Capítulo 55 – Traquejo

Capítulo 55 – Traquejo

 

Stefan abria os arquivos do flash drive um por um, já estava sentado na cama, ao lado de Theo, que também lia tudo atentamente na tela.

– Por falar em terceiro olho, você sabe onde fica o terceiro olho? – Theo perguntou em tom zombeteiro.

– Ãhn?

– Sabe onde fica o terceiro olho, não sabe?

– Na testa?

– Não. – Theo começou a rir. – O terceiro olho é o…

– Ok, eu entendi, esqueça o terceiro olho. Olhe esta planilha, tem a relação dos 14 clones, com dados técnicos. Inclusive seus dados.

Theo se aproximou da tela, lendo atentamente.

– Número 13. Eu nasci com 3,2Kg. Nasci bem, né?

– Veja as observações, tem a relação das anomalias percebidas, em todas elas.

– Número 13. DNA com falhas (clique para ler os alelos defeituosos). Eu não quero ler não. O que mais… Hum. Coagulação deficiente. Má formação de órgãos vitais (clique para ler a relação dos órgãos falhos), possíveis problemas de fala e audição. Baixa resposta a estímulos externos, oxigenação baixa, possível paralisia cerebral. Considerar descarte total. Que horror! Queriam me descartar, Stef!

– E você está aqui, viva e zombando do seu prognóstico.

– Estou deprimida. Continue lendo, vou buscar chocolate.

Theo voltou da cozinha e encontrou Virginia na sala assistindo algo na tela.

– Vá dormir na cama, aí é desconfortável. – Theo disse.

– Estou esperando o sono chegar. Tudo bem lá dentro?

– Stefan disse que vai ter um infarto, mas não avisou quando.

– Me chame quando ele tiver.

– Ok. – Theo já ia voltando para o quarto, quando parou e voltou a falar.

– Acabei de descobrir que eu sou um clone bem mal feito.

– Onde viu isso?

– Em uns arquivos que encontramos. Queriam me jogar fora, Vi.

– Teria sido uma grande perda para a humanidade.

– Quase fui parar no lixo. Isso não faz bem para minha autoestima.

– Você acha que mais alguma sobreviveu?

– Não sei, talvez em breve tenhamos essa resposta.

***

Theo e Stefan aguardavam já na sala de visitas da prisão pela vinda de Sam. Era um bom sinal quando permitiam que entrassem, sempre havia o receio de serem barrados sem maiores explicações, ou por Sam ter ido para a solitária.

Sam chegou já abrindo um largo sorriso ao ver os dois a aguardando, aquele era o momento de reenergização para o decorrer da semana.

– Você fica uma graça com esse gorro branco. – Theo brincou com ela.

– Eu sinto frio nas orelhas.

– Esse casaco que você usa, é suficiente?

– Não, eu sinto frio quase o tempo todo, isso aqui parece uma geladeira cheia de divisórias. O lugar mais quentinho é a capela, mas as católicas me expulsaram de lá.

– Por que te expulsaram?

– Elas não aceitam gays. Mas tudo bem, eu faço minhas preces e passo alguns minutos lá dentro antes do almoço, quando está vazio.

– Como você conseguiu viver tanto tempo na Europa? O conservadorismo aqui não para de crescer, é um lugar horrível para morar, cheio de falsos moralistas, preconceituosos, xenófobos, nazistas, machistas…

– Eu fazia parte, não questionava.

– Não vejo a hora de te tirar daqui, levar você de volta para San Paolo. Mas enquanto isso, me conte como passou nessas últimas duas semanas, aprontou algo?

– Sobrevivi sem nenhum arranhão, está tudo sob controle por aqui. Amor, eu sinto muito por Meg.

– Eu também sinto, foi uma morte tão estúpida… – A máscara de bom humor de Theo ameaçava desmoronar. – Mas está feito, temos que agir logo antes que Mike atire em mais alguém.

– Você vai matá-lo? – Sam perguntou baixinho, inclinada para frente.

– Não, mas não é por falta de vontade. Sam, já que não temos muito tempo eu vou direto ao assunto, ontem nós tomamos uma decisão e colocaremos em prática ainda essa semana, provavelmente na quinta-feira, porque ainda temos que redigir um dossiê.

– Que decisão?

– Eu vou entregar para a imprensa todas as informações que tenho sobre as vacinas, Beta-E, clones, governo, Archer, essa sujeirada toda. Quero ver o circo pegar fogo.

– Por que?

– Theo diz que o mundo a protegerá fazendo isso. – Stefan disse.

– Eu vou fazer com que a informação que Claire deseja se torne pública, mas não a verdadeira informação, essa parte eu vou mentir um pouquinho.

Sam estava um tanto assustada com essa revelação e tentava pensar nas consequências.

– O governo vai cancelar o contrato com a Archer, que vai falir.

– Tudo vai falir, se Deus quiser. Archer, Claire, governo. Quero que tudo se exploda, e de quebra a população vai ficar sabendo da verdade, a resistência vencerá finalmente. Minha mãe ficaria orgulhosa de mim. – Finalizou com um sorrisinho satisfeito.

– Todo mundo vai saber que você é um… Você sabe. – Sam disse olhando para os lados.

– Não, direi que sou a original.

– E as outras?

– As pessoas saberão da existência delas, e que elas foram feitas para serem matrizes do Beta-E. Direi que a sexta matriz morreu.

– Mas Elias sabe da verdade.

– Você acha que isso pode ser um problema, Stef? – Theo o consultou.

– Se ele conversar com Claire, sim, pode ser um problema. Já vimos que Elias tem mais credibilidade com ela do que você.

– Mas pensem comigo. – Theo ia dizendo. – Para que Claire vai querer essa porcaria de sexta matriz se não houver mais contrato com o governo? Não haverá mais a demanda.

– Você se deu conta que acabou de se chamar de porcaria? – Stefan disse.

– Amor, você acha que sou uma porcaria?

– Não, você é a pessoa mais incrível do universo. – Sam respondeu.

– Viu? Aprenda com ela, Stef. Minha autoestima precisa de um empurrãozinho.

– Não é melhor retornarmos ao assunto?

– Você que começou isso.

– Eu tenho uma pergunta. – Sam interrompeu.

– Diga.

– E se não der certo? Se o vazamento não for levado a sério? São denúncias graves demais para que as pessoas acreditem em boatos espalhados na rede.

– Sam, não serão boatos, o maior veículo de mídia do mundo irá dar esse furo, eles tem credibilidade.

– Como você vai conseguir esse feito?

Theo segurou como pode um sorrisinho.

– Janet.

– Aquela sua ex que te encheu de chifres? – Disse atônita.

– Para alguma coisa esse chifre vai servir agora.

– Você vai procurar essa mulher?

– Vou sim, assim que terminarmos o dossiê juntamente das provas.

– E você tem provas?

– Você conseguiu provas concretas, meu amor. O flash drive que você trouxe da ilha estava cheio de dados reais sobre o projeto dos clones. Você sabia que nasci com 3,2Kg?

– E tantos problemas de saúde que cogitavam jogá-la no lixo. – Stefan complementou.

– Obrigada, Stefan, reze para que eu nunca ache podres sobre sua vida. – Theo resmungou.

– Então… Está decidido? Você vai acender o pavio do caos?

– E estarei lá assoprando para alastrar o fogo.

– Você vai para a Nova Capital?

– Provavelmente, mas ficarei o mínimo de tempo possível, tenho uma princesa aprisionada na torre para visitar.

– Você tem onde ficar lá?

– Michelle de novo, provavelmente.

– Você estava lá com ela?

– Sim, ela ofereceu um quarto de visitas.

– Michelle, Janet… – Sam disse com a testa apoiada na mão. – Eu vou morrer de azia aqui.

Theo riu, trouxe sua mão para perto e a beijou.

– Eu sou sua, querida. Meu amor é somente seu.

– É bom ouvir isso… – Sam disse contente, com o coração aquecido.

– Aguente firme, vamos tirar você daqui dentro de seis semanas.

– Se eu for condenada não desistam de mim, entrem com recursos, o diabo a quatro, mas não desistam, por favor.

– Nunca. Ah, tenho uma coisa para contar, outra decisão que tomei.

– Qual?

– Assim que eu terminar a denúncia e a desgraceira estiver encaminhada, eu vou pegar um emprego em Novo, Dimitri me disse que tem vagas na cafeteria.

– Como você vai trabalhar com essas muletas?

