Capítulo 26 – Fugaz
Theo ajeitou as muletas e iniciou sua caminhada com certa dificuldade, parando na frente de Sam, com semblante preocupado, sem fitar lugar algum.
– Então você anda. – Sam falou, de braços cruzados, tentando segurar um sorriso.
– Entre outras coisas. – Theo respondeu, com deboche, também tentando impedir um sorriso.
Sam a puxou para si, lhe dando um longo abraço caloroso, encontrou o conforto que precisava correndo suas mãos pelas costas de Theo, por baixo de seu moletom.
– Obrigada, Sam. – Theo sussurrou. – Obrigada por ter resgatado as meninas.
Sam lhe deu um beijo rápido, estava sem jeito por estar sob os olhares de seus familiares, mas não escondia a felicidade em reencontrar a namorada.
– Conseguimos. – Sam disse satisfeita, ainda a prendendo pela cintura.
– Você está bem? Onde se machucou?
– Aqui. – Colocou a mão de Theo em cima do corte. – Ainda dói bastante, acho que infeccionou. – Sam fez drama.
– Você não deve estar limpando com frequência, nem tomando remédios, não é? Eu cuido disso a partir de agora.
Sam sorriu e roubou outro beijo rápido.
– Vem cá.
Sam conduziu Theo até o centro da sala, parando ao lado do sofá onde seu pai estava sentado.
– Vocês me perguntaram onde eu estava, e o que eu estava fazendo. – Sam foi falando para eles. – Eu estava na Zona Morta, com Maritza e outras pessoas de confiança, acabamos de estourar uma casa de prostituição, e resgatamos treze garotas que eram mantidas nesse local em regime de escravidão.
– Por não deixaram isso a cargo da polícia? Por que se arriscaram desse jeito? – Elliot perguntou.
– Não confiamos na polícia de lá.
– O dono do bordel comprou toda a polícia e justiça da região. – Theo completou.
– Agora faz sentido, você saiu desse antro, não foi? – Elliot se dirigiu a Theo.
– Sim. – Theo respondeu sem se intimidar.
– E planejou buscar as amigas, mas como não anda nem enxerga, mandou Samantha no seu lugar.
– Eu fui por que eu quis, pai. – Sam tentou se justificar.
– Com todo esse dinheiro poderia ter contratado alguns capangas.
– Pai, não vamos discutir isso hoje, eu estou exausta, só quero subir e dormir. Amanhã poderemos conversar o dia inteiro, ok?
– Eu só estava tentando entender essas suas novas atitudes, parece que perdeu o juízo, ou que fizeram uma lavagem cerebral, é influência dessa menina toda desenhada.
– Crianças, amanhã vocês vão me contar tudo que andaram aprontando nesse tempo que fiquei fora. – Sam se abaixou, abraçando o menor deles. – Agora voltem para suas camas.
– Vamos fazer algo amanhã? – Lindsay perguntou.
– Sim, mas depois que eu e Theo resolvermos as coisas no abrigo.
– A prioridade deveria ser sua família. – Elliot resmungou, finalmente estourando a paciência de Sam.
– Theo também é minha família. – Disse duramente, virou-se e pousou a mão no rosto da namorada. – Vamos subir?
– Uhum.
Ainda com a mão em seu rosto, Sam a beijou sem receios, ignorando os resmungos de seu pai que vieram a seguir. Após a despedida, a conduziu na direção do elevador, com a mão em sua cintura.
– Onde está Maritza? – Theo perguntou.
– No quarto, John a levou.
– Eu quero agradecê-la.
– Agora?
– Sim, eu vou lá.
– Quer a cadeira?
– Não, vou andando.
– Espera. – Sam segurou seu braço antes de abrir a porta. – Melhor bater antes.
Theo entrou devagar no quarto, com suas muletas brancas, que não tinham apoio abaixo do braço, todo o peso ficava em suas mãos e cotovelos.
– Ritz, só vim ver como você está e agradecer, vou te deixar descansar, o repouso merecido da soldado.
– Agora está tudo ótimo, a tensão já passou. Theo, essas meninas foram uma grande inspiração para mim, eu que agradeço por ter confiado em mim.
– Elas vieram conversando durante todo o voo, adoraram essa cara de salsicha. – Sam resmungou em tom de brincadeira.
