Capítulo 24 – Catatonia
Naquela mesma manhã, em San Paolo.
– Já acordada? – Marcy indagou Theo, que entrava na cozinha conduzida por Meg.
– Não parou quieta na cama, acho que nem dormiu. – Meg resmungou, e sentou-se numa das cadeiras.
– Eu acho que dormi. – Theo ajeitou-se junto à mesa. – Mas preciso de café, uma grande caneca desse líquido milagroso.
– Bom dia, galera. – John entrou na cozinha coçando os olhos.
– Mais um que madrugou? – Marcy disse, servindo café a Theo.
– Estamos preocupados com as meninas, daqui a pouco elas vão invadir aquele antro. – Theo respondeu.
– Se aqui agora são oito horas, que horas são lá? – John perguntou.
– Três a menos, então cinco e alguma coisa.
– Ritz já está acordada, ela mandou mensagem agora há pouco.
– Sam disse que só entraria em contato depois que estivesse tudo finalizado e todos estivessem em segurança.
– É para não te deixar ansiosa. Quer dizer, mais do que já está… – Meg disse.
– Hoje será um dia longo… – Theo disse e consultou o comunicador em busca de alguma mensagem.
“Zero mensagens.”
– Criança, procure alguma ocupação para hoje, não vai te fazer bem ficar nessa agonia. – Marcy a repreendeu.
– Eu já a entupi de remédios, mas ela não desliga. – Meg disse.
– Me arranja algum? – John pediu.
O videofone tocou e Marcy foi até o canto da cozinha atender.
“Marcy? A senhora Samantha tem visitas, permito a entrada?” – O segurança na portaria a inquiriu pela câmera.
– Quem são?
“Pai, já vamos entrar, fique tranquilo.” – Falou ao longe uma voz feminina pelo videofone.
“Eu quero falar com minha filha!” – Ele respondeu.
– Ah não… – Theo esfregou o rosto em desespero ao reconhecer a voz de Lindsay.
– Eu já conferi as IDs, é a irmã, o pai, o cunhado, e três sobrinhos. – O segurança respondeu.
– Theo? Eles podem subir? – Marcy perguntou.
– Mande subir, fazer o que.
– Ok. Pode liberar a entrada deles. – Marcy informou pelo fone.
– Justamente hoje? Por que justamente hoje? – Theo reclamava inconsolável.
– Eles não devem fazer ideia, não sabem onde Sam está. – Meg disse.
– Não, não devem, eu que vou ter que segurar essa bomba sozinha.
– Eu te ajudo, eu os conheço bem. – John se prontificou.
Theo baixou a cabeça recostando o rosto sobre os braços sobre a mesa.
– Porque essas encrencas parentes de Sam tem que aparecer sempre que ela está longe? – Reclamou.
– Hey, assim você me ofende. – John retrucou.
– Eu não achei nada bonito você fugir de casa e bater na minha porta, ouviu?
– Mas eu não tinha para onde ir! – John disse cuspindo seu cereal.
– Ok, pirralho, eu já te acolhi, não acolhi? Agora me faça um favor, receba a comitiva dos parentes de Sam, eu vou para o quarto para Meg me dar algo mais forte. – Theo estendeu o braço direito exibindo a mão aberta, que tremia.
– Eu percebi essa mãozinha tremendo, vem comigo, vou te dar algo para derrubar. – Meg alcançou sua cadeira de rodas.
– Não quero apagar, preciso falar com esse povo que me odeia.
– O que significa sua mão tremendo? – John perguntou, de boca cheia, já de pé.
– Convulsão à vista. – Meg respondeu, e a levou para o quarto hospitalar.
Minutos depois, Theo adentrou a grande sala onde John recebia as visitas, o pai de Sam era o único de pé, as crianças brincavam no piano translúcido no final da sala.
– Onde está minha filha? – Elliot vociferou ao ver Theo chegando na cadeira com Meg.
– Olá Elliot, prazer em finalmente conhecê-lo, Sam está viajando. – Theo o cumprimentou educadamente, estendendo a mão.
O senhor de cabelos castanhos e grisalhos, fitou seriamente na direção de Theo, com as duas mãos pairadas sobre sua bengala.
