa.

– Vem. – Theo sussurrou.

Prontamente Sam deslizou para o lado, deitando-se sobre o peito de Theo, que a trouxe para mais perto com o braço, pousando e correndo seus dedos entre seus cabelos.

– Você não desistiu de mim. – Theo disse, dando um beijo no alto da sua testa.

– E nunca desistirei.

– É fácil soltar promessas ao vento, Sam.

– Não, eu sei o que estou falando. E sentindo. – Sam ajeitou-se em seu colo, a fitando agora. – Eu saí direto da escola para o exército, tive treinamento para todo tipo de batalha, ação, estratégia, invasão, eu aprendi a agir em situações de emergência conforme o manual, aprendi que se seguisse todas as regras, sobreviveria e o inimigo iria perecer. Tive treinamento em mais de vinte tipos de armas, em todo tipo de situação adversa.

– É agora que eu digo parabéns?

– Theo, você matou um homem com uma bengala, e sem enxergar. Eu vejo agora todo meu treinamento jogado numa vala, sem serventia no mundo real. Estive confinada num quartel aprendendo a ser cada vez mais selvagem e menos humana, quando finalmente saio desse ambiente hostil encontro você, a pessoa mais amável que já conheci. Simplesmente não soube lidar com a situação, nem com você. Eu sabia o tempo todo que você me fazia bem, mas não conseguia retribuir, lidei da pior forma com o desconhecido. Isso tudo acontecendo no olho de um furacão, e agora que o furacão se aproxima do fim vejo o quanto errei com você.

Sam moveu para cima de Theo, arrancando uma reclamação dolorida dela.

– Ai, não se apoie no meu quadril, aquele furo ainda dói.

– Ah, me desculpe.

Sam ajeitou-se novamente, mas continuavam com seus rostos próximos. No calor de suas palavras, havia esquecido que Theo a estava repelindo nos últimos dias. Naquele momento Theo não a repelia, nem a afastava, com sua mão hesitante no ar, acabou a pousando na lateral do corpo de Sam.

– Eu não quero que você continue pedindo desculpas. – Theo disse, num tom compreensivo.

– Eu não vou pedir desculpas, mas tem algo que eu preciso falar, que por negligência ou covardia minha, escondi de você por todo esse tempo.

– O que?

Sam olhou para o lado.

– Você também perdeu a sensibilidade nos dedos da mão esquerda?

– Não, só o movimento.

Sam tomou a mão ferida, com cuidado, e pousou os dedos sobre seus lábios.

– Theo, eu te amo. Muito. – Sam disse entre um leve sorriso.

Theo levou alguns segundos processando a informação e a situação, sua guarda não estava completamente baixada, mas aquelas palavras suavizaram os nós em sua mágoa. Acabou abrindo um sorriso torto, fazendo o coração de Sam disparar, uma sensação acolhedora lhe subiu o peito.

– Não estou lhe dizendo isso esperando que você repense algo sobre mim, ou que me responda em retribuição. – Sam continuava, falava de forma firme. – Mas é justo que você saiba, porque um amor desta força precisa ser pronunciado em voz alta, com todas as letras, e não num deslize durante uma briga.

– É, você deixou escapulir, por trás de uma porta de banheiro. – Theo zombou.

– Não foi muito nobre de minha parte. – Sam balançou a cabeça sem jeito. – Mas agora você sabe, agora você tem ideia do que sinto por você, é muito maior do que qualquer sentimento que conheci em meus 23 anos, eu não fazia ideia que existia algo assim, nunca senti nada semelhante, e é assustador! Parece um dragão alado sem rédeas, eu não sei domar.

– Dragão?

– Foi uma metáfora.

– Ah.

– Espero não ter assustado você. – Sam disse contendo sua euforia.

– Não, eu sempre soube que tinha algo acontecendo dentro de você. Não me leve a mal, é bom ouvir isso, é incrivelmente reconfortante ter alguém em cima de mim dizendo que me ama, mas quer saber o que eu penso sobre isso? Que você está confundindo seus sentimentos.

Sam a fitou perplexa com aquela colocação que Theo fez de forma tão tranquila.

– Eu sei o que sinto, Theo, eu sei que amo você.

– Você está confusa, isso é comum nessas situações, você se apegou a mim, criou um laço forte, mas é apenas apego, não é amor, um dia você irá olhar para trás e o que estou falando agora vai fazer sentido.

Sam parecia arrasada com a desqualificação de seus sentimentos.

– Escute, eu não espero que você retribua, não quero nada em troca, apenas achei que precisava ser sincera, que você merecia saber, e saber de uma forma decente.

– Eu não duvido que você goste de mim, eu sinto que você gosta genuinamente, eu sei que é de verdade quando você fala comigo de forma carinhosa, ou quando me toca, me beija, eu sei que é de verdade. Mas acredito que sua confusão a faz pensar que é amor.

– É amor, eu sei que é, e é grande, eu posso amar por mim e por você. – Sam dizia ingenuamente, arrancando um pequeno sorriso de Theo.

– Não importa o nome, eu sei que há algo bom aí dentro, e se eu não acreditasse nisso, não estaria permitindo você em cima de mim agora. – Theo respondia de forma cordial.

Mas Sam não se contentava com a insistente negativa dela.

– Tudo bem, eu não vou insistir. A única coisa que eu desejo é ter tempo para provar que você está errada.

– Eu também quero, Sam. Eu também gostaria de dar o braço a torcer algum dia, e perceber que eu estava errada.

– Então você quer que seja verdade? – Sam voltou a se encher de esperança.

– Claro.

– Isso é bom. – Sam pousou receosa sua mão no rosto de Theo, alegrou-se por não ter sua mão retirada dali.

– Sam, você acabou de abrir seu coração para mim, que monstro você pensa que sou? Não sou tão insensível assim. – Theo brincou.

– Você me perdoou?

– Você não me deu opção. – Theo falou com um sorrisinho irônico. – Mas quando você estiver de coração novo vai ouvir uns desaforos.

– E eu aceitarei de bom grado.

– Pare de se penitenciar, ok? Está tudo bem, não quero mais brigar com você. – Theo disse com uma voz quase suave.

– E aquilo que você disse, sobre me tratar como quando nos conhecemos… – Sam falava devagar, com insegurança. – As coisas serão assim? Digo, você, eu… Sabe… Apenas boas amigas? Sem maiores…

Theo a interrompeu, colocando seus dedos sobre os lábios de Sam.

– Vá em frente.

Sam sorriu e aproximou-se de Theo para beijá-la, mas desistiu no caminho, subiu um pouco e lhe deu um beijo demorado na testa. Queria que Theo soubesse que a respeitaria, antes de qualquer coisa. Por fim mergulhou num beijo de forma apaixonada, matando sua saudade.

Depois de algum tempo o beijo foi interrompido com Theo mordendo o lábio inferior de Sam.

– Aaaai! Você mord… Ok, eu mereci.

– O aviso está dado.

– Eu sei, prometo mostrar que valeu a pena não desistir de mim. – Sam sussurrou.

– Fique à vontade.

– Posso continuar aqui?

– Não. – Theo girou para cima de Sam.

– Ai. Minha vez de pedir que saia um pouco de cima de mim, levei uns chutes desse lado.

– Ah, desculpe. – Theo deslizou por cima dela para o outro lado.

Theo tocou seu rosto carinhosamente, percebeu um curativo no alto da lateral da testa.

– O que foi isso?

– Como Igor diz, precisamos deixar o inimigo achar que está ganhando a luta, para que ele fique confiante demais.

– Foi hoje à noite, lá no restaurante?

– Foi sim.

Theo desceu seu rosto e a beijou de leve, devagar.

– Então você rejeitou o negócio e a maleta de dinheiro?

– Se tivessem me oferecido um milhão eu teria pensado no assunto. – Sam riu.

– Que mercenária. – Theo entrou na brincadeira.

– Nenhum dinheiro tiraria você de mim. Nem nenhum troglodita com uma arma de choque fatal ou baixinho de gravata horrível.

