Capítulo 7 – Retrouvaille

Capítulo 7 – Retrouvaille

Sam ficou muda por alguns segundos. Uma sensação intensa a arrebatara.

– Senhora Samantha?

– Acordou do coma? – Perguntou, incrédula.

– Sim, na verdade ela provavelmente está agora num grau moderado de coma.

– Estou indo para aí.

– Não é necessário, ela já voltou a dormir, ficou apenas alguns instantes acordada, sem interações.

– Não importa, estou indo. Obrigada por ligar. – Falou já desligando o comunicador.

Levantou-se rapidamente, trocou-se fazendo barulhos e aos tropeços, ao sair do quarto Mike surgiu coçando os olhos.

– O que aconteceu? Algo com Theo?

– Ela acordou, estou indo para lá.

– Acordou? Tipo, como se nada tivesse acontecido?

– Não, apenas acordou, agora está num outro estado de coma, algo assim, estou indo lá para saber melhor.

– Quer que eu vá com você?

– Não precisa, volte a dormir. – Sam falou já saindo na direção da porta.

***

– Senhora, como lhe avisei pelo telefone, ela voltou a dormir, amanhã o neuro irá examiná-la, nestes casos é comum que o paciente volte a dormir. – Disse o enfermeiro que havia ligado, na recepção.

– Tudo bem, quero passar o restante da noite aqui, ok?

– Claro, fique à vontade.

Sam entrou no quarto, onde apenas uma luz fraca sobre a cabeceira da cama iluminava pobremente o ambiente. Não havia mudanças aparentes no quadro dela, parecia dormir profundamente, alheia a este mundo.

– Quer dizer que você resolveu me ouvir. – Sam disse, ao seu lado, sorridente.

Ajeitou o tubo que saia de sua boca, e os esparadrapos que seguravam todo o aparato azul e branco.

– Não se apresse, eu já falei várias vezes e repito, terei toda paciência do mundo, estarei aqui todos os dias, e um dia te levarei para casa. Sim, isso é uma ameaça. – Ela riu, e sentou-se no sofá.

Com o passar silencioso das horas, Sam adormeceu, acordando na manhã seguinte, com a entrada de Doutor Franco.

– Duas dorminhocas. – Brincou o médico, se aproximando do leito.

– Ãhn… Bom dia. – Sam respondeu, desnorteada.

– Fiquei sabendo que alguém cansou dessa cama e acordou durante a madrugada. – Ele falou, nos pés da cama.

– O enfermeiro me ligou, disse que ela havia acordado, que estava num outro grau de coma agora, é isso?

– Também não sei exatamente o que aconteceu, soube pelo prontuário que ela acordou as três da manhã, abriu os olhos e mexeu a cabeça. Isso é bom, muito bom. – Doutor Franco disse.

– Ela deve estar agora em um coma moderado, mas só saberemos com o passar dos dias, e as possíveis reações dela. – Complementou.

– Mas ela acordou, não é? Oficialmente ela saiu do estado vegetativo?

– Acredito que sim, observe. – Ele levantou o cobertor, descobrindo seus pés, e o espetou com uma agulha de seringa.

– Ela agora reage. – Falou, com um meio sorriso, ao ver Theo mexendo o pé de forma brusca.

Sam levantou-se, prostrando-se ao lado, ansiosa.

– O que podemos esperar agora? – Ela perguntou, fascinada.

– Ela deve ter outras reações nos próximos dias, talvez volte a abrir os olhos, vamos acompanhar tudo que acontecer para reavaliá-la na escala Glasgow, mas baseada no que nos foi relatado, ela já deve ter subido uns cinco pontos.

– Em breve será possível desentubá-la, não? – Sam perguntou, animada.

– Vamos com calma, a abertura dos olhos sob estímulo verbal já seria uma grande vitória para ela, a autonomia respiratória é mais complexa, não podemos arriscar agora. – O médico disse.

– Meu Deus, ela acordou mesmo. – Sam falava eufórica, com as mãos cobrindo a boca.

– Tudo tende a melhorar agora. – O médico também parecia radiante.

Alguns exames depois, e novamente Sam estava sozinha no quarto, mandou mensagem para Letícia dando a boa nova.

“Eu soube!!! Estou esperando terminar meu plantão para ir até vocês. Pergunte à Theo se ela quer café com ou sem creme.” – Letícia respondeu.

Letícia passou a maior parte do dia na UTI, Daniela visitou por algumas horas, e alguns colegas de faculdade também a visitaram, mas Theo continuava desacordada.

A noitinha, Letícia despediu-se delas.

– Sam, estou com plantão emendado, preciso ir para casa dormir, mas estarei à disposição qualquer hora, ok? – Letícia a abraçou.

– Eu sei, obrigada. Letícia, posso te perguntar uma coisa?

– Sim?

– Como Theo te chamava, Letícia mesmo?

– Lê. Você também pode me chamar assim se quiser.

– Ok. Lê. Ah, outra coisa. Você sabe a senha do comunicador dela?

Letícia a olhou a analisando.

– Para que você quer a senha?

– Curiosidade.

– Acho melhor você não mexer nisso.

– Por que?

– Porque você não vai gostar do que vai ver.

Sam arregalou os olhos.

– O que tem lá dentro?

– Coisas que te chocariam por um mês.

– Ela gravava cenas íntimas com as namoradas?

– Não. Quer dizer, não que eu saiba. Bom, há alguns anos alguém conseguiu roubar as fotos do comunicador dela, e espalharam na rede fotos de Theo e Janet… Você sabe… Juntas… Na cama.

– Fazendo sexo?

– Digamos que sim. Foi um escândalo, a imprensa caiu em cima delas, então Theo aprendeu a lição e nunca mais tirou fotos assim.

– Então não tem nada de mais lá.

– Não dela. Sam, o comunicador dela é repleto de pornografia, você que é uma moça religiosa, um tanto quadrada, e conservadora, pode se assustar.

– Não sou assim.

– Ok, ok… É o nome do cachorro. Boa sorte. – Disse e saiu pela porta.

– Hey, espera! – Sam saiu pelo corredor atrás dela.

– O que foi?

– Eu não sei o nome do cachorro.

– E como você tem o chamado?

– Eu o chamo de Theozinho.

Letícia riu.

– O nome é Levon. A propósito, parece que você não dormiu muito também, acho que deveria ir para casa repor as energias.

– Eu vim para cá as três da madrugada, mas vou comprar energético.

– Sam, ela não vai acordar tão cedo, vá dormir, volte renovada amanhã.

– Talvez.

Sam retornou ao quarto, diminuiu as luzes e sentou-se ao lado do leito, tomando a mão de Theo e colocando em seu rosto.

– Não tenha pressa, vai ficar tudo bem, você já acordou, seu cérebro voltou a funcionar. – Sam beijou a palma de sua mão. – Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida, você voltou… Não vejo a hora de levar você para casa.

Ficou mais alguns instantes ao seu lado, e levantou-se.

– Eu vou seguir o conselho de Letícia, vou embora dormir um pouco, porque esse sofá é péssimo, amanhã de manhã estarei por aqui. – Correu seus dedos pelo rosto de Theo. – Esqueci de colocar música para você hoje, quer ouvir agora? Vou colocar um pouco antes de ir.

Sam ligou o comunicador e foi ao banheiro. Saiu de lá com preguiça, interrompeu o bocejo ao ver Theo de olhos abertos, lhe trazendo um sorriso de lado a lado.

Aproximou-se sem conseguir diminuir o sorriso e a euforia ao vê-la assim, incrédula.

– Oi, Theo. – O coração de Sam pulava em seu peito.

Theo não tinha reação, apenas mudava o direcionamento do foco do seu olhar de vez em quando.

– Meu Deus, como é bom ver todo esse azul de novo… – Sam já estava com os olhos molhados.