– Darei um jeito. Quero que minha vida tenha um pouco de normalidade, não quero ficar trancafiada dentro daquele apartamento, aquele apartamento…

– Não traz boas memórias. – Stefan disse.

– Não, não traz.

– Promete que vai tomar todo cuidado quando estiver na rua? – Sam pediu.

– Eu prometo sim, e agora tenho uma arma, estou perigosamente armada.

– Como você vai sacar uma arma segurando duas muletas? – Stef indagou.

– Não jogue areia nos meus planos.

Sam riu, e percebeu sua colega na mesa em frente, com seu namorado.

– Gustav. – Sam se deu conta.

– Quem?

– O namorado de Nira, estão atrás de vocês.

Theo virou-se para trás, dando uma olhada demorada no casal.

– Theo, você poderia ter sido mais discreta.

– Eles não estão me vendo.

– Ele está.

– Não, ambos são cegos.

– Ele também? Como sabe?

– Primeiro: ele não está olhando na direção dela. Segundo: ele está com parte de uma coleira de cão guia sobre a mesa. Terceiro: ele tem cortes e cicatrizes nos dedos.

– Você realmente é boa nisso, desvenda tudo.

– Só não desvendei ainda aquela menina lá no fundo da sala, que não para de olhar para mim. Na outra visita ela também ficou me olhando. Eu estou despenteada ou algo assim?

Sam virou-se discretamente para trás e viu de quem ela falava, era Svetlana. Seu sangue gelou.

– É minha colega de cela, Svetlana.

– E por que ela perdeu os olhos em mim?

– Deve ser curiosidade, vivo falando de você. E então, como estão Letícia e Dani? Esteve com elas? – Desconversou.

Stefan fez um movimento curto com a cabeça, se dando conta de quem era aquela garota fitando Theo, passando para um semblante de preocupação.

– Eu vi isso, Stef, que cara foi essa? – Theo perguntou.

– A mesma cara de sempre. A sirene irá tocar em instantes, comecem a se despedir. – Stefan disse, também tentando desconversar.

– Se você não me contar o que foi isso eu vou contar seu segredinho para Sam.

– Que segredinho? – Sam perguntou.

– Fique à vontade, Theo.

– Stef e Virginia estão de namorico.

– Sério?? – Sam exclamou contente.

– Estamos nos conhecendo melhor. – Stefan respondeu timidamente.

– Eles se conhecem melhor duas vezes por dia. – Theo rebateu com sarcasmo.

– Que excelente notícia, Stef, eu fico feliz por vocês. – Sam disse.

A sirene tocou, e uma rápida e triste despedida encerrou a visitação.

***

Na quinta-feira Theo ligou para Janet, que a atendeu prontamente e de forma animada.

– Que surpresa maravilhosa sua ligação, Tetê!

– Pelo amor de Deus, não me chame assim.

– Você não reclamava na época.

– Naquela época eu era ingênua e aceitava tudo. – Alfinetou.

– Nem tudo, você não me perdoou.

Theo estava em seu quarto sentada no meio da cama, trancafiada com Stefan que acompanhava tudo da poltrona. A ligação estava em clima de término mal resolvido, Theo conteve-se e mudou o assunto.

– Ok, depois a gente conversa sobre nossas burradas, mas estou te ligando por um bom motivo.

– Pois não, flor.

Theo exasperou procurando manter a calma, também odiava ser chamada de flor por ela.

– Você me deve uma, você sabe disso, não sabe?

– Devo sim, podemos resolver isso qualquer dia desses. Você soube que me divorciei?

– Soube. Podemos não levar a conversa para esse lado? Tenho algo importante para tratar com você.

– Sou toda ouvidos.

– Está sozinha? É algo sigiloso.

– Estou sozinha na minha sala, pode falar. – A morena de origem metade americana, metade indiana, espojou-se em sua confortável cadeira com os pés sobre a mesa.

– Você quer o maior furo da história do seu canal?

Theo contou calmamente tudo que continha no dossiê organizado por ela e Stefan, atraindo grande atenção por parte da jornalista.

– Você me garante exclusividade? Total exclusividade? – Janet disse eufórica.

– Sou toda sua. – Zombou.

– Não brinque com isso, mocinha.