– Obrigada por não deixar que me levassem. – Theo sussurrou.

– Theo, você me ajudou de tantas formas possíveis, você me tirou da cegueira que vivia, você foi minha salvação.

– E você foi meu anjo. – Theo dizia correndo seus dedos pelo rosto de Sam, como se tentando vê-la.

– Você não acredita nessas coisas.

– Você é meu anjo de carne e osso. E metal.

– Por que sou seu anjo? – Sam perguntou, curiosa.

– Você provou que eu estava errada. – Theo disse.

– Em que?

– Algumas coisas.

– Você pode me contar quais coisas?

– Não. Apenas saiba que foi bom saber que eu estava errada.

– Theo… Tem outra coisa que preciso conversar com você.

 

Aquiescer: verb.: consentir, concordar, condescender, anuir, assentir, ceder, submeter-se.

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21 comentários Adicione o seu
  1. Maravilhoso o capitulo!!
    Sam arrasou!E parece q alguem escutou oq disse…sobre a explicacao do pq Sam agiu assim.lalalala.
    Theo parece que amansou,mas ainda nao acreditar em Sam,natural isso!!Ela ainda n confía em ng.
    Sobre oq ela estaba errad ae que Sam a fez mudar..tereiq reler,mas pode ser errada sobre n confiar nas pessoas ou q n vltaria a amar?
    Igor e do bem,que bomm!!!
    Nada a declarar por hj…ficou mt bom!!Resoler terminar o capitulo relax ne..sem nos deixar com duvidas rs..Quer dizer,sobre Teho ta errada …mas eu tenho mts ideias sobre isso!!rsrs
    Beijundaas

    1. Pois é, mais uma vez Sam tentou justificar sua atitude, mas já tava ficando chato né? Bora fazer as pazes de uma vez.
      Em breve esse assunto confiança surgirá, é algo complicado mesmo.
      Sobre o que Theo estava errada, era sobre sentir algo bom por alguém de novo (só não posso dizer exatamente o que ela sente por Sam no momento).
      Nem sempre termino o capítulo de forma sacana hehe.
      Bjos!

  2. Owwwwwwwn até vomitei arco iris aqui. To com o coração aquecido. Posso até ouvir um coral de anjos flutuando e cantando “cabem 3 vidas inteiras, cabe uma penteadeira. Cabe nós dooooois.”


    1. Tipo assim, né?
      Espero que não tenha vomitado todo seu estoque de arco-íris, tem mais um pouco no 37.
      E continue cantando!
      “Coração não é tão simples quanto pensa
      Nele cabe o que não cabe na despensa”

  3. Tu estás fazendo tudo de novo… Aiai.
    Eu odiava a Lina com todas as minhas forças… E em UM cap eu tava considerando pedir a mulher em casamento!
    Agora a mesma coisa com Sam… Juro que so no 36 ja desconsiderei os 35 anteriores…
    #TheoSamForever

    1. Eu gosto de desafios, sempre quero saber até onde posso fazer todos odiarem uma personagem, e conseguir reverter depois. Na próxima história teremos alguém ainda mais sacana, para vocês amarem odiando. 😉

  4. Acho que todas nós, leitoras de 2121, vivemos essa relação de amor e ódio com a Sam.
    Cris, é incrível como você nos faz viajar por essa montanha russa de emoções: uma hora (quase a maior parte do tempo rsrs) queremos estapeá-la, e agora, depois de ler o cap 36, ela nos faz ficar assim…soltando suspiros.
    É certo que Sam, ainda precisa mudar muito. E essa pressão da contagem regressiva para conseguir o coração novo, não ajuda.
    A vida dela mudou de forma tão brusca e repentina, com relação aos seus sentimentos, coisas que ela achava que eram as certas a se fazer e agora já pensa de outra forma, que não houve tempo para processar tudo que lhe vem ocorrendo.
    Mas ela está tentando, aos tropeços, mas está conseguindo.
    Anciosa pelo próximo capítulo!
    Mas saber que estamos chegando na reta final, bate uma apreensão…
    Boa sorte nessa fase turbulenta, espero que tudo se resolva logo.
    Bjs!

