Capítulo 14 – Síndrome de Estocolmo

Capítulo 14 – Síndrome de Estocolmo

 

Mike estava na sala multimídia, assistindo a tela, largado no sofá.

– Vieram assistir TV comigo? – Mike brincou, tinha uma lata de cerveja na mão.

– Olá ex-major, lembra que falei que teria ainda mais uma conversa com você?

– Então sentem-se comigo, vamos conversar, querem cerveja?

Sam respirou fundo, deu um passo, ficando à frente de Theo.

– Mike, serei breve e direta. Você vai deixar essa casa agora.

– Eu já disse que sairei quando for a hora certa. – Mike endireitou-se no sofá.

– Não, eu não estou te pedindo, estou comunicando, você vai arrumar suas coisas agora, e vai sair desta casa, para sempre. – Sam vociferou.

– Foi essa aleijada que mandou você fazer isso?

– Não, foi a polícia. Você pode sair agora, sem algemas, sem alarde. Ou assim que o sol nascer, algemado. Eu vim conversar com você porque gosto mais da primeira opção.

– Ah é? Se eu não sair você vai ligar para polícia?

– Não, eles virão amanhã cedo confirmar se as ordens de restrição estão sendo cumpridas.

– Que ordens?

– Sam sacou o comunicador, dando alguns comandos.

– Olhe seu comunicador. – Sam orientou. Theo fitava um ponto qualquer no vazio, prestando atenção na conversa, apreensivamente.

Após ler os dois documentos, Mike levantou-se com energia, agora irado.

– 250 metros de afastamento de vocês duas? Que besteira é essa? Eu nunca fiz nada!

– Você sabe que fez, querido. – Theo retrucou.

– Quem foi o idiota que acreditou nessa cega?

– O delegado, depois de ouvir o áudio daquela nossa conversa na cozinha.

Mike foi para cima de Theo, sendo impedido por Sam, que o segurou pelos ombros.

– Eu sei que você gosta de bater em mulheres, mas tem um segurança com o dobro do seu tamanho do lado de fora, se você encostar um dedo em Theo, eu darei pessoalmente uma ordem para que ele quebre cada osso seu. – Sam bravateou, o fitando com raiva.

Theo não entendia o que estava acontecendo, mas ficou com medo.

– Eu deveria ter me livrado dessa vagabunda quando tive oportunidade, mas outras chances virão, isso não vai ficar assim, Sam, isso não acabou. – Mike desvencilhou das mãos de Sam.

– Fim de linha. Não me faça ter que te tirar a força. – Sam disse.

– Mike, eu espero que você tire uma lição disso tudo, e deixe de ser um completo babaca. – Theo ia dizendo. – Pegue suas coisas e procure um hotel, se quiser pegar um carro da garagem, não me fará falta. Mas suma, por favor, suma para bem longe da gente, desapareça de uma vez das nossas vidas.

– Você vai deixar ela me humilhar? – Mike perguntou para Sam, ofendido.

– Ela não está te humilhando, está sendo até cordial demais com você. Humilhar é aquilo que você tem feito com ela desde que a conheceu, é quando você abre a boca para falar algo preconceituoso ou machista.

Mike atirou a lata na parede.

– Isso foi lavagem cerebral! Você não cansa de defender essa prostituta?

– Essa foi a última vez que você a ofendeu, não tenho mais nada para conversar com você. Vamos, Theo.

– Só um instante. – Theo correu sua cadeira de rodas para frente. – Já que é nossa última conversa, quero deixar minhas palavras de despedida. Michael, você é um dos homens mais covardes que já conheci, e eu conheci milhares deles, como você mesmo disse. Você é um morto de fome arrogante, que falhou em tudo na vida, principalmente no que diz respeito a caráter e integridade, você é um grande bosta fracassado que se acha portador da verdade, e um hipócrita defensor da moral e bons costumes. Sem contar dos anos de merda que você proporcionou à Sam, você roubou oito anos da vida dela, enquanto ela poderia estar fazendo algo que preste ou sendo feliz com outra pessoa.

