Capítulo 32 – Pistantrofobia
– Do que você está falando, Stef? – Theo perguntou, estava sentada em cima da mesa de Claire, enquanto Sam e Claire conversavam na mesa de reuniões ao lado.
– O pessoal de TI me repassou que vários logins foram feitos nessa coordenada, nessa sala.
– Stefan, você sabe que isso não é tão preciso assim, pode ter sido você mesmo na sala ao lado. – Claire rebateu.
– Ou até mesmo aqui, durante alguma reunião em que você tenha participado. – Sam completou.
– Acho pouco provável. E então, ninguém vai assumir? Terei que contratar uma empresa terceirizada para investigar?
– Que besteira, nós três temos nossas IDs para acessar o sistema, e com o mesmo nível de acesso que você, ninguém teria motivos para usar o seu, é tudo igual.
– Eu também não sei com qual objetivo, mas irei averiguar isso, podem apostar. – Stefan ameaçou, e saiu da sala.
– Ele é meio paranoico, não liguem. – Theo disse.
Sam e Claire ainda assimilavam a visita do colega conselheiro, fitando um ponto qualquer em silêncio.
– Foi alguma de vocês? – Theo perguntou.
– Eu não.
– Muito menos eu.
– Stef só ladra, mas não morde, relaxem meninas.
– Você quer continuar a verificação dos itens amanhã? – Sam convidou Claire.
– Pode ser, não estamos nem na metade, amanhã a gente finaliza.
Claire guardou os papeis eletrônicos numa pasta, Sam foi até a mesa se pôs entre as pernas de Theo.
– Quer ir para casa? – Sam convidou, lhe roubando um beijo.
– Não, sabe onde quero ir?
– Não faço ideia.
– Numa caverna sombria e sinistra que era habitada por almas atormentadas.
– Que?
– Quero ir na sala do meu pai, matar a saudade, tem mais de dois anos que não piso lá.
– A sala está fechada, só usamos às vezes em reuniões maiores.
– Eu sei, me leva lá?
Theo desceu da mesa e ajeitou-se nas suas muletas brancas. Caminharam até o final do corredor, Sam aproximou seu rosto do identificador biométrico e a porta se abriu.
– Prontinho, estamos na sala da presidência.
A herdeira deu alguns passos pela sala, encontrou a mesa onde seu pai trabalhava, correndo os dedos pela lateral, pensativa.
– Ali ainda tem um sofá horroroso marrom? – Theo apontou para o lado.
– Tem sim.
– E ali tem um campinho de mini golfe?
– Tem.
Theo abriu um sorriso maquiavélico, foi tateando até chegar na outra parede, tateou até achar o local onde os tacos eram guardados, tomando um deles. Recostou as muletas no chão.
– O que você vai fazer?
Theo não respondeu, apenas simulava tacadas no ar.
– Cuidado para não quebrar nada. Ou cair. – Sam alertou.
Tateou novamente a parede, encontrando um dispenser de bolinhas, colocou duas no bolso e pousou a outra no chão, na marca de onde se davam as tacadas iniciais.
Concentrou-se segurando o taco com ambas as mãos, ameaçou a tacada algumas vezes, como se mirando no escuro. Fechou os olhos e fez a tacada, a pequena bola passou a um palmo do primeiro buraco.
– Passou perto. – Sam se aproximou, a assistindo.
Theo colocou calmamente a segunda bola na marca, e seguiu o mesmo ritual, batendo de olhos fechados.
– Uuuuh. Quase. – Sam disse.
Na terceira bola, levou alguns segundos a mais na concentração, e finalmente bateu.
– Parabéns, ganhou o primeiro buraco. – Sam disse, rindo.
Theo apenas abriu um sorriso convencido.
– Você brincava nisso? – Sam perguntou.
– Desde que voltei ao Brasil, quando tinha dois anos. – Theo respondeu pegando mais bolinhas do dispenser.
– Essa sala é uma coisa quase faraônica, e tem uma vista ótima. – Sam comentou.
– E você deveria ocupá-la. – Theo disse após colocar a bola na marca.
– Eu? Trabalhar aqui?
– Sim, a sala está sem uso, já está na hora de você sair da barra da saia da Claire e ter sua própria sala.
