Capítulo 25 – Pantomima

Capítulo 25 – Pantomima

 

– Quando elas chegam? Hoje? Que horas? Maritza não me atende. – John adentrou o quarto de Theo vociferando perguntas, a acordando, era oito da manhã.

– Teu pai não te deu educação? – Theo acordou no susto.

– Sam ligou?

– Ligou ontem. – Theo sentou-se, esfregando os olhos. – Está tudo bem, pirralho, acalme-se.

– Ritz levou um tiro, ela pode ter piorado.

– Ela já foi operada e passa bem, você sabe disso.

– Todos vem hoje, não vem?

– A princípio sim, Maritza deve ter alta a tarde. Você sabe de tudo isso, por que está aqui enchendo meu saco?

– Porque Maritza não está atendendo.

– Porque ela está dormindo, seu demente. Lá são três a horas a menos que aqui.

John sentou-se na poltrona, fazendo um semblante de descoberta.

– Esqueci esse detalhe. – Ele balbuciou.

– Daqui a pouco elas ligam, fique tranquilo. – Theo sentou-se na beira da cama.

– Quer a cadeira de rodas?

– Não, me alcance as muletas.

***

Por volta das dez, Sam já estava no hospital, onde passaria o restante da manhã fazendo companhia a sua colega militar.

– Falou com as meninas hoje? – Maritza perguntou, enquanto devorava os biscoitos que Sam havia levado para ela.

– Sim, falei com todas antes de vir para cá, dei bom dia e um abraço demorado, uma por uma. – Sam riu.

– Elas estão te enxergando como mãezona. – Maritza também riu.

– Não, mas eu percebo um vínculo de confiança se formando.

– Igual ao vínculo que Theo criou com você quando te encontrou.

– Theo. – Sam se deu conta.

– O que foi?

– Esqueci de ligar para ela. – Sam disse já sacando o comunicador, o encarou e deu um sorrisinho.

– Por que você está com essa cara de quem vai aprontar?

– Faz tempo que não prego uma peça nela. – Sam fez a ligação, e foi prontamente atendida.

– Bom dia, meu anjo. – Theo a cumprimentou com doçura na voz.

– Oi Theo, tudo bem aí? – Sam fingia uma voz temerosa.

– Sim, aguardando ansiosamente o retorno das heroínas. Como estão as coisas nesse pedaço gelado do mundo?

– Tudo sob controle, as meninas estão no hotel. Escute, eu… Eu tenho algo que preciso te contar, não consigo mais guardar isso de você.

– Eu sabia, você se machucou mais do que me contou, não foi?

– Não, foi só aquele corte mesmo, não é nada disso.

– O que foi então?

– Eu dormi com Pauline.

– Que? Como assim? – Theo perguntou atônita.

– Desculpe, aconteceu, nem sei como acabou acontecendo… Foi um daqueles momentos em que o cérebro não funciona direito, e eu…

– Você dormiu com a Pauline? A Pauline que você acabou de resgatar? Que loucura é essa?

– Foi tudo tão rápido e nebuloso, ela pediu para dormir comigo, parecia amedrontada, eu não tive coragem de dizer não, e sabe como as coisas são.. Aconteceu, passamos a noite juntas.

Silêncio.

– Pior que eu não sei quem se aproveitou de quem… – Theo resmungou.

– Me desculpe, foi coisa do momento, não significou nada para mim, apenas uma noite errada que vamos esquecer que aconteceu.

– Vamos? Vamos? Quem vai esquecer? Eu vou esquecer? – Theo esbravejava, sentou-se num aparelho da sala de fisioterapia.

– Sim, vamos fazer de conta que não aconteceu nada, certo? Você já me perdoou antes, pode me perdoar agora.

– Eu não estou acreditando nas coisas que estou ouvindo… Samantha, você tem ideia da merda que fez? Você consegue enxergar essa situação por um ponto de vista que não seja do seu umbigo?

Sam se segurou para não rir.

– Não vai afetar ninguém negativamente, Pauline nem sabe que sou sua namorada.

– Ex! Ex namorada! Que vacilo foi esse, Sam? Você tem algum fetiche por garotas recém-saídas do Circus? Que porra você acha que está fazendo aí?

– Theo, não se exalte, isso tudo é…

– Escute, me ligue depois, eu preciso digerir isso.

E desligou.

– Theo? Theo? – Sam olhou para o aparelho em suas mãos, estupefata.

– Que porcaria você fez? – Maritza a questionou, boquiaberta.

– Era só uma brincadeira.

– De muito mau gosto, diga-se de passagem.

– Ela desligou na minha cara. – Sam ainda não acreditava.

– Então ligue e diga que era tudo mentira, antes que ela espume.

– Eu vou fazer isso.

Sam tentou algumas vezes, mas Theo não a atendia.

– Ela não me atende, o que faço?

– Ligue para John.

– Você pode ligar?

– Não, você fez a merda, você limpa.

John levou um tempo até atender a ligação.

– Oi, Sam.

– Onde Theo está? – Sam foi logo falando.

– Sei lá.

– A encontre, é urgente.

– Foi algo com Ritz?

– John, encontre Theo agora, eu preciso falar com ela!

– Ok, ok.

Segundos depois, John voltou a falar, estava na sala.

– Vocês viram Theo?

– Não. – Lindsay respondeu, estava no sofá da sala tomando conta dos filhos.

– É minha filha? Me deixe falar com ela. – Elliot foi na direção de John, com o braço erguido a frente.

– Seu pai quer falar com você, Sam.

– Eu não posso agora, por favor, encontre Theo, é importante.

– Ela disse que não pode falar com o senhor agora, porque precisa falar algo importante com Theo.

– O que é mais importante que o próprio pai? Me dê esse aparelho.

– Sam, ele quer falar com você.

– John! Pelo amor de Deus, eu falo depois com ele, eu preciso resolver um mal-entendido com Theo, ela acha que eu a traí.

– Você traiu Theo? Com quem?

– Samantha traiu aquela menina? Com homem? – Elliot perguntou assustado.

– Eu não traí! Foi uma brincadeira idiota que eu fiz, mas não deu tempo de explicar. Saia daí, vá procurá-la na cozinha, depois no quarto, depois na fisioterapia, depois na piscina, mas vasculhe essa casa atrás dela!

– Ela não traiu de verdade, parece que só usaram brinquedos. – John explicava para Elliot.

– John? – Sam a chamou.

– Sim?

– Vá procurar Theo!!

– Volte aqui, garoto. – Elliot foi atrás de John.

– Ela fala com o senhor depois.

– Me dê esse aparelho!

– Ok. – John entregou o comunicador a Elliot.

– Samantha, que história é essa? Finalmente criou juízo e arranjou um homem? Só não me diga que arranjou outra mulher na Zona Morta.

– Pai, tudo isso é um grande, enorme mal-entendido, ok? Eu não fiz nada com ninguém, foi uma brincadeira que terminou de forma errada, prometo explicar melhor depois. Por favor, devolva o aparelho para John, ele precisa passar para Theo.

– Espero que tenha sido com um homem. – Bufou e devolveu o aparelho para John.

– A encontrou? – Sam perguntou.

– Ainda não, vou procurar no quarto agora.

John averiguava o interior do quarto e do banheiro, quando tomou um susto.

– Quem está aqui? – Theo questionou, ao entrar no quarto.

– Eu, John. Tome, segure o comunicador. – John colocou rapidamente o aparelho nas mãos de Theo.

– Por que?

– Agora coloque no ouvido e diga “Theo falando”.

Theo não se moveu, apenas suas sobrancelhas, para baixo.

– Vamos lá, coloque no ouvido, é para você.

Theo suspirou e levou o comunicador até o ouvido.

– Samantha, eu não quero falar com você agora. – Theo despejou.

– Era brincadeira! – Sam berrou em pânico, a voz falhou.

– O que?

– Eu estava pregando uma peça em você, eu juro!

– Você está usando drogas?

– Theo, eu não dormi com Pauline, eu não dormi com ninguém, era só uma brincadeira, mas você não deixou eu contar isso.

Silêncio.

– Que brincadeira estúpida.

– Parecia engraçada quando bolei.

– Você já foi melhor nisso.

– Eu sei, estou enferrujada.

– Então não dormiu com Pauline?

– Eu dormi, mas não desse jeito, ela dormiu no mesmo quarto que eu, na cama de Maritza, foi só isso.

– Por que?

– Ela pediu, disse que ia se sentir mais segura, ela tinha acabado de prestar depoimento, parecia arrasada, eu permiti.

– E não rolou nada?

– Não, claro que não.

– Nadinha?

– Nadinha, dormimos como duas rochas.

– Conversaram?

– Pouco.

– Ela sabe quem você é?

– E quem eu sou?

– Minha namorada.

Sam deu um sorrisinho.

– Voltei a ser sua namorada?

– Com ressalvas. Ela sabe que estou viva?

– Não, ela acha que você morreu na fuga. Por que com ressalvas?

– Eu ainda estou brava. Nenhuma delas sabe que estou viva?

– Não, ninguém sabe, elas ficarão surpresas ao descobrirem quem está patrocinando isso tudo, uma alma penada bondosa. A propósito, quando chegarmos em San Paolo, poderei dar a notícia?

– Não sei, não quero pensar nisso agora, estou morrendo de dor de cabeça, vim para o quarto procurar algum remédio, não quero decidir essas coisas agora.

– Você está bem?

– Ficarei depois que encontrar algum maldito remédio.

– Você parece brava.

– Que engraçado, foi exatamente o que eu disse segundos atrás.

– Acho melhor deixar você descansar, então.

– Onde você está?

– No hospital, com Maritza. Volto para o hotel depois do almoço.

– Vem hoje?

– Vou procurar algum voo para o início da noite, devo chegar de madrugada, então só nos falaremos amanhã.

– Não.

– Não?

– Me acorde, se eu já estiver dormindo.

– Tem certeza? Você ficará ainda mais brava por ser acordada.

– Eu quero te ver hoje. – A voz de Theo perdia o tom ríspido.

– Para me dar bronca?

– Quer saber, Sam? Não me acorde, nem precisa subir, durma no sofá, ok?

E desligou.

– Theo? Theodora?

Novamente Sam olhou para o aparelho com semblante embasbacado. Maritza, que acompanhava a conversa, gesticulou, sem entender o que havia acontecido.

– O que houve?

– Ela desligou.

– De novo?

– Ela está brava. Fazia tempo que eu não via Theo ficar brava assim. Até me mandou dormir no sofá.

– Então torça para que ela tenha um lapso de memória e esqueça tudo isso.

– Não tem graça, Ritz.

***

No meio da tarde, Sam já estava de volta ao hotel. Seu quarto era grande, recebia a visita de todas as garotas, algumas sentadas no chão sobre o tapete que havia abaixo da tela ligada. Conversavam, comiam guloseimas, algumas estavam vidradas assistindo os programas e filmes, disputando os canais de forma descontraída.

– Eu não vejo filmes há três anos, me deixe assistir aquela comédia.

– Veja, um programa de culinária, eu adoro cozinhar! – As meninas passavam no hotel as horas que antecedia o retorno para San Paolo.

Sam estava numa das camas, recostada na cabeceira, dividindo um pote de castanhas com outras duas garotas que também estavam na cama.

– Já reservou as passagens? – Pauline perguntou.

– Sim, saímos as sete. Antes da meia-noite estaremos em San Paolo. – Sam respondeu.

– Para onde vamos? – Blanche perguntou.

– Um abrigo para meninas, que foi inteiramente reformado e vai acomodar todas vocês confortavelmente.

– Que tipo de abrigo?

– De uma instituição. – Sam deu um gole em seu canudo. – É uma ONG que vai dar todo o suporte que precisarem, não apenas um lugar para dormir e comer.

– Como assim?

Sam percebeu que agora todas prestavam atenção nela.

– O resgate não acaba aqui, essa instituição vai continuar ao lado de vocês, dando apoio, disponibilizando médicos, psicólogos, e vocês podem também contar com bolsas de estudos, profissionalização, tudo que precisarem para retomarem suas vidas.

– Por que esse interesse em nós?

– Porque esse é o trabalho deles, cuidar de mulheres em situação de risco.

– De onde surgiram?

– É uma ONG de uma empresa chamada Archer, e eu garanto a vocês, tudo que precisarem, absolutamente tudo, vocês estarão amparadas, não só a Archer, como também a ONG Martin está participando disso, e disponibilizou toda estrutura e pessoal.

– Então você acabou de contar quem está por trás disso tudo! – Claudia disse eufórica.

– Na verdade não. Tem uma pessoa bancando tudo isso, alguém que queria muito ver vocês livres, que idealizou tudo, e ajudou no planejamento. Se dependesse dela, com certeza estaria aqui também, ajudando no resgate.

– E por que não veio?

– Porque não tem condições de saúde para sair de casa.

– Você o conhece? Ou só foi contratada por ele?

– Conheço, dividimos o mesmo teto.

– É seu namorado? Marido? Amigo?

– Desculpe, eu não posso contar.

– Nem isso?

– Como vocês são curiosas, encham suas bocas com esse monte de comida que tem aqui. – Sam olhou atentamente todo o ambiente. – Está faltando uma, onde está Iana?

– Ficou no quarto, ela não está legal.

– Está doente?

– Não.

– Eu vou lá. E não saiam do quarto, ok?

Sam entrou no quarto triplo onde Iana estava encolhida na cama, as luzes estavam apagadas. Deu alguns passos hesitantes até a cama, acendeu uma luz na cabeceira e sentou-se na cama ao lado, de frente para a garota de traços orientais.

– Iana?

– Está na hora de ir? – Disse sem se mover.

– Não, ainda temos algumas horas no hotel.

– Posso ficar aqui?

– Claro. Não está se sentindo bem? – Sam falava de mansinho, com as mãos unidas a frente do corpo.

– Só quero ficar um pouco sozinha.

– Tem toneladas de chocolate no meu quarto, tem certeza que não quer ir para lá? – Sam brincava.

– Eu não quero estragar o clima delas.

– Por que estragaria? Você também não se sente aliviada de estar aqui fora?

– Aliviada sim, mas não consigo fingir que tudo vai voltar ao normal, eu sei que não vai.

Sam fez uma pausa reflexiva antes de voltar a falar.

– Como eu estava explicando para as meninas agora há pouco, você não estará sozinha aqui fora, terá apoio de duas ONGs. Apoio total, viu? Em tudo que você precisar ou quiser fazer, médicos, profissionais, todo tipo de suporte. E pode estudar também, fazer algum curso, faculdade, ou trabalhar em algo que você goste.

– Sam, eu não quero soar pessimista nem rude, mas não somos mais as mesmas, somos garotas avariadas, não existe vida normal para pessoas como nós.

– Existe sim, eu sou testemunha disso.

Iana apenas olhou com estranheza para Sam, que continuou falando.

– Não, eu não passei por nada parecido, mas convivo com uma pessoa que passou exatamente por esta situação. Não vou iludir você com a promessa de que amanhã sua vida estará totalmente de volta aos eixos, é um caminho longo, Iana. Você vencerá obstáculos dia após dia, de vez em quando algum fantasma vai surgir em determinadas situações, mas é possível continuar, é possível ter sua vida de volta, por completo, em todos os âmbitos.

Sam percebeu a menina se retraindo, parecia ter tocado em algo delicado com suas palavras.

– É fácil falar… – Iana murmurou baixinho, quase chorando.

– Qual seu medo? – Sam levantou e sentou na beira da cama da garota, segurando sua mão.

– Talvez eu consiga um emprego, ou voltar a estudar. Talvez eu consiga ter um bom relacionamento com minha família, até mesmo com alguns amigos que deixei para trás, mas… Eu nunca…

– Você acha que nunca vai conseguir se relacionar com alguém? – Sam captava os temores da garota.

– Quem vai querer alguém como eu? Estamos estragadas… – Iana chorava.

– Você pensa que não vai conseguir, mas é possível, é mais do que possível, é inevitável.

– Eu sempre sonhei em ter uma família, sabe? Como nos filmes, ter um marido carinhoso, filhos, netos… Nunca terei nada disso.

– Você acha que nunca estará curada o suficiente para se entregar a alguém?

– Tudo que eu terei são pessoas me olhando com nojo… Quem em sã consciência iria querer como mulher alguém como eu?

– Eu. – Sam respondeu de bate pronto.

Iana apenas arregalou os olhos, confusa.

– Não, não é o que você está pensando. – Sam começava a explicar, fez uma pausa. – Iana, você sabe guardar segredos?

– Sim.

– Eu estou falando sério, você promete guardar em segredo uma coisa? Não pode contar para nenhuma das meninas.

– Prometo. – Iana ergueu o dedinho da mão, prontamente entrelaçado por Sam, que sorriu.

– Você conheceu uma garota chamada Theo?

– Sim, era uma das meninas do Circus, você a conhecia?

– Por quanto tempo vocês conviveram lá?

– Uns dois anos, ela chegou seis meses depois de mim. Você esperava resgatá-la? Esse é o propósito de tudo, você estava em busca dela?

– Não, vocês são nosso propósito, todas vocês.

– Mas esperava encontrá-la também, certo? Ela é parente sua?

– Não, eu sabia que ela não estaria lá.

– Ela teve um fim horrível, eu sinto muito.

– O que Elias disse que aconteceu?

– Que ela matou um cliente para fugir pelos dutos, mas acabou caindo do último andar, morreu na tentativa de fuga.

Sam abandonou o semblante tranquilo, ficou um instante cabisbaixa, imaginando o que acontecera naquela noite.

– Desculpe. – Iana disse baixinho. – Vocês eram próximas?

– Como foram os últimos dias dela no Circus? – Sam ignorou a pergunta.

– Um inferno, eles haviam a cegado, parecia que haviam extraído o restinho de vida que havia nela. Sabe, foi uma tragédia horrível sua morte, mas de certa forma foi um alívio, eu sabia que ela não sofreria mais, não precisaria mais passar por aquelas coisas.

Sam desviou o olhar, e balançou a cabeça, assimilando.

– Sam?

– Hum?

– Você disse que me contaria um segredo, esse é o segredo? Que você conhecia Theo?

– Não. – Sam respirou fundo e voltou a fitá-la. – Theo está viva.

– Eu também gostaria que ela estivesse viva, ela foi uma grande amiga.

– Ela fugiu, não caiu de telhado algum, ela conseguiu fugir.

Os olhos de Iana brilharam, ela parecia incrédula.

– Elias mentiu?

– Mentiu, provavelmente para desencorajar fugas.

– E onde ela está agora?

– Em casa, em San Paolo.

Iana abriu um largo sorriso, saiu da posição encolhida e sentou-se.

– Ela conseguiu, ah aquela garota… Claro que ela conseguiria.

– Assim como você, Theo também achava que essa parte da vida dela estava morta, que passaria o resto da vida sozinha, reclusa. Mas essas coisas não morrem, por mais que se machuque, tudo fica guardadinho aí dentro. Ou seja, você é sim capaz de dar e receber amor, só está um pouco destreinada. – Sam lhe entregou um sorriso otimista.

– Theo conheceu alguém?

– Você ainda não sacou o segredo, não é?

– Você?? – Iana perguntou surpresa e sorridente.

– Eu.

– Por isso você sabe tantas coisas sobre o Circus.

– Esse resgate é ideia dela, foi um pedido de Theo.

– Ela voltou a enxergar?

– Não.

– Mas ela leva uma vida normal?

– Dentro do possível, porque ela sofreu um acidente depois que fugiu.

– Na fuga?

– Não, aconteceu algo um tempo depois, mas ela está se recuperando, ela está bem.

