2121 – Capítulo 32

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Capítulo 32 – Aviltante

 

Naquele início de fevereiro, havia um frescor que trazia temperaturas agradáveis na principal cidade do sul da Baia. Sam olhou para cima e percebeu a bela noite que fazia, caminhava pela rua de postes flutuantes, tirou a jaqueta, dobrando sobre a mão.

Dava seus passos apressados na direção do hotel arranha céu, lembrou dos dias em que andara sozinha, em que sua vida se resumia em uma viagem solitária e algumas mensagens de Lindsay e Mike. Naquela época dirigia por horas a fio em silêncio, nestes dias sentia-se apenas um rato correndo por um labirinto, era apenas um rato programado para morrer.

Enquanto subia os quase cem andares no elevador, um fino e quase imperceptível sorriso brotou sem que percebesse, estava subindo para seu quarto e sabia que havia alguém lhe esperando lá dentro, alguém que parecia se importar com sua vida. Aquela era a chama que aquecia seu coração dia após dia, Theo era o calor que a suavizava, que a fazia reconhecer-se humana.

– O que você está fazendo dentro da geladeira? – Sam perguntou assustada, assim que entrou no quarto.

– Não estou dentro da geladeira, só meu braço está. – Theo respondeu, sentada ao lado de um pequeno refrigerador translúcido.

– Saia daí.

Theo ergueu-se, sacudiu a mão esquerda e sentou-se na cama, recostada na cabeceira.

– Conseguiu a hidrometa? – Theo perguntou, esperançosa.

– Não, não achei, perguntei em mais de dez bares. Até numa farmácia perguntei.

– Que merda… – Theo fechou os olhos, com pesar. – Você com sua cara de tenente careta e certinha, ninguém quis te vender, achando que você os prenderia.

Sam sentou-se na beira da cama, ao lado de Theo. Tomou sua mão direita e entregou um pequeno frasco de vidro.

– Conseguiu? – Theo animou-se.

– Consegui. E você não sabe se tenho cara de tenente careta e certinha.

– Tenho certeza que tem. Quantos ml tem aqui?

– Um.

– Um está bom. Costumava tomar dois, mas um vai servir.

– Como você faz, bebe isso?

Theo sorriu, devolvendo o frasco para a mão de Sam.

– É injetável, posso contar com você?

– Quer que eu injete isso em você?

– Eu posso tentar, mas seria algo parecido com aquela brincadeira de pregar o rabo no burro. – Theo respondeu.

Sam a fitou pensativa por um instante.

– Ok, onde eu devo injetar?

– Braço, pé, ou atrás do joelho, você escolhe.

– Na veia?

– Na veia.

– Odeio agulhas. – Sam resmungou.

– Será em mim, não em você.

– Tá bom, tá bom.

Sam foi até a caixa médica e preencheu a seringa com o conteúdo do vidrinho, retornando para o lado de Theo, na cama. Tomou sua mão direita, correndo seu polegar pela pele do antebraço, procurando a melhor veia.

– Você não vai ter uma overdose ou algo assim, vai? – Sam perguntou, hesitante.

– Com um ml? Não, risco zero, vá em frente.

Sam aplicou o líquido em seu braço, Theo abriu e fechou a mão algumas vezes, deslizou na cama deitando-se e fechando os olhos.

– Você está bem?

– Ficarei. – Theo virou-se para o outro lado, parecia assustada.

– A sensação é ruim? – Sam perguntou, preocupada.

– Não, a lembrança é ruim.

– Vou tomar banho, não morra disso. – Sam disse, já tirando a camiseta.

Após o banho, Sam deitou-se ao seu lado devagar, soltando um pequeno grunhido de dor, Theo estava com os olhos fechados.

– Já dormiu? – Sam perguntou.

– Não.

– Como você está?

– No paraíso da falsa ausência de dor. – Sorriu torto. – Obrigada, oficial, prometo não contar isso a ninguém.

– Um crime a mais, um crime a menos… Quer água? – Sam saiu da cama dando um leve gemido.

– Quero.

Quando voltou a deitar-se, novamente deu um pequeno gemido.

– Você está com dor em algum lugar? – Theo perguntou.

– Eu caí de costas lá no museu, está incomodando um pouco.

– Tomou algo?

– Não, prefiro evitar os remédios quando a dor não é forte.

– Você que sabe.