– A bomba é sua, lance o quanto antes. Assim que você topar eu te enviarei tudo que conseguimos reunir e levantar, além de meu testemunho.

– Já topei, Theo. Me manda ainda hoje?

– Sem problemas. Mas tem uma condição.

– Qual?

– Não use aquela parte ruim do meu passado para promover a bomba, nem esses vídeos que foram vazados recentemente.

– Mas precisaremos fazer um breve histórico sobre você, e isso será mencionado.

– Mencionado tudo bem, mas não dê nenhum destaque a isso, tente me preservar, por favor.

– Não farei isso sozinha, eu sou a diretora operacional da empresa, uma equipe se dedicará a isso, mas darei exatamente essa orientação que você me deu.

– Outra coisa, quero que você me mantenha informada de tudo, quero acompanhar dos bastidores.

– Bastidores? Não, você precisa mostrar sua cara, uma entrevista sua me dará no mínimo 100 milhões de visualizações em um dia.

– Eu não quero dar entrevistas, Janet.

– Isso é imprescindível, a credibilidade do furo estará consolidada com seu depoimento, eu preciso de você aqui o quanto antes.

Theo precisou de algum tempo para pensar sobre o assunto.

– Está bem, uma entrevista, nada ao vivo. Mas não tenho dinheiro para ir até San Paolo, a WCK terá que bancar tudo.

– Ainda hoje um bilhete será emitido em seu nome para vir para cá, não se preocupe com deslocamento e estadia.

– Eu quero saber quando a primeira notícia for ao ar, ok?

– Você estará no controle de tudo, flor.

Ao finalizar a ligação, suspirou lançando um olhar de questionamento para Stefan, aguardando suas considerações.

– Vai acontecer. – Ele disse de forma séria.

– Vai.

Se encararam em silêncio, num ritual de cumplicidade e confiança mútua. Um passo enorme havia sido dado, não cabia mais dúvidas ou a possibilidade de desistir.

– Vamos enviar tudo daqui a pouco, amanhã vou para San Paolo. Não sei se volto a tempo de visitar Sam, amanhã já é sexta-feira.

– Se você quer ir até o fim nisso precisará fazer algumas escolhas e sacrifícios. O plano inicial era não aparecer na mídia, mas pelo visto não tem como evitar, você vai ter que ser a porta voz do caos.

Theo não respondeu, puxou suas pernas e fitou um ponto qualquer sobre a cama. Dias agitados estavam por vir. Exposição na mídia, julgamento, linchamento virtual, ameaças, zombarias, questionamentos.

Abrir essa montanha de informações para o público trazia inúmeros riscos, Haviam três temores principais, e ela começou a citá-los.

– Assim que a primeira notícia for ao ar, todos os outros veículos irão fuçar cada canto desse curral. Janet não irá tão longe, a empresa dela tem um nome a zelar, mas outros não terão esse cuidado, e tem algumas coisas enterradas de forma rasa demais.

– Como por exemplo? – Stefan perguntou.

– A morte do meu pai.

– Foi arquivada.

– Vão revirar todas as latas de lixo, Stef.

– Meu maior medo é que descubram que você não é uma… Que você é um clone.

– Eu também temo isto, mas Virginia me tranquilizou um pouco, ela disse que caso isso aconteça ela irá tomar medidas preventivas para que não tirem meus direitos.

– Virginia?

– Não faça essa cara de assustado, ela te contou que sabe que sou um clone.

– Como ela soube disso?

– Não faço a menor ideia, mas se eu for me preocupar com isso também vou enlouquecer. Estou tendo convulsão dia sim, dia não, e tudo tende a piorar, preciso começar a mandar coisas menos importantes para o inferno.

– Ela também não me contou como descobriu.

– Tem ainda outra coisa que está me tirando o sono.

– O que?

– Sam. Destruindo a Archer, estarei tirando o doce da mão do majorzinho. Ele pode fazer algo com Sam em represália, através do demônio pai.

– Duvido que ele faça mal a ela. Fisicamente falando.

– Ele mencionou uma vez que iria dar um jeito de fazer a reprogramação bioquímica nela, seria um momento oportuno para fazer isso, o julgamento será dentro de cinco semanas.

– Se ficarmos aqui analisando todos os riscos passaremos a noite em claro listando dezenas de coisas.