– Mas eu… Mas eu acho que aprendo muito mais trabalhando com ela, eu ainda estou um tanto perdida nessa empresa.
– Sam, você frequenta a Archer há seis meses, não aprendeu nada? – Theo disse de forma séria.
– Aprendi, mas sozinha eu vou ficar igual uma barata tonta, não serei útil.
Theo respirou fundo, fechou os olhos e deu a tacada, certeira novamente.
– Você que sabe. – Arrematou. – Eu sou boa nisso, não acha?
– Eu não acertaria nem enxergando.
– Eu gosto de golfe, mas prefiro basquete.
– Dia desses eu assisti um vídeo antigo de um jogo de basquete, achei divertido.
– Ah é? Algum campeonato?
– Sim, liga das universidades de San Paolo.
Theo apertou os olhos.
– Que times estavam jogando? – Theo perguntou, com o taco parado no chão.
– Você estava jogando, Theo.
– Sério? Você assistiu um jogo do meu time? – Theo abriu um sorriso.
– Sim, eu estava com insônia. – Riu.
– E o que achou do meu enorme talento?
– Você ficou mais no banco do que em quadra, e foi expulsa por excesso de faltas, mas até que acertou algumas cestas.
– Eu sou aquele tipo de jogadora que entra para definir, não perco tempo.
– Isso eu já percebi.
Theo deu mais uma tacada, e voltou a falar.
– Sam, eu estive pensando, acho que está na hora de você devolver meu nome.
Sam fez um semblante confuso, estava sentada no sofá marrom.
– Acho que não entendi.
– Já está na hora de anularmos a procuração, não acha? Eu já posso responder por mim.
– Por que você está propondo isso agora? – Sam perguntou temerária que Theo tivesse descoberto algo das especulações secretas que andava fazendo.
– Eu já tinha pensado nisso umas semanas atrás, mas esqueci. Lembrei agora.
– E você quer isso por algum motivo específico? – Sam perguntou cheia de dedos.
– É perigoso ser Theodora Archer, quero tirar isso das suas costas.
– Ãhn… Ok.
– Nada vai mudar para você nas suas funções aqui dentro, é um detalhe burocrático apenas, mas você ficará mais segura. – Theo largou o taco e tomou suas muletas de volta, indo na direção do sofá.
– Eu vou conversar com os advogados nos próximos dias, me informar como proceder. Você tem pressa?
– Não, não tenho. – Sentou-se em seu colo, de frente para Sam.
– Não sei quem cuidou disso naquela ocasião em que você estava em coma, mas vou verificar.
– Stef.
– Stefan? – Sam ergueu apenas uma sobrancelha. – Não foram os advogados?
– Stef é advogado, e é do conselho também. – Theo entrelaçou o pescoço dela com os braços.
– Eu não sabia.
– Ele não exerce mais a advocacia, é só um conselheiro chato agora, mas ainda trabalha em conjunto com os advogados de vez em quando.
– Stefan e Sandro são difíceis de lidar, e parecem estar sempre sussurrando nas sombras, confabulando. – Sam disse.
– Cisma sua, eles são apenas mal-humorados mesmo. E eu admito que torrei muito a paciência deles quando era mais jovem, quebrava tudo com o taco de golfe ou a bola de basquete.
– Espero que você tenha razão, mas não confio muito neles.
– Confia em Claire?
– Sim, nela eu confio.
– Ela já tentou algo com você?
– Algo?
– Não se faça de desentendida.
– Não, Claire nunca tentou nada comigo, ela me respeita.
– Nunca te deu uma cantada?
– Ãhn, não sei, talvez, eu não sou boa em detectar essas coisas.
– Que ingênua a minha oficial. – Theo riu, e saiu do sofá.
– Não sou ingênua, só sou inexperiente.
– Não estou brigando com você, só estou perguntando. – Theo seguiu com as muletas até a mesa que era utilizada por seu pai e sentou-se sobre ela.
– Às vezes não sei se ela está sendo simpática ou se está dando em cima de mim. – Sam confessou, ainda sentada no sofá
– Ela dá em cima de você, isso é fato. E na verdade não estou nem aí.
– Mas se você confia em mim não tem com o que se preocupar.
– Quem disse que confio em você? – Theo riu.
– Não confia?
– Não totalmente, e não quero que você confie totalmente em mim também.
