Capítulo 48 – Cercear
– Volte para a Sibéria, Mike, eu preciso de você grudado naquela garota. – Claire falava da porta do banheiro da grande suíte na mansão de vidro, trajando um robe rosa. Mike assistia da cama um jogo na tela, sem camisa.
– Lá faz muito frio, eu estava entediado naquela cidade congelada.
– Viaje amanhã, estamos entendidos?
– Prefiro ficar aqui com você. – Disse erguendo o lençol, chamando Claire para a cama.
Claire foi até ele e sentou-se de frente para seu amante.
– Acha que nossa parceria é apenas aqui, na cama? Nosso império corre sérios riscos com aquele cafetão repugnante nos ameaçando desse jeito.
– Por que não mata Elias?
– Você acha que já não tentei? Aquele desgraçado é como uma sombra esguia, ninguém consegue pegá-lo.
– E se ele estiver blefando? E se Theo estiver falando a verdade, se realmente não souber o que é a sexta matriz? – Mike disse.
– De alguma forma Elias sabe que Theo tem essa informação, mas também sabe que ela nunca nos contaria. – Claire puxou as pernas para próximo do corpo, pensativa. – Por que ela não quer nos contar? Por teimosia? Ela já perdeu a Archer, isso não faria nenhuma diferença na vida miserável que ela leva naquele monte de gelo.
– Aquela prostituta é teimosa, tem o orgulho inflado. – Mike resmungou.
– Elias disse que sabe a localização, então por que ele ainda não está produzindo o Beta-E? Se soubesse mesmo ele já teria nos derrubado do mercado das vacinas.
– Você está cogitando fazer a parceria que ele propôs?
– Nunca, eu nunca dividiria a Archer com ele. Eu lutei para conquistar essa maldita empresa, não entregarei para esse bastardo.
– Então temos que correr, porque Elias pode surgir com um Beta-E tão bom quanto o nosso em breve.
– É disso que estou falando, Michael. – Claire disse num tom mandão. – Volte para a Sibéria e vamos partir para a ação, já que o diálogo não tem funcionado com Theo.
– Posso bater nela?
– Não, espere um momento em que ela esteja sem aquele engomadinho do Stefan, e faça conforme irei te orientar, vamos pegar num ponto fraco dela.
***
Na segunda-feira, logo depois da janta, algumas detentas tomavam seus banhos no grande banheiro coletivo da prisão. Sam costumava aparecer próximo do horário final permitido, quando o movimenta já estava menor, e naquele dia não foi diferente.
Sam havia finalizado seu banho sob o olhar de Svetlana, que já estava banhada e vestida. Enrolou-se na toalha e guardava seus pertences quando a garota surgiu com um sorrisinho malicioso atrás da soldado.
– Quando terei esse pedaço de mau caminho na minha cama? – Svetlana sussurrou em seu ouvido, a surpreendendo com a presença.
– Você quase me matou do coração. – Sam a repreendeu.
– Responda minha pergunta. – Svetlana continuava com a fala mansa, correndo seu braço pela cintura dela.
– Não sei, quando for para acontecer, acontece. – Sam disse sem jeito.
– Você tá demorando demais para liberar o doce. – Disse beijando seu pescoço.
– Deixe eu me vestir, Svetlana. – Sam disse e a afastou com ambas as mãos.
– Você não tem moral para isso não, vadia! – Uma grandalhona do grupo mafioso que via a cena se aproximou e vociferou para cima de Sam.
– Estamos apenas conversando. – Sam disse.
– Relaxa, é normal ela ficar nessa onda, Tyla. – Svet disse com chateação.
– Ah é? – A mulher com ares mal humorados sinalizou para trás, chamando mais duas colegas de sua gangue.
– Eu me resolvo com a Svetlana na cela, me deem licença, preciso me vestir antes que soe a sirene. – Sam ia dizendo enquanto saia do canto do banheiro.
– Essa gringa tá liberando na boa, Svet? – Tyla perguntou.
Svetlana fitou Sam por um instante, parecia contrariada.
– Não, toda vez que tento pegar ela sai fora, não está liberando porra nenhuma.
