Capítulo 10 – Nepente

Capítulo 10 – Nepente

 

– Theo?? – Sam ergueu a cabeça e olhou assustada na direção da cama.

– Eu adoro quando você fala meu nome. – Theo brincou, estava sonolenta e falando devagar, mas totalmente consciente, e com um sorrisinho arteiro.

– Você está falando! – Sam correu até ela, a fitando surpresa.

– Eu escutei vocês falando comigo, mas ainda não conseguia articular as palavras. – Theo falava lentamente, com pausas e dificuldade. – Na verdade ainda está estranho, parece que estou com a maior ressaca da minha vida.

– Oh Meu Deus, você está falando! Como é bom ouvir sua voz! – Sam começava a se emocionar.

– Me perdoe se eu sumir de repente, a sensação é que meu cérebro está com a bateria fraca, e pode desligar a qualquer momento.

– Não force nada, ok? Só fale se não tiver dificuldade. Ainda não estou acreditando que estamos conversando! – Sam já estava às lágrimas.

– Ah, não, manteiga derretida, não chore. – Theo a trouxe para perto, a puxando pela mão. – Venha cá.

– Deu certo… – Sam continuava chorando, sentou-se na cadeira ao lado, debruçando-se sobre o corpo de Theo. – Pedi tanto a Deus…

– Já estava na hora de começar a falar, não acha? Você estava tagarela demais. – Theo afagava sua cabeça.

– Eu estava te deixando confusa, não é? – Sam virou a cabeça, fitando Theo.

– Não, estou brincando com você. Às vezes eu saio do ar, mas não é culpa sua, eu ainda estou com alguns curtos-circuitos.

– Você está ótima, melhor do que nunca, e eu quero ficar conversando com você por três dias seguidos.

– Tudo bem, desde que seja na minha casa, eu não quero mais ficar aqui, não aguento mais hospital.

– É meu próximo objetivo, te levar para casa, só vou sossegar quando te colocar dentro de um carro.

– Eu não poderei andar tão cedo, não é?

– Tudo é possível, tenha paciência, eu farei tudo que estiver ao meu alcance para que você volte a andar um dia.

Theo abriu um sorriso lento, desceu sua mão e pousou dois dedos nos lábios de Sam, que entendeu suas intenções. Sam subiu e a beijou.

– Isso é bom. – Theo sussurrou, afagava sua nuca, com os rostos próximos.

– Melhor agora, com sua voz no meu ouvido.

– Sam? – Theo mudou de expressão, Sam se afastou.

– O que foi?

– Está mexendo, não está? Ou apenas acho que estou mexendo?

Theo abria e fechava os dedos da mão mecânica.

– Os dedos estão se movendo sim, sua mão está funcionando!

– Eu tenho mão de novo. – Theo parecia animada, fazia agora movimentos circulares, movia o punho também.

– A cirurgia pelo visto foi um sucesso. Aperte minha mão.

Lentamente, Theo segurou a mão de Sam, fechando suavemente.

– E eu sinto sua mão, eu tenho tato.

– Tem sim, eu falei que era uma ótima prótese.

– Como ela é?

– Branca com detalhes em preto e transparente. Por falar nisso, seu boné é azul com a frente branca, e não rosa e verde, desculpe, eu estava brincando com você.

– E só agora você me conta isso?

– Eu esqueci. E ele está pendurado atrás de você.

– Posso sair daqui com ele?

– Com certeza. Consegue erguer o braço esquerdo?

Fazendo esforço, Theo conseguiu levantar um pouco seu braço, e moveu os dedos.

– Funcionando. – Disse animada, mas o braço despencou.

– Machucou?

– Não, mas acho que vou precisar de alguns anos de fisioterapia.

– Acabou a pressa, Theo. Temos todo tempo do mundo.

– Era seu desejo, não era? Não ter pressa.

– Era sim, e aqui estou, tendo uma conversa despretensiosa com você, fazendo planos para o futuro.

– Como é estar com um coração de verdade de novo?

– Pacífico. Algumas funções Borg estão prejudicadas, outras pararam de funcionar, mas quem se importa? Esse não tem prazo de validade.

– É verdade que eu já estou aí dentro?

– Desde a primeira batida. – Sam a beijou novamente.

***

Theo recebeu várias visitas nos dias seguintes, Letícia passava horas ao seu lado colocando a conversa em dia, a melhora era visível, apesar das limitações e apagões, Theo sumia no meio da conversa de vez em quando, ou então não lembrava do que estavam conversando.

Finalmente a autorização para levar Theo para casa estava prestes a sair, Sam cuidava de todos os detalhes e contratações para que ela continuasse sua recuperação de forma domiciliar, uma UTI estava sendo montada em um dos quartos do andar térreo.

Mas Sam queria resolver uma pendência antes de tirá-la de dentro do hospital: contar sobre sua noite fugaz com Mike.

Mal dormiu na noite que antecedeu o dia em que contaria tudo, passou a manhã um tanto calada na UTI, andando pelo quarto, Theo percebeu sua agitação, a inquirindo no meio da tarde.

– Sam?

– O que foi, meu anjo?

– Sente aqui do meu lado.

Sam prontamente atendeu, sentando na cadeira ao lado do leito.

– Precisa de algo?

– Sim, duas coisas: água, e que você me conte por que está estranha.

– Eu não estou estranha.

– E a água?

– Ah, já pego.

Sam a ajudou a beber, e a erguer a cabeceira da cama.

– Você está preocupada porque vou para casa essa semana?

– Não, pelo contrário, estou aliviada, nós duas teremos mais conforto, acho que sua recuperação vai se acelerar em casa.

– Está tudo bem, então?

– Está sim, agora está.

Theo captou a entrelinha.

– Antes não estava?

– Estava, esteve, quer dizer, as coisas estão evoluindo bem.

– Amor, você anda tomando meus sedativos? – Theo sorriu.

– Theo, eu dormi com Mike. – Sam soltou de uma vez só, suas feições eram de pura angústia.

– Dormiu? – Seu sorriso desapareceu.

– Eu cometi um erro, acabei me deixando levar num momento ruim, e fizemos sexo.

– Você está fazendo sexo com Mike enquanto estou aqui?

– Não, não estou, foi uma única vez.

– Essa noite?

– Não, claro que não, faz mais de um mês.

Sam percebeu a mão de Theo tremendo, ela estava pálida.

– Por que você fez isso?

– Theo… – Sam suspirou em agonia. – Foi um momento de fraqueza, os médicos me diziam que você não iria acordar, eu estava me sentindo sozinha, e acabei…

– Então você ainda o ama?

– Não, não amo, eu amo apenas você.

Theo deu um sorriso torto, pesaroso.

– Você precisa se resolver com Mike, evidentemente algo ficou inacabado, e eu não quero ficar entre vocês. – Theo disse com frieza.

– Já está tudo mais que resolvido com ele, depois daquela noite eu deixei claro que nunca mais aconteceria nada parecido, e não aconteceu, Mike nunca mