Capítulo 2 – Lettera
13 de fevereiro de 2121
“Nunca imaginei que a morte poderia ser tão sarcástica. A aguardo sentada numa cadeira desconfortável, ladeada por outras tantas cadeiras igualmente desconfortáveis e que parecem zombar da minha solidão. A sala é branca, fria e comprida, como um frigorífico. Não consigo tirar os olhos daquela porta de vidro translúcida, nem consigo ver o que acontece além daquelas portas, mas posso imaginar.
Aguardo impaciente pela confirmação daquilo que não quero acreditar. Ao mesmo tempo que almejo que alguém com a roupa ensanguentada apareça na minha frente me dizendo algo que vai mudar minha vida, também odeio essa possibilidade. Odeio tanto que sinto vontade de vomitar.
Então é assim que se morre antes de morrer?
É assim que Theo vai embora, no dia da minha morte?”
A meia-noite em ponto, o temido dia treze de fevereiro surgira, com um bip longo vindo de dentro do peito de Sam, a assustando.
– Não desligue agora… – Sam disse, em pânico com a mão junto ao coração.
Um garoto de não mais que vinte anos surgiu pela porta lateral daquela sala fria do hospital, parando na frente de Sam, passavam alguns minutos da meia-noite.
– Samantha Cooper? É a senhora?
– Sim. – Sam o fitava apreensiva, já de pé.
– Me pediram para lhe entregar isto. – Estendeu um papel.
Sam tomou o papel em mãos, olhando rapidamente.
– E Theo? Como ela está? Ela sobreviveu? – Sam perguntava de forma afoita.
– Não sei, apenas me pediram para entregar, eu trabalho no administrativo, não sou médico.
– Por favor, me dê alguma informação sobre o estado dela, chame alguém que saiba de alguma coisa. – Sam deu um passo à frente, assustando o garoto.
– Moça, não sei de nada, mas alguém da segurança vem buscar você daqui a pouco, é tudo que eu sei.
– Da segurança? Por favor, eu estou desesperada aqui, ninguém apareceu, ninguém me dá notícias, eu preciso saber se ela está viva senão eu vou invadir aquele corredor! – Sam dizia nervosamente, apontando para a porta de vidro.
– Hey, não posso te ajudar, ok? Espere um pouco aqui, alguém vai aparecer em breve, eu tenho que voltar. – E saiu apressado.
Sam ainda ficou alguns segundos de pé, desolada, olhando para a porta. Sentou-se e deu uma olhada no papel que tinha em mãos. Estava meio amassado, dobrado duas vezes, com sangue nas bordas.
Assim que desdobrou, reconheceu o papel, era uma página do seu kit de desenho. Estava inteiramente manuscrito de forma irregular, as linhas estavam tortas, ora desciam, ora subiam.
“Este lado é destinado para o hospital e para os órgãos legais.” Dizia a primeira frase, no topo do papel, com letras em maiúsculas.
“Eu, Theodora Bedford Archer, número de registro A96121321, declaro como representante legal e fiduciária Samantha Cooper, que deve estar na sala de espera deste hospital agora. Tenho como último pedido que meu coração seja imediatamente transplantado para a pessoa supracitada, assim que meu óbito for oficializado. Este pedido inclui quaisquer outros órgãos, tecidos, e sistemas que forem necessários para sua sobrevivência. Samantha Cooper foi vítima de um experimento do exército europeu e teve um coração artificial implantado, o mesmo irá se desligar no último minuto do dia 13 de fevereiro do corrente ano, portanto ela deve receber meu coração antes que este prazo se encerre.
Caso eu tenha por direito algum bem, valor, ou herança de minha família, desejo que tudo seja repassado e gerido também por ela. Se houver trâmite judicial para avaliar o mérito do meu pedido, desejo que, como ato de boa fé das autoridades, que Samantha desfrute desde já da minha casa, para que ela a tenha como residência a disposição assim que deixar o hospital.
Por fim, atesto que minha atitude de tirar a vida foi inteiramente de minha vontade, sem coerção ou solicitação de nenhuma outra pessoa, e eximo Samantha Cooper de qualquer envolvimento neste ato.
Que minhas solicitações sejam executadas inicialmente pelos responsáveis judiciais ou administrativos deste hospital, e que minha última vontade seja feita.”
No final da carta havia a assinatura de Theo e sua contrassenha de assinatura virtual. Sam leu todo o conteúdo como se estivesse anestesiada com o teor, era a confirmação de que ela havia atentado contra a própria vida como último recurso para que Sam sobrevivesse, era seu plano B, que alimentava em segredo.
Com as mãos trêmulas, Sam virou o papel, e encontrou mais texto manuscrito de forma não muito ordenada.
“Este lado é destinado à Samantha Cooper” – Dizia em letras maiúsculas no topo.
“Eu sei que essa frase é um velho clichê, mas se você estiver lendo isso, é porque não estou mais por aqui.”
Sam prontamente desabou num choro.
“Antes de qualquer coisa, peço que não fique brava comigo, por não ter compartilhado desta minha decisão com você. Entenda, se você soubesse deste meu plano, eu teria mais trabalho em executá-lo (provavelmente você tomaria minha arma). E desculpe também pela caligrafia, deve estar um aglomerado de frases tortas vagueando pelo papel, espero que esteja legível, e que você não acorde enquanto escrevo isto.
Num mundo perfeito você teria conseguido seu coração de outra forma, e eu ainda estaria viva tropeçando ao seu lado. Acredite, era tudo o que eu mais queria, uma chance de ser feliz com você, mas desde o início eu tinha o mau pressentimento que apenas uma de nós sobreviveria. E eu tinha certeza que deveria ser você.”
Sam chorava copiosamente, as mãos mal tinham forças para segurar o papel, que tremulava.
“Me prometa que você irá colocar sua realização e felicidade acima de qualquer coisa, que não irá mais se submeter às vontades dos outros, nem viver sonhos que não são seus. Faça uma faculdade de artes, ou apenas faça arte, mas faça o que te faz genuinamente feliz. Tente não casar com o Mike, ele é um completo babaca. Procure um garoto ou uma garota que te valorize, te respeite, e te deixe livre para ser quem você quiser ser. Ok, você acordou e eu disse que estava procurando biscoitos. Quanta ingenuidade, oficial… Voltando ao assunto, não abra mão nunca de seu prazer, não abra mão de seus direitos como mulher, imponha-se, empodere-se.
Saiba que te amo, e que foi meu amor por você que apertou aquele gatilho. Não se sinta culpada, não se pergunte se poderia ter evitado isso, não fique triste por muito tempo. Eu não vou pedir para que não chore porque sei que não adiantaria, você é uma manteiga derretida. Mas não chore muito.
Levo comigo o som do seu sorriso, a visão da sua voz que me acalentava, a certeza física da sua mão e do seu abraço, as lemniscatas na pele, e o amor infinito mais breve que já conheci.
Sam, meu amor, te vejo do outro lado.”
– Não… Não… – Sam soluçava com as mãos no rosto, ainda segurando o papel.
Uma carta escrita três dias antes, guardada por Theo provavelmente sob a roupa, e encontrada agora, por algum enfermeiro, enquanto era despida para os procedimentos cirúrgicos. Naquela loucura de pensamentos intensos e confusos, Sam ia montando o quebra-cabeças do plano B de Theo.
– Ela não estava procurando biscoitos… Estava escrevendo uma carta de despedida, e eu não percebi. – Sam murmurava sozinha, ainda chorando com desespero.
Aquela sala fria de espera parecia cada vez menor, Sam sentia-se sem ar, sem batimentos, o mundo parado ao redor, como se o tempo congelasse até receber alguma notícia sobre o estado de Theo.
Mas nada veio até ela, apenas uma carta que confirmava que aquilo havia sido premeditado, ninguém surgiu para lhe confirmar a notícia da morte da garota que amava, o que lhe salvaria a vida. Nem para decretar sua morte dentro de menos de 24 horas: Theo sobrevivera, seu coração ainda batia.