– Bom saber. – Tyla aproximou-se de Sam e a empurrou contra a parede de azulejos. – Joane, vá cuidar da porta!
– Eu já disse que me resolvo com ela na cela! – Sam bradou se defendendo.
– A gente vai dar uma forcinha.
A grandona disse e voou pra cima de Sam, lhe dando alguns socos, com ajuda de outras duas mafiosas. Svetlana andava de um lado para outro com atitude nervosa.
– Tá bom! Tá bom! – A pequena garota interrompeu a surra.
Tyla colocou sua bota em cima do peito de Sam, e lhe deu um ultimato.
– Irina vai saber disso, vadia! E se continuar evitando nossa Svet as coisas vão ficar bem feias, você vai sentir o gosto da minha bota! Estamos entendidas?
Sam apenas balançou a cabeça raivosamente, concordando. Usava a toalha para enxugar o sangue em seus lábios e sobrancelha.
– Ótimo. – Bufou e saiu do recinto, levando suas colegas.
Exceto Svetlana, que permaneceu de pé olhando para Sam ainda caída no chão.
– Vem, eu te ajudo. – A garota estendeu a mão com receio.
Sam lançou um olhar furioso para a menina, teve vontade de explodir com ela, mas sabia que estava do lado mais fraco daquele cabo de guerra.
– Pode ir para a cela, eu me viro. – Disse com a respiração forte.
– Você também é culpada disso, Sam. – Svet tentava se justificar.
– Vá para a cela, a segunda sirene já tocou. – Sam rosnou e ergueu-se do chão, devagar e com fisionomia dolorida.
– Tá bom, eu cuido de você lá.
No dia seguinte Sam gelou ao cruzar com Irina num corredor afastado, que levava à lavanderia do pavilhão.
A mulher de pose agressiva lhe sorriu e parou a sua frente, interrompendo o trajeto de Sam, que levava suas roupas sujas.
– Aquilo ontem no banheiro foi só uma amostra. Mesmo que Svet minta e te proteja, saiba que tenho informantes.
– Eu vou resolver tudo com ela. – Sam disse com esforço em parecer firme.
– Vai sim. Até porque não é todo dia que você tem o privilégio de ter a proteção do maior grupo dessa merda de prisão.
– Até agora só percebi o maior grupo da prisão me espancando.
Irina abriu um sorriso novamente.
– Coronel Phillips está doido para te mandar para o freezer, pense duas vezes antes de abrir mão do nosso apoio. – Disse e saiu andando.
– O que é freezer?
Foi ignorada pela chefona, e mais uma aflição havia sido plantada em seu coração.
A soldado resolveu fazer as pazes com sua colega de cela, não adiantaria continuar repelindo a garota teimosa, muito menos queria perder a sombra da Bratva lhe amparando. Svetlana voltou a cortejar Sam, lhe tratando bem e dando presentes. O clima na cela era agora descontraído e um tanto mais leve.
Alguns dias depois a temperatura havia ficado mais amena, Sam passou boa parte do dia jogando basquete. Cansada, por volta das nove da noite desligou a pequena luminária que Theo havia levado para ela no dia anterior, e ajeitou-se para dormir.
Quando finalmente o sono estava a vencendo, ouviu Svetlana chamando seu nome abaixo. Levou alguns segundos para responder.
– Não consigo dormir. – Svet disse baixinho.
– Conte bonequinhos de neve pulando os muros da prisão.
– Desça aqui. Traga seus cobertores. – Sam paralisou, mas por fim obedeceu.
– Quer os cobertores? – Sam perguntou já de pé ao lado da cama.
– Prenda um desse lado, e o outro na frente da cama, depois entre na minha cabaninha.
O coração de Sam acelerou apavorado, mas não enxergou outra saída. Prendeu os cobertores e deitou-se ao lado da garota, com quase todos seus músculos retesados.
– Você vai me ajudar a dormir… – Svet subiu parcialmente em Sam, com uma mão pousada em seu rosto, distribuía alguns beijos vagarosos em seu pescoço e orelha.
– Svet… Eu tenho uns comprimidos que ajudam a dormir, posso buscar para você. – Sam dizia em pânico.