– Eu já conheço você, estive no hospital algum tempo atrás. – Finalmente Elliot apertou sua mão.
– Eu estava dormindo na ocasião, sinto muito. – Theo brincou.
– Oi Theo, é bom te ver finalmente acordada. – Lindsay a abraçou.
– Oi Lynn, como estão?
– Cansados, viemos de surpresa, sem maior planejamento, o voo foi horrível. Esse é meu marido, Arnold, e as crianças estão ali, brincando no piano, Oliver, tem quatro anos, Amanda, seis, e Gerry, sete. – Lindsay falava de forma agitada.
– Prazer, Arnold.
Arnold estendeu sua mão, não vista por Theo.
– E ainda por cima é cega… – Elliot resmungou baixinho.
O marido de Lindsay, um simpático irlandês de bochechas rosadas, pousou sua mão por cima da mão de Theo, a cumprimentando.
– Prazer em conhecê-la, Theo.
– Meg, chame Marcy. – Theo virou-se e sussurrou à enfermeira.
– E então, quem vai explicar onde Samantha se meteu? – Elliot finalmente sentou-se num dos sofás.
– Sam está na Zona Morta, foi resolver um assunto particular, mas deve voltar essa noite, ou amanhã de manhã.
– Ela está voltando para o exército? – Elliot sorriu animado. – E irá fazer uma surpresa para nós?
– Não, nada de exército.
– O que é então?
– É um assunto particular nosso.
– Sam não tem segredos comigo.
– É algo que apenas nos diz respeito. – Theo dizia firmemente, mas com o coração palpitando com a situação desagradável.
– Ligue para ela.
– Ela estará incomunicável esta manhã, provavelmente a tarde o senhor consiga contato, sugiro que não tente ligar agora.
– Quem você pensa que é para interferir na minha relação com minha filha? – Elliot enfatizou os dois ‘minhas’.
Theo hesitou.
– Sua nora. – Respondeu e sorriu com um ar debochado.
– Você está me insultando. – Elliot vociferou.
– Não, não é do meu feitio. Bom, vim apenas dar as boas-vindas, sintam-se em casa, logo Sam estará de volta. Marcy, você pode assumir agora?
– Claro.
– Marcy vai ajudar vocês a se acomodarem nos quartos, se precisarem de mim, estarei lá em cima fazendo fisioterapia.
Meg fez a volta com a cadeira, indo na direção do elevador, Theo fez um sinal com a mão, chamando Marcy e lhe sussurrou algo.
– Tire esses monstrinhos do meu piano.
***
– Te acordei? Aí são três horas a mais ou a menos que aqui? Sempre esqueço.
– Sam! – Theo atendeu o comunicador eufórica. – Você está bem?
– Estou sim.
– O que aconteceu?
– Está feito, amor. Está finalizado. – Sam dizia com um sorriso satisfeito.
– Resgatou as meninas?
– Todas as treze que encontramos no dormitório subterrâneo, inclusive suas amigas Pauline, Iana e Claudia.
– Você conseguiu… Meu Deus, você conseguiu… – Theo emocionava-se, estava sentada nos pés de sua cama, sozinha.
– Nós conseguimos, eu, você, toda a equipe.
– Alguém se machucou?
– Kohl, meu colega militar, levou um tiro no quadril, vai ser transferido ainda hoje para Nova Capital para uma cirurgia, mas ele passa bem. Maritza levou um tiro no braço, entrou agora para a cirurgia, a bala atingiu seu úmero, mas também vai ficar bem.
– E as meninas?
– Estão todas bem, ninguém se machucou. Ai!
– O que foi?
– Nada. Como ia falando, as meninas estão bem, estão aqui no hospital passando por uma avaliação, mas logo serão liberadas e George as levará para o hotel. Quando eu sair daqui irei falar com elas, e depois ver como está Maritza.
– Sair daqui onde?
– Da sala que estou agora.
– Sam, aconteceu algo com você?
– Não, não aconteceu nada, só tive um corte bobo aqui do lado, mas uma moça simpática já está me costurando. Ai!
– Corte? Você está me contando a verdade?
– Um dos malditos seguranças cravou a faca na minha cintura, mas foi superficial, não atingiu nada importante, a moça está me dando uns cinco pontos e serei liberada.