Releu a carta, se deu conta agora do que Theo havia feito nos minutos que antecederam o tiro: ela estava se despedindo. Aquele choro descontrolado era por saber que precisaria tirar sua vida, e o derradeiro momento chegara, não esperou o nascer do sol do fatídico dia treze, suicidou-se na última noite, no último abraço, no último beijo, a última vez que Sam a conduzira pela mão, no primeiro “eu te amo, oficial”.
– Eu também te amo… Não morra… – Sam respondia sozinha, lembrando das últimas palavras de Theo.
Um homem inteiramente vestido de branco entrou na sala, ainda olhando uma prancheta eletrônica, olhou no recinto e percebeu apenas a presença de Sam, que levantou-se, esperançosa.
– Como ela está? – Sam perguntou afoitamente.
– Você se refere à Theodora… – Olhou a prancheta. – Theodora Archer, correto?
– Sim, ela sobreviveu?
– Ela é filha daquele dono da Archer?
– Sim, por favor, me diga como ela está!
– Ainda está em cirurgia, mas não tenho maiores informações.
Sam suspirou de olhos fechados.
– Ela está lutando, ela está viva. – Sam murmurou.
– Sim, mas preciso levar você para a sala de coleta.
– De que?
– Você precisa fazer os exames pré-cirúrgicos.
– Eu não farei cirurgia alguma.
– Eu sou o responsável pelo setor de transplantes no momento, e fui contatado sobre um transplante cardíaco que será feito nas próximas horas, você irá receber o coração da senhora Theodora Archer, então precisa fazer alguns exames antes.
– Mas ela está viva! Ela não irá doar o coração, ela sobreviverá.
– Fui informado que talvez ela venha a óbito nas próximas horas, então esse procedimento é necessário, por favor, assine aqui e me acompanhe. – Ele estendeu a prancheta.
– Leve isso embora. – Sam disse com impaciência.
– Ok, direi que você se recusou aos procedimentos. – Ele respondeu sem muito ânimo, e saiu.
Sam voltou a sentar-se, sua perna sangrava e latejava com os dois tiros.
– Ela está viva… – Abriu um leve sorriso.
Minutos depois, Sam corria a mão pela perna ferida, tentando abrandar a dor, levou um susto com a entrada de dois seguranças.
– Senhora Samantha Cooper, favor nos acompanhar. – Um deles, o mais robusto, vociferou.
– Para onde?
– Por gentileza, nos acompanhe.
Sam levantou-se devagar, cada vez mais a dor na perna lhe queimava.
– Vocês vieram me prender? – Sam perguntou com a voz baixa, abatida.
– Não somos policiais, somos seguranças.
– Tem policiais aí fora?
– Sim, tem alguns.
– Ok… – Sam olhou ao redor, procurando alguma forma de fugir dali, tudo que ela menos queria era ser presa.
– Senhora, essa sala não tem outras saídas, apenas nos acompanhe e nada de mal lhe acontecerá. – Ele disse, prevendo sua intenção.
– Eu não posso ser presa, preciso ficar aqui.
– Se a senhora não for por bem, teremos que usar da força.
Ela os encarou, em dúvida e angústia. Passaria suas últimas horas numa prisão, longe de Theo?
– Tudo bem. – Aceitou de bom grado, seguindo pelos corredores escoltada pelos dois grandalhões.
Quando avistou uma porta aberta, onde dizia “escadas”, não teve dúvidas, correu na direção da porta vermelha. Ainda nos primeiros degraus foi contida por eles, sendo agora conduzida pelos braços pelo corredor, até um conglomerado de salas no andar de baixo.
– Boa noite, eu sou a supervisora do administrativo, Célia. – A mulher de meia idade estendeu a mão.
– Por que estou aqui? – Sam apertou a mão rapidamente, sentando-se a sua frente.
– Aquela carta encontrada junto a sua amiga foi encaminhada ao jurídico do hospital, e ao administrativo também. Por sorte eu estou de plantão no administrativo hoje. – A mulher de cabelos loiros e olheiras dizia de forma tranquila.