– Por que? – Sam perguntava com espanto.
– Por que as pessoas erram, agem por impulso, tomam decisões estúpidas, mudam de ideia. É melhor não ter essa carga de expectativa em cima das pessoas.
Sam ficou um instante pensativa.
– Você pensa assim porque muitas pessoas traíram sua confiança, não é?
As palavras de Sam desarmaram a atitude cheia de si de Theo.
– Não…
– Inclusive eu.
– As pessoas erram, Sam.
– Sabe qual o preço de não confiar?
– Pistantrofobia.
– Que?
– É o medo de confiar por causa de experiências ruins do passado.
– Além de pistan.. pistranfoto…além disso que você disse, você acaba atraindo o pessimismo. – Sam dizia com propriedade. – Eu sei que quando estou perto de você, e estou quieta, ou estranha, você já imagina que vou contar algo decepcionante, que vou confessar alguma burrada, ou dar a notícia que fiquei com outra pessoa, que fiquei com Claire, algo do tipo.
– Por que está falando isso?
– Eu percebo, tem momentos que percebo que você espera o pior de mim.
– É assim que nos preparamos para o que der e vier. – Theo rebateu.
– Não acha melhor mantermos boas expectativas? Os sonhos são feitos disso.
– Um equilíbrio entre as duas coisas, quem sabe.
– Vejo uma evolução. – Sam respondeu com um sorriso.
– A gente nunca sabe de onde vem a pancada.
– Posso te perguntar algo pessoal?
– À vontade. – Theo balançava as pernas na frente da mesa.
– Você já traiu?
– Hum. – Franziu as sobrancelhas. – Sim.
– Evelyn?
– É, eu ficava com outras pessoas, mas ela também ficava. Na verdade acho que nunca fui monogâmica. – Theo riu.
– Nem com Letícia? – Sam perguntou surpresa.
– Eu ficava com outras meninas.
– Você traia Letícia?
– Acho que ela não se importava, ela me disse algumas vezes que se eu aprontasse ela não queria ficar sabendo. No fundo ela sabia que eu aprontava.
– E Janet, que te traiu e você quebrou a casa dela?
– Eu não traí Janet, eu era ingênua na época.
– Então você está me dizendo que não trair é ingenuidade?
– Achar que ninguém trai é ingenuidade, as pessoas não costumam se contentar com uma pessoa só por muito tempo.
Sam ouvia estarrecida.
– Você vai fazer isso comigo? – Sam perguntou com medo da resposta.
– Provavelmente não, com você não, com você é diferente.
– Por que?
– Eu sei o quanto isso te machucaria, eu não ia suportar te fazer mal.
Um estrondo leve foi ouvido na sala.
– Ops, esqueci que o tampo dessa mesa é uma tela… – Theo disse, rindo.
– Você quebrou a tela com a sua bunda?
– Quebrei.
– Machucou?
– Não. – Ficou um instante em silêncio. – Sam, você me trairia? De novo?
– Por que isso teria importância para você e todo esse seu espírito livre e poligâmico? – Sam gesticulou rodando a mão.
– Depois que comecei a namorar com você percebi que não sou tão poligâmica assim… – Theo riu. – Eu quero uma relação monogâmica com você.
– Consequência da idade?
– Consequência do amor mesmo.
***
Sete semanas depois.
– Como pode uma estudante de medicina detestar tanto hospitais? – Letícia perguntou a Theo, que estava se ajeitando em seu leito hospitalar, já com uma bata azul clara.
– Você também se sentiria desconfortável se tivesse passado dois meses presa numa cama dessas, e recebendo visitas agradáveis como de Mike e Tio Elias, eles nem trouxeram flores.
Sam entrou no quarto, sentando-se ao lado de Letícia no sofá duro.
– Confirmei lá, a cirurgia será as três da tarde mesmo. – Sam informou.
– Três? Achei que seria meio-dia. – Theo disse desolada.
– Não, é três mesmo.
– Mas meu jejum ainda não começou, não é? Eu posso pedir que você busque algo da lanchonete do hospital para mim? Agora nem são dez da manhã.
– O jejum já começou.
Theo suspirou com visível decepção.
– Você não tomou café em casa? – Letícia perguntou.
– Tomei, as oito, já estou com fome.
– O nome dessa fome é ansiedade, tente não pensar na cirurgia, escute algo na tela, escute música, se distraia. – Sam disse.
– Ok, tentarei ficar calma sabendo que vão mexer na minha cabeça de novo, e que talvez amanhã eu volte a enxergar, ou talvez não. Coisas corriqueiras, não é mesmo?
– Corriqueiras não, mas esperadas há muito tempo. Esperamos tantos meses até você estar razoavelmente recuperada para finalmente fazer essa cirurgia, é um risco calculado. – Letícia sintetizou.
– Eu gostaria de saber como o médico chegou ao número 30.
– Dos 30% de chances da cirurgia dar certo? Ele deve ter alguns parâmetros para calcular isso. – Sam disse.
– Tem água aqui? – Theo tateou a mesinha ao lado, derrubando um copo d’água.
– Tinha. Espera, eu enxugo isso. – Sam foi até o banheiro e trouxe papel toalha.
– Desculpe.
– Talvez esse seja seu último copo derrubado. – Letícia disse, com otimismo.
– Acho que Theo vai continuar derrubando copos mesmo se voltar a enxergar. – Sam disse rindo.
– Mas vou conseguir acertar tapas em você. – Theo deu um tapa no ar, passando próximo do ombro de Sam.
Sam tomou sua mão ainda no ar, trouxe para perto e beijou a palma.
– Falando sério agora, tente não ficar pensando nisso, será uma tentativa, se não funcionar vamos tentar de novo e de novo e de novo… – Sam disse.
– Tentarei. – Theo aproveitou a mão no rosto dela para trazê-la para perto, e dar um beijo. – Quem eu tenho que levar para a cama para conseguir um copo de água por aqui?
A cirurgia ocorreu pouco depois das três da tarde, Theo voltou semiacordada para seu quarto as 21:30h.
– Meu Deus, demorou uma eternidade. – Sam sussurrou, já sentada ao seu lado no leito, correndo a mão por sua testa e por seus cabelos.
Theo apenas concordou movendo lentamente a cabeça, estava dopada. Havia ataduras enroladas ao redor de sua cabeça, cobrindo os olhos.
– Você está bem?
– Sim… – Murmurou. – Sobrevivi.
– Sente dor?
– Náuseas…
– Quer que eu peça um remédio para seu enjoo?
– Antiemético…
– Esse é o nome?
– Sim.
– Vou pedir então.
– Não, agora não… Sono…
– Ok, durma um pouquinho. – Sam beijou sua testa e apagou a luz do quarto, deixando apenas uma mais fraca acesa.
– Espera, você desligou a luz? – Theo perguntou.
– Sim.
– Eu percebi. – Theo abriu um sorriso sonolento.
– Você percebeu a luz apagando? – Sam sorriu abertamente. – Isso é um ótimo sinal, isso é muito bom.
– É sim… É um bom sinal… – Acabou adormecendo, Sam continuou com seu sorriso fixo no rosto por algum tempo, a vendo dormir.
Duas horas depois Theo acordou confusa, tateando as barras laterais da cama.
– Não é a minha cama. – Disse com pânico na voz, Sam saltou do sofá para perto dela.
– Não, essa é a cama do hospital, você está no hospital.
– O que é isso no meu rosto? – Theo tateava as ataduras afoitamente.
– Não mexa, você acabou de passar por uma cirurgia. – Sam tomou delicadamente suas mãos.
– Por que você está segurando minhas mãos?
– Para que você não se machuque.
– Eu não vou machucar você.
– É para que ‘você’ não machuque a si mesma.
– Também não.
– Pronto, mãos soltas, mas não coloque no rosto, combinado?
Theo continuou com as mãos erguidas, como se esperando algo.
– Eu posso coçar o nariz? – Perguntou cheia de confusão.
– Pode sim. Está sentindo alguma coisa?
– Dor de cabeça.
– O médico disse que você vai sentir dor de cabeça, confusão, e tonturas nos próximos dias, mas vou checar se você pode tomar algo agora. – Apertou o botão na parede.
Uma enfermeira apareceu segundos depois, Sam conversou com ela, que aplicou mais algum analgésico e saiu.
– Isso vai melhorar um pouquinho. – Sam disse, sentando ao seu lado, mas Theo não respondeu, apagara de novo.
– É, dormir também ajuda a minimizar a dor. – Sam falou sozinha.
Quarenta minutos depois, Theo novamente acorda confusa.
– Hospital?
– Sim, e você parece um peixinho dourado, sabia? – Sam brincou.
– Peixe? Que peixe? É o jantar?
– Sabe onde está e o que aconteceu?
Theo levou a mão à lateral da cabeça, sentindo as ataduras.
– Lincoln Memorial, cirurgia de reconstrução dos nervos ópticos.
– Muito bom.
Theo mexeu a cabeça de um lado para outro, com sonolência.
– E a luz está acesa.
– Sim, a enfermeira acendeu. Pronto, agora apaguei.
Ficou algum tempo em silêncio, e voltou a falar.
– Se existisse um emprego que consistisse em informar se a luz está acesa ou apagada, eu poderia ter esse emprego, não acha? – Theo dizia devagar e grogue.
Sam riu, e sentou ao seu lado na cama.
– E você seria uma boa informadora de status luminoso na empresa.
– Você vai dormir aqui? – Theo acariciava a mão de Sam, em cima da cama.
– Vou sim.
– Onde?
– Tem um sofá nada convidativo aqui atrás.
– Dorme comigo.
– Aqui na cama?
– Sim, dorme aqui.
– Eu tenho receio de acabar batendo na sua cabeça acidentalmente.
– Sam, minha cabeça aguentou um tiro, não vai aguentar seu cotovelo?
– Tá bom, mas prometa que se estiver desconfortável você vai me expulsar.
– Jogar você para fora da cama poderia ser meu nome do meio. – Theo deslizou para o lado.
– Eu sei, os velhos hábitos que nunca se perdem… – Sam resmungou, tirou os tênis e deitou-se sob o cobertor.
– Você está longe, deite aqui. – Theo a chamou para seu peito, Sam seguiu a orientação, aconchegando-se cuidadosamente, ajeitando os pequenos tubos.
– Confortável? – Theo perguntou baixinho, afagando seu ombro com o polegar.
– Aqui sempre é confortável.
Ficaram alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo suas respirações, batidas, e os bips da sala.
– Talvez essa seja a última noite sem ver você, talvez amanhã eu vá dormir conhecendo sua imagem real. – Theo refletiu.
– Seria maravilhoso… Mas isso tem me deixado em pânico.
– Por que?
– Eu morro de medo de você detestar o que enxergar.
– Eu já disse que isso seria impossível, não tem jeito do que eu sinto por você se esvair assim de uma hora para outra. Sem chance.
– Mas pode perder o encanto.
– Todas as coisas que eu sinto por você… Tudo… Foi tudo formado sem te enxergar. Existe a possibilidade de minha imagem criada ser bem diferente da imagem real, mas eu me adaptaria com a convivência, com o tempo.
– Engoliria a decepção… – Sam resmungou.
– Não, é só uma questão estética, mudança de percepção. Jamais a perda do encanto, ou do amor. – Theo beijou o alto de sua testa. – Eu me apaixonei por tudo que não enxergo.
– Não fuja com a enfermeira, ok? – Sam disse sorrindo, tentando espantar seu medo real.
– Amanhã à tarde fugirei daqui com você, de preferência enxergando o caminho.
– Uhum. – Bocejou.
Theo deslizava seus dedos pelo rosto de Sam, como se tentando obter mais um pouco da fisionomia dela.
– Eu percebi que você mal dormiu a noite passada. – Theo murmurou.
– Preocupada com a cirurgia. – Suspirou alto. – E com aquilo que já mencionei.
– Ok, eu vou contar uma coisa para você, e você promete que não vai contar para Letícia.
– Que você enchia a cabeça dela de chifres?
– Nunca mencione isso para ela. Mas não é isso, é outra coisa.
– O que?
– Ela me contou que você é linda.
Sam riu.
– Eu posso ter pago a ela para dizer isso.
Silêncio.
– Você pagou?
Sam riu mais.
– Você nunca saberá.
– Talvez amanhã. Agora feche os olhinhos e durma. – Theo passou a mão pelo rosto dela.
– Eu conheci você assim.
– Cega?
– Com essa bandana de ataduras ao redor dos olhos.
– É, é verdade. Deve ter sido estranho topar com uma pessoa assim correndo no escuro.