– Tente dormir. Boa noite. – Sam desligou as luzes e virou-se para o lado de fora da cama.

– Eu não me importaria com um boa noite mais próximo. – Theo disse alguns segundos depois.

Sam sorriu, e virou-se para o outro lado, já se aproximando de Theo.

– Eu sei que você está com dor e incomodada com essa mão, quis te deixar em paz. E também não sei qual o efeito disso que você tomou.

– É relaxante, os problemas mundiais somem por algumas horas, estou bem.

Sam a beijou de forma tranquila.

– Preferi não te incomodar. – Sam sussurrou.

– Desde quando seu carinho é incômodo? – Theo respondeu. – Mesmo se eu estivesse em coma eu não abriria mão de um beijo de boa noite seu.

Sam sorriu, e a beijou novamente.

– Tente dormir.

– Não, deite de bruços. – Theo ordenou.

– Por que?

– Deite, vou fazer uma massagem em você. – Theo sentou-se na cama.

– Você está bem?

– Sim, você cuidou da minha mão, é hora de cuidar das suas costas.

– Mas sua mão está machucada.

– Eu faço com a direita. Você não quer?

– Eu quero. Vai ter aquela primeira parte?

– Não, vou direto para a segunda parte. Até porque preciso de duas mãos para aquela manobra.

Sam tirou a camisa e deitou-se de bruços, com os braços ao redor da cabeça.

– Está pronta? – Theo perguntou.

– Sim, pode montar.

Assim que recebeu a mão espalmada de Theo em suas costas, todos os seus poros responderam instantaneamente, o que não passou desapercebido por Theo.

– Por que está tensa, oficial? Eu já te toquei em lugares mais sensíveis que as costas. – Theo brincou.

– Assim como o pescoço é seu ponto fraco, minhas costas também são.

– O que acontece se eu fizer isso? – Theo abaixou, beijando suas costas.

– Ãhn… Mais arrepios?

– Vamos voltar ao serviço. – Theo disse, correndo sua mão direita pelas costas de Sam, aplicando uma massagem que alternava entre o suave e o vigoroso.

Sam fechou os olhos, deleitando-se com o que ela considerava um afago, que desta vez não prolongou-se.

– Terminei.

– Já?

– Foi o que consegui com uma mão só, fico te devendo uma massagem melhor.

– Ok, sua vez. Vire-se.

– Você vai me fazer uma massagem?

– Vou sim.

– Você sabe fazer massagens?

– Por que você ainda não está de bruços?

Theo hesitou, mas acatou a ordem e deitou-se de bruços.

– Tire a camisa, espertinha. – Sam disse.

– Não precisa.

– Você não me deu essa possibilidade na minha primeira massagem.

– Era minha melhor chance de encostar em você seminua.

– Você já tinha segundas intenções naquela época? – Sam perguntou, com curiosidade.

– Segundas intenções modestas.

– Desde o início?

– Mais ou menos. Mas nunca imaginei que roubaria a mulher do major.

– Não gosto quando fala assim.

– É um fato, só estou citando fatos. – Theo disse, continuava com o rosto enterrado no travesseiro.

– Precisa de ajuda para tirar a camisa?

– Não, eu posso tirar minha própria roupa. – Theo ergueu-se e tirou a camisa, voltou a deitar-se.

– Ok, vamos lá. – Sam falou, já em cima de Theo.

– Comece pelos ombros, próximo do pescoço.

– Posso praticar minha própria técnica? – Sam disse.

– Não se acanhe.

Sam corria suas mãos com insegurança pelas costas de Theo, usava os polegares nos movimentos.

– Está indo bem. – Theo murmurou, já de olhos fechados.

– Você precisa confiar no meu potencial.

– Apenas continue.

Sam criava confiança à medida que desbravava suas costas, gostava da visão que tinha, suas costas nuas e os braços coloridos.

– Esse hematoma aqui do lado, é o que estou pensando?

– Você me proibiu de falar em Mike.

– Não proibi de falar em Mike, só não gosto que você o avilte.

– Por que estamos falando de quem não está aqui nesta cama? – Theo desenterrou o rosto, o virando de lado.

Sam continuou os movimentos em silêncio, com semblante pensativo. Logo voltou a falar.

– Eu queria pedir desculpas pelas coisas que ele fez com você.

– Não peça.

– Por que não?