– E namorando uma pessoa legal como você.

– Tenho minhas escorregadas, mas estamos nos dando bem. E estou morrendo de saudades dela.

– Eu também!

– Segredo revelado, agora vem comer chocolate com a gente.

***

Sam e Maritza deixaram as garotas no abrigo em San Paolo passando da meia-noite, John e Lucian foram buscá-las, era quase uma da madrugada quando finalmente chegaram em casa. Arnold ouviu o pessoal chegando quando saia da cozinha, e foi até os quartos chamar seus parentes.

Em instantes a sala estava num clima festivo, até as crianças haviam acordado e pulavam no colo de sua tia, que se emocionava com o reencontro. Elliot surgiu logo em seguida, com passos lentos em sua bengala e seu habitual semblante sério.

– Por onde você andava? – Elliot a questionou.

– Fazendo uma boa ação por aí. – Sam esperou que ele se aproximasse, e o abraçou demoradamente. – Bom te ver, pai. – Disse com um sorriso aberto.

– Também estou feliz em te ver. – Finalmente Elliot deu uma amostra de um sorriso contido.

– Há quanto tempo não reunimos todos no mesmo lugar, hein? – Sam dizia satisfeita, apontando para os sobrinhos.

– Essas crianças não paravam de falar de você, Tia Sam para cá, Tia Sam para lá…

Elas pularam em suas pernas, e logo todos estavam novamente embolados brincando no chão da sala.

Meg, que dormia no quarto do térreo, acordou e foi até o quarto de Theo.

– Hey, dorminhoca. – Meg tocou seu ombro.

– Hum? – Acordou desorientada.

– Sua princesa encantada chegou.

– Que?

– Sam chegou.

– Onde ela está?

– Na sala, com a família, mas deve subir daqui a pouco.

– Acho que ela não vai vir aqui.

– Não?

– Eu disse para ela dormir no sofá.

Meg riu.

– E você quer que ela durma no sofá?

Theo não respondeu.

– Vamos lá, menina, você está treinando com essas muletas há dois dias, para fazer uma surpresa quando Sam chegasse, vai estragar tudo?

– Me alcance as muletas.

– Assim que se fala.

Theo desceu o elevador e caminhou até a entrada da sala, com as muletas e acompanhada de Meg. Escutou as vozes felizes ao longe, a sala era formada de vários ambientes.

– Quer ir até lá? – Meg sussurrou.

– Ali ainda tem um aparador? – Theo apontou na direção da parede.

– Tem sim.

Caminhou devagar até o aparador e recostou-se nele, aguardando em silêncio.

Dois minutos depois, Meg cochichou algo no ouvido dela.

– Sam acabou de perceber sua presença.

– Ela fez alguma expressão?

– Como assim?

– Pareceu preocupada? Triste? Feliz? Indiferente?

– Vocês brigaram?

– Ela ignorou minha presença, não foi?

– Ela está vindo na sua direção.

– Com qual expressão? Com qual expressão, Meg?

– Parou dois metros a sua frente.

– Com qual expressão?

– Venha cá, Theodora. – Sam pediu.

– Ela te chamou.

– Eu percebi.

– O que está esperando? Vai lá.

 

 

Pantomima: s.f.: Arte de demonstrar, através dos gestos e/ou expressões faciais, os sentimentos, pensamentos, ideias, sem utilizar palavras; mímica. Figurado: Mentira bem elaborada; logro.

 

4 comentários Adicione o seu
  1. Sério, me corta o coração ler o que essas meninas passaram no Circus, mas como a Sam disse pra Iana, se a Theo refez a vida dela, com certeza todas conseguirão ficar bem com muito apoio e esforço. E a Samantha tem um parafuso desconectado, só pode. Brincadeira estúpida com a Theo! Bom, ansiosa para o momento que a Sam beija a Theo na frente desse Elliot insuportável. E vendo esse troglodita, me lembro que o miserável do Mike ainda está por aí, solto, sem dar notícias. Medo dele e do Elias.

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