– Oito. – A enfermeira a corrigiu.
– Ok, oito pontos.
– Não minta para mim, Sam.
– Eu juro, foi só isso. Estamos todos vivos e inteiros, não se preocupe.
– E Elias?
Silêncio.
– Não o peguei, ele não está aqui.
– Ele fugiu?
– Não, parece que está viajando, e pelo visto está perto de você, já mandamos reforçar a segurança aí na casa.
Theo apenas suspirou pesadamente, com tristeza.
– Eu sinto muito, meu amor. – Sam disse com pesar.
– Ele não vai me pegar.
– Não, não vai, você está segura aí.
– Eu vou pegá-lo. – Theo disse com raiva.
– Não, você vai ficar quietinha, na sua. Depois vamos procurar formas de neutralizá-lo, ok?
– Ok… Até porque sua família vai me ocupar nos próximos dias. – Theo franziu as sobrancelhas. – Eu te contei que eles estão aqui?
– Não contou, mas eu já estou sabendo, acabei de ler as vinte mensagens que me mandaram. Eu não fazia ideia que eles me fariam essa surpresa, eu peço desculpas.
– Está tudo sob controle, seu pai ainda não me praguejou, só insinuou que vou para o inferno, e que sou um mau exemplo para a sociedade, mas o clima está tranquilo.
– É difícil lidar com ele…
– Eu sei, não se preocupe com isso. Você vem hoje à noite?
– Acho que não, Maritza não deve ter alta hoje, e eu não deixarei soldado ferido para trás, não posso deixá-la aqui, você me compreende?
– Claro, acompanhe Maritza, as meninas ficarão seguras no hotel com nossos homens tomando conta. O único problema é que sinto sua falta, mas consigo ficar mais algumas horas sem você.
Sam abriu um meio sorrisinho.
– Pronto. – A enfermeira comunicou, tirando as luvas.
– Finalizado, senhora? – Sam perguntou à enfermeira, que havia se virado para o outro lado.
– Finalizado, troque o curativo por alguns dias, tire os pontos após uma semana.
– Eu farei seus curativos e removerei seus pontos. – Theo respondeu, havia escutado a enfermeira.
Sam conferiu a sutura e baixou sua blusa suja de sangue.
– Theo, tem uma coisa que preciso contar. – Sam agradeceu a enfermeira e saiu para o corredor do hospital.
– O que?
– Eu peguei Marli.
– Ela estava no Circus?
– Estava, parece que havia cancelado a folga para cobrir a viagem de Elias, não peguei o peixe grande mas peguei um peixe importante, que também faz estragos.
Theo balançou a cabeça em confusão e incômodo.
– Entregou para a polícia?
– Entreguei, mas conversamos um pouco antes.
– Conversou?
– Ela está viva, mas um pouco avariada e aleijada.
– O que você fez?
– Eu conto pessoalmente, mas talvez agora ela esteja um tanto arrependida pelas coisas que fez a você.
– Adoraria ter chutado as costelas daquela mulher.
– Depois conto em detalhes como foi chutar as costelas dela, ok?
– Espero que apodreça numa jaula… – Suspirou pesadamente.
– Theo, você está bem? Parece cansada, tem tomado os sedativos?
– Estou bem, só estou um pouco cansada fisicamente, fisioterapia puxada. – Theo respondeu, pousando as mãos sobre as muletas que estavam em cima da cama.
– Então descanse, não precisa fazer sala para minha família, eles se viram sozinhos.
– Estou na minha cama, está tudo bem, terminei a fisioterapia da tarde agora. Promete me manter informada?
– Volto a ligar com mais notícias, ainda hoje. Agora durma um pouco, não quero você tendo convulsões aí, permaneça forte, vai ser pesado reencontrar as garotas.
Sam caminhou com ansiedade pelos corredores do hospital, até encontrar a ala onde as treze garotas ainda faziam alguns exames e passavam por consulta médica. Passou quase duas horas com elas, até a chamarem para visitar Maritza, recém-saída da cirurgia.
– Pensei que amputariam seu braço, cara de salsicha. – Sam sentou-se na cama, de frente para Maritza, que ainda estava sonolenta da anestesia.