– Eu senti tanta falta disso. Foi a música? – Sam se dava conta que tocava Morning Mood de Grieg no comunicador. – É a música que eu costumava te acordar, e deu certo!

Sam voltou a tomar sua mão e pousar em seu rosto.

– Eu não sei se você já consegue entender algo, mas saiba que estou ao seu lado o tempo todo, e nunca sairei daqui, prometo te dar certeza física todos os dias, você está segura aqui.

Theo permaneceu de olhos abertos por mais alguns minutos, voltando a adormecer. Sam mudou de ideia, e passou a noite no sofá cinza.

Acordou cedo, desceu para o café, e voltou rapidamente para o quarto, estava esfuziante.

– Bom, dia recruta! – Sam a cumprimentou ao entrar no quarto, ainda bebendo um copo de café.

Para sua surpresa, Theo abriu os olhos com o cumprimento.

– Ah, então você me ouve? Bom saber.

Sam abriu novamente um sorriso, e lhe deu um beijo na testa.

– Se você estivesse sem esse tubo na boca, eu lhe ofereceria meu café. – Sam brincou, segurando sua mão.

Naquele dia Theo voltou a abrir os olhos mais algumas vezes, Sam sabia que era o início de sua recuperação, um longo caminho onde a paciência se tornaria a peça chave estava se abrindo à sua frente. No dia seguinte ela passou por uma bateria de exames, o médico estava prudentemente otimista, a atividade cerebral agora era infinitamente maior que antes, ela respondia visualmente à quase todos estímulos sonoros, várias áreas do cérebro pareciam trabalhar de forma ordenada.

Dois dias depois e Sam estava exaurida, havia dormido as últimas noites no hospital, desde que Theo havia acordado. Ia até a mansão apenas para tomar banho e dar notícias aos funcionários.

No início da noite, tentava achar algo para espantar o sono, enquanto bebia seu quarto café. Tomou o comunicador de Theo, que havia trazido, e resolveu desbravá-lo.

– Levon.

O fundo era uma foto do cachorro que dava nome à senha, usando um laço vermelho.

– Mas você não é um menino? Quem botou esse laço em você? – Sam murmurou sozinha.

Respirou fundo e acessou as fotos, passava uma a uma, boquiaberta, eram várias fotos de mulheres nuas.

– Que pouca vergonha… – Resmungou.

– Jesus, Maria, José, e o camelo! – Exclamou ao ver fotos de sexo explícito, mas continuou vendo uma a uma, atenciosamente.

– Isso é possível? – Franziu a testa com uma foto onde duas mulheres faziam uma posição invertida na cama, com os rostos em seus sexos. – Até que é uma boa ideia, tudo ao mesmo tempo…

– Será que o nome disso também é fio terra? – Sam olhava de perto uma foto com uso de dildos. – Não, essas coisas devem ter outros nomes.

Via agora uma imagem de uma mulher usando um strapon, voltou a arregalar os olhos.

– Por que elas usam isso ao invés de fazer sexo com homens? – Sam exclamava. – Onde será que vendem isso?

– Três?? Ok, chega de pornografia por hoje. – Sam largou a aparelho na mesa ao lado, foi até a cama e sentou-se na cadeira ao lado, tomando sua mão e entrelaçando os dedos. A fitou demoradamente, estava cansada, mas as fotos haviam a acendido.

– Era tão bom… – Sam a encarava nostálgica, Theo estava acordada, com o olhar focado na direção de Sam. – Eu sinto falta de fazer amor com você.

– Mas tudo tem seu tempo, não devo pensar nisso agora. – Ela continuou. – Eu nem sei se você realmente está aí dentro, não sei onde você está agora. Sinto falta de nossas conversas, eu aprendi muito com você. E é bem melhor falar com você acordada, mesmo que você não esteja aqui, mas parece até que você me ouve e me entende.

Theo apertou a mão de Sam, sem muita força.

– Theo?? O que foi isso?

Sam a fitava espantada.

– Você me ouve?

Novamente Sam teve sua mão apertada.

– Você me entende?

Mais um aperto.