– Estou sendo presa?
– Não, não está.
– Eu quero falar com os médicos, não quero falar com o administrativo. – Sam falava nervosamente.
– Acalme-se, a menina ainda está na cirurgia, não vai sair tão cedo.
– Ela vai sobreviver?
– Eu não tenho essa informação, talvez nem os médicos tenham.
– O que você quer comigo? O jurídico acionou a polícia, é isso?
– Polícia? Não, ninguém acionou a polícia. Mas eles já estão aqui investigando, mesmo tudo indicando que foi uma tentativa de suicídio, eles investigam os casos que envolvem arma de fogo. Mas não é sobre isso que quero conversar, fique tranquila.
– O que você quer?
– Nosso hospital tem parceria com algumas ONGs, eu sou a responsável por este contato, e tomei a liberdade de falar com uma dessas ONGs agora, eles ajudam refugiados de guerra.
– Eu não sou uma refugiada de guerra.
– Legalmente você é considerada uma refugiada de guerra, porque está fugindo do exército da Europa, você é uma soldado desertora por motivos justificáveis.
– Então vocês sabem quem eu sou? Senhora, eu não posso ser enviada de volta para a Europa agora, eu preciso ficar aqui.
– Eu não tenho como evitar isso, mas farei de tudo para que não aconteça, não se preocupe. Nosso foco agora é na ajuda que esta ONG pode dar a você. Um representante já está a caminho do hospital, deve conversar com você nas próximas horas.
– Eu não preciso dessa ajuda agora, eu não quero ir para um abrigo de refugiados. – Sam dizia com exaltação moderada, gesticulando. – Meu único objetivo agora é permanecer nesse hospital.
– Aceite a ajuda deles, eles podem…
– A senhora leu a carta? Eu tenho menos de 22 horas de vida, eu pretendo passar essas horas aqui nesse hospital, quero me certificar que Theo vai ficar bem, e se possível vê-la uma última vez, isso é tudo que quero, não quero porcaria de abrigo nenhum.
A mulher ajeitou-se na cadeira, espojando-se para trás.
– Eles podem fazer mais do que dar abrigo a você. Mas não poderemos fazer nada se você mantiver esse tom. – Ela disse agora séria.
– Me desculpe… – Sam esfregou o rosto. – Eu estou um pouco nervosa, eu não quis ser rude.
– Ótimo. Como eu ia dizendo, é uma organização séria, mantida por uma senadora influente, eles ajudam os refugiados de todas as formas possíveis. Eles podem ajudar a colocar você no topo da lista de transplantes, você quer um coração novo, não quer?
Sam emudeceu, a encarou assimilando a informação.
– Um coração humano que seja compatível, serve? – Célia insistiu.
– Serve. Mas eu conseguiria trocar de coração até amanhã à noite? Eu só tenho algumas horas.
– Se você for para o topo, amanhã à tarde você estará de coração novo.
Os olhos da soldado brilharam com esperança, já havia descartado a possibilidade de sobreviver, estava focada na luta de Theo pela vida.
– Um coração humano? – Sam disse, ainda em choque.
– Sim, me parece ser compatível, se conseguirem te colocar no topo dessa fila paralela, teremos um coração em menos de dezesseis horas.
– O que eu preciso fazer?
A mulher de olheiras profundas parecia cansada com seu plantão noturno, mas mantinha um porte otimista e gentil.
– Apenas aceite a ajuda dessa ONG, eles já ajudaram centenas de soldados. Assine os termos quando o representante chegar e aguarde sua cirurgia.
– Enquanto isso posso ficar com Theo?
– Não, ela está em cirurgia, e mesmo quando finalizar, não poderá receber visitas.
Sam baixou a cabeça, pensativa. Pela primeira vez em muito tempo conseguia vislumbrar ambas sobrevivendo. Conseguia até mesmo imaginar um futuro ao lado da mulher que amava, um sonho inalcançável até então.
– Certo… Como faço para falar com eles? Precisam de meus dados? O que devo fazer agora?