– Você tem um cheiro bom…
– Svet…
– Eu mudei de ideia, não quero dormir. Nem você. – Disse e subiu sorrateiramente a mão por baixo da blusa de malha bege que Sam trajava, logo alcançando seu seio.
Sam tremeu.
– O que foi? Minha mão está fria? – Svet brincou, falando em seu ouvido.
– Você é filha de um chefe da máfia, pode conseguir qualquer garota aqui dentro.
– Mas eu quero você, Sam. – Svetlana ergueu seu rosto, continuava em cima dela, conversavam olho no olho.
– Você deveria pegar alguma garota experiente, eu sou novata, não entendo quase nada disso.
– Eu não ligo. – A garota parecia tranquila, corria seu dedo pelo rosto de Sam.
– O que exatamente você quer?
Svetlana sorriu.
– Esquece o mundo lá fora, vamos nos divertir um pouco. – Terminou de falar e desceu seu rosto na intenção de beijá-la, mas Sam desviou, Svetlana acabou afundando em seu pescoço.
– Não tem como esquecer…
Svetlana voltou a encará-la.
– Qual o nome dela?
– Theo.
– Ela tem nome de menino.
– É Theodora.
– Theodora é uma garota de sorte.
– Acho que não.
– Você já foi para a cama com quantas pessoas?
– Duas.
Svetlana olhou para cima, pensativa. Voltou a encará-la de perto.
– O filho do Coronel e sua atual namorada?
– Isso.
– Foi uma conta fácil. – Svetlana riu, Sam começava a se desarmar.
– Sua lista deve ser enorme, apesar dos seus 19 anos.
– Os boatos são generosos. – Voltou a correr seus dedos pelo rosto de Sam. – Mas eu gosto de brincar sem compromisso.
– Eu não sei fazer isso.
– Sam, talvez você passe o resto da sua vida aqui, talvez saia ainda esse ano. Mas lá fora sua vida foi congelada, você está numa realidade paralela aqui dentro. Pelo menos é assim que eu encaro as coisas para que meus dias nessa gulag sejam menos penosos. Já que estou aqui dentro, eu quero me divertir o máximo que puder, as regras nessa vida paralela são diferentes.
Sam prestava atenção no que a bela jovem dizia, era exatamente essa a sensação que tivera desde o dia que entrou naquela prisão, mas não havia se dado conta até então. Aquilo tudo parecia uma realidade paralela, que era conectada com à vida real durante 50 minutos aos domingos.
Apesar do cerceamento vivido na época de exército, aquilo era diferente em vários níveis. Uma prisão não poderia sem comparada com nada em sua vida real. Não na sua.
Não com a sua.
– Você consegue abstrair a vida real aqui dentro? – Sam perguntou.
– Nos momentos propícios, sim.
– Mas os sentimentos não se abstraem.
– Não, sentimentos são as nossas rochas dentro desse lugar, é o que transcende.
– Os vínculos.
– Eu sei que você ama sua namorada, e ela deve saber também.
– Sabe.
– O que você sente por ela é real, já isso aqui. – Gesticulou no ar. – Isso aqui não é nada.
– Você já pensou em estudar filosofia?
Lhe arrancou um sorriso, e Svetlana saiu de cima dela, deitando-se ao seu lado.
– Eu saquei. – Svet comentou, como se chegando a uma conclusão.
– Sacou o que?
– Você não sabe fazer. – Disse com um sorriso zombador.
– O que?
– Você está nessa pilha porque só sabe receber, não é? Largou o noivo mas continua deitando, abrindo as pernas e esperando que te sirvam.
– Claro que não!
– Você é a passivinha da sua namorada, não sabe comer uma mulher e está em pânico.
– Que ridículo! É claro que sei. – Sam dizia revoltada.
– Não estou julgando vocês, se estão satisfeitas assim, quem sou eu para dizer que dar e receber é bem melhor?
Num movimento brusco, Sam subiu em sua companheira de cela, a prendendo pelos pulsos sobre o travesseiro.
– Eu sei comer uma mulher. E eu sei que você está me provocando. – Sam vociferou.
Svetlana fora pega de surpresa.
– Ok.