– Meu Deus, você está aí! – Sam mal podia acreditar. – Você está aí, e me entende!

– Você consegue se comunicar? Entende claramente tudo que falo? Desde quando está aí? Ok, ok, não quero te agitar. – Sam esfregou as mãos no rosto. – Você deve estar numa confusão danada aí dentro, uma coisa de cada vez.

Sam respirou fundo, estava num grande contentamento e euforia.

– Vamos de novo. – Sam voltou a segurar sua mão, Theo continuava olhando na direção de onde vinha a voz.

– Você entende tudo que eu falo?

Nada aconteceu.

– Você entende apenas algumas coisas que eu falo?

Theo apertou sua mão.

– Ótimo, já está ótimo. Jesus Cristo, eu não acredito nisso, você está se comunicando comigo! Theo, nós estamos conversando! Ok, vamos com calma. Você sabe onde está?

Um aperto.

– Sabe o que aconteceu com você?

Nada.

– Tudo bem, apenas saiba que você ficou seis semanas em coma, acordou há quatro dias, e vai ficar tudo bem, logo você vai para casa, a sua casa.

Sam beijou sua mão, animada.

– Cada evolução sua é uma vitória tão grande… Eu tenho certeza que você vai superar isso, que terá uma vida normal, acredite também.

Um aperto.

– Que bom. – Sam lançou um olhar no vazio, sem saber o que perguntar a seguir. Resolveu fazer a pergunta que mais temia a resposta.

– Theo, você sabe quem eu sou?

Um aperto.

– Meu nome é Letícia?

Nada.

– Lindsay?

Nada.

– Evelyn?

Nada.

– Samantha?

Um aperto, e Sam abriu um sorriso enorme.

– E você me chama de Sammy?

Nada.

– Sam?

Um aperto.

– Desculpe, eu precisava ter certeza. – Sam disse, rindo. – Ok, já que sabemos que você não perdeu a memória, vamos deixar as coisas claras. Você está segura aqui, Claire armou um sistema de segurança, e tudo é controlado. Eu tenho estado aqui com você todos os dias, tenho esperado ansiosamente por ver você acordada e se comunicando, você evoluiu muito nos últimos dias.

– E prometo tentar refrear meu ímpeto de te encher de perguntas e informações. – Sam completou. – Continua me ouvindo?

Um aperto.

– Sente alguma dor?

Um aperto.

– Onde?

Nada.

– Claro, você não tem como responder perguntas complexas. Dor de cabeça?

Nada.

– Dor no peito?

Nada.

– Dor nas pernas?

Nada.

Dor nos braços?

Nada.

– Mãos?

Um aperto.

– Essa mão? – Sam apertou sua mão direita, suavemente.

Nada.

– A outra mão?

Um aperto.

Sam olhou tristemente para a prótese que havia no lugar da mão, não teve coragem de contar do ocorrido.

– Eu vou pedir analgésico para isso, ok? Como está aí dentro da sua cabecinha, está confuso?

Um aperto.

– Eu imagino que sim. Mas tudo vai se ajeitar com o tempo.

Minutos depois a enfermeira ministrou alguns medicamentos, e Theo voltou a dormir.

No dia seguinte, Sam foi chamada para conversar com Doutor Franco.

– Você não está a agitando, está? – Ele perguntou.

– Ãhn, espero que não. Quando percebo que ela está cansada, paro de falar e perguntar coisas.

– A consciência dela no momento é uma grande nebulosa, ela não consegue processar tudo que chega até ela, então tente deixá-la tranquila a maior parte do tempo. Não precisa parar de falar, é bom esse estímulo, mas não a sobrecarregue, ela pode ter novas convulsões, como a da noite passada.

– Ela teve uma convulsão? – Sam o olhou assustada.

– Sim, de madrugada, os enfermeiros agiram rápido a medicando, acho que você não chegou a acordar.

– Não, não vi nada, eu estava com muito sono atrasado, tomei um remédio para dormir. Mas ela está bem?