Theo corria os dedos pelo lençol da cama, pensando.

– Você tem razão… Vou arrumar minha mala. E enviar o dossiê para Janet.

– Acho que você está esquecendo um detalhe, uma peça importante do quebra-cabeças.

– Qual?

– Michelle, você precisa falar com ela hoje, antes de enviar qualquer coisa para Janet.

Theo atirou-se para trás na cama, resmungando.

– Eu quero dormir por 30 horas seguidas. – Theo falava encarando o teto. – Na verdade queria cinco semanas inteirinhas de sono de verdade, sem pesadelos, sem mal estar, sem dor de cabeça.

– Em abril quem sabe.

– Você sabia que o julgamento acontecerá um dia antes do meu aniversário?

– O aniversário de verdade?

– Sim, minha data de nascimento real é 17 de abril. E a primeira coisa que quero ver quando abrir meus olhos nesse dia é a Samantha, aqui nessa cama. Se estiver sem roupas será melhor ainda.

– Ligue de uma vez para Michelle e vá arrumar sua mala.

– Tá bom… – Sentou-se novamente na cama e ligou para a senadora.

– Michelle? Lembra do presentinho que disse que te daria algum dia? Esse dia chegou.

***

No final da tarde seguinte Theo chegou no prédio da WCK num carro executivo da empresa, Janet a aguardava em seu escritório.

– Florzinha, que saudade. – Janet a abraçou demoradamente. – Nem me recordo qual foi a última vez que nos encontramos.

– A última vez que estive com você foi num jantar beneficente onde tivemos que fingir que ainda éramos namoradas.

– É verdade. – A jornalista respondeu com o mesmo sorriso de quando a recebera. Sua saia azul marinho era justíssima, e usava uma blusa branca com grande decote.

– Já disparou a notícia?

– Não, estava aguardando sua chegada. Você deve estar cansada da viagem, relaxe um pouco. – Janet disse apontando um sofá largo próximo à sua mesa.

Theo fez o orientado, largou as muletas ao lado do sofá e se esparramou, cansada. Trajava um moletom verde com capuz e jeans.

– A pauta já está pronta?

– Está pronta e engatilhada. – Respondeu sentando em sua cadeira.

– Vai ser por texto?

– Não, vídeo. O seu vídeo.

– Não podemos largar meu vídeo depois? Nem gravamos ainda.

– Theo, você vai ser entrevistada ao vivo daqui a pouco.

Aprumou-se no sofá incomodada, rebateu num tom discordante.

– Não, eu pedi a você, nada ao vivo.

– O impacto é quatro vezes maior ao vivo, o povo fica em polvorosa, acredite em mim, é a forma mais eficiente de atingir um grande número de espectadores.

– Eu odeio isso, Janet, você sabe que eu odeio me expor, principalmente ao vivo, as pessoas fazem perguntas idiotas.

– Tem um script a ser seguido, você terá acesso às perguntas antes de começar o programa.

– Que tipo de programa? Um noticiário?

– Não, nosso carro chefe de entrevistas, com o Calvin Sheridan.

– O Calvin é um chato, eu já discuti com ele uma vez, numa festa.

– Passado, minha flor. Vamos deixar todas as desavenças no passado.

– Que saco… Vou dobrar minha dose de anticonvulsivante.

– Quando estiver se sentindo pronta me avise, te levarei ao camarim, lá repassarei as perguntas.

O programa começou pouco depois das nove da noite, Theo, já de roupas trocadas e ostentando um desânimo visível, aguardava em seu camarim que a chamassem. Ao seu lado Janet esfregava as mãos com ansiedade, parecia nunca sumir com seu sorriso simpático.

Quando finalmente entrou no espaço onde o apresentador a aguardava, desenterrou seu traquejo no trato com a imprensa e repórteres, exibindo um leve sorriso e gestual cortês.

 

Traquejo: s.m. Excesso de prática ou de experiência em qualquer ofício, atividade, trabalho etc.

Um comentário Adicione o seu
  1. Amo essa historia,a fragilidade da Theo me comove, um ser frágil,mas ao mesmo tempo incansável,resistente,cai,levanta,cai,levanta…. essa cartada final de jogar tudo no ventilador,é pura nitroglicerina,pode dar certo,mas tb pode dar tdo errado, temo as represálias….ui ai

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