– Se for para se redimir, que seja pelas coisas que você deixou de fazer.

– Pelas coisas que eu não pude impedir?

– Também.

– Talvez você não entenda como é difícil ir contra as verdades que aprendi durante minha vida, de fora parece simples.

– Não são verdades, são conceitos. E o fato de você estar agora em cima de mim numa cama mostra o quanto é possível mudar conceitos rígidos. Você se imaginava fazendo isso algum dia?

– Nunca. Minha realidade nunca me mostrou essas opções, e mesmo que me mostrasse, eu sabia que era errado.

– Você acha que já sabe todas as coisas, mas não sabe. Você é a prova viva que nenhum conceito é estático, você abominou pessoas como eu por toda a vida, mas um dia se questionou. Felizmente.

– E aqui estou, montada numa mulher sem camisa.

– Felizmente. Continue questionando, essa é a chave para quebrar preconceitos.

Sam parou com as mãos abertas em suas costas. Observou aquele corpo abaixo de si de forma analítica, tentando encontrar respostas para o que não entendia.

– Eu não sei quando aconteceu. – Sam disse.

– Primeira noite, você me olhou tomando banho.

Sam corou, e sorriu de leve.

– Olhei.

– Mas não achou nada de errado nisso porque pensou que o interesse era apenas pelas tatuagens.

Sam espantou-se com o que Theo disse.

– Como você sabe disso?

– Eu não nasci ontem.

– Mas eu realmente fiquei encantada com suas tatuagens.

– Você gosta mesmo das minhas tatuagens, não é?

– Muito, às vezes esqueço o que estou fazendo.

– Onde está minha camisa?

– Ãhn… Aqui do lado, quer se vestir?

– Não. Pegue a camisa e amarre em seus olhos.

– Você quer que eu me vende?

– Exatamente.

– Para que?

– Primeiro faça o que eu pedi, mas permaneça onde está.

Sam ainda a fitou por um instante, tentando decifrar suas intenções. Pegou a camiseta preta e prendeu na cabeça, cobrindo os olhos.

– Estou vendada e agora?

– Braço direito, o que tem tatuado?

– Você vai me testar?

– Teste relâmpago de conhecimentos.

– Braço direito?

– Sim.

Sam correu sua mão pelo braço direito de Theo, de forma suave.

– Não são em alto relevo, só para constar.

– Eu sei. – Sam respondeu. – Ok, aqui em cima tem umas flores rosas.

– Flores de cerejeira.

– Certo, flores de cerejeira com sombras negras. Depois tem uma concha grande cheia de frutas e flores.

– É uma cornucópia.

– O que significa?

– É um chifre de cabra, que Zeus deu a Almateia, é um símbolo de fartura, abundância.

– Ah… Já ouvi falar em Zeus. Bom, continuando, depois tem algo que não entendo bem, com cobras e asas.

– Você não sabe o que significa?

– Talvez já tenha visto em algum lugar.

– Vai continuar sem sabe então. Continue.

– Não vai me contar o que é?

– Hoje não.

– Você não sabe brincar.

– A brincadeira é minha.

– Tá bom, vou continuar. – Sam permanecia montada nas costas de Theo, com a camisa a vendando.

– Depois tem uma imagem um tanto pornográfica.

– Ah Sam, deixe de falso moralismo, é só uma pin up, e ela está vestida.

– É bem sensual.

– Pin ups são sensuais.

– Tem um cara de roupa vermelha do lado dela.

– Tem sim. É um diabinho.

– Sério? – Sam torceu a boca.

– Tem um anjo do outro lado, percebeu?

– Essa loirinha? Achei que era uma menina, não parece um anjo, está com roupas sensuais.

– É minha representação de anjo. Ok, braço esquerdo agora.

– Tem flores também, mas são diferentes.

– Tulipas.

– Depois tem um sagrado coração, e um nome embaixo. É alguma ex namorada?

– É o nome da minha mãe, Imogen.

– Ah. Você tem alguma tatuagem que fez para namorada?

– Depende.

– Do que?

Theo riu.

– Não, não tenho. Continue.

– Depois tem uma mulher de camisa azul com lenço vermelho na cabeça, parece fazer algum gesto com o braço.

– É a Rose.

– Você disse que não tinha tatuagem de namorada.

– Rose the riveter, ela simboliza a luta feminista.

– Você é feminista mesmo?

– Toda mulher tem uma feminista dentro de si, a sua ainda não aflorou, algumas nunca afloram.

– Bom, tem algumas rosas e sombras, e por fim um peixe.

– É uma carpa japonesa, a criatividade já havia terminado.

– Como fui?

– Me surpreendeu. Sam, não tire ainda a camisa da sua cabeça.

– Por que?

– Quero fazer uma coisa, saia de cima de mim, deite-se.

Sam saiu de seu quadril, deitando-se ao seu lado.

– Mais algum teste?

– Um experimento.

– Te achei. – Theo projetou-se por cima de Sam, procurou seus lábios e a beijou, sentindo a camiseta que a vendava.

– Posso tirar agora? – Sam perguntou, depois do longo beijo.

– Ainda não. Está enxergando alguma coisa?

– Nada.

– Ótimo, não tire.

– O que eu devo fazer?

– Aproveite a viagem. – Theo disse com malícia.

Sam aproveitou como nunca a viagem, não podia ver o que Theo fazia em seu corpo e isso deixava as sensações a flor da pele. Os toques eram mais intensos e os beijos inesperados, o que elevava o jogo para outro nível.

Porém quem foi pega de surpresa foi Theo, quando Sam girou para cima dela, tirando a venda e a beijando intensamente. Sam parecia um incêndio, pouco tempo depois tentou tocar em Theo, que devolveu o movimento, girando e interrompendo momentaneamente as intenções de Sam.

Ela não desistiria tão fácil, e novamente tentou tocá-la, desta vez Theo precisou ser mais incisiva, segurando sua mão.

Sam a trouxe para perto, com a mão em sua nuca.

– Eu quero fazer em você. – Sam sussurrou próximo ao seu ouvido.

Theo não respondeu de imediato, estava de olhos fechados, sobre Sam.

– Eu não quero.

– Por que?

– Por que não.

– Por que nunca fiz? Me oriente, eu aprendo rápido.

– Você pode respeitar minha vontade?

Theo saiu de cima de Sam, se cobrindo com o lençol.

– Claro. Me desculpe.

Aqueles segundos silenciosos eram os mais desconfortáveis.

– Eu estraguei tudo, não foi? – Sam disse, também se cobrindo.

– Não, porque não é culpa sua.

– Pelo menos eu passei no desafio das tatuagens. – Sam tentava quebrar o clima pesado.

– Não passou, não.

– Por que não?

– Você esqueceu uma tatuagem, uma importante.

– Onde?

– No braço esquerdo.

Sam deslizou para o lado, inclinando-se sobre Theo, verificando seu braço esquerdo minuciosamente.

– Esses pássaros ao redor do coração?

– Não.

Continuou olhando atentamente, com a testa franzida.

– Eu falei destas rosas aqui embaixo.

– Não são as rosas.

– O que eu esqueci?

– A lemniscata.

Sam tomou seu pulso esquerdo, olhou o símbolo de perto.

– Claro, a lemniscata. Por que é importante?

– Porque me lembra você.

– Por que você fez essa tatuagem?

– Para continuar me lembrando de você, quando você tiver voltado para casa.

Sam beijou seu pulso, em cima da tatuagem.

– Eu também lembrarei de você sempre que me olhar no espelho sem camisa. – Sam disse, com a voz baixa.

– Por que?

– Minha tatuagem lembrará você.

– Como um verso bíblico pode ter a ver comigo?

– Eu escutei este verso na igreja, pouco antes de te encontrar naquele abrigo franciscano.

– Foi?

– Foi sim.

Sam saiu de cima de Theo, deitando-se ao seu lado.

– Para onde você foi? – Theo perguntou.

– Vou me vestir.

– Volte.

No meio da madrugada Theo ergueu-se assustada, sentando-se na beira da cama, acordando Sam.

– Vai ao banheiro? – Sam perguntou.

– Eu estou no treze? – Theo perguntou com confusão.

– Treze? Não, aqui é o… quarto 986. – Sam olhou no cartão em cima da mesinha. – Por que?

– Deixa para lá. – Theo voltou a se deitar, tinha ainda um semblante transtornado.

– Pesadelo?

– É, pesadelo.

***

Após um café da manhã regado à analgésicos e antibiótico, a viagem do dia se resumiu a subir a costa sul da Baia, e no início da noite chegaram numa cidade próxima do destino final: Feira de Santana.

Passariam a noite nas redondezas, mas antes de procurar algum abrigo, pararam o carro ao lado de um bar, para um lanche rápido antes de dormir.

– Quer ficar no carro? Não vou demorar. – Sam perguntou, já com o carro parado.

– Quero, não vejo a hora de tomar outro analgésico.

Sam saiu do carro, e foi até a janela do passageiro.

– Não está na hora ainda, você só pode tomar outro as nove. – Sam disse, tirando seu boné.

– Eu sei.

– Eu volto antes das nove.

– Espero que sim, senão vou te buscar.

– Não abra o carro ou a janela para ninguém.

– Mas nem…

– Nem para uma bela garota com segundas intenções. – Sam interrompeu, fazendo Theo rir.

– Eu ia falar nem se um sentinela aparecer, mas entendi.

Sam puxou Theo pela nuca, lhe dando um beijo.

– Já volto, recruta.

Sam entrou num grande bar, haviam mesas com jogos digitais e pessoas conversando em voz alta. Sentou-se junto ao balcão alto, e fez seu pedido. Enquanto aguardava, checou seu comunicador por mensagens de Lindsay, mas não havia nenhuma.

Chegariam a Salvador na manhã seguinte, imaginou como abordaria Igor e o que falaria para ele, para que topasse ajudá-las na busca. Daria em troca toda informação já obtida, inclusive a descoberta que o Grupo Archer estava por trás da fabricação do Beta-E. Para matar o tempo resolveu fazer uma pesquisa sobre o grande complexo farmacêutico, para reunir mais informações.

Navegava por informações e fotos sobre a Archer, estava absorta e não percebeu a aproximação de um jovem homem, que sentou-se ao seu lado, a fitando curioso.

– Tenente Samantha Cooper? – Ele disse, depois de limpar a garganta.

Sam ergueu a cabeça rapidamente, reconhecendo aquele rosto.

– Cabo Antunes? – Sam falou, incrédula.

– Ah Sam, para que formalidades? Você sempre me chamou de Nuno. – Ele respondeu sorridente, lhe dando um abraço.

– O que faz aqui?

– Estou de licença, vim ver meu filho que nasceu semana passada.

– Mas… Aqui no Brasil? Você não é de Lisboa?

– Minha esposa mora aqui com a mãe.

– Então você é pai? Que ótima notícia! Qual o nome?

– Pedro, um garotão lindo como a mãe. – Falou com um sorriso satisfeito.

– Que sortudo! – Sam riu.

– Mas e você? Está morando por estas terras?

Sam olhou receosa para os lados, verificando se alguém ouvia a conversa, e respondeu em voz baixa.

– Não, estou de passagem. Qual informação deram a vocês sobre minha ausência?

– Que você foi embora do quartel, que foi dispensada do serviço militar por motivo de saúde, e voltou para a Europa.

– É, eu tive que deixar o exército, mas tenho umas pendências para resolver no Brasil.

– Tratamento de saúde? Não seria melhor na Europa? Aqui é um pouco atrasado, não acha?

– Acho, mas a medicina que preciso está aqui.

– Quem diria, hein? – O rapaz ajeitou seu boné verde, que cobria uma cabeça raspada. – Eu soube o que aconteceu com Mike, sinto muito por vocês.

– Casais terminam, foi o melhor para nós dois.

– Vocês terminaram? – Ele a indagou confuso.

– Não era sobre isso que você estava falando?

– Não, eu me referia à expulsão dele do exército.

– Mike foi expulso?? – Sam ergueu as sobrancelhas, pasmada com a notícia.

– Parece que foi um acordo que o pai dele arranjou, esses são os boatos que correm por lá. Desculpe, eu não sabia que você…

– Não, tudo bem, nós terminamos antes dele me contar.

– Ele tem sorte de ter um pai coronel, se fosse um mero cabo como eu, sem costas quentes, estaria mofando na cadeia agora.

– Cadeia?

– É modo de falar. Ãhn…Você também não sabe sobre a operação?

– Não, não sei, que operação?

– O alto comando estava fazendo uma investigação já há meses, terminou faz uns dez dias, vários militares de várias patentes foram presos.

– Investigação do que?

– Tráfico de armas do exército.

Sam ergueu as sobrancelhas mais uma vez, mal podia acreditar no que ouvia.