– As convulsões debilitam, ela está um tanto grogue hoje, por isso é bom deixá-la quietinha por enquanto. Bom, mas chamei você aqui para comunicar uma coisa.

– Sim?

– Vamos tirar o respirador hoje à tarde, acreditamos que ela já tenha capacidade de respirar sozinha.

– Isso é ótimo!

– Ela terá mais liberdade e independência, começará a se alimentar via oral, mas provavelmente não conseguirá falar.

– Compreendo.

– Então, minha cara tagarela, nada de incentivá-la a falar, ok?

– Não farei isso.

– Ela vai tentar, e vai ficar nervosa por não conseguir, você terá o papel de acalmá-la, e incentivá-la a se comunicar de outras formas.

– Certo.

– Vamos torcer para que ela consiga respirar por conta própria, senão teremos que recolocá-la na máquina. Preciso de você aqui a tarde, não podemos sedá-la totalmente, então talvez ela se agite com o procedimento de retirada do tubo, esteja ao seu lado, a tranquilize.

– Darei certeza física.

– O que?

– Estarei ao lado, a tranquilizando.

– Ok, só mais uma coisa.

– Sim?

– No final da tarde você vai embora, e só vai voltar aqui depois de ter dormido por doze horas seguidas, na sua cama.

– Isso é uma prescrição?

– É sim, e é bom segui-la à risca.

– Tentarei.

No meio da tarde o procedimento foi executado, Theo debateu-se um pouco, mas sua respiração voltou ao normal rapidamente, ela estava finalmente livre do tubo em sua boca, usava agora apenas uma máscara de oxigênio. Os sedativos a fizeram dormir logo em seguida, Sam seguiu a recomendação do médico, e foi para a mansão dormir.

– Ah, finalmente lembrou o caminho de casa! – Mike a recepcionou ao pé da escada.

– É, aquele sofá está acabando com minhas costas, que já não eram grande coisa.

– Vou está acabando com sua saúde, sabia disso? Não adianta nada essa devoção com Theo, se você perder sua saúde.

Sam coçou os olhos, com sono, pensou um pouco antes de responder.

– Mike, hoje antes de vir para cá, eu me despedi de Theo com um beijo em seu rosto, e disse que a amava. Ela sorriu quando eu falei, e da última vez que eu a vi sorrindo, um coração artificial ainda batia dentro do meu peito. Você nunca vai entender o que isso significa, não é devoção, é amor.

– Ela já está falando?

– Isso vai demorar um pouco, mas não tenha dúvida que acontecerá algum dia.

– Amanhã irei com você ao hospital, quero dar um oi à Theo.

– Ok, nos falamos amanhã. – Sam evitou o elevador e subiu as escadas até seu quarto.

Evitou também a hidrometa, que não foi preciso, dormiu rapidamente, só acordando com o sol já alto. Tomou café conversando com Marcy e Levon.

– Theozinho, agora sei seu nome, é Levon, mas pare de usar coisas de menina, porque você é um menino. – O cachorro estava sentado ao seu lado, a olhando.

– Você não sabia o nome dele? – Marcy perguntou.

– Não. – Sam sorriu. – Ainda tenho muito o que aprender.

– Quando ela vem?

– Calma, Marcy, ela acabou de acordar, ainda oscila os momentos de consciência, às vezes ela se desliga e leva horas para voltar à lucidez. Sem contar as inúmeras sequelas que estão sendo percebidas, ela perdeu parcialmente o movimento no lado esquerdo.

– Ela vai voltar a andar?

– Não tão cedo.

– Será que ela lembra de mim?

– É bem provável que sim, já que ela lembra de mim, que estou há pouco tempo na vida dela.

– Você está indo agora para o hospital? – Mike perguntou ao entrar na cozinha.

– Estou, e de alma renovada. – Sam dizia com animação.

Sam e Mike entraram na UTI, Theo estava acordada, ouvia a tela à sua frente.

– Bom dia, recruta. – Sam disse lhe dando um beijo no rosto, Theo usava uma máscara de oxigênio. – Dormiu bem?

Theo balançou a cabeça de forma afirmativa.

– Que bom, eu também dormi como uma pluma, você me deu o melhor boa noite do mundo com aquele sorriso ontem. – Sam arrancou outro sorriso de Theo.

– Bom dia, Theo, lembra de mim? – A voz de Mike ressoou no quarto, tirando o sorriso do rosto de Theo.

– Mike veio te visitar. – Sam disse, tomando a mão de Theo, ao perceber seu estado de tensão.

Theo tirou sua mão, retesando seu corpo, parecia em pânico.

– Hey, calma, Mike apenas veio te ver, ele não vai fazer nada, está tudo bem. – Sam a acalmou, tomando novamente sua mão.

– Passado é passado, eu já deixei nossas desavenças para trás. – Mike disse, se aproximando.

Theo tentou falar algo, mas não saia voz alguma.

– Amor, fique calma, não tente falar, Mike cuidou de mim depois do transplante, ele tem sido um amigo. Ele soube da sua melhora e quis te ver.

Aos poucos Theo voltava ao normal, a agitação havia passado, Sam continuava segurando sua mão com ambas as mãos.

– Seremos bons amigos, ok? – Mike dizia, sorridente. – Estou orando por sua melhora, e que você possa voltar logo para sua casa, para morar conosco.

Novamente Theo se agitou, agora com mais vigor, Sam apertou o botão chamando auxílio.

– Tem algo para deixá-la tranquila? – Sam perguntou à enfermeira.

– Aconteceu algo?

– Não, ela só está um pouco agitada.

– Já volto.

Mike gesticulou para que Sam o deixasse se aproximar mais.

– Escute, está tudo bem, ninguém mais vai machucar ninguém, combinado? – Mike tomou a mão de Theo, que encarava o vazio em sua direção, tensa.

– Não precisa ter medo de nada. – Sam corroborou. – Mike está morando comigo porque me faz companhia, Lindsay veio me visitar duas vezes, mas não pode ficar muito tempo por causa da família.

– Já que Sam está cuidando de você, ela precisa de alguém cuidando dela, não acha? – Mike disse.

Theo não teve reação, a enfermeira lhe aplicou medicação, a sedando.

– Melhor você ir, Mike, não é bom ficar faltando ao novo emprego.

– Isso não é problema, o pessoal na Archer já me adora. – Mike brincou.

Sam despediu-se do ex-noivo, e sentou-se ao lado de Theo, que dormia.

– Desculpe, eu deveria ter contado antes. – Sam acariciava seus cabelos.

Sam foi dormir em casa naquela noite também, e chegou no hospital no outro dia com novo aparato.

– Bom dia, recruta. Trouxe algo para você hoje. – Sam disse, lhe beijando a testa.

Elevou o encosto da cama, a deixando quase sentada, colocou uma pequena tela sobre a cama, ao lado dela, tomou sua mão e colocou em cima.

– Amor, isso é uma tela, você pode tentar escrever, já que sua mão está funcionando bem.

Theo tateou toda a tela, com as sobrancelhas baixadas.

– Que tentar? Já está tudo preparado, é só correr os dedos.

Theo tateou um pouco mais, fechou a mão deixando apenas o indicador ainda erguido.

“Oi.” – Escreveu lentamente.

– Oi para você também, meu anjo. – Sam respondeu com um sorriso largo. – Quer tentar escrever seu nome?

Letra a letra, com dificuldade, um “Theo” um tanto torto foi surgindo na tela.

– Garota, você está melhor do que eu imaginava, vou pedir sua alta hoje. – Sam disse.

“Hoje?” – Theo escreveu.

– Não, eu estava brincando, você vai ficar mais alguns dias por aqui, ok? Seu estado ainda é delicado, seus pulmões estão dando alguns sustos.

“Dor.”

– Onde você sente dor?

“Mão”

– A mão esquerda?

Theo balançou positivamente a cabeça.

– Você lembra tudo que aconteceu com sua mão? – Sam entrava devagar nesse assunto.

Theo assentiu que sim.

– Sua mão piorou muito, uma infecção horrível acometeu você por conta da sua mão. Seus órgãos começaram a falhar, os médicos estavam pessimistas, achavam que você morreria logo se nada fosse feito…

Antes que Sam continuasse falando, Theo conseguiu subir sua mão esquerda para cima do peito, e a tocou com a mão direita, entrando em desespero instantâneo.

– Hey, acalme-se! – Sam tentava em vão diminuir sua agitação.

Theo continuava tateando sua mão artificial, se dando conta que havia sido amputada, estava com um semblante transtornado.

– Theo! Escute! Os médicos não tiveram alternativa, você morreria em 72 horas se não removessem a origem da infecção, você consegue entender? E mesmo que você continuasse com sua mão, ela não era mais funcional, o estrago foi grande demais.

O semblante de Theo passou de puro transtorno para tristeza, começava a assimilar.

Sam estava com o coração em frangalhos ao vê-la daquele jeito, por reação instintiva a abraçou. Theo retribuiu o abraço, e começou a chorar.

– Não chore… Aos poucos os movimentos na sua mão voltarão, colocaram uma ótima prótese em você. – Sam corria as mãos por suas costas, apesar da tristeza por ver Theo assim, ela sentiu um calor agradável por poder abraçá-la novamente.

Theo desprendeu-se do abraço, enxugou o rosto com a mão direita, com dificuldade. Seus movimentos se limitavam ao braço direito e à cabeça, mas sempre devagar, como se estivesse permanentemente dopada.

– É mais uma coisa que vamos superar juntas, ok? – Sam acariciava sua mão artificial. – Sente isso?

Theo balançou a cabeça positivamente, ainda chorando e fungando.

– Bem-vinda ao time dos Borgs. – Sam tentou brincar, Theo deu um sorriso torto, e tentou tirar a máscara de seu rosto.

– Melhor deixar aí.

Theo insistiu, baixando a máscara, tentava enxugar o nariz.

– Ah, espera, eu te ajudo.

Sam correu ao banheiro e trouxe papel toalha, a ajudando a enxugar o nariz.

– Pronto, se quiser mais tem aqui. Posso subir a máscara?

Theo negou.

– Ok, se você está respirando bem, fique um pouco sem ela.

Theo voltou a tatear sua mão mecânica, agora sem pressa, mas ainda com semblante devastado.

– Eu não queria que tivessem feito isso. – Sam falava num tom confortável. – Mas não tivemos escolha, era isso ou a infecção tomaria conta de você em definitivo. Bom, disso você deve entender, você estudava medicina, não é?

Theo olhou na direção de Sam, e assentiu com a cabeça.

– Você enxerga algo? Claridade?

Theo negou, repousou a cabeça no travesseiro, e começou a franzir a testa com uma expressão de dor.

– O que foi? – Sam perguntou preocupada.

Theo agora fechava os olhos com força, e trincava os dentes. Esticou os dedos da mão, e começou a tremer.

– Theo, o que está acontecendo?

Sam chamou auxílio, a enfermeira deu uma olhada rápida e saiu correndo, voltou com outra enfermeira e medicação. Theo tremia vigorosamente, afastaram Sam de perto da cama.

– O que está acontecendo?

– Uma convulsão, afaste-se. – Ela segurava Theo pelos ombros, enquanto a outra aplicava as medicações.

Finalmente Theo apagou, uma das enfermeiras baixou a cabeceira da sua cama, e colocou a máscara de oxigênio de volta em seu rosto.

– Ela se agitou? – Indagou a Sam, que assistia a tudo em choque.

– Sim, ela descobriu que perdeu a mão.

– Ela passará o dia dormindo ou grogue. – Entregou a tela à Sam. – Não a faça se comunicar hoje.

– Não farei, vou deixá-la descansando.

Theo acordou no final da tarde, Sam dormia desajeitadamente no sofá, quando acordou a viu de olhos abertos, mas com um olhar vazio e estático num ponto qualquer.