– Quero visitá-las amanhã, vou acompanhar de perto a recuperação delas. – Maritza contou.
– Você fez algo grandioso, elas serão eternamente gratas a você, você foi uma guerreira.
– E eu não? – Sam indagou.
– Você também, criança. – Theo ironizou. – E sinto muito pelo braço.
– Foi um trabalho em equipe que deu certo, nossos ferimentos são os ossos do ofício. – Maritza falou, estava deitada em sua cama com o braço imobilizado, com John na poltrona ao lado.
– Bom repouso para vocês, amanhã nos falamos. – Theo disse e saiu do quarto, acompanhada de Sam ao seu lado.
Caminhou já cansada até o elevador, antes de entrar esticou o braço, procurando por Sam.
– Estou aqui, quer ajuda?
– Onde você pensa que vai?
– Dormir. – Sam respondeu.
– Que eu saiba o sofá fica aqui embaixo.
Sam a encarou sem palavras, havia esquecido totalmente esse assunto.
– Você estava falando sério? – Finalmente balbuciou algo.
– Sim, eu vou subir, você não, peça para alguém buscar uma muda de roupa no quarto. – Theo deu dois passos à frente e entrou no elevador.
– Mas eu estou com saudades de você. – Sam tentou.
– Como se sente agora do outro lado da brincadeira de mau gosto?
– Então eu posso subir?
– Claro, venha logo, eu também estou morrendo de saudades.
Sam abriu um sorriso aliviado e correu para o elevador, Theo estendeu seus braços, a entrelaçando e aninhando-se nela.
– Você me beijou na frente do seu pai. – Theo comentou com preocupação.
– Beijei. – Sam respondeu com um sorriso arteiro e nada arrependido.
– Você enlouqueceu. – Theo riu.
Assim que entraram no quarto, Sam tirou as muletas dos seus braços, a segurou pela cintura e a conduziu para cima da cama, a deitando no travesseiro, o que a pegou de surpresa. Podia enfim beijá-la sem reservas.
– Ai! – Sam cessou o beijo levando a mão ao lábio inferior.
– Você sabe porque te mordi. – Theo disse com um sorriso malicioso.
– Mas foi só uma brincadeira.
– Eu sei, foi só para te lembrar que não gostei da brincadeira, mas isso não foi nada perto do que você fez ontem.
– O que?
– Samantha, você salvou treze garotas, você e sua bravura fizeram a diferença na vida delas.
– E deu tudo certo. – Sam continuava em cima de Theo.
– Você é a minha guerreira, minha oficial, eu estou tão orgulhosa de você. – Theo acariciava seu rosto. – E tão aliviada por não ter levado nenhum tiro.
– Nenhum.
– Só isso aqui. – Theo pousou os dedos sobre o curativo um pouco abaixo das costelas.
– Au, não aperte. – Retraiu.
Theo subiu as mãos e desentrelaçou o cachecol negro de lã que Sam usava, o manteve atrás do pescoço, e puxou, trazendo o rosto para perto do seu, por fim a beijando.
– Confesso que tive medo de não ganhar um beijo de boas-vindas quando eu chegasse. – Sam murmurou, enquanto Theo beijava seu pescoço.
– Você cumpriu a missão, tem direito a quantos beijos quiser. – Theo respondeu com os lábios subindo seu queixo.
– Só beijos?
Theo parou e se afastou alguns centímetros.
– Vá tomar um banho, se quando você voltar eu ainda estiver acordada, você ganha mais do que beijos.
– Tomarei o banho mais rápido da minha vida. – Sam pulou para fora da cama, indo para o banheiro.
***
– Alguém foi acordá-las? – Theo perguntou a Liana, responsável pelo abrigo do instituto.
Era quase nove da manhã, Theo, Sam, Maritza e Michelle estavam sentadas numa mesa redonda de toalhas brancas, no refeitório do abrigo. Haviam outras cinco mesas como aquelas, aprontadas aguardando que as garotas aparecem para o café da manhã. Sam ajeitou o cachecol branco e leve que Theo usava por fora do casaco negro, enquanto ela própria usava um casaco de lã vermelho. Havia passado a usar mais roupas vermelhas depois que percebeu que a namorada gostava dessa cor. Sempre que Theo a perguntava o que estava trajando, e a resposta era alguma peça em vermelho, percebia um sorriso por qual valia a pena mudar um pouco seu guarda-roupas.
No final daquele salão cheio de grandes janelas, havia uma mesa comprida, repleta de pães, bolos, e coisas do tipo. Theo já havia se servido, Sam a conduziu na cadeira de rodas, seus braços estavam exaustos do uso das muletas nos dias anteriores. Parecia ansiosa com o reencontro, já havia devorado dois pães, e escavava o terceiro.
– Acho que sim, alguém bateu em todas as portas. – Liana respondeu, ela também estava na mesa.
– E ontem quando eu saí do banho, ela não lembrava se eu estava chegando da Zona Morta ou do banheiro. – Sam conversava com Michelle, estava dando um tempo na cisma que nutria pela senadora.
– Hey, você está falando mal de mim? – Theo entrou na conversa.
Três das meninas finalmente apareceram, e logo reconheceram a colega de Circus que estava dada como morta, fazendo um estardalhaço. O barulho trouxe mais quatro delas, e rapidamente aquele ambiente anteriormente calmo, transformara-se, enchendo-se abraços, lágrimas e alegria.
– Eu morri? Eu estou vendo assombração? – Claudia surgiu, e não acreditava no que estava vendo, com as mãos cobrindo a boca e sacudindo suas trancinhas negras.
Iana também apareceu, era a única que já sabia de tudo, mas emocionou-se ao ver a amiga, desabando num abraço em Theo, que permanecia na cadeira de rodas e mal cabia em si, estava com o coração saltitante.
Alguns minutos depois, a última das garotas apareceu na porta, esfregando os olhos.
– Que barulheira é essa? O café está contando piadas por acaso? – Pauline falou com mau humor.
– Chegou a marrenta. – Theo respondeu, fazendo Pauline arregalar os olhos ao percebê-la no meio das garotas.
– Mas que porra é essa?
– Achou mesmo que tinha se livrado de mim?
– Isso é alguma brincadeira? É um holograma?
– Sou eu, Pauline, lembra que eu falei que fugiria daquele inferno? Eu consegui, estou vivinha.
– Não… Não… Você morreu na fuga.
– Por que não vem aqui e constata com as próprias mãos? – Theo abriu os braços, pedindo um abraço.
Pauline demorou-se nos braços da amiga, por fim puxou uma cadeira e sentou-se à sua frente.
– Elias te soltou?
– Não, eu escapei de lá, aquele desgraçado me procura até hoje.
– Ele não sabe onde você está?
– Sabe, mas ainda não teve coragem de invadir minha casa, eu enchi de seguranças.
– Espera aí. – Claudia levantou-se. – Você é a tal pessoa?
– Do que você está falando?
– Você é a tal pessoa misteriosa por trás de tudo? Que Sam não queria nos contar de jeito nenhum?
– Eu pedi para ela não contar, achei prudente enquanto vocês estivessem lá.
– Você planejou nosso resgate?
– Ajudei, o trabalho pesado foram essas guerreiras aqui na mesa que fizeram. – Estendeu a mão para Sam, que estava sentada ao seu lado, e foi prontamente atendida.
– Mas como você conseguiu se safar? Você não nem enxergava, como voltou para casa? – Pauline perguntava ainda eufórica.
– Graças a ela. – Theo beijou a mão de Sam, que estava entrelaçada com a dela.
– Sam foi até o Circus te resgatar?
– Não, eu estava passando por perto, e encontrei essa menina correndo desesperadamente. – Sam falava num tom lúdico. – Enfiei no meu carro e levei embora.
– Sam é ótima para resumir fatos. – Theo brincou.
– Eu não estou entendendo nada… – Claudia resmungou.
– Me deixe apresentar as convidadas. – Theo começou. – A minha frente, temos a senadora Michelle Martin, diretora da…
– Michelle? Sua cliente? Nossa fornecedora oficial de pó e hidrometa? – Pauline interrompeu, trazendo certo desconforto para a senadora.
– Sim, e agora uma amiga. – Theo explicou e voltou a explanar. – Michelle é diretora da ONG Martin, que está agindo em parceria com a ONG Imogen Bedford.
– Que ONG é essa?
– Pertence ao grupo Archer Biotecnologia, que pertence a mim.
– Você? Você tem uma empresa? – Pauline indagava.
– É uma longa história, só precisam saber que vou garantir todo respaldo financeiro que precisarem. Voltando à mesa, temos Liana, Liana erga a mão, não sei onde você está. Ela é a diretora deste abrigo, será a mãezona de vocês nesse momento, podem contar com ela para qualquer necessidade, inclusive passagens para vocês ou seus parentes.
– Minha sala fica no final do corredor dos quartos, podem me procurar. – Liana se manifestou. – Era uma mulher de cabelos loiros para grisalhos, parecia dona de grande serenidade.
– Maritza cara de salsicha vocês já conhecem. – Theo apontou para o lugar errado.
– Estou aqui, Theo. – Maritza a corrigiu.
– Ok, ali, naquela cadeira, está uma soldado que colocou a vida em risco para salvar vocês, e que me confidenciou que gostaria de continuar apoiando vocês e a ONG, então é uma pessoa que também poderão contar a partir de agora, apesar do bracinho ferido.
– Estou bem, prometo estar aqui todos os dias. – Ritz completou.
– E ao meu lado, está minha heroína particular, a oficial Samantha, que resgatou não apenas vocês, como também a mim. E ela é a garota mais incrível que já conheci, não estou exagerando.
Sam baixou a cabeça com um sorriso sem jeito.
– Também acho! – Bradou uma das meninas.
– Ela é linda, gentil, sensível, destemida, e sabe qual a melhor parte? Eu namoro com ela. – Theo disse a última frase de forma convencida e apontando para Sam, que estava vermelha.
– Ah! Eu sabia que tinha algo aí! – Pauline disse.
– Tem, tem bastante coisa. E ela deve estar vermelha e tímida.
– Ela adora fazer isso comigo. – Sam resmungou.
Theo virou-se e segurou o rosto de Sam com as duas mãos, tascando um beijo.
– Pronto, agora você tem motivo para ficar vermelha.
***
Theo estava sentada na beirada da cama do casal, com Sam deitada a sua frente, sem camisa, ela limpava seu ferimento, trocando o curativo. Chegavam ao fim do longo dia no abrigo com as baterias descarregadas, era visível o cansaço no semblante de Theo.
– Eu posso terminar, vá tomar seu banho para dormir. – Sam pediu, observava Theo limpando cuidadosamente os pontos em sua cintura.
– Eu também posso terminar. Está doendo?
– Não, você continua com dedos leves.
– Onde está o curativo?
– Aqui, tome. Mas depois você vai encerrar o expediente, estou comovida com essa carinha de cansada.
– Você fez dupla jornada hoje, no abrigo e depois saindo com sua família, deve estar morta. – Theo dizia enquanto ajeitava o curativo na pele.
– Foram coisas revigorantes.
– Lembrei de uma coisa. – Theo parou o que fazia.
– O que?
– Sua família saiu para jantar ontem à noite.
– E nem te convidaram?
– Não, mas isso não vem ao caso. Eles jantaram com Mike.
– Mike? – Sam mudou de semblante.
– Sim, num restaurante nos Jardins.
– Lindsay te contou?
– Não, Lucian me disse, ele levou e trouxe o pessoal.
Sam ficou um instante em silêncio, pensativa.
– E não me contaram nada hoje.
– Aquele encosto está na cidade, quem diria… Será que ele vai tentar usar alguém da sua família para chegar até nós? – Theo perguntou temerosa.
– Espero que tenha sido apenas uma reunião de família, meu pai tem Mike como um filho.
– Que bonito isso. – Theo rebateu com cinismo.
– Eu vou tirar isso a limpo, não deve ser nada demais.
– Apenas saudades do major.
– Terminou, enfermeira? Tenho a impressão que você está se aproveitando de minha nudez parcial.
– Você está sem camisa? Achei que ela só estivesse levantada.
– Estou sem camisa. – Sam deu um risinho. – Sabe, acho que se você voltar a enxergar não terei coragem de ficar sem camisa na sua frente, nem tirar a roupa.
– Eu não te verei nua?
– Talvez no escuro.