– Isso nunca vai sair daqui, entendeu?
– Isso o que?
Após soltar os pulsos da garota, Sam lhe beijou de forma intensa. Ironicamente, adentrava o mundo de Theo, uma versão grandemente suavizada.
Svetlana correspondeu o beijo por algum tempo, ainda confusa, posteriormente seus braços a envolveram. Imensas barreiras implodiram: mãos, braços, quadris, um ritual quase selvagem aconteceu nos lençóis daquela pequena fortaleza de cobertores.
Sam lhe deu em seguida o sono que fora exigido tempos antes. Para Svetlana um sono tranquilo com gosto de prazer, para a soldado uma dormência de sentidos, conseguira bloquear a maior parte deles. Vestiu sua blusa bege, cobriu com cobertores o pequeno corpo nu ao seu lado, até o pescoço. E cumpriu a última ordem da noite, permaneceu na cama até a sirene da manhã.
A sensação era estranha demais para ser levada em apreciação naquele início de manhã, enquanto caminhava para o refeitório ao lado da sua agora amante. O mesmo zumbido de centenas de conversas indecifráveis que tomavam conta do café da manhã a fez lembrar que nada mudara, era apenas mais um dia encarcerada, ao lado das mesmas pessoas, com as mesmas privações.
– Senta com a gente hoje. – A menina pediu.
Sam apenas a fitou, em dúvida.
– É bom para o pessoal saber que você é protegida nossa. – Continuou.
– Eu prefiro ficar com as meninas de Sophia, tudo bem?
– Ãhn. Ok. – Tomou sua mão. – Espera.
– O que foi?
– Você está chateada comigo?
– Não, não estou, fique tranquila.
– Não conta para a sua namorada, tá? Não quero estragar o namoro de vocês.
– Eu avisei que tinha namorada.
– Mas aqui dentro essas coisas não são muito levadas em consideração, sabe como é…
– Está feito, o problema é meu, só não quero que ela saiba disso agora.
– Não grile, é só diversão.
– Depois eu penso no que vou fazer.
– Ela terminaria com você?
– Sim, ela já perdoou uma traição minha, não perdoaria uma segunda vez.
– Então não conte.
– Eu preciso de café, depois nos falamos. – Sam seguiu para a fila das refeições, seu dia foi introspectivo.
E outras noites como aquela vieram de forma esporádica e menos tensa.
***
– Não me leve a mal, eu gosto do seu café, Stef, você prepara direitinho. Mas preciso tomar café de verdade.
– Você não especificou qual café queria que eu comprasse no mercado, peguei o mais barato. – Stefan rebateu, trabalhava numa pequena mesa de segunda mão comprada naquela sexta-feira.
– Esse café é horrível. – Theo disse vestindo seu pesado casaco e enrolando o cachecol em si.
– Onde vai?
– Comprar um café melhor, eu vi que vendem café a granel naquela cafeteria aqui perto.
– Eu compro amanhã, não é bom andar sozinha.
– Voltarei em menos de meia hora, estarei com meu comunicador e minha muleta com rastreador, você poderá acompanhar meus passos aí na sua tela. Ou melhor, os passos da minha muleta.
– Aproveite e traga um copo enorme de café já pronto para mim.
– Gigante. – Piscou para Stefan e saiu pela calçada com neve pelas bordas.
Naquela tarde o confortável café não estava cheio, pediu um quilo do café de marca própria e dois copos grandes com café puro, para levar. Estava saindo do estabelecimento equilibrando os copos e a muleta quando uma mão a segurou pelo ombro.
– Um desses é para mim? – Mike indagou sorridente.
Theo virou-se rapidamente, se assustando com a presença de seu eterno desafeto.
– Me deixe te ajudar. – Mike tomou um dos copos de sua mão, e apontou para uma mesa mais ao canto. – Tome um café comigo, tenho um assunto de seu interesse.
Ela não tinha certeza se deveria fazer o solicitado ou sair correndo, pelo menos andando o mais rápido que pudesse.
– Veio repetir aquela ladainha da informação ultra secreta?
– Não, dessa vez preciso te mostrar algo. Sente-se, não irei fazer nada, estamos num local público.