– Oi amor, você está bem? – Sam aproximou-se, esfregando a mão no rosto.

Não houve nenhuma reação.

– Você deu uma saidinha, não é? Amanhã deve estar de volta.

Recebeu uma mensagem no comunicador, era Letícia convidando para sair à noite. Aceitou o convite e foi para casa tomar um banho, Theo voltara a dormir.

– Onde você vai? – Mike perguntou ao vê-la na cozinha, já de banho tomado e razoavelmente arrumada.

– Vou sair com Letícia e Daniela, espairecer um pouquinho. – Sam tomava um copo com suco próximo à geladeira.

– Posso ir com você? Também estou precisando respirar outros ares, trabalhei feito um condenado essa semana.

Sam hesitou enquanto tomava o último gole.

– Ok, mas sairei em vinte minutos.

– Estarei pronto em quinze.

 

Retrouvaille: s.f. (francês): Prazer de reencontrar alguém após uma separação. Redescoberta.

8 comentários Adicione o seu
  1. Amanha tenho que fazer uma prova para um concurso. É em outra cidade, terei que acordar muito cedo, eu deveria estar dormindo tranquilamente. Mas estou aqui me perguntado se Samantha tem algum tipo de demencia.
    Pq nao é possivel uma pessoa mentalmente saudavel pensar que levar o ex noivo pra visitar uma Theodora recem saida de um coma, sabendo que a mesma o odeia e tem medo dele seria bom.

    E ela o colocar pra trabalhar na empresa, que desculpa, mas nao é dela… Ela ta tomando de conta enquanto Theodora nao pode, mas se eu te deixo usar meu carro isso nao quer dizer que ele é seu.

    Elias ta vivo e deixou claro que tinha inveja do irmao. Com Mike la dentro, fazendo amizade com o povinho que é do mau.. Se junta com o Elias, pq Mike ja se mostrou ambicioso e bem animadinho com a fortuna da Theodora.
    Pois é, se juntam e cagam tudo bem embaixo do nariz da Samantha.

    1. Diin, já que vc tem uma prova importante, vou te dar alguns spoilers.
      Sam é meio sem noção às vezes, e na cabecinha dela, Mike não é má pessoa, já que ela viveu com ele e confiou por 8 anos, ela não consegue acreditar que Mike é um babaca.
      Mais a frente, ambas expulsarão Mike de casa, de maneira nada honrosa, vocês vão ficar felizes, acredito eu.
      Mike se unirá à outra maçã podre sim, mas não posso revelar quem.
      Sam aprenderá que Mike é um monstro sentindo isso na própria pele, infelizmente.
      Elas vão ficar bem, e sem Mike por perto, prometo.
      Faça sua prova descansada e tranquilinha, ok?
      Bjos, obrigada pela conversa 😉

  2. OMG! OMG! OMG! Eu tenho prova amanhã, e não consegui desgrudar meus olhos da tela do computador, a cada clique para mudar de capítulo meu coração parava. Eu chorei, entrei aos prantos ao ler as últimas linhas, mas me acalmei ao perceber que terá continuação. Theo&Sam estão cravadas em meu coração, nunca tinha me apegado tanto à personagens. Cris, você está de parabéns, história incrível, merece livro, eu iria comprar trocentos e distribuir para os amigos. Só tenho a te agradecer; Minha vida amorosa está uma destruição, e com tudo que li e vivi com essas duas personagens maravilhosas, a chama na esperança reacendeu. E me fez acreditar que o amor ainda pode chegar. Grande abraço.

  3. Sam só pode ser uma anta, pq é muita falta de noção. Eu fiquei aflita só com a aproximação de Mike, em um momento que Theo está mais indefesa e a reação dela de desconforto foi evidente, mas Sam é a cega da estória.aff.

  4. Ah então.. Paciência com a Sam, ela sofreu muito Gaslighting e ainda não enxerga o Mike como uma pessoa má. Digamos que está mais para inocente do que para cega. 😀

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