– Sam, eu não te verei nua? – Theo perguntou incrédula.
– Eu vou ficar sem jeito, não sei se terei coragem.
– É bom ir se acostumando com a ideia, tenho horas e mais horas de observação do corpo alheio para lhe devolver.
***
– Soube que saíram para jantar anteontem. – Sam perguntou para Lindsay, estavam tomando o café da manhã juntas.
– Fomos num restaurante tão refinado, eu nem sabia usar aqueles talheres. – Lynn riu.
– A convite de quem?
Lindsay a encarou hesitante.
– Não é porque vocês não são mais noivos que Mike deixou de ser parte da nossa família.
– Vocês tiveram coragem de sair com aquele cretino? E nem me contariam nada, não é?
– Para que? Você ainda está com essa birra dele.
– Essa birra se chama medida cautelar, ele ameaçou Theo de morte várias vezes.
– Sam, ainda não entendo o que se passa na sua cabeça. – Lindsay largou a faca de pão na mesa. – Mike fez o que fez porque estava ressentido, você o traiu, fez o coitado de gato e sapato, o trocou por uma menina que encontrou na rua, o que você esperava? Ele é homem, tem orgulho, tem honra, ele reagiu assim porque te ama, e não queria te perder.
Sam a fitou em silêncio, já se fora o tempo em que rebatia os sermões da irmã mais velha de forma culposa ou fugaz.
– Mike fez o que fez porque não tem escrúpulos nem caráter, eu não sou nenhum exemplo de bom comportamento, mas assumo meus erros e me esforço para seguir no caminho de retidão que Deus nos ensinou.
– Você está confortável onde está, mas no fundo sabe que está cheia de dúvidas, que está se desviando do caminho, e ainda por cima tem coragem de dizer que segue os preceitos de Deus.
– Eu tenho certeza de estar onde sempre quis estar, e com uma pessoa que me trata de igual para igual.
– Vocês foram para a cama enquanto Theo estava em coma, isso não diz alguma coisa? – Lynn provocou, como se tivesse tirando uma carta da manga.
– Mike deve ter contado isso no jantar e se vangloriado a noite inteira. – Sam balançou a cabeça com desgosto. – É o regozijo dos perdedores, já imaginava que ele usaria isso, mas não pensei que você também jogaria baixo como ele.
– Irmã, não estamos contra você, nem contra Theo, isso não é um cabo de guerra, onde tomamos lados. Todos nós queremos sua felicidade, que você repense algumas coisas, agora que sua vida está voltando ao normal, que não corre mais riscos nem é procurada pela justiça.
– Quanta benevolência. – Sam debochou, abriu um sorrisinho e tomou lentamente seu café.
***
46 dias depois
– Podemos remarcar para o mês que vem, Theo, é o mais prudente e você se divertiria mais. – Sam pedia pela vigésima vez.
– Perderíamos esse pequeno verão de agosto, a previsão é de calor para os próximos dias. – Theo estava na cadeira de rodas, arrumando sua mala em cima da cama, com a ajuda de Sam.
– Quem sabe tenhamos dias quentes mês que vem?
– No mês que vem não tem seu aniversário.
– Podemos comemorar meu aniversário aqui mesmo, uma festa na piscina.
– Já está tudo confirmado e combinado, amor.
– Quatro dias em Ilhabela é tempo demais.
– Onde colocou os biquínis?
– Aqui, já estão na mala. – Sam respondeu e sentou na cama, segurando as mãos de Theo.
– O que foi?
– Me escute por um segundo. Você está com pneumonia, Theo. Você sabe que não se brinca com isso, que isso te deixa vulnerável e que pode piorar rapidamente, pode inclusive te matar rapidinho. Por que não planejamos essa estadia na praia para o mês que vem?
– Eu já estou melhor.
– E porque está usando essa máscara de oxigênio?
– Ainda estou me recuperando, mas estarei ótima nos próximos dias. Já arrumou suas roupas?
– Theo…
– Eu estou bem, Sam, eu sei que estou bem, não darei mais sustos. – Suspirou. – Eu entendo sua preocupação, mas posso garantir que estou quase sem pneumonia, continuarei tomando os remédios, andando de cadeira de rodas, me poupando de esforços, usando o oxigênio sempre que sentir falta de ar, prometo me comportar.