– Nem brinque com isso. – Respondeu baixinho.
– O médico disse que você irá recuperar todos os movimentos do braço em algumas semanas, acho que você sobreviverá.
– Como estão as meninas?
– Assustadas, porém aliviadas. Algumas já conseguiram contato com seus familiares, todas moram na Nova Capital, acho que não teremos problemas em embarcar com elas.
– Vocês vão hoje à noite?
– Não, amanhã à tardinha, ou à noite. Vamos esperar você ganhar alta, o que deve acontecer amanhã à tarde, se você não tiver alguma piora.
– Vire essa boca pra lá… – Maritza se ajeitou com cuidado na cama, seu braço direito estava imobilizado. – Consegue água? Estou com sede.
Sam serviu um copo com água, e sentou na cadeira ao lado, havia um hematoma avermelhado surgindo em seu rosto, próximo ao corte do supercílio.
– Leve as meninas para casa hoje, posso ficar sozinha aqui. – Maritza disse.
– Não, nenhum soldado ferido fica para trás, lembra disso?
– Então elas dormirão aqui?
– No hotel, a polícia vai interrogá-las hoje à noite.
– Ok, mas não precisa ficar aqui no hospital comigo, elas precisam mais de você do que eu. – Maritza insistiu.
– George está com elas.
– Elas se sentirão melhor com você, Sam.
– E você vai ficar sozinha aqui?
– Peça para um dos nossos vir me fazer companhia a noite. Durma no hotel com elas, essas meninas acabaram de sair do inferno.
– Seu coração está amolecendo ou é impressão minha?
– Sammy, eu nunca vou esquecer o que eu presenciei hoje.
– Você não me chama de Sammy desde o ano passado. – Sam sorriu e pousou a mão sobre a de sua colega.
Maritza fechou os olhos, numa expressão cansada.
– Nossas vidas deram uma boa guinada, não acha? – Ponderou.
Sam baixou a cabeça, pensativa.
– Saímos finalmente de nossas ostras, começamos nossa vida real.
– Eu estou com medo do que vem pela frente, só sei ser soldado.
– Um mundo de possibilidades, Ritz. Quanto mais você expande sua mente, melhor você enxerga, e a vida real tem tantas cores.
Maritza a fitou em silêncio por um instante.
– Theo é como essas meninas, deve ter vários traumas, como você consegue conviver com ela? Não apenas conviver, mas ter um relacionamento íntimo com alguém que provavelmente está confusa demais? Você sabe lidar?
– Estou aprendendo, estou em constante evolução. – Sam tinha um semblante otimista.
– Eu não sei se você é a pessoa mais indicada a estar ao lado dela agora, você terá paciência suficiente com ela?
Sam sorriu cabisbaixa.
– Ela que tem uma paciência enorme comigo.
A conversa foi interrompida pela entrada no quarto de algumas das garotas, que vieram conhecer Maritza.
– Estão todas bem? – Maritza perguntou com a voz fraca.
– Agora sim, graças a vocês. – Uma das meninas adiantou-se.
– Formamos um bom pelotão. – Maritza ergueu a mão aberta para Sam. – Ai.
– Você é quem está por trás de tudo? – Uma menina perguntou.
– Não, eu sou apenas um soldado, isso tudo foi planejado e idealiza…
– Shhhh. – Sam cobriu a boca de Maritza.
– Por quem? – As meninas perguntaram.
– Por motivo de segurança, não vamos revelar quem resgatou vocês. – Sam explicava. – Mas quando vocês estiverem devidamente abrigadas em San Paolo, eu prometo revelar a identidade dessa pessoa.
– É algum político?
– Não vou dizer.
– É seu parente?
– Não vou dizer, desistam.
– É homem ou mulher?
– Desistam.
– Deve ser algum traficante… – Pauline murmurou.
– Não, é apenas uma pessoa que tem motivos para se importar. – Sam levantou-se. – Bom, vamos deixar Maritza descansar, vou levar vocês para um hotel, vamos passar a noite aqui, e quando ela tiver alta viajaremos para o Brasil.
– Se não me derem alta amanhã, eu prometo que fujo daqui, combinado? – Maritza disse.
No início da noite daquele longo e interminável dia, Sam finalizava seu banho no quarto do hotel, quando ouviu batidas na porta. Vestiu rapidamente um roupão e atendeu George, ele informou que agentes da polícia internacional já estavam no local, no aguardo para iniciar os depoimentos.
As garotas haviam sido acomodadas em quartos triplos, ganharam uma bolsa cada, contendo objetos de uso pessoal e roupas, tudo planejando e montado por Theo, que mais do que ninguém, sabia o que elas precisariam ao deixar o Circus. “Nessa bolsa não cabe o que elas mais precisam, elas precisam de abraços, calor humano, que voltem a ser tratadas como pessoas.” Foi o que Theo instruiu antes da viagem.
– Elas jantaram? – Sam perguntou.
– Estão terminando, algumas já subiram de volta. Peço para os agentes subirem nos quartos das que já retornaram?
– Não, eu quero que seja individual, para que elas fiquem mais à vontade. Conduza os policiais para o auditório do hotel, e peça que aguardem. Levarei uma a uma, me visto em cinco minutos.
Dez minutos depois, Sam descia o elevador com Anne, a primeira das meninas que prestariam depoimento.
– Não precisa se prolongar. – Sam orientava, com o braço em seus ombros. – Apenas fale quanto tempo ficou no Circus, e como foi parar lá, se quiser faça um apanhado da sua rotina. Eles irão coletar suas digitais e dar seu visto de entrada na Nova Capital, procedimento de rotina.
– Você ficará comigo? – A menina parecia amedrontada, parada na entrada do auditório, com seus grandes olhos brilhantes a fitando.
– Claro, estarei do seu lado o tempo todo.
Por volta das duas da madrugada, Sam subia o elevador acompanhada de Pauline, a última a prestar depoimento. Pauline ainda enxugava os olhos, todos os treze depoimentos trouxeram à tona alguns detalhes horripilantes da rotina em que estiveram imersas até aquele dia. E Sam presenciou todos os depoimentos.
O elevador se abriu e as duas garotas, que tinham a mesma idade, mas destinos tão diferentes, andaram em silêncio pelo corredor. Sam ostentava exaustão, tanto física quando psicológica, ouvira coisas que nunca esqueceria, detalhes que Theo não lhe contara nem haveria de contar algum dia.
Um transtorno que se manifestava em ondas de náusea, a lacuna de palavras para lidar com aquilo, o medo da falta de tato, a impeliam a dizer apenas palavras de segurança, promessas de dias melhores, e dar abraços demorados e apaziguantes. Mas agora, horas depois, ela mal conseguia falar, estava destruída. Como mulher, sentia-se também violada, como todas as treze que acompanhara nos depoimentos. Talvez naquela noite, a duras penas, Sam tenha entendido o significado de empatia.
– Sam? – Pauline parou em frente a porta de seu quarto, que dividia com mais duas garotas.
– Precisa de algo? – Sam respondeu, quase de forma catatônica.
Pauline, do alto de seus quase 1,75, parecia uma criança acuada.
– Eu sei que alguns homens estão aqui fora fazendo nossa segurança, mas… Eu poderia dormir no seu quarto? – Pediu timidamente, com as mãos nos bolsos de seu jeans.
– Vai se sentir mais segura dormindo no meu quarto?
– Vou.
– Então venha comigo, a cama de Maritza está vaga mesmo.
– Posso pegar minha bolsa?
Pouco depois, ambas já estavam alojadas em suas camas, lado a lado. Pauline pediu para que uma luz fraca permanecesse acesa, a garota parecia ainda não acreditar no que estava acontecendo, não conseguia sequer fechar os olhos.
– Pauline? – Sam a chamou, ao perceber sua apreensão.
– Sim?
– Você está segura aqui, amanhã estará bem longe de tudo isso. Tente dormir.
– Elias continua por aí.
– Têm seguranças no hotel, e eu aqui do seu lado, eu era militar, sabia?
– Por que não é mais?
– Deserdei. Vamos lá, estou desmaiando de sono, tente fechar os olhos e descansar.
– Ok. – Pauline puxou a coberta para debaixo do queixo.
– Você não é a durona da turma? A marrenta? – Sam brincou.
– Quem falou isso a você?
– Ninguém, eu percebi sozinha.
