Capítulo 44 – Empertigar

Capítulo 44 – Empertigar

 

Theo mal conseguiu balbuciar algumas palavras, estava de pé junto a grade do auditório do tribunal, atrás de Stefan.

– Stef! Faça algo! Stef! Stef!

– Eu não tenho o que fazer agora, Theo. – Lhe respondeu, já saindo do local dos advogados de defesa.

– Eu vou ficar presa por 75 anos? – Sam disse aos gaguejos fitando Theo, enquanto o guarda tentava tirá-la de lá.

– Sam! – Theo tentou chamá-la, em desespero.

Outro guarda apareceu e arrastou Sam pelo braço para fora do tribunal, andando em seguida a passos rápidos por um corredor que daria no carro militar.

– Ela vai voltar para a prisão? – Theo perguntou esbaforida assim que Stefan chegou até ela.

– Já deve estar sendo colocada no carro.

– Stef, isso tudo é um absurdo! – Se equilibrava em sua muleta, estava zonza.

– Eu ainda estou processando essas informações, não imaginava que ela teria três acusações, e meu Deus, um crime de guerra? Sam está muito encrencada.

– Não, ela não pode ser presa por essas coisas, ela não fez nada disso, ela não matou por querer.

– Então é verdade?

– Sim, mas ela foi vítima de um comandante irresponsável, ela me contou que não fazia ideia que haviam civis naquela vila, deram informações equivocadas, ela não teve culpa!

– Acalme-se, não nos resta outra alternativa a não ser investigar tudo isso para montarmos a defesa, e você não poderia ter me escondido essa mancha no passado dela, a partir de agora não poderá me esconder nada, entendeu? Eu não posso defender uma criminosa culpada nem ajudar alguém que me esconde coisas.

– Ela não é criminosa, Stef. – Theo disse engolindo o choro. – Sam nunca mataria civis inocentes de propósito, ela foi vítima de erros do seu comandante.

– Teremos longas conversas com ela, vamos precisar de todos os detalhes possíveis, e nomes, precisaremos de testemunhas ao seu favor.

– Stef… Vão tirar a perna mecânica dela? – Theo acabou não resistindo e chorou.

– Pelo visto sim. – Stefan laceou seu colarinho e a gravata.

– Por que estão fazendo tanta maldade com ela? Sam não merece nada disso, ela é uma boa pessoa.

– Ela me disse que o vice-diretor da prisão é o ex-sogro dela.

– O pai de Mike? Fala sério! Mas que merda!

– Mas é tudo obra da Claire, se eu colocasse minhas mãos no pescoço daquela mulher agora… – Stefan resmungou irado.

– Eu posso visitá-la hoje?

– Não, vamos receber uma notificação com a liberação de visita, que acontece sempre aos domingos.

– Amanhã?

– Não, a visitação só inicia com essa liberação.

– E agora?

– Agora começa nossa defesa, vamos pegar a estrada e voltar para o hotel, temos que planejar nossos próximos dias. Semanas.

– Eu quero ir até a prisão.

– Para fazer o que? Encarar os portões?

– Vou pedir para falar com ela.

– E com certeza o pai de Mike vai permitir. Vamos sair, temos 700 quilômetros pela frente.

– Não, Stef, eu quero ir até a prisão, deve ser aqui perto.

– Vá sozinha, eu vou voltar para Novo. – Disse e saiu do tribunal, sendo seguido por Theo batendo com força sua muleta contra o chão.

– Vamos até a prisão, quero falar com algum responsável lá, eles precisam saber que Sam tem gente aqui fora que se importa com ela, que se eles fizerem algo nós não deixaremos barato. – Theo o segurou pelo ombro já nas escadarias de fora do prédio.

Stefan a encarou irritado, e condescendeu.

– Se nos barrarem eu volto para Novo, com ou sem você.

A prisão estava localizada fora da área urbana, enfiada entre uma floresta densa e coberta de neve. Altos portões de aço, arame farpado e uma placa em russo afixada ao lado do portão. Após se identificarem, adentraram por um pátio de cimento e neve, de onde os vários prédios de prisioneiros e instâncias de trabalho podiam ser vistos. Eram azul e rosa, num tom claro, intercalando cada andar.

– Precisamos conversar com o diretor. – Stefan disse para uma guarda na segunda portaria, já dentro de um prédio de corredores de piso brilhante, como em toda prisão.

– Ele não está de serviço hoje.

– Então o vice-diretor.

– Para falar com o diretor e o vice-diretor é necessário agendar um horário.

– Por favor, fale com ele, viemos de longe para isso, somos conhecidos dele.

– Vou consultá-lo, quem deseja visitar?

– Sou advogado de uma interna recém-chegada que ele conhece, e ela é uma familiar.

– Nome da interna?

– Samantha Cooper.

A atendente fez uma rápida ligação e voltou a falar com Stefan.

– Ele está de saída, mas os atenderá se for uma visita rápida.

– Sim, será.

Um guarda foi chamado e os acompanhou até a sala com móveis antigos onde o Coronel Phillips os aguardava detrás da mesa, com um charuto em mãos.

– Não costumo receber advogados, portanto aproveite a exceção e fale rapidamente o que precisa. – Ele fulminou sem levantar de sua cadeira.

– Podemos sentar?

– Sentem-se. Querem um? – Ergueu o charuto na direção deles.

– Não, obrigada. – Stefan respondeu educadamente.

– Você ou Mike são os responsáveis pela prisão de Sam? Vocês inventaram esses crimes? – Theo foi direto ao assunto.

O Coronel deu uma baforada e largou o charuto num cinzeiro.

– Quem é você?

– Theodora Archer, a namorada dela. – Disse com firmeza, não havia se intimidado com o porte altivo e arrogante do Coronel.

Ele a analisou por alguns segundos, com um leve sorriso.

– Ouvi falar de você. Ex-herdeira e ex-prostituta da Zona Morta, correto?

– Não vim falar de mim, Coronel. Não sei seu papel nesse complô, mas saiba que se qualquer coisa acontecer com a Sam aqui dentro, irei responsabilizar você. Posso não ter mais meu poder financeiro, mas ainda conheço pessoas com poder nas mãos, você não está lidando com qualquer uma.

– Não considero Samantha ou você como qualquer uma, sei que estou lidando com a escória. Fique tranquila, não me rebaixarei ao nível de uma desviada e uma vagabunda.

Era visível a ira queimando nos olhos de Theo, Stefan se preocupava.

– Viemos apenas pedir para que Samantha tenha o mesmo tratamento que as outras internas. – Stefan apaziguou. – Respeitaremos todas as restrições e leis europeias, queremos um tratamento justo, nada além disso.

– Não impedirei absolutamente nada, nem pretendo perder meu tempo lidando com vocês. Meu filho está muito melhor sem a companhia desta mulher imunda e criminosa, isso me basta.

– Provaremos que Sam é inocente.

– Fiquem à vontade, estarei no tribunal no dia do julgamento. Se ela chegar viva até lá.

Ela levantou-se abruptamente da cadeira indo na direção do Coronel, Stefan a segurou pela cintura.

– Theo! Olhe para mim. Olhe para mim! Não vale a pena, está me ouvindo? Não vale a pena, ele está te provocando.

Ele ainda a manteve alguns segundos presa em seus braços, por fim soltou-se raivosamente, estava com a respiração acelerada.

– Preciso chamar os guardas ou sairão por bem? – Coronel Phillips falou jocosamente, espojado na cadeira.

– Tenho certeza que o senhor não quer prejudicar a imagem desta prisão diante da mídia e da ONU. – Stefan disse e conduziu Theo para fora do escritório, a envolvendo pelo ombro.

Enquanto andavam pelo corredor em direção ao elevador, Theo o parou.

– Stef, ele vai dar um jeito de matá-la aqui dentro, eu não posso deixar. – Disse aflita.

– Ele estava te provocando, isso não vai acontecer, não seja burra.

– Ela está à mercê desse homem nojento.

O guarda veio na direção deles, e os conduziu para fora do presídio.

No carro, minutos depois, Theo já estava mais calma.

– Por onde começamos? – Ela indagou.

– Temos que achar um lugar para ficar.

– Outro hotel?

– Theo, o julgamento nem foi marcado ainda, e eu duvido que isso aconteça semana que vem. Não temos como pagar um hotel por semanas, ou meses.

– Então vamos ficar na minha casa.

Stefan a olhou confuso.

– Você tem uma casa aqui?

– Aqui onde?

– Na Sibéria?

Após alguns segundos de silêncio, Theo respondeu.

– Desculpe, meu cérebro não funcionou direito.

– Você anda tomando esses remédios nos horários corretos?

– Mais ou menos.

– Ok, voltando ao assunto, temos que alugar um apartamento, algo barato.

– Começaremos a procurar amanhã.

– Temos também que traçar um plano para conseguirmos mais fundos, nossa reserva não durará muito.

– Pensarei em algo.

– Já falou com a senadora? – Stefan perguntou.

– Sim, nos falamos ontem.

– E?

– E o quê?

– Ela vai nos ajudar financeiramente?

– Não, não sei, ela não falou nada.

– Theo, ela precisa nos ajudar, fale com ela.

– Não quero pedir dinheiro para Michelle.

– Por que?

– Ah… Eu não quero, ok? Se ela oferecer tudo bem, será bem-vindo, mas… Pedir… Não quero pedir dinheiro para ela. – Theo respondeu com visível desconforto.

– Tem vergonha?

– E se ela pedir algo em troca?

– Pedir algo? O que ela pode querer de você? Sem poder, sem dinheiro, sem Archer, sem influência alguma. O que uma senadora poderia te pedir? Se ela é sua amiga você não precisa ter receio em pedir dinheiro.

– Não somos tão amigas assim.

– Achei que vocês se conhecessem há bastante tempo.

– Sim, algum tempo.

Stefan deu uma olhadinha curiosa na direção de Theo.

– Como você se tornou amiga da senadora? Financiou a campanha?

– Precisamos falar sobre isso? – Theo respondeu irritada.

– O que você está escondendo?

– Nada. – Afundou no banco do carro.

– Theo, sem segredos, eu já falei que não vou ajudar quem não me conta as coisas.

– Stefan, eu tenho vários segredos, tenho uma tonelada de coisas que não quero nem pretendo contar para você, porém tudo que for relevante para a defesa da Sam, e para a recuperação de nossos bens, pode ter certeza que irei te contar. – Explodiu.

– Você não pode ficar de segredinhos.

Silêncio.

– Michelle era minha cliente. – Theo voltou a falar, agora numa voz mais tranquila.

– A senadora é cliente da Archer? Ela compra o quê?

Theo revirou os olhos, suspirando.

– Michelle era minha cliente no Circus.

– Circus? O prostíbulo onde você trabalhou?

– Esse mesmo.

Stefan arregalou os olhos ao se dar conta.

– Não sabia que a senadora curtia garotas. Muito menos que curtia prostitutas. – Stefan comentou.

– Agora você sabe. – Theo resmungou.

– Mas… Ela ainda é sua cliente?

– Eu não sou mais prostituta, Stefan. Isso precisa ficar bem claro entre nós.

– Não estou dando em cima de você.

– Você é um homem inteligente para quase tudo, mas às vezes me decepciona.

– Então vamos deixar esse assunto de Circus pra lá.

– Ótimo.

Silêncio.

– Mas não por muito tempo, pode ter certeza que vão atirar isso no julgamento, sobre Sam se relacionar com alguém que já se prostituiu, tentarão jogar a honra dela na lama e provar que Samantha tem sim a capacidade de cometer atrocidades, vão tentar destruir a índole dela naquele tribunal, a dela e a sua.

– Então nós provaremos que ela tem uma boa índole.

– É bom você ir anotando todas as escorregadas que Sam já deu na vida, tudo que pode ser usado para difamá-la, temos que estar afiados para defendê-la de toda possível acusação.

– Sam é uma boa pessoa, isso é um fato, ninguém vai conseguir provar o contrário. – Theo disse enfática.

***

Letícia chegou no dia seguinte, Daniela não veio por questões financeiras. Formou-se uma rede de apoio a Sam, que através de um grupo virtual formado por Theo, Letícia, Dani, Maritza, John, Stefan e Michelle, investigavam e montavam a defesa, trazendo notícias e descobertas.

No meio da semana finalmente encontraram um apartamento de dois quartos com um preço moderado, num bairro não muito bem afamado, e mudaram-se para lá no dia seguinte. Após um acalorado debate entre Theo e Stefan para definir quem ficaria com a suíte, a campainha toca pegando todos os três de surpresa.

– O que você quer aqui? – Stefan atendeu a porta.

– Quem é, Stef? – Theo se aproximou e levou um choque ao ver quem era a visita inesperada.

– Posso entrar? – Mike disse sorridente.

Theo deu alguns passos amedrontados para trás, instintivamente. Ela já havia alertado Stefan sobre o perigo que ele representava, bem como a ameaça que Elias projetava em sua vida.

– Claro que não. – Stefan estendeu a mão e alcançou o batente da porta, formando uma barreira para Mike.

– Eu vim negociar.

– Não temos nada para negociar. – Letícia se aproximou, ficando à frente de Theo. – Você nem deveria estar assim perto dela.

– A lei aqui está ao meu favor, gracinha. Mas eu quero apenas conversar, é assunto de interesse seu. – Disse olhando para Theo.

Hesitou um instante, mas por fim Theo saiu detrás de Letícia e ficou frente a frente com Mike, a recordação que tinha dele era a estrangulando contra a janela do escritório da Archer.

– Sou toda ouvidos. – Theo disse em voz firme, empertigando-se sobre a muleta.

– Você está nos devendo uma informação, lembra? Eu vim em busca dela, é apenas isso que nós queremos.

Theo não queria acreditar na situação que se desdobrava à sua frente.

– Nós? Então você também faz parte desse golpe de…

– Claire. Sim, unimos forças. Nossos objetivos tinham muito em comum. – Sorriu.

Ela precisou de um esforço sobre-humano para não voar para cima do ex-major.

– Você mandou Sam para a prisão! O que você ganhou com isso?

– Separei vocês.

– Mike, você é um psicótico perigoso, precisa de tratamento. – Theo disse incrédula com o que ouvia.

– Não sou idiota como pensa, meu pai está lá, sabia? Depois de fazer a reprogramação bioquímica nela darei um jeito de livrá-la da prisão, e finalmente reiniciaremos nossa vida conjugal em Kent.

– Reprogramação? – Theo perguntou perplexa.

– Darei um jeito de fazer, basta fingir uma emergência médica.

– Se você realmente a amasse a deixaria em paz, você é um tremendo egoísta.

– Podemos voltar aos negócios? Você já sabe qual informação nós queremos, quer conversar sobre isso na frente deles?

– Eu já disse mil vezes que não tenho essa informação! Claire está insistindo na pessoa errada.

– Vim fazer uma oferta de paz, você nos repassa essa informação, em troca recebe uma quantia para viver de forma confortável por um bom tempo.

– Você veio comprar uma informação que não possuo, sua viagem foi em vão. – Theo ficou balançada com a oferta, eles precisavam muito desse dinheiro.

– Eu não voltarei a fazer essa oferta bondosa, você compreende do que está abrindo mão? Se você nos repassar a localização da sexta matriz leva um milhão e se livra de nós. Se não colaborar faremos de tudo para que sua vida vire um inferno.

– Opção 3: vocês me deixam em paz e vão perguntar isso para alguém que realmente esteja envolvido nisso.

– Você está fazendo uma péssima escolha, haverá represálias, prepare-se.

– O que mais irão tomar de mim? Querem minha vida? Saque sua arma e atire. Eu não tenho mais nada.

– Ninguém vai sacar arma nenhuma, ok? – Stefan se manifestou.

– Última chance, me encontre amanhã à tarde num café duas quadras abaixo. Sozinha.

– Algo mais? Posso fechar a porta? – Theo respondeu.

Mike a encarou com um sorriso confiante.

– Boa sorte com sua tentativa de visitar a Sam, a prioridade é minha.

Saiu pelo corredor deixando uma Theo arrasada para trás, Stefan fechou a porta e a inquiriu.

– Que raio de informação é essa que eles querem?

– Eu não vou conseguir visitar Sam? – Theo balbuciou aflita.

– Eu já fiz o cadastro, estamos esperando a resposta da direção do presídio. Theo, o que eles querem?

– A localização da sexta matriz. – Caminhou devagar até o sofá maior da sala e sentou, era marrom com listras bege.

– É o que estou pensando? – Letícia sentou ao seu lado e perguntou em voz baixa.

– É sim.

– Vocês não estão falando em Beta-E, estão? – Stefan se aproximou ficando à frente delas.

– Essa merda de Beta-E. – Theo resmungou, fitando o chão.

– O que você está me dizendo é que as cinco matrizes que a Archer mantém em laboratório não são as únicas?

– Exatamente, segundo Claire existe uma sexta matriz por aí. E alguém disse a ela que eu sei a localização.

– É esta a informação que eles querem?

– É sim.

– E você sabe onde está?

Theo ficou em silêncio alguns segundos.

– Não, eu não sei.

Letícia relanceou os olhos para Theo, ao seu lado.

– Então estamos em apuros, eles vão continuar pressionando você, e não temos como negociar.

Theo ergueu a cabeça, fitando sisudamente Stefan.

– Você já viu as matrizes, Stef?

– Não, nunca entrei naquele laboratório. Você já viu?

– Não, nunca vi.

– Então vamos procurar essa bendita amostra, quem sabe esteja em algum dos laboratórios da Archer, ou no cofre de alguém. – Stefan disse.

– Como queira, coloque na nossa lista de preocupações. Eu não estou me sentindo bem, vou para o quarto. – Theo disse e seguiu para a suíte.

Ela não foi ao café no dia seguinte.

***

– Posso me sentar com vocês? – Sam se aproximou da mesa do chamado grupo deformado com seu café da manhã na bandeja.

– Vai mesmo querer ficar andando com a gente? – Sophia perguntou.

– Sim, pelos próximos 75 anos. – Sam disse e sentou-se ao lado de Nira.

– Pelo visto a audiência ontem não foi nada bem. – Nira comentou.

– Ferraram minha vida para sempre, montaram um plano perfeito para destruir nós duas, eu e Theo.

– Você e sua namorada?

– Sim, pelo menos ela está em liberdade, poderá reconstruir a vida. Mas nos roubaram tudo, armaram para cima de nós. E ainda por cima querem remover minha prótese…

– Por isso você nem saiu da sua cela ontem depois que chegou do tribunal, não é? – Yulia perguntou.

– Theo estava lá, no tribunal. Eu fui a culpada disso tudo, e vi a decepção no olhar dela, mesmo o advogado me dizendo que ela não está me culpando.

– E a culpa é sua mesmo? Você cometeu crimes?

– Me acusam de três crimes, que de certa forma eu os cometi sim, mas nada foi minha culpa. Eu irritei os militares, e agora se vingarão de mim. – Sam mexia em sua comida a sua frente, sem vontade e já com seu casaco negro pesado, com uma faixa azul no peito.

– O que você aprontou?

– Eu era noiva de um militar, o pai dele é o vice-diretor daqui da prisão.

– E você sacaneou seu noivo?

– O troquei por uma mulher. E também acreditei em pessoas erradas, entreguei todo o patrimônio de Theo para um alguém mal intencionado.

– Eu posso passar o contato do meu advogado, ele não cobra muito. – Nira disse.