– Ainda acho uma loucura.
– Seu aniversário é no domingo, até lá estarei ótima e iremos comemorar fazendo um luau. E é tão difícil Letícia conseguir quatro dias de folga seguidos, ela nunca mais vai conseguir essa proeza.
– Quem mais vai?
– Letícia, Daniela, Maritza, e duas amigas de Daniela: Isadora e Andrea.
– Você conhece essas duas?
– Só de vista, da época que Daniela saia com a gente.
– É um casal?
– Dani disse que ainda não oficializaram, que estão apenas ficando.
– Quando John volta da Inglaterra? – Sam perguntou.
– Se os pais dele não o sequestrarem, volta semana que vem, as aulas da faculdade de arquitetura começam logo.
Sam levantou da cama e tornou a ajudar Theo na arrumação da mala.
– Não dobrei nenhum short seu, onde estão? – Theo perguntou.
– Você sabe que não uso shorts.
– Meu anjo, você está indo para a praia.
– Estou levando calças leves.
– Ahhhhh.
No dia seguinte, uma quinta-feira de sol e temperatura agradável, o helicóptero pousou na casa de Ilhabela, trazendo o quinteto e alguns seguranças.
A bonita e moderna casa tinha dois pavimentos e um deque frontal, de ponta a ponta, com vista para o mar a frente, além de uma piscina retangular num dos lados do deque. O pavimento inferior possuía apenas vidraças, o que dava uma vista deslumbrante para quem circulasse por ali, até a cozinha tinha uma de suas paredes de vidro. Um elevador havia sido instalado há poucos dias, facilitando o acesso ao pavimento superior, que possuía em sua fachada um revestimento que imitava madeira. Os quartos ficavam em cima, e embaixo havia uma sala de estar que ocupava metade do andar.
O acesso a areia da praia se dava por uma escada de pedras de poucos degraus, uma rampa fora construída também nos últimos dias, paralelamente à escada. Aquele pedaço de praia era particular e bem vigiado.
– Ok, pode deixar que assumo aqui, George. – Sam disse e assumiu a cadeira de rodas, seguindo para o interior da casa.
– Está sentindo isso? – Theo perguntou no caminho.
– O que?
– O sol, está forte.
– Já vamos nos abrigar.
– Não, não estou reclamando. É ótimo sentir esse calor todo na pele, sinal que teremos dias de praia pela frente.
– Vou morrer de insolação, pelo visto… – Maritza, que seguia logo atrás, resmungou.
– Quando você ver o mar, seu humor vai melhorar, Ritz. – Theo respondeu, usava máscara de oxigênio com dois cilindros acoplados em sua cadeira.
– Onde estão as outras duas garotas? – Maritza perguntou.
– Estão vindo de carro, chegam à tarde.
Chegaram na sala, Sam parou o passo ao ver o mar verde através das paredes de vidro.
– Theo, você foi um tanto econômica na descrição da casa e da vista. – Sam contemplava deslumbrada. – Isso aqui é lindo, e essa casa parece saída de um filme.
– Que bom que gostou. – Theo sorriu.
– Nada como ter dinheiro… – Maritza murmurou indo na direção da porta da frente, que era larga e dava no deque, onde haviam espreguiçadeiras brancas.
– A arquitetura dessa casa é linda, dinheiro não compra tudo, mas ajuda a ter uma bela mansão numa praia particular. – Letícia brincou.
– E contratar bons arquitetos e paisagistas. – Theo completou. – Tenho que tirar meu chapéu para meu pai, ele tinha boas ideias, e adorava vidro.
– Os quartos são lá em cima? – Maritza perguntou.
– Sim. Sam, me leva lá? Não sei onde está o novo elevador.
Sam saiu do transe deslumbrado, e olhou ao redor, procurando as escadas e elevador.
– Perto da escada, venha.
Haviam passado boa parte do dia pela sala, Theo sentia-se melhor e usava agora apenas um fino tubo abaixo do nariz. Isadora e Andrea chegaram juntamente da noite, e cumprimentaram as cinco moças na sala.
– Theo, quanto tempo não lhe vejo. – Andrea, uma oriental de sorriso fácil a abraçou.
– Ainda lembra de mim?