– Mike estava traficando armas?

– Não sei o que ele fazia dentro da quadrilha. Desculpe o termo quadrilha, sei que você ainda deve ter apreço por ele.

– Tudo bem, sua sinceridade é bem-vinda. Mas o que aconteceu? Foram presos?

– Sim, quase todos continuam presos, mas Mike conseguiu trocar sua pena por uma expulsão, o pai dele, Coronel Philips, estava presente nas negociações, ele faz parte da junta jurídica do exército, mas isso você deve saber.

– Sim, eu sei, o pai dele é como um promotor, pelo menos tem estes poderes por lá.

– Tome moça, seu pedido: dois sanduíches, um com molho e um sem molho. – A garçonete colocou uma sacola parda sobre o balcão, à frente de Sam.

– Mike está com você? – Nuno perguntou.

– Não, estou com uma amiga. – Sam ainda estava um tanto zonza com as informações. – É difícil acreditar que Mike tenha feito parte disso, ele sempre foi tão dedicado com o serviço militar.

– Todos ficaram chocados no quartel, ninguém imaginava que um grupo de soldados honrosos estivessem vendendo armas para grupos rebeldes da Nova Capital.

– Da Nova Capital?

– Sim.

– Que ironia… – Sam balançou a cabeça, assimilando. – Eu encontrei com Mike dias atrás, achei que a licença finalmente havia saído, não suspeitei de nada.

– Que licença?

– A que ele pediu para vir para cá, me encontrar.

Nuno sorriu sem jeito.

– Sam, Mike nunca pediu licença alguma.

– Claro que pediu, em dezembro passado, quando larguei o exército.

– Você sabe que trabalho no setor pessoal, não sabe? Essas coisas sempre passam por mim, e não houve nenhum pedido de licença dele. Na verdade em março do ano passado ele pediu uma licença de dez dias para visitar a família, e foi prontamente atendido. Mas esta foi a única, não houve pedido em dezembro.

Mais um golpe para Sam naquela noite, já não sabia o que pensar sobre Mike depois destas revelações.

– Ele disse que havia pedido, mas estavam demorando para liberar… – Sam murmurou, cabisbaixa.

– As licenças não costumam demorar mais do que dois dias para serem aceitas.

Sam ficou em silêncio, encarando o pacote à sua frente.

– Desculpe estar enchendo você com estas notícias, no quartel todo mundo está achando que você sabia de tudo.

– Do envolvimento de Mike nesse crime? Não, de forma alguma! – Sam falou fitando Nuno.

– Bom, agora eu sei a verdade, posso esclarecer isso ao pessoal.

– Não, não fale que me encontrou, você pode manter esse nosso encontro em segredo? É importante para mim.

– Claro, fique tranquila, até porque te devo uma das grandes, serei eternamente grato por você ter me tirado daquele campo de batalha, com aqueles dois tiros que levei na perna eu levaria horas me arrastando dali, acabaria levando mais tiros.

Sam deu um esboço de sorriso, e colocou sua mão por cima da mão de Nuno.

– Estaremos quites se você não falar sobre hoje com ninguém. – Ela disse, tirando a mão em seguida.

– Você tem minha palavra. Eu preciso ir, falei para minha esposa que compraria fraldas e aproveitei para passar aqui para espairecer um pouco. Sam, eu não imaginava que fosse tão cansativo tomar conta de um bebê.

– Parabéns pelo Pedro, que cresça com saúde e se torne um bom homem como você.

O cabo foi embora e um bip em seu comunicador a despertou, era uma mensagem de Lindsay.

“Estou exausta hoje, ligo para você amanhã.”

Sam fechou a mensagem, e a pesquisa que estava fazendo sobre o grupo Archer voltou a aparecer na tela, estava prestes a correr seu dedo por cima o desligando, mas a imagem na tela chamou sua atenção. Olhou mais de perto, e ampliou a foto que aparecia num espaço da empresa.

– Não pode ser… – Sam balbuciou com perplexidade, boquiaberta.

Ampliou um pouco mais a foto, onde apareciam dezenas de funcionários do grupo, estavam numa festa de confraternização da empresa. Entre todos aqueles rostos, havia reconhecido um dos funcionários.

– Theo.

Aviltante: adj.: que avilta, que desonra, que humilha; aviltador, aviltoso.