– Aguardar. – Célia deu uma olhada em sua perna que sangrava e sujava boa parte da calça. – Na verdade acho que você precisa de atendimento médico, sua perna precisa de cuidados.
– Não, não quero ser internada, quero ficar na sala de espera aguardando informações sobre seu estado de saúde. – Sam dizia, na defensiva.
Célia levantou-se da cadeira e saiu de trás de sua mesa, aproximou-se de Sam, pousando a mão em seu ombro.
– Samantha, deixem que cuidem de sua perna enquanto aguarda sua cirurgia, prometo que os médicos manterão você sempre atualizada.
– Minha perna está bem. – Sam insistia, pousando a mão sobre os ferimentos.
– O que aconteceu?
– Dois tiros.
– Sua perna não parece bem. – Deu dois tapinhas em seu ombro. – Vamos, sua perna precisa de cuidados.
Sam hesitou por um momento, mas levantou-se com semblante dolorido. Célia chamou um dos seguranças, e deu instruções para que a levassem à sala de triagem.
Minutos depois ela já estava deitada numa maca, sem a calça, sendo examinada por uma médica.
– Uma bala ainda está aí dentro de você, talvez precise de cirurgia para removê-la.
– Você não consegue tirar aqui mesmo?
– Posso tentar, mas acho melhor a cirurgia, lá eu teria como anestesiar você, é um procedimento rápido, eu mesma faço. – A jovem médica respondeu de forma tranquila.
– Tente tirar aqui, eu vou aguentar.
A médica concordou e voltou com uma grande pinça.
Três minutos depois.
– Não, pare, pare! Eu quero a cirurgia com anestesia! – Sam bradou, apavorada com a dor.
Já no centro cirúrgico, Sam procurava o anestesista, que aproximou-se com algumas injeções.
– Eu não quero dormir, não me apague. – Sam pediu.
– Talvez você durma um pouquinho, ok?
Sam estava há 43 horas sem dormir, seu corpo e sua mente apresentavam sinais de exaustão, os anestésicos a derrubaram por algumas horas. Acordou no meio da manhã seguinte, com um homem de paletó cinza ao lado de sua cama, no quarto.
– Você é médico? – Sam perguntou com confusão.
– Não, sou da organização que conseguiu um coração novo para você. – Ele respondeu sorridente.
– Conseguiram? – Sam tentou se erguer, sentiu a perna doendo.
– Sim, já está a caminho. Mas antes preciso de mais informações sobre você e seu passado.
– Darei qualquer informação que você quiser, mas preciso saber se Theo já saiu da cirurgia.
– Saiu sim, seu estado é um tanto crítico, mas Doutor Franco está otimista.
– Posso vê-la?
– Não, ela não receberá visitas tão cedo.
– Ela vai sobreviver, não vai?
– Vai sim, não se preocupe com isso agora. Podemos conversar?
Alguma conversa depois, e as pontas soltas haviam sido acertadas, Sam havia sido oficialmente admitida no programa de auxílio à soldados refugiados. As três da tarde Sam entrou em cirurgia, logo seu coração artificial, que vivia suas últimas horas de atividade, fora removido de dentro do seu peito.
Um novo coração, de algum herói desconhecido, feito de músculos reais, fora colocado no lugar. Aquele momento tenso em que o novo coração é estimulado para começar a bater no novo corpo, foi superado com sucesso. Sam agora tinha um coração de verdade, um sem prazo de validade, e batendo vigorosamente, pronto para uma nova batalha.
A cirurgia levara cinco horas, Sam acordou aos poucos num quarto a meia luz, com bips de aparelhos ao redor, ainda confusa dos anestésicos. Tentou erguer-se, mas não tinha forças no momento. Percebeu seu comunicador na mesinha ao lado, o tomando com dificuldade.
– Quatorze. – Conferiu o dia na tela do aparelho.
O diz treze de fevereiro havia ficado para trás, Sam se dava conta que estava vivendo o primeiro dia de sua nova chance. Em seu peito não mais batia aquela ameaça de aço, o coração artificial repousava dentro de um frasco de vidro próximo à cama.
E era azul.
Logo Sam já recobrava sua plena consciência, mas ainda sentia seu corpo adormecido e lento. Apertou o botão de emergência ao seu lado, trazendo a pronta visita de uma enfermeira.
– Boa noite, eu sou a enfermeira Susie, tudo bem com a senhora? – Ela perguntou gentilmente.
– Eu preciso de informações. – Sam disse de forma lenta.
– Sobre o que?
– Uma paciente, Theo, preciso saber como ela está.
– Só um instante. – A enfermeira deu alguns toques em sua prancheta eletrônica. – Qual o nome?
– Theodora. Archer.
– Theodora Bedford Archer.
– Exato. Como ela está?
– Ãhn… A última informação em seu prontuário é das dez da noite, ela está em cirurgia.
– Outra?
– É o que consta aqui, uma cirurgia não programada, ela ainda está no centro cirúrgico.
– O que estão fazendo com ela? Por que ela está sendo operada de novo?
– Eu não tenho essa informação, senhora. Precisa de algo? Está sentindo náuseas?
Sam percebeu que não conseguiria mais informações com a moça, pousou a cabeça no travesseiro com desânimo.
– É, parece que meu estômago está embrulhado.
– Efeito da anestesia, eu aplicarei um antiemético em você daqui a pouco. Algo mais?
– Deu tudo certo? – Sam apontou para o curativo no peito.
– Sim, o transplante foi um sucesso, nenhuma rejeição até o momento. Você vai ficar bem, Samantha. – A enfermeira respondeu com um sorriso tranquilo.
– Quando vou sair daqui?
– Em alguns dias, enquanto isso descanse, você precisa.
– Ok.
– Bom, se precisar de algo, já sabe como me chamar. – Ela disse, já saindo.
– Hey, Susie, espere. Eu preciso saber quando Theo sair da cirurgia, você pode me manter atualizada?
– Posso sim. Mas não pense nisso, tente dormir novamente.
Algumas doses foram injetadas em Sam, a fazendo dormir novamente.
***
– Sam? Me ouve? – A voz de Mike a despertou na manhã seguinte.
– Mike? – Sam o fitou sem entender o que acontecia, olhou ao redor.
– Está tudo bem, você já está com o coração novo, e eu vou ficar aqui cuidando de você. – Ele disse sorridente, vestia uma camiseta branca e a barba estava feita.
– Theo já saiu da cirurgia?
– Saiu sim, ela está bem.
– Bem como?
– Está se recuperando.
– Eu preciso de informações mais precisas.
– Sam, meu amor, não se preocupe com essa menina agora, você acabou de passar por uma cirurgia delicada, precisa evitar qualquer tipo de esforço e preocupação. Quer que eu ligue a tela?
– Não… – Sam murmurou, correndo os dedos por cima de seu curativo.
– Melhor não mexer. – Mike pousou sua mão sobre a mão de Sam, que o encarou.
– Como me achou? – Sam o indagou.
– Seu nome está em todas as telas e noticiários, não foi difícil saber em qual hospital você estava.
– Meu nome? Estão me acusando de algo?
– Não, por que acusariam você de algo?
– Não sei, talvez algum envolvimento com a tentativa de suicídio de Theo. – Sam desconversou.
– Fique tranquila, já arquivaram como suicídio mesmo.
– Tentativa.
– Ok, tentativa. Ela é a notícia do momento, a herdeira dada como morta reaparece viva dois anos depois, e atira contra a própria cabeça, ninguém está entendendo. E a imprensa está especulando a ligação de vocês, mas graças a Deus não estão dizendo que você tinha algum envolvimento sexual com ela.
– E estão achando o que?
– Que você tem ligação com o sequestro dela.
Sam lançou um olhar incrédulo para Mike.
– Então você prefere que pensem que sou sequestradora do que namorada dela?
– Claro.
No dia seguinte Lindsay chegou de viagem, fazendo um encontro emocionado das irmãs que não se viam há mais de um ano.
– Lynn… – Sam a abraçou demoradamente, chorando.