– Claro, e você ficou nos noticiários por um bom tempo.
– Olá Theo, como está? – Isadora aproximou-se a cumprimentando, era uma mulher alta e com um porte que chamava a atenção, com cabelos castanhos lisos e esvoaçantes, lábios cheios e brilhosos, e roupas curtas.
– Neste paraíso? Estou muito bem.
– Achei que estivesse com a recuperação mais avançada, Dani disse que você já estava caminhando.
– E estou, mas precisei dar um tempo nas muletas, uma pneumonia oportunista surgiu essa semana.
– Sinto muito, espero que as coisas melhorem, deve ser horrível depender dos outros para qualquer coisa.
– Já foi pior, e essa menina aqui é paciente. – Apontou para o lado, para o sofá onde Sam estava sentada.
Isadora finalmente notou a presença de Sam, e seu semblante mudou imediatamente.
– Você é a famosa Samantha? Ouvi falar muito bem de você. – Isadora a abraçou. – Mas ninguém me contou que você era tão bonita assim.
– Prazer em conhecê-la. – Sam respondeu, envergonhada.
– Theo, depois me conte como você conseguiu fisgar essa garota. – Isa brincou, desagradando Theo.
– Parece que a conversa que tivemos não serviu para nada, não é? – Andrea cochichou no ouvido de Isa, a repreendendo.
– Relaxe, só estou me divertindo, daqui a pouco volto a bajular você. – Respondeu baixinho, com um sorriso irônico.
Enquanto Sam e Maritza conversavam no deque que servia também de varanda, Theo, Daniela e Letícia preparavam o jantar, bagunçando a cozinha.
– Ritz, eu apoiarei qualquer decisão que você tomar nesse sentido, eu já falei isso antes. E esse curso tem tudo a ver com seu trabalho na ONG. – Sam apoiava a decisão dela de cursar faculdade de assistência social.
– Os alunos vão caçoar de mim, eu terei dez anos a mais que eles.
– Você será a queridinha deles, e com certeza outras pessoas trintonas estarão na sua turma.
– Eu não sou trintona, vou fazer 29 ainda.
– Você me entendeu. – Sam deu um gole num drinque vermelho escuro. – Por Deus, que negócio bom é esse?
Maritza olhou para seu copo, que continha o mesmo conteúdo.
– Eu não sei o que Theo colocou aqui dentro, mas eu não consigo parar de beber isso.
– Vodca.
– Eu sei que tem vodca, me refiro às frutas.
Isadora e Andrea surgiram ao lado das meninas que estavam sentadas num sofá de madeira com almofadas, estavam arrumadas.
– Meninas, estamos indo para a vila curtir a noite, topam? – Andrea convidou, de forma simpática.
– Hoje não, vamos fazer um programa mais caseiro. – Maritza respondeu.
– Mas obrigada pelo convite. – Sam negou educadamente.
– Ah Sam, vai ficar mofando em casa? Vem com a gente! – Isadora insistia.
– Quem sabe no sábado? Vamos jantar daqui a pouco, as meninas estão preparando alguma coisa lá na cozinha.
– Tenho certeza que Theo entenderia se você resolvesse dar uma saída, não voltaremos tarde. – Isa respondeu.
– Entenderia, mas é uma opção minha ficar em casa hoje. – Sam respondeu já nem tão educadamente.
– Vamos, Isa, as meninas querem ficar e curtir a casa. – Andrea colocou a mão no ombro dela, a chamando.
– Tem certeza, Sam? Eu espero você se vestir. – Isadora pediu.
– Boa curtição, e cuidado lá fora. – Sam finalizou e virou-se novamente para frente. Maritza ainda acompanhou as meninas voltando para o interior da casa.
– Essa Isadora não me desceu. – Maritza comentou após ajeitar-se no sofá, estendendo o braço pelo encosto.
– É o jeito dela, acho que daqui a pouco a gente se acostuma.
Por volta das duas da manhã, todos já dormiam na casa, mas o silêncio foi interrompido por uma discussão em alto volume no térreo.
– Tem alguém na casa. – Theo acordou sobressaltada, sentando-se assustada na cama.
Fugaz: Adj. de dois gêneros: Rápido, que desaparece rapidamente, que dura muito pouco; efêmero, passageiro.