Sentou na mesa de frente para Mike, que parecia animado com algo, bebia um dos copos de café.
– Prefiro chá, mas não está ruim. – Mike disse erguendo o copo.
– Podemos ir direto ao assunto?
– Seu café vai esfriar, beba.
– Vamos encurtar a conversa, não tenho o que você quer, então por que continua me enchendo o saco?
– Você é bem próxima do seu tio, não?
– Me deixe adivinhar: ele também se uniu a Claire, acertei? Dois desgraçados parasitando uma ladra.
– Entre acreditar em você ou em Elias, nós escolhemos acreditar em Elias, ele é um cara focado, não está brincando com ninguém.
– Um exemplo de homem de bem. – Theo debochou.
– Ele disse que você sabe onde está a sexta matriz, mas não nos disse qual seu interesse nisso. Se você está pensando em usar essa matriz para se dar bem…
– Me dar bem? Eu pareço alguém que está se dando bem? – O interrompeu.
– Talvez você esteja leiloando essa matriz entre laboratórios, e ainda não achou o comprador ideal. Mas isso não vai acontecer, nós queremos e nós teremos isso. Ninguém vai nos tirar do jogo.
– Engraçado como você vestiu a camisa da Archer de uma hora para outra, Claire deve estar te mimando, ou te prometeu alguma coisa grande. Vai fundo, vai acreditando em Claire que você vai se dar tão bem quanto eu e Sam.
Mike riu e olhou para os lados, despretensiosamente.
– Você esqueceu que Claire e eu temos objetivos em comum. Ela lida com você, eu lido com Sam, e no final todos sairão satisfeitos e felizes. Quando digo todos, não incluo você, continuo querendo ver você humilhada e destruída, de preferência morta numa vala comum.
– Também tenho bons sentimentos por você, ex-major. – Theo escondia suas mãos trêmulas embaixo da mesa.
– Eu adoro conversar com você, mas daqui a pouco aquele almofadinha virá te buscar, então vamos ao que interessa. Andei assistindo uns filmes ótimos essa semana, e gostaria que você assistisse também, acho que você vai gostar.
Mike deu alguns toques em seu comunicador e exibiu a tela para Theo. Era um vídeo das câmeras de segurança do Circus, do quarto 13. Uma cena de sexo brutal era exibida diante da própria protagonista daquele vídeo.
Theo ostentava um semblante aterrorizado enquanto assistia, tinha a sensação que seu sangue havia se esvaído do seu corpo, lhe faltou o ar.
– Desligue isso! Apague esse vídeo! – Theo empurrou o comunicador na direção de Mike, raivosamente.
– Claire tem dezenas desses vídeos. Dezenas, Theo. Dezenas de momentos humilhantes, tem alguns muito piores do que esse que te mostrei.
– Vocês não têm esse direito… – Disse com dentes trincados, Theo se esforçava em vão para não chorar, o peito doía com tamanho esforço.
– Todos eles cairão num daqueles fóruns de onde surgem os piores vídeos já vazados, irão viralizar, e em alguns minutos milhões de pessoas no mundo inteiro assistirão um pouco da sua vida sexual.
– Não faça isso, Mike, eu não tenho como me defender! Eu não tenho o que vocês querem, raios! – Disse alterada.
– Você pode imaginar quantas pessoas irão se masturbar enquanto assistem você sendo estuprada por cinco homens?
– Vá embora! – Theo explodiu em lágrimas.
Mike apenas ria se divertindo.
– Com licença, moça, esse homem está te incomodando? – Um jovem de não mais que 25 anos, muito alto e um tanto rechonchudo, os abordou, de pé ao lado da mesa.
Theo enxugou rapidamente os olhos e o rosto, cabisbaixa.
– Está tudo bem, ela está passando por um momento difícil, estou tentando ajudá-la. – Mike respondeu friamente.
O garoto loiro de manchas avermelhadas no rosto o ignorou.
– Moça, ele está perturbando você? Quer que eu chame algum funcionário?
– Está tudo bem, obrigada. – Theo respondeu com a voz falha, nervosamente.