Silêncio.
– Você ronca? – Pauline perguntou.
– Não. E você?
– Não que eu saiba.
– Por que perguntou se eu roncava?
– Lembrei de uma amiga que roncava, ela me chamava de marrenta, como você me chamou agora.
– Então você vai poder reencontrá-la quando voltar para casa.
– Não… Ela morreu.
– Ah. Sinto muito. Qual era o nome dela?
– Theodora. – Pauline virou-se de lado, fitando Sam. – Se vocês tivessem aparecido alguns meses antes, ela estaria agora nesse hotel, com a gente.
– Mas nós…
– Desculpe, não estou reclamando, pareceu ingrato da minha parte. – Pauline a interrompeu. – Ela morreu no Circus, seis meses atrás, na noite de ano novo.
– Tudo bem.
– Ela fez falta.
– Você deve ter presenciado várias fatalidades como essa.
– Theo morreu tentando fugir, mas algumas tiraram suas próprias vidas.
– E essa garota, Theo, era sua melhor amiga lá dentro?
– Era. Eu posso ser marrenta, mas ela que era a durona do grupo. – Pauline sorriu para Sam.
– Ela está num lugar melhor agora.
– Espero que sim. – Pauline abafou um nó na garganta antes de voltar a falar. – Uma menina se matou mês passado, usando as cordas de Theo, que foram herdadas por mim.
– Cordas?
– Elias inventou esse lance das cordas, Theo foi a escolhida para isso. Depois que ela se foi, eu passei a ser a garota das cordas.
– E para que servem as cordas?
– Sam, você realmente não faz ideia?
– Durante o sexo?
– Sim.
– Nossa… Deve ser horrível.
– Era sim.
– Desculpe, não quis te deixar pior.
– Isso não importa mais, sabe por que? Porque acabou. – Pauline voltou a sorrir torto para Sam.
– Acabou, você vai voltar para casa, para sua vida. – Sam a confortava.
– Depois de três anos roubados, eu não faço ideia do que será de mim aqui fora.
– Você não estará desamparada. – Sam ficou em silêncio por uns segundos, a curiosidade a faz voltar o assunto. – Pauline?
– Sim?
– Essa sua amiga, Theo, vocês… Sabe… Vocês tiveram algo? Eram namoradas?
– Não, ela era apenas uma boa companheira de inferno.
– Sempre foram amigas?
– Hum… Não nos batíamos no início, mas resolvemos nossas arestas. E a morte de uma das meninas a abalou muito, elas eram próximas, e Theo… Bom, Theo sofreu bastante.
– Eu imagino.
– Pelo menos ela se vingou do desgraçado que matou Sierra.
– Quem se vingou?
– Theo matou o cara, com as próprias mãos.
Sam arregalou os olhos, a fitando com surpresa na penumbra.
– Como ela fez isso?
– O degolou, com uma faca roubada da cozinha. – Pauline sorriu torto. – Entende porque foi uma pena vocês não terem chegado antes? Aquela filhinha de papai merecia estar viva.
Sam deu um riso fungado, e arrematou a conversa.
– Deus age por caminhos misteriosos.
Catatonia: S.F.: Forma de esquizofrenia que se caracteriza pela alternância de períodos de passividade e de excitação repentina.
Meu, este capítulo me deixou emocionada. Caraca, que difícil reviver um pouco do que essas meninas passaram. Uau, e agora torcendo exageradamente para todas elas refazerem a vida de uma maneira humana, justa. Fico aqui imaginando quando descobrirem que foi a Theo a responsável toda essa operação. Ficarão em êxtase! Só realmente desejo que esse novo Brasil tenha regras e a justiça seja feita com ‘justiça’.
Schuuuuu, amei o capítulo. Vc ta escrevendo muitoooo!!!
Esse dia foi de grande aprendizado para Sam. Ficará tatuado na alma…
Pauli terá uka grande surpresa alegre quando souber quem as ajudou e que a mesma segue viva! !!
Sam tinha q perguntar sobre Theo e Pauli , n? rs
Beijoooosss
Comecei a ler faz poucos dias,amei a primeira parte,to amando também a segunda, esperando ansiosa o novo capítulo <3
Parabéns pela história <3