    1. Na verdade no fundo vocês nunca odiaram a Sam, só ficaram decepcionadas em alguns momentos. O que eu faço é revelar o lado bom dela, aquele que vocês gostam e aprovam (pq ela realmente tem um lado bom, que a confusão do momento ofusca às vezes).
      Mas fiquem a vontade para odiá-la também, isso faz parte do drama.
      É, estamos oficialmente na reta final!
      Bjos, obrigada!

  5. Capítulo lindo! Espero que esse tenha sido o início da redenção da Sam, finalmente ela colocou em palavras e de maneira correta tudo o que sente pela Theodora. Devo dizer que "Não desista de mim" foi uma frase de bastante efeito, realmente fiquei comovida, assim como a Theo. Acredito que a Sam tem que pená ainda para conseguir de volta a confiança de Theo e provar seu amor. Quanto a aquiescência de Theodora era algo até natural, uma vez que estando emocionamente abalada ficar repelindo a Sam é mais um fator a se preocupar e lhe afligir ainda mais. Ela não tem estrutura para essa avalanche de fatores negativos que a cerca, no final das contas, Sam é a única coisa boa que já lhe aconteceu, desde muito tempo. Quanto a conversa que sam quer ter com Theo, que foi maldosamente interrompida (rsrsrsr), acho que ela vai contar o que descobriu de Mike.
    ps: Espero que esse comentário tbm não caia no limbo.

  6. Viva adorei esse capitulo do resgate da personagem Sam junto as leitoras com direito a declaração de amor e tudo a The mesmo reticente acabou cedendo foi ótimo só fiquei com medo dessa outra coisa que a Sam disse querer conversar com Theo no final do capitulo sinto que la vem bomba rsrsrsr.

  7. O legal desse capítulo é Theo reconhecendo que estava enganada quando disse que a “o que tinha dentro dela secou”, como vimos em “Violação”. Sam provou que ela estava errada em poder sentir de novo algo bom por alguém.

  8. Gostei muito do capítulo. Concordo com a Glenda e a Diin Tvrs, dois capítulos atrás eu estava com muita mas muita raiva da Sam, essa bandida! Eu queria que ela se lascasse todinha, agora eu acho q eu estava equivocada com relação a ela não ter capacidade de mudar. Eu ainda acho ela meio mau caráter kkkkk. Mas quem não é um pouco, né? Na literatura, cinema, a gente discrimina comportamentos que na vida real praticamos… Filosofei.
    Agora eu quero ver mais pra frente, ver se essa mudança vai repercutir…
    Bjos

    1. Sua filosofia foi bastante coerente, eu também acho que sempre esperamos da ‘mocinha’ um comportamento exemplar, que nunca pise na bola, mas as personagens são baseados em pessoas, e as pessoas fazem muita m**** rs
      Não prometo que Sam não pise mais na bola (não me mate), mas espero que não a odeiem.
      Bjos e obrigada!

  9. Esse comentário não se perdeu, felizmente!
    Fico feliz que o capítulo tenha aquecido o coraçãozinho de vocês, ele marca a evolução de Sam, talvez ela ainda pise na bola, mas agora ela está mais ciente das consequências dos seus atos.
    Esse 'não desista de mim' foi um pedido de socorro, no decorrer dessa jornada Theo teve vários motivos para desistir de Sam, e não desistiu. E Sam estava entrando em pânico com essa possibilidade, justamente na reta final ser abandonada pela única pessoa com quem ela pode contar de fato.
    Bem observado da sua parte, ficar repelindo Sam estava enfraquecendo Theo, essas pazes foi um bom negócio para ambas as partes.
    Desculpe, continuarei a interromper cenas e diálogos maldosamente… rs
    Bjos, obrigada!

  10. eu vi que vc me marcou numa notícia do show do coldplay, mas não encontro mais isso, então saiba que eu vi e curti mentalmente. thanks pelo aviso! (vocês vão? vocês não estarão mais aqui em março, né?)

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