 

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16 comentários Adicione o seu
  1. Quanta informação nova nesse capítulo!
    Então quer dizer que o Mike é pior do que imaginávamos? E a Theo tem algumas contas a prestar. Caramba, eu sabia que ela tava escpndendo informações, nunca imaginei que ela pudesse trabalhar com a produção do beta-e…
    Gostei das tatuagens da Theo e entendo porque ela não quis nada com a Sam durante a noite, afinal, fazer sexo sob o efeito de drogas não deve ser uma das melhores lembranças dela.
    Cris, você e seus suspenses de final de capítulo! Volte logo para satisfazer a nossa curiosidade sobre a Theo, e para aguçá-la em outros pontos, como sempe faz, um capítulo após o outro hahaha

    abraços

  2. Aqui estamos mais uma vez. ..eu acabada da faculdade. Mas resolvi ler pq vc é uma ótima amiga! !!;)

    Adorei esse capítulo tb!!
    Theo ainda tem seua traumas c q lhe toquem. Pq comp ela disse. Posso amar, mas confiar. A confiança se constroe e se vc teve traumas, demora mais…
    Mike, ja sabia sobre isso….ela tava dando mt desculpa ainda mais pro posto q segundo ele,o haviam derivado.Sabia q tava em algo estranho e q qndo foi ver Sam era pq tinha acontecido algo errado, mas n disse pq n tinha certeza né. .
    Theo é do grupo esse…algo tenebroso ela tava tb…rrs.Prs.Por algo o pai dela a vendeu né. …EEla valia mt….aAgora temos q ver o q Sam vai achar. ..mMelhor contar pra ela ou sera q vai desconfiar dela??
    Saberemos pq finalmente é esse beta E?
    Se cuida, beijos

    1. Hola, que tal? (como que se faz o ponto de interrogação invertido?)
      A menina tem traumas, vários, de todos os tamanhos e tipos, e às vezes uma expressão, uma palavra, desperta algo ruim dentro dela. Ela está se mantendo forte por Sam, mas até quando vai durar essa força? (Eu estou perguntando meio que retoricamente pq sei exatamente quando ela vai desmoronar hehe).
      Como visto no capítulo seguinte, Sam não reagiu nada bem ao segredinho dela, e quando digo não reagir bem estou usando um eufemismo.. rs
      Beijos e obrigada!

  3. Então chegamos em fevereiro é no dia 13 desse mês que ocorre a cena descrita no primeiro capitulo medo qual das duas estará morrendo no hospital eu aposto na Sam

    1. Não me atentei a esse detalhe. Isso mostra que estamos quase no final? Só Cris p/ saber.

      Acabei lendo novamente o inicio do primeiro capitulo. Aposto em Theo morrendo e Sam esperando a resposta.

      1. Mais um voto computado, agora em Theo.
        Bom, eu sei que deveria saber se falta muito para terminar ou não, mas nem eu sei direito, porque toda hora enfio cena nova.
        Mas assim, estou escrevendo o cap 37 no momento, acho que vai até o 43.

  4. Ahh… aguardava ansiosa esse momento de descrição das tattoos da Theo. Que linda ela tem uma Pin Up, infelizmente essa mulher não existe mesmo kkkk
    Mas a minha preferida ainda é a lemniscata, foi a que acompanhamos, foi pra Sam… ( E eu tenho tb!! 😛 )

    Sobre o final, será que iremos passar da fase “Todo mundo odeia a Sam” para “Todo mundo vai odiar a Theo”

    Coitada da Sam.

    1. Vá me desculpando, fiquei curiosa e fui “fuçar” teu perfil atrás da tattoo da lemniscata, e achei! É na perna, perto do tornozelo, né? É tipo uma aliança? Achei fofinha! E desculpe novamente minha pesquisa…
      Por que todos odiariam Theo? Gosto de ouvir as especulações, às vezes vocês acertam na mosca.
      Obrigada, beijos!

  5. O fim vem se aproximando, e as revelações surgindo, vem mais bombas pela frente, vai se preparando.
    Eu não faço ideia se essas tatuagens, juntas num só lugar, combinam, espero que não tenha ficado um carnaval nos braços da menina… rs
    Ah, eu adoro terminar capítulos assim, com ansiedade é mais legal, não acha? Não? Ok. 😉
    Obrigada, bjos!

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