– De qualquer forma preciso ir. – Mike disse para Theo, já levantando. – Tenho alguns filmes para assistir, e caso você tenha interesse, saiba que poderá assisti-los após a meia-noite de sábado. Ou pode me ligar antes, daí ninguém mais assistirá.
– Seu… – Theo não terminou a frase, apenas cobriu os olhos com a mão.
O garoto não saiu dali, esperou Mike sair da cafeteria, e voltou a falar com Theo. Pousou a mão em seu ombro, a assustando.
– Ele fez algo? Posso chamar a polícia.
Theo lançou seus olhos vermelhos na direção do garoto de feições juvenis, o fitando pela primeira vez.
– Não, vai ficar tudo bem. Obrigada por se preocupar. – Disse fungando.
Surpreendendo Theo, o garoto sentou na mesa onde Mike estava, ele parecia ainda preocupado.
– Meu nome é Dimitri. – Ele disse estendendo a mão.
Theo o encarou indecisa do que fazer, ainda estava desnorteada.
– Oi Dimitri. – Apertou sua mão.
– E você?
– Theo.
– Eu já vi você por aqui outras vezes, mas não via antes, é moradora nova na cidade?
– Sou. – Theo suspirou pesadamente, tentando juntar seus cacos. – Já te vi por aqui também.
– Eu trabalho na Relojoaria Olenev, aqui nessa quadra, conhece?
– Ainda existem relojoarias?
– Era do meu avô, agora é do meu irmão, o Harry, você conhece o Harry? Ele parece comigo, mas não é gordo, e o cabelo é assim, mais curto, sabe?
– Não, não o conheço.
– Eu venho todos os dias tomar café aqui as 15:15, você também toma café aqui todos os dias?
– Eu adoraria vir todos os dias, mas não gosto de andar por aí.
– Por causa da neve? O frio queima o rosto, seu rosto é bonito demais para ser queimado.
– É, por causa da neve.
– Não vai tomar seu café?
– Deve estar frio.
– Posso pegar outro para você, mas você paga.
– Eu preciso ir embora, Dimitri.
– Meu irmão disse que eu posso ficar na cafeteria o tempo que quiser. Fique mais um pouco.
– Não, hoje não é um bom dia para mim. Outro dia conversamos mais, combinado? – Theo disse e levantou, ajeitando a muleta.
– Venha as 15:15.
– Nos vemos em breve. E obrigada por vir até aqui.
– Esse saco de café é seu?
– Ah, sim, obrigada.
Theo voltou para seu apartamento sentindo o sangue lhe ardendo sob a pele, era difícil controlar tamanha ira.
– Você demorou, acabei tomando do café ruim. – Stefan disse saindo da cozinha com uma caneca em mãos.
– Eu preciso matar Mike. – Disse e atirou o saco de café para Stefan.
– O que ele fez?
– Conversou comigo no café. Você me ajuda a matar aquele desgraçado? Não me importo se for uma morte rápida, só preciso que ele morra.
– Não, vá sozinha para a cadeia. Novamente veio pedir a maldita localização?
– Ele não veio pedir, ele veio me chantagear, era óbvio que aquele casal satânico partiria para abordagens mais agressivas.
– Qual foi a ameaça?
– Não quero falar disso agora, eu quero tomar um banho, quero tomar vinte banhos.
Já à noite, Stefan entrou no quarto de Theo, estava deitada de bruços com o rosto enfiado no travesseiro.
– Teve uma convulsão?
– Custa bater antes de entrar? – Resmungou abafadamente.
– Vai ter uma?
Theo virou-se impaciente, acendeu uma das luzes.
– Quando cheguei tomei remédios para evitar isso, então acho que não.
– O que eu devo fazer caso você tenha uma convulsão?
– Ali. – Theo apontou para uma cômoda. – Segunda gaveta, tem um kit azul, uma maletinha. Foi Sam que preparou isso, ela leva para todos os lugares que vamos.
Stefan tomou o kit e o levou já aberto para a cama, sentando-se ao seu lado.
– Esses comprimidos são para ajudar a evitar a convulsão, essas injeções são para minimizar os efeitos caso eu tenha de fato.
– Aplico qualquer uma dessas em você?
– Sim, são todas iguais.
– Onde?
– Na minha coxa, aqui. – Theo baixou a calça e mostrou o local, onde já haviam outras marcas de agulha. Stefan virou o rosto.
– Entendi.
– Você também vai ficar de frescura quando eu precisar da injeção? – Disse após subir a calça.
– Não, só prefiro não vê-la nua sem necessidade.
– Eu estou de calcinha, não estou nua.
– É quase a mesma coisa.
Theo fechou o kit ostentando um sorriso derrotado, triste.
– Todo mundo vai me ver nua no sábado, Stef.
– Do que você está falando?
– Claire conseguiu vídeos do Circus, e eu estou nestes vídeos. Mike me mostrou um deles hoje, e avisou que irão vazá-los no sábado caso eu não dê o que eles querem.
Stefan a fitou sem palavras, sem reação.
– Ou me entrego de bandeja para virar cobaia de laboratório, ou… – A garganta fechava novamente.
– Agora entendo porque você queria matar Mike. Entendo e compartilho da mesma vontade. Se possível um lento duplo homicídio.
– Triplo, queria que Elias embarcasse nessa mesma viagem para o inferno.
Um silêncio cortava o quarto, pensavam nas possibilidades. Na falta de possibilidades. Nas consequências. Stefan tamborilava os dedos sobre a pequena maleta azul, Theo voltou a falar, o desalento era palpável em sua voz.
– Não tenho como evitar… Será parecido com aquela vez em que Mike deu uma entrevista contando onde eu havia passado meus últimos dois anos. Mas desta vez as pessoas poderão matar a curiosidade assistindo tudo.
– E elas assistirão. Mas perderá força com o tempo.
– Eu sei, é uma avalanche nos primeiros dias. Mas você sabe o que acontece com esse tipo de material, eternizará, estará circulando a todo vapor em redes e fóruns para sempre. – Theo disse.
– Isso é inevitável, mas pode ser atenuado com processos criminalizando quem possuir esse material.
– Não temos mais poder jurídico, Stef.
– Não há muito o que fazer, eu sinto muito. – Stefan disse, compadecido.
– Meus filhos verão esses vídeos, e os filhos deles também verão. Os amigos, os conhecidos, os desafetos.
– Mas ainda é melhor que você se entregar para eles, eu duvido que eles a mantenham viva por muito tempo.
Theo voltou a deitar, com as mãos abaixo da cabeça.
– Sabe o que cairia bem agora? Uma assessoria de imprensa, uma equipe para gerenciar essa porcaria toda, abafar o máximo possível, fazer acordos, afastar os urubus. – Theo comentou.
– Talvez estando aqui no norte da Rússia você tenha paz. Bom, não totalmente, irão te procurar, é bom se preparar.
– Preparar como? Com uma metralhadora?
– Com um discurso curto e diplomático.
– Serei cortês, mandarei todos se foderem.
Ouviram batidas na porta, ambos saíram da cama rapidamente.
– Deveríamos ter alugado um apartamento num prédio com portaria, aqui entra todo mundo, é uma zona. – Theo resmungou.
– Eu atenderei, fique na cozinha, talvez seja Mike.
Theo parou na porta da cozinha, Stefan olhou pela pequena abertura e não fazia ideia de quem era aquela mulher de cabelos loiros e bem arrumada.
– Não sei quem é. – Ele disse à Theo. – É uma mulher.
– Abra. – Theo deu de ombros.
– Pois não? – Stefan disse com educação ao abrir a porta.
– Você deve ser Stefan Morris, certo? E você, Theodora Archer. – Ela apontou para a cabeça de Theo que saía pela porta da cozinha.
– E você?
– Virginia O’Toole, prazer. – O cumprimentou.
– Claire mandou você aqui? – Theo disse se aproximando com desconfiança.
– Não, eu vim por conta própria, tenho uma pequena empresa de advocacia no Rio, e gostaria de ajudá-los.
Cercear: v.t.: Limitar ou reduzir; ato de cortar ou decepar; desfazer; restringir.
Pobre Theo. ..
Seus dias de paz e amor virão 😉
Obaaa