– Eu queria ter estado ao seu lado cada dia de sua busca, mas você sabe que era impossível para mim. – Lindsay se desculpava, ainda emocionada.
– Eu sei, tudo bem, você estava comigo o tempo todo, era um grande conforto ter você para conversar, mesmo que a distância. – Sam também estava radiante com a presença dela.
– Vai ficar tudo bem. – Lindsay tomou a mão de Sam, ao lado de seu leito. – Eu e Mike estaremos ao seu lado, você terá sua vida normal de volta muito antes do que imagina.
O médico entrou no quarto minutos depois, interrompendo a conversa delas.
– Doutor Woler, trouxe as notícias que pedi? – Sam ergueu-se da cama, de forma afoita.
– Hey, mocinha, continue deitada aí, sem fazer esforços.
– Trouxe?
– Sim, sua amiga está estável, vai passar por uma cirurgia hoje à noite para introdução de um cateter, ela está com hipertensão intracraniana devido ao edema, precisamos monitorar a pressão.
– Mas é uma cirurgia arriscada?
– Eu não tenho como avaliar, mas com certeza é algo para beneficiar seu estado.
– Por favor, me deixe vê-la. – Sam se agitava na cama.
– Não, você vai continuar nesta cama, em repouso.
– Ela vai operar de novo, ela pode ter alguma complicação na mesa de cirurgia, me deixe vê-la, por favor.
– Eu vou falar com o médico dela, mas por enquanto nada feito.
O médico gesticulou discretamente para Mike ao sair do quarto, o chamando para fora também.
– A partir de agora iremos repassar apenas notícias vagas sobre o estado de Theo. – O médico falou em voz baixa.
– Eu também acho o mais prudente, ela tem se agitado com frequência por conta daquela garota.
– Eu direi a ela hoje que Theo foi transferida de hospital, e você dirá sempre que ela está bem e estável.
Mike apertou sua mão, sorridente.
Naquela tarde, Sam recebeu a visita de um oficial de justiça e dois advogados do grupo Archer, que traziam documentos digitais.
– Em primeiro lugar, parabéns, você agora é uma cidadã com dupla cidadania. – Um dos advogados, Fred, falou animado.
– Como assim?
– A ONG Martin, que conseguiu seu coração, conseguiu também uma série de benefícios, entre eles sua cidadania americana. Você não é mais procurada pelo exército europeu por deserção.
Sam o encarou com espanto.
– Eu fui anistiada?
– Foi sim, não se preocupe mais com isso. Mas temos algumas outras coisas para resolver.
– Temos alguns documentos precisa de sua assinatura digital, mocinha. –O oficial lhe estendeu o papel eletrônico.
– Sobre o que é isso? – Sam olhou sem entender.
– A carta da senhorita Theodora foi aceita judicialmente, você agora é a responsável por seus bens e entidades, bem como 75% das ações do grupo Archer.
Mike e Lindsay, que estavam sentados no sofá acompanhando atentamente, se entreolharam chocados e sorridentes.
– Mas Theo está viva. – Sam rebateu.
– Sim, tecnicamente está, porém no momento encontra-se incapaz, então ela não pode responder por si.
Sam olhou hesitante para os três homens engravatados ao seu lado, que aguardavam sua assinatura.
– Não tenha pressa. – O advogado disse. – Leia tudo com calma.
– O que isso implica para mim?
– Basicamente isso é um protocolo sem maiores responsabilidades para você agora, é uma formalidade. Depois que você estiver plenamente recuperada, terá poderes para gerir a herança de Theodora como quiser, bem como se inteirar da administração da Archer.
– Quem está presidindo a Archer agora?
– O conselho, formado pelos sócios minoritários.
– Então… – Sam continuava incomodada com tudo isso. – Assinando isso eu estarei concordando em cuidar de tudo que Theo herdou do pai?
– E da mãe. Agora ela já tem mais de 21 anos, então tem direito à herança da mãe também.
– Nossa…
– Sam, qual a dúvida? – Mike perguntou, impaciente.
– Eu não sei se isso é certo… – Sam suspirou incomodada.
