PH Poem a Day – Dia 3 – O esquecimento

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Dia 3 – O esquecimento

Rosemeire era uma católica fervorosa, dessas de promover novenas até para santo que não existia ainda. Havia acabado de desencarnar, bater as botas, passar dessa para uma melhor.  Pelo menos era o que ela esperava ao morrer, chegar ao tão almejado (e prometido) paraíso.

– E onde está Deus? – Ela foi logo perguntando ao guardião, ansiosa.

– Qual deles?

– Como assim?

– São tantos… Mas me acompanhe, venha conhecer mais um pouco do mundo inferior.

– Inferior?? Você quer dizer inferno?

– Sim e não, aqui tem vários lugares com várias denominações, são vários infernos.

– Eu me recuso a prosseguir, eu fui uma senhora religiosa e honrada, paguei o dízimo, comprava rifa de bolo, frango assado, fazia a liturgia, varria a igreja quando aquela abestada da Cida não fazia na minha frente. Eu tive uma vida de lisura, exijo ser levada ao céu!

– Quem sabe você vá para os Campos Elíseos, poderá passar algumas centenas de anos por lá, antes de retornar ao mundo dos vivos.

– Que droga de campos do Eliso são esses? Não vi isso na bíblia.

– Campos Elísios. Se você tem uma alma virtuosa como diz, tenho certeza que terá este agradável lugar como destino. Lá reina a beleza natural, o gorjeio dos pássaros são como canções, e à sombra das árvores frondosas poderás degustar das saborosas frutas dos pomares.

– Hum. Soa como o céu. Deve ser o céu. Padre Firmino pode ter se confundido quando me deu a extrema unção, dizendo que eu iria diretamente para o céu, deve ter errado os nomes. Também, pudera. – Deu de ombros. – Aquele padre caduco, não sei como não o mandaram para um asilo ainda.

O guardião a olhou de lado, apenas balançando a cabeça numa leve assimilação do que dizia Rosemeire. Continuou a conduzindo pela mão, o caminho era simples, tinha um leve nevoeiro e árvores estranhas, um rio com águas melodiosas acompanhava a estrada rústica.

– Mas considere a possibilidade de ter como destino final o Tártaro. – O guardião fez a ressalva.

– É o céu? Não, não deve ser. Mocinho, você não sabe com quem está falando, não é mesmo? Me leve logo para esse tal de campos do Eliso, eu dediquei meus 72 anos ao serviço à Deus, ou aos deuses, como você falou. Sabe quantas vezes fui nomeada presidente do grupo de mães católicas da paróquia? Treze vezes, treze! Padre Firmino sempre escolhia a mim para guardar e repor o vinho do altar, ele sabia que podia confiar, porque se deixasse na mão da Maroca não duvido que ela bebesse tudo às escondidas, aquela beberrona.

– Senhora…

– Menino, você por acaso é coroinha ou noviço? E eu não gostei dessa história de voltar ao mundo dos vivos, sempre me disseram que eu ficaria para sempre ao lado de Deus pai, e é por aqui que vou ficar. Como você anda devagar! Vou reclamar para seu superior, é algum santo? Deve ser um desses santos chinfrins, que não mandam em nada, nem tem dia comemorativo, festa, nada. Se tiver que andar muito para chegar nesse campo me avise, porque tenho varizes e…

– Senhora, por gentileza, venha até a margem do rio. – Ele disse com impaciência.

– E agora?

– Beba um pouco dessa água.

– Que rio é esse? E se a água for suja? Tiver coliformes fecais?

– É limpo, garanto, todos bebem dessa água, se chama Rio Lete.

E Rosemeire bebeu das águas do rio do esquecimento.

2 comentários Adicione o seu
  1. Ler seus textos sempre é um bom remédio para minha alma..
    Muitooooo bom o tema de hj e vc deu um show..essa mulher viu…vc descreveu certinho como se comporta certas pessoas.
    Mas esse Rio tá ótimo! Hehe
    Bjos

    1. Me deixa feliz saber que meus textos fazem bem 😉
      E ler Percy Jackson fez eu me interessar por mitologia grega, quero me aprofundar no assunto.

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