– Como se você, uma aleijada cega, pudesse fazer algo de bom por ela, além de dar luxo e dinheiro. Serei o primeiro a rir de você quando ela te trocar por outra pessoa.

– Sam, meu amor, estou prendendo você nessa casa?

– Claro que não.

– Como pode ver, Sam está aqui por que quer.

– Ela te contou que transamos na sua cama? – Mike disse abrindo um sorriso cínico.

– Mike, pare com isso! – Sam o recriminou.

– Sim, ela me contou, e mais uma vez senti pena por ela ter dado para um babaca egoísta. Felizmente eu acordei, e agora ela voltará a ter prazer, espero fazer o suficiente para apagar as memórias ruins que ela tem de você, coelhinho.

Ele foi para cima de Theo, sendo novamente impedido por Sam, que resolveu encerrar saindo de lá tomando a cadeira de rodas.

– Ok, agora chega, você sabe o que deve fazer, suma daqui! – Sam disse, e virou as costas.

– Vocês me pagam!

Sam encontrou o segurança do lado de fora, lhe deixando instruções.

– O vigie até o momento em que ele saia pelo portão dessa casa.

Foi possível ouvir o barulho dele quebrando mais algumas coisas, o segurança entrou e o conduziu até seu quarto.

Sam terminava de colocar Theo de volta em sua cama, quando ela ergueu os braços e a puxou pelo pescoço, a abraçando.

– Você conseguiu, você me encheu de orgulho hoje. – Theo sussurrou, suas mãos tremiam.

– Avançamos mais uma casa.

– Obrigada, meu anjo.

– Enfim sós.

Theo sorriu, e a beijou.

***

– Meu Deus, nem acredito que me livrei dessas coisas! – Theo exclamou ao chegar em casa, saindo da cadeira de rodas para a poltrona em seu quarto, sozinha.

Alguns dias se passaram desde que Mike havia ido embora, Theo comemorava o fim das sondas, não tinha mais nada preso em seu corpo.

– Mas ainda precisa muito cuidado quando for fazer suas necessidades. – Molly alertou. – Será um longo caminho até suas funções voltarem ao normal, você terá dificuldade no início.

– Eu vou usar o banheiro! Eu não acredito nisso! Eu vou usar o banheiro de novo! – Theo bradava feliz.

– E tomar banho com mais tranquilidade. – Sam completou.

– Acho que nunca fiquei tão feliz por sentar num vaso sanitário.

– Bom, dando prosseguimento às comemorações por você poder fazer xixi no vaso novamente, eu fiz reserva num restaurante para nós duas, para amanhã, eles têm um ótimo bife com batatas fritas. Topa?

– Eu já posso comer bifes?

– Pode, o médico liberou.

– Samantha, hoje é o melhor dia da minha vida.

***

Na tarde seguinte, Sam chamou Meg para o corredor, lhe dando as orientações.

– Tia Meg, prepare uma mala com tudo que Theo possa precisar à noite.

– Ela vai passar a noite no hospital?

– Não, vamos dar um passeio. Coloque tudo que ela precisa e o que precisaria numa emergência, não esqueça de separar um cilindro de oxigênio e máscaras.

– Farei isso. Algo mais?

– Dê banho nela mais cedo, vamos sair as sete de noite, já falei com Lucian para preparar o helicóptero. Separe o exoesqueleto também, mas ela vai na cadeira.

– Só não vá para muito longe, ok?

À noite, Sam conduziu Theo até uma mesa lateral de um aconchegante restaurante, que ficava no último andar de um prédio alto. Checou todo o ambiente visualmente, certificou-se que haviam dois seguranças postos discretamente junto a porta. Theo estava agora radiante, sentada na mesa do restaurante, em sua cadeira de rodas.

– Como é aqui? – Perguntou.

– Não é um restaurante grande, mas é confortável, luz suave, cadeiras aveludadas.

– Vai pedir bife também?

– Não, vou escolher outra coisa, já comi um monte de bifes que Marcy tem preparado.

– Como você está vestida? – Theo perguntou, com um ar curioso.

– Uma camisa verde musgo.

– E?

– Uma echarpe marrom e jeans.

– Camisa de botões? Com bolsos?

– Sim e sim.