– Obrigada, mas já tenho advogado, uma pessoa que também foi lesada e não advoga há décadas, não está cobrando nada. – Sam suspirou tristemente. – Mas ele não tem a menor chance contra a promotoria do exército europeu.

– Bom… Então bem-vinda à última gulag soviética. – Sophia ergueu seu copo plástico de café para um brinde com Sam.

– Eu vou ajudar você a se distrair. – Yulia falava animada. – Vou te levar para conhecer as meninas que jogam basquete.

Depois do café Sam acompanhou Yulia e Carmen até uma das quadras, onde quatro mulheres jogavam basquete, enquanto outras oito assistiam sentadas num degrau de uma pequena arquibancada de três degraus.

– Robin, essa é a Samantha, ela veio da Nova Capital, vocês podem fazer amizade com ela? – Yulia sugeria.

Uma mulher alta e com duas cicatrizes no rosto levantou-se e estendeu a mão para Sam.

– Então é americana?

– Não, eu sou inglesa, mas fui repatriada, ganhei a cidadania da Nova Capital.

– Ouvi falar que você é uma soldado do exército europeu, isso te suja bastante aqui dentro, tem um pessoal aí que odeia militares.

– Então me ajude a espalhar a verdade, eu desertei do exército e hoje eles me consideram persona non grata.

– Por que está aqui?

– Estão me acusando de um crime de guerra que não cometi, querem me anular.

– Então você está muito ferrada, quem cai na gulag não sai tão cedo, isso aqui é um buraco negro onde esquecem de nós.

– Mas eu sou inocente, nem que eu precise de vinte anos para provar, mas eu vou provar.

Robin riu com compaixão, e apontou para a quadra.

– Joga?

– Um pouco.

A mulher alta assobiou parando o jogo.

– Flávia, você vai fazer dupla com a novata aqui. – Robin comunicou para uma morena igualmente alta.

– Eu vou jogar agora? – Sam perguntou com insegurança.

– Se vencer você pode falar com a gente, pode sentar na nossa mesa inclusive.

– Fechado.

Sam e Flávia venceram com facilidade a outra dupla, acabou conquistando um pouco da confiança da gangue das gringas.

Na sexta-feira, Sam já havia tomado banho e aguardava o horário da janta em sua cama, lendo um livro eletrônico. Sua parceira dormia no beliche ao lado.

Quatro mulheres estranhas entraram na cela, todas com uma estrela de oito pontas tatuada no pescoço. Uma delas, uma mulher morena com feição irada de cerca de cinquenta anos fitou a garota recém acordada no beliche. Ela entendeu o recado, e saiu correndo de lá.

Sam largou o livro ao lado, e sentou-se na cama, apreensiva.

– Então você é a tal militar americana.

– Na verdade sou inglesa, mas cidadã americana agora.

– Meus pêsames, não gosto nem um pouco daqueles porcos ingleses.

– Viemos dar as boas-vindas em nome da Bratva, e perguntar se está confortável, se precisa de alguma coisa. – Uma mulher robusta disse sorrindo, usava duas tranças negras e tinha uma tatuagem no rosto, abaixo do olho. – Eu e a Irina nos preocupamos com as novatas.

– Não, estou bem. Obrigada.

– Tem certeza? Você parece um pouco triste, que acha de ter companhia? – A líder, Irina, falou.

– Eu já tenho companheira de cela.

– E fora da cela, quem você tem?

Sam já suava com nervosismo.

– Eu costumo ficar com o pessoal de Sophia.

– Aquelas aberrações? Não são boa companhia. Quem vai te proteger caso resolvam enfiar o braço em você? As nazis ainda não te acharam. – Irina disse, e fez um movimento com a cabeça na direção da cama.

– Não vou me meter em confusão.

– Já se meteu.

As três mulheres tiraram Sam da cama com violência, e a prensaram contra a parede do fundo da cela.

 

Empertigar. v.t.d.: Endireitar-se. Pôr-se teso; mostrar-se ativo; tomar uma atitude de dignidade ofendida.

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