– Por que não seria? Foi o último desejo dela.
Sam voltou a olhar o documento em sua mão, resolveu ler até o fim.
– Tudo bem. – Assinou, devolvendo ao oficial.
– Perfeito, podemos prosseguir com vários trâmites que estavam paralisados. E conforme solicitado na carta, a casa está sua disposição.
– Que casa?
– A mansão Archer, na Colina. Os empregados já foram avisados sobre a nova moradora.
– Quando podemos ir para lá? – Lindsay perguntou.
– Quando quiserem. Alguma dúvida?
– Espere… – Sam voltou a falar. – Minha preocupação agora é com a segurança de Theo, não apenas com pessoas mal-intencionadas por conta da fortuna dela, mas principalmente seu Tio Elias, ele é um bandido, e ele deve estar atrás dela.
– Não se preocupe com isso, Claire já está cuidando de tudo, um esquema de segurança foi montado para que ela não receba visitas não autorizadas, e controlando o fluxo de funcionários em sua UTI.
– Quem é Claire?
– Uma das conselheiras.
– Theo está segura, então?
– Está sim, fique tranquila.
O trio despediu-se, deixando novamente Sam em companhia da irmã e do ex-noivo, que pareciam ainda atordoados com as notícias.
– Que bom, você terá um lugar confortável para ficar quando sair daqui. – Lindsay disse.
– Ele disse mansão, vocês ouviram? – Mike falou animado.
Lettera: s.f.: (italiano) Carta.
Cris…
Nao sei se tenho estomago pro Mike… Nao me sinto a vontade com ele usufruindo assim das coisas da Theo..
Diin, você é danada, achou o capítulo escondidinho hein? rs
Bom, eu recomendo um estoque de sonrisal, pq Mike veio para ficar. 😉
Bjinhos, e parabéns pelo primeiro comentário! \o/
Todo dia entro aqui e reviro blog inteiro.. kkk’
Cris, o Mike é tão desnecessario… Por favor, que Leticia seja um pouco mais esperta que Sam e que tenha pulso firme. Amem!
De acordo com a contagem regressiva, tem cap hj! Yae!
Bjs.
E não é que você começou a postar antes da última semana deste mês… Muito bom, Obrigada. E concordo com a Diin, aturar o Mike é tenso. Quando sai o próximo capítulo?
Promessa é dívida! rs
Precisamos de intrigas, por isso Mike é importante nessa história, infelizmente.
O terceiro capítulo deve sair dentro de 3 dias.
Brigada, bjos!
Mal começou e eu já estou abusada de Mike, esse cara é totalmente desnecessário e intragável.
E aproposito estou acompanhando Blindspot e a m a n d o a Jaimie Alexander, adoro a voz dela. Adoro todas as cenas dela, fica impossível não ve-la como a Sam.
Fiquei tão feliz quando recebi a notificação por email de que tinha capítulo novo no blog! Sou fã assumida de 2121 e das histórias que a Cris escreve. Confesso que vou precisar reler os últimos capítulos da parte 1 porque não lembro de alguns detalhes mas digo uma coisa: vou reler com todo prazer. Essa história é fantástica! Theo está viva! Nossa Theo está viva!!! Tenho um carinho tão grande por essa personagem que não sei explicar. Quando saiu o capítulo 1 da parte 2 ontem eu fiquei bastante confusa, perguntas do tipo “se Theo está viva de quem é o coração no corpo de Sam?” “De onde que Mike e Lindsay brotaram ao lado de Sam?” mas tudo ficou esclarecido com o capítulo 2 postado hoje. Cris, obrigada por mais um capítulo e pela dedicação. Conta pra gente como foi o NaNoWriMo! Parabéns por tudo!
Aeeee… Voltou! Já estava com saudades dessas duas.
E vamos preparar o coração para mais uma jornada.
Infelizmente, Theo está na pior. Mas ainda tem muita coisa pra rolar.
Torcendo para que ela saia logo dessa.
Ótimo início, Cris! Ansiosa para o próximo.
Bjss!
Essa carta acabou comigo, meu :'(