– Me mostra depois?

– Quando e quanto você quiser.

As refeições chegaram, Theo parou de comer, pensativa.

– Como é o público aqui? O restaurante está cheio? Será que tem imprensa?

– Mais ou menos, mas não precisa se preocupar com nada, tem dois seguranças tomando conta de gente, e não vi sinal de imprensa, tentei fazer tudo da forma mais discreta possível.

– É um saco lidar com a imprensa marrom, eu já escutei umas dez reportagens dizendo que haviam decretado minha morte encefálica, sem contar as que dizem que você é minha sequestradora.

– E você está comigo por conta da síndrome de Estocolmo?

– Ou por eu estar em morte cerebral. – Theo riu.

– Você deve estar acostumada a lidar com esse pessoal, não é?

– Desde que vim ao mundo.

– Tirava de letra?

– Acho que foi assim que desenvolvi meu sangue de barata. Teve uma época em que minha vida virou um inferno, eu não conseguia fazer nada em lugares públicos ou coletivos, sem ter um microfone enfiado na minha cara.

– Quando suas fotos íntimas com Janet vazaram?

– Como você sabe disso? Você viu as fotos? – Theo perguntou assustada.

– Não vi, não tive coragem de pesquisar na rede por elas. Foi Letícia que me contou.

– Foi uma merda… Até porque quando as fotos vazaram nós já havíamos terminado.

– Você era uma pirralhinha na época. Como superou isso?

– Enfiei alguns processos e me senti de alma lavada. Sabe, se sexo e nudez não tivessem todo esse tabu, esse tipo de coisa não aconteceria. Eu processei os responsáveis porque eles agiram de má-fé, não pelas fotos em si. Que tem de errado duas namoradas nuas? Não tem nada de errado, mas tem essa aura de proibido, de vergonha dos corpos. As pessoas deveriam desencanar disso e fazer mais sexo.

Sam ouvia tudo atenciosamente, os novos ares pareciam estar fazendo bem à Theo.

– Você deveria se tornar palestrante. – Sam brincou.

– Não, posso ser mais útil fazendo outras coisas.

– Por falar nisso, andei pensando em reativar a ONG da Archer, que está praticamente parada, o que acha? – Sam perguntou.

– Acho uma ótima ideia, achei que ela estivesse funcionando.

– Só mantém alguns funcionários para fazer de conta que funciona e conseguir deduções de imposto, mas na prática nada acontece.

– Então esse será nosso primeiro trabalho conjunto.

– Nosso?

– Quando eu resolvi retomar as rédeas da minha vida, decidi que voltaria a frequentar a Archer quando tivesse condições, e acho que em muito breve terei condições. Enquanto isso, eu preciso de você, preciso que você me inteire dos assuntos atuais aos poucos, você pode fazer isso?

– Com certeza. – Sam sorriu satisfeita. – Vou te colocar a par de tudo, e vamos reativar a ONG que leva seu nome.

– Essa será a primeira ação a ser tomada, mudar o nome da ONG.

– Você quer tirar seu nome?

– Sim, ela vai se chamar Instituto Imogen Bedford, sem o Archer.

– Sua mãe.

– Sim. E sabe qual será o objetivo principal a princípio?

– Assuntos relacionados à mulher, certo?

– Resgatar mulheres em condições perigosas, dar abrigo temporário ou permanente, capacitar, inserir no mercado de trabalho, empoderar.

– Acho que devemos começar pelo Circus.

Theo sorriu.

– Exatamente, é nossa primeira missão.

– Eu esqueci de te contar, quando você estava em coma conversei com alguns colegas da Zona Morta, dei a localização daquela rua onde encontrei você, pedi que procurassem pelo Circus. Eles não encontraram.

– Será que mudou de lugar? – Theo perguntou.

– Acho que não, você me disse que quando fugiu de lá correu por um bom tempo a esmo, sem saber em quais ruas entrava, acho que o Circus não é tão perto dali, e deve ficar bem escondido.

– Então temos que mandar diligências maiores fazer buscas.

– Eu vou lá procurar.

– Não, não vá para lá. – Theo havia parado de comer, absorta pela conversa.

– Não se preocupe, só irei localizar, não irei fazer nada quando encontrar, tem que ser algo planejado, para que as meninas não corram riscos.

Theo abriu um sorriso bobo.

– O que foi? – Sam perguntou.

– Essa parceria deu tão certo, não acha? Quem diria que seria assim.

– Qual parceria?

– Sam, quem perdeu meio cérebro fui eu.

– Ah, nós duas. – Sam riu. – Você é a melhor coisa improvável que poderia me acontecer, nem era para eu estar viva, quanto mais viva e feliz.

Ao final do jantar, Sam bebia o restante de sua taça de vinho, percebia Theo sonolenta.

– Podemos ir? Minhas costas já estão me matando, minha cabeça e a mão também. – Theo pediu.

– Vamos sim, você não pode ficar tanto tempo sentada.

– Eu adorei a noite. – Theo correu a mão pela mesa, pedindo pela mão de Sam, que logo a tomou, a afagando.

– Mas ainda não terminou.

***

– Sam, eu já comi vários bifes na minha vida, quando digo vários, quero dizer um monte mesmo, de todos os tipos. Mas o de hoje teve um sabor especial, foi o primeiro bife do resto das nossas vidas.

Sam riu, Theo estava sentada na cama de um luxuoso hotel, e a ajudava a trocar sua roupa.

– Você ainda não explicou porque viemos para um hotel, já que nossa casa é aqui perto.

– Matar a saudade da época em que ficávamos em espeluncas. – Sam respondeu.

– Eu tenho saudade das coisas que fazíamos, mas não das espeluncas em si.

– Por isso te trouxe num bom hotel, esse parece confortável. Erga as mãos. – Sam tirou sua blusa, e a vestiu com uma camiseta de dormir. – Deite. – Fez o mesmo com o jeans dela.

– Foi só por isso? – Theo deitou e se cobriu.

– Eu também queria poder passar uma noite com você numa cama de verdade, e não num leito de UTI. – Sam havia tomado banho e estava de roupão, agora vestia suas roupas de dormir, tiradas de dentro de uma pequena mala, que estava repleta de remédios e outras coisas emergenciais, ao lado do aparato de caminhar de Theo. E de um cilindro de oxigênio.

Theo se sacudiu em cima da cama, testando o colchão.

– É confortável, foi uma boa escolha.

– Vou te dar os remédios das onze agora, ok? Quer o oxigênio?

– Não, só os remédios. Tem um intravenoso de madrugada, Meg vai sair debaixo da cama e aplicar?

– Eu aplicarei. – Sam respondeu, e deitou-se ao seu lado.

Ficaram de barriga para cima por alguns instantes, com as mãos entrelaçadas sobre o peito, fitando o teto.

– Gostou da cama? – Theo puxou conversa, para quebrar o gelo.

– A sua é melhor.

– Você sabe que vai trocar aquela cama quando eu for dormir no meu quarto, não sabe?

– Por que? Ela é tão boa.

– Sam, acorda para a vida, não quero ter que mencionar o nome daquele ser.

– Ah, entendi. Eu trocarei então.

Silêncio novamente.

– Está com sono? – Agora era Sam que iniciava a conversa.

– Um pouco, mas estou sempre com um pouco de sono.

– Ah, eu marquei a consulta com o ortopedista para amanhã à tarde, ok?

– Bem na hora da fisioterapia?

– Já falei com Eron, ele vai mais cedo.

– Ah, então tudo bem.

– Amanhã é dia da Molly? – Sam perguntou.

– Não, da Magda, parece que elas trocaram o plantão.

– Ah tá, esqueci de olhar a escala em casa.

Silêncio.

– Precisa de alguma coisa? Quer mais analgésico? Quer água? Tem aqui do lado. – Sam perguntou.

– Não, está tudo bem, eu vou dormir.

Silêncio.

– Sam?

– Hum?

– Eu estou esperando alguma coisa? – Theo perguntou com confusão.

Sam riu, deslizou para o lado, ficando por cima de Theo, que pousou ambas as mãos no seu rosto.

– Um beijo de boa noite, talvez. – Sam brincou.

– Eu aceito. – Theo afagou seu rosto com os polegares

– Viu como a fisioterapia funciona? O toque da sua mão esquerda agora é tão suave quanto da mão direita. – Sam disse, virou o rosto beijando uma mão, virou e beijou a outra mão.

– Até que é divertido ser uma Borg. – Theo correu sua mão artificial pela nuca de Sam, a trazendo para um beijo delicado, quase estático. Logo Sam já estava a beijando com grande vontade.

Havia uma nova configuração de cenário agora, Sam tentava decifrar os sinais recebidos, que eram diferentes, tentava saber até onde poderia ir, onde suas mãos e lábios eram bem-vindos. Theo correspondia ao seu desejo, mas de forma mais tímida. Quando Sam subiu a camiseta de Theo, o beijo foi interrompido.

– Podemos ficar por aqui? – Theo pediu, baixinho.

Sam ficou um instante assimilando aquela negativa, com decepção.

– Claro, não temos mais pressa, lembra? – Sam sorriu de forma doce. – Mas posso continuar beijando você?

– Isso pode.

Namoraram por mais algum tempo, até adormecerem, mas o sono não durou muito tempo. Por volta das duas da madrugada, Theo acordou Sam, a sacudindo pelo ombro.

– O que foi?

– Me ajuda a ir no banheiro?

– Ajudo sim.

Sam coçou os olhos e ajudou Theo a ir até o banheiro, seguiu lentamente apoiada em seus ombros e braços.

– Pode esperar fora? – Theo pediu, timidamente.

– Não precisa de ajuda?

– Não.

Sam ficou de pé do lado de fora do banheiro, cinco minutos silenciosos haviam se passado.

– Sam, não consigo fazer xixi. – Theo reclamou.

– É porque você tirou a sonda há pouco tempo, tente mais um pouco, abra a torneira aí do lado.

Mais algum tempo depois.

– E aí? – Sam perguntou.

– Vou desistir.

– Quer ajuda? O que as enfermeiras fazem quando você não consegue?

– Coisas que não quero que você faça.

– Ok. Posso ir aí?

– Não.

Sam ouviu o barulho finalmente.

– Ah… Até que enfim. – Suspirou. – Quer ajuda para subir a roupa?

– Não, eu consigo aos pulos.

– Você não precisar pular, eu posso te erguer.

– Não quero. Pronto, venha me buscar.

Sam terminou de subir sua roupa, e a levou de volta para a cama.

– Desculpe ter acordado você.

– Eu sou sua quarta enfermeira, ok? Pode contar comigo a qualquer momento.

Theo ajeitou-se às costas de Sam, e adormeceram.

As três, o alarme tocou, e Sam levantou tropeçando numa poltrona.

– Porra!

– O que foi? – Theo acordou assustada.

– Bati o dedinho num móvel. Vou injetar o remédio da madrugada em você agora, ok?

– Podemos deixar esse pra lá? Ele arde. – Theo respondeu manhosa.

– Não, não podemos. Eu massageio seu braço depois.

Sam aplicou em seu acesso na mão, ficou um tempo sentada ao seu lado, massageando a região, e adormeceu nessa posição.

– Sam? – Theo esticou a mão, a encontrada sentada na cama. – Você dormiu sentada?

– Ãhn? Não.

Deitou, e logo adormeceram, sendo acordada novamente quarenta minutos depois.

– Sam? Me dá analgésico?

– Oi? – Sam acordou no susto.

– Minha mão dói, minhas costas também estranharam o colchão.

– Vou pegar. Quer do forte, do médio, ou do fraco?

– O forte, injetável.

Mais três horas de sono depois, e Sam acordou com o barulho do ronco de sua companheira de cama. Sorriu ao olhar para o lado e perceber a origem do barulho.

– Bom dia, amor. – Sam sussurrou preguiçosamente, a abraçou por trás, dando beijos lentos no pescoço de Theo, a acordando.

– Bom dia, oficial.

– Nunca imaginei que acordaria tão feliz com seu ronco.

– Desculpe…

– É o melhor despertador do mundo.

Theo riu.

– Quer ficar por aqui hoje, ou quer ir para casa? – Sam perguntou.

– Não estamos em casa? – Theo abriu os olhos, confusa.

– Não, estamos num hotel, não lembra?

Theo ficou alguns segundos tentando lembrar.

– Ah, o hotel depois do bife, desculpe.

– Tudo bem.

– Isso no meu braço são novas lemniscatas sendo desenhadas? – Theo perguntou, com um sorrisinho.

– São.

– Estava com saudades das lemniscatas matinais.

– E dos beijos no pescoço não?

– Principalmente dos beijos no pescoço. – Theo virou-se e a beijou, ficou algum tempo deitada no peito de Sam, recebendo mais símbolos do infinito.

– Podemos descer para o café?

– Sim, quer tomar banho antes? – Sam perguntou.

– Quero.

– Ok, te levo lá.

– Não precisa, vou de exo, já que você o trouxe.

– Vai tomar banho de exo? Aqui não tem a cadeira de banho.

– O equipamento é a prova d’água, consigo tomar banho sozinha.

– Se prefere assim, mas estarei na porta esperando.

Sam a ajudou com o exoesqueleto, apresentou todo o banheiro a ela, e Theo tomou um banho desastrado e cheio de dificuldade, a aguardava preocupada, quando ouviu um estrondo, entrando imediatamente.

– O que foi isso?

– Nada, só caí, mas já levantei.

– Quer ajuda? – Sam entrou no banheiro.

– Não! Espere lá fora.

Finalmente Theo saiu do banheiro, já vestida.

– Deu certo?

– Mais ou menos, talvez fique com alguns hematomas, e acho que não me enxuguei direito, mas estou limpa, isso que importa.

– É impressão minha, ou você não quer que eu te veja nua?

– Prefiro que não veja. – Theo respondeu encabulada.

– Você sabia que dei banho em vocês várias vezes quando você estava em coma?

– Deu? – Theo apertou as sobrancelhas.

– Você não reclamou nenhuma vez.

– Desculpe, eu não me sinto à vontade…

– Vem aqui, apoie as costas na parede. – Sam a conduziu até a parede ao lado da porta do banheiro. – Está firme?

– Eu estou bem, juro, nem estou tonta.

– Eu sei. – Sam parecia nervosa. – Eu vou me ajoelhar, ok?

– Para enxugar minhas pernas?

– Não. – Sam tomou a mão direita de Theo.

– O que você está fazendo?

– Calma.

– Eu estou calma.

– Theodora, você aceita ser minha namorada?

Theo se deu conta, boquiaberta.

– Foi tudo um plano!

– Foi sim.

– Você fez tudo que eu falei que faríamos se você resolvesse morar aqui.

– Uhum. – Sam deu um sorriso sacana, ainda de joelhos.

– E eu não percebi nada, que tapada. O jantar, o bife que apenas eu comeria, o hotel, a noite agitada, o banho, você de joelhos.

– O pedido de namoro, ainda não respondido. – Sam completou.

– Sim, tudo conforme o script, você é danada! Bom, a noite agitada foi por motivos diferentes do que eu imaginava, mas também foi uma noite agradável, eu gosto de ficar assim com você.

– Theo? Eu continuo de joelhos.

– Então se levante.

– Mas você não respondeu ainda, você aceita?

– Aceitar o que?

Sam exasperou.

– Eu estou neste momento ajoelhada à sua frente com uma caixinha com duas pulseiras, te pedindo em namoro.

– Sério? É lógico que eu aceito! Eu sou louca por você, Sam. Desculpe, eu tive um lapso de memória.

Sam riu.

– Tudo bem, você falou o que eu queria ouvir. Posso colocar a pulseira em você?

– Por que uma pulseira?

– Porque você não é uma pessoa convencional, achei que seria normal demais uma aliança, mandei fazer essas pulseiras de prata, e gravar uma lemniscata em cada. Pronto, passe seus dedos por cima.

Theo corria dois dedos pela pulseira, sentindo o símbolo em baixo relevo.

– Sam, você é a melhor namorada do mundo! Suba aqui. – Theo a puxou para cima.

– Coloca a minha? – Sam disse, colocando a outra pulseira na palma da mão dela. – Aqui.

– Pronto, você está oficialmente enlaçada comigo. – Theo comentou. – Agora quando eu te chamar de oficial terá um sentido ainda mais especial.

Sam riu, passou os braços por sua cintura, a apertando contra si, e a beijou.

– Theo, escute. – Sam se preparava, ainda a abraçando, com os rostos próximos. – Esse símbolo do infinito não está gravado nas pulseiras à toa, a maior certeza que tenho na minha vida é que quero ficar ao seu lado por toda eternidade. Eu amo você, da forma mais pura e intensa possível, eu não quero nunca fazer programação alguma, porque o que eu sinto por você é inefável.

Theo ouvia com um sorrisinho tímido, mas satisfeito.

– Eu nunca me senti tão amada como me sinto com você. – Theo respondeu. – Eu tinha uma forte resistência em assumir que estava apaixonada, me prometi várias coisas, mas tudo foi por água abaixo.

– Que tudo?

– Minhas promessas de nunca mais me envolver com alguém, meus planos de fugir e ficar sozinha, eu achei que havia perdido essa capacidade, de sentir algo bom e quente por alguém. Daí você surgiu, e destruiu todas as minhas convicções, conseguiu bagunçar ainda mais minha vida, que já era um tanto surreal.

– São coisas boas, certo? – Sam perguntou, confusa.

Theo não respondeu, apenas apontou para o próprio peito, e em seguida na direção de Sam.

– Eu também, um bocado. – Sam respondeu.

Um longo beijo depois, Sam se desprendeu, a encarando com um sorrisinho arteiro.

– Você não desconfiou das minhas pretensões em momento algum?

– Não, você me pegou.

– Eu queria formalizar do jeito que você idealizou, mas eu já enxergo você como minha namorada há meses. – Sam disse, ainda entrelaçadas.

– Desde quando?

– Hum… Boa pergunta. – Sam olhou para cima pensativa. – Acho que quando encontramos Igor, me dei conta que você estava com ciúmes dele.

– Eu não estava com ciúmes. – Theo resmungou.

– Ah estava sim, você confessou uma vez, inclusive.

– Um pouquinho. Espera aí. – Theo franziu a testa. – Quando conhecemos Igor? Estávamos brigadas, eu até dei a entender que não tínhamos mais nada.

– Exatamente, foi aí eu percebi que já era um namoro, e que estávamos enfrentando nossa primeira crise.

– Você é louca. – Theo sorriu, balançando a cabeça.

– Deita um pouco comigo, depois vamos para o café, pode ser? Quero namorar mais um pouquinho.

– Sim, mas antes você pode me ajudar a tirar o exoesqueleto? E pegar uma toalha?

– Por que?

– Está tudo molhado por dentro, não foi uma boa ideia tomar banho com isso. – Theo riu.

Uma hora depois, o casal fazia seu desjejum no salão de refeições do hotel. Sam segurava sua xícara repousada com ambas as mãos, e fitava Theo com um sorrisinho bobo.

– Por que você está quietinha? Está comendo? Você pode comer todos os pães do mundo, e eu tenho que me contentar com essas torradas integrais. – Theo resmungou.

– Estou fazendo meu hobby preferido.

– Comer?

– Perder a noção do tempo olhando para você.

– Ainda faz isso? – Theo respondeu encabulada.

– O tempo todo. – O comunicador estava recebendo uma série de bips, todos ignorados por ela, havia recebido mais um.

– Sam, acho que tem alguém desesperado para falar com você, não é melhor atender?

Ela olhou a tela, conferiu as notificações, e haviam dezenas de ligações e mensagens de origens diversas, não entendia o que estava acontecendo.

– Tem algo estranho acontecendo… – Ainda fitava a tela do comunicador.

Um homem com uma camisa polo azul abordou Theo, colocando uma mão em seu ombro e lhe apontando um comunicador.

– Theodora, você vai desmentir as informações que foram divulgadas nesta manhã? Você tem ideia com quantos homens você fez programas? Quer dar sua própria versão dos fatos para a rede WCK?

O repórter não era o único no recinto.

Síndrome de Estocolmo: é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor.

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