– Foi bem estranho. Engraçado que minutos antes eu tinha dado um último gole num caneco de chope barato em comemoração à virada do ano, e tinha feto uma pequena prece pedindo que Deus permitisse que eu chegasse viva até a virada do ano seguinte.
– Suas chances agora são bem maiores.
– Ele mandou você.
– Irônico, né? – Theo sorriu.
– Providencial.
***
Passavam alguns minutos das onze da manhã do dia seguinte, Doutor Franco prometera aparecer lá a tarde para remover as ataduras e curativos, efetuando um exame básico para verificar o resultado da delicada cirurgia. No sofá desconfortável Sam e Dani procuravam posições melhores, enquanto Letícia e Maritza estavam sentadas em cadeiras. Theo estava um tanto calada, caia em si do que poderia vir pela frente, a ansiedade aumentava com o passar das horas.
Sam também estava apreensiva, resolveu descer para almoçar mais cedo, no restaurante do hospital, incentivada por Theo.
– Ok, eu já volto, me liguem se o médico aparecer.
Optou por um lanche rápido, foi até a cafeteria e pegou um sanduíche, sentou-se numa mesa quadrada de quatro lugares, estava no meio de sua rápida refeição quando percebeu alguém sentando na cadeira a sua frente.
– Esqueceu que dia é hoje, sobrinha postiça? – Era Elias, com seu sorriso grande e cínico.
Sam parou seus movimentos, suas feições tencionaram de imediato, um ardor subiu pelo estômago ao encará-lo.
– Eu não consegui fazer o que você pediu, está além das minhas possibilidades. – Respondeu nervosamente.
– Você poderia ter se esforçado mais, você tem acesso ao mundo Archer por inteiro.
– Tenho acesso, mas não poderes, e se eu fizer uma coisa dessas me matariam no dia seguinte.
– Então é uma questão de escolha, por quais mãos você quer morrer. – Elias sorriu com sarcasmo.
– Me dê outra chance, por favor.
– Te dei dois meses, tenente.
– Por favor não me mate, não hoje. – Sam implorou, segurando sua vontade de chorar.
Elias a fitou ainda com o mesmo sorriso debochado, tomou o copo de água sobre a mesa e bebeu calmamente.
– Quer terminar a refeição? – Ele perguntou, gesticulando discretamente para dois brutamontes, que vieram em sua direção.
– Hoje não, por favor, hoje não, me dê mais alguns dias.
– Seu carro está no estacionamento do hospital?
– Está.
– Ótimo, vamos dar uma voltinha, meus amigos vão conosco, ok? Só para garantir que você se comportará na viagem.
– Para onde?
– Um lugar que você conhece.
Pistantrofobia: s.f.: medo de confiar nas pessoas, devido a experiências negativas do passado.
Capítulo ótimo! E quando a gente pensa que elas vão finalmente se ‘conhecer’ vem o lixo do Elias para estragar tudo. Mas não entendo a lerdeza da Sam… Ela sabia das ameaças e mesmo assim está sem seguranças? Puxa vida, será que o Elias levará a Sam para o novo Circus? Caraca, ansiosa pelo próximo capítulo. ?
ninguém aguenta mais esse Elias e não vejo a hora da Sam acabar com a raça dele….é tambem estou desconhecendo a Sam ta boazinha demais com esse traste…Cris, queremos de presente a cabeça de Elias…..kkkkk
abraço!
Sabe… eu não estou conseguindo entender como Elias está com toda essa liberdade de ir e vir, ele aparece do nada, nem parece que existe um esquema de segurança realmente organizado em torno da ameaça que ele representa.
Tipo, dois meses e Sam nessa morosidade, ainda pedindo mais tempo… sei lá, ela tá sob efeito de Beta-E e não sabemos? =P
Tirando isso, gostei dos diálogos desse capítulo, essas coisas de construção de imagem e o que realmente importa em uma relação, eu gosto dessas reflexões, acho que estou aprendendo a conhecer melhor as personagens, antes eu tinha uma ideia bem particular de como elas se comportariam. Mas ninguém melhor do que a criadora pra lançar luz sobre quais são as reações que elas podem apresentar diante de determinada situação.
Ótimo capítulo como sempre Cris, aguardemos cenas dos próximos capítulos.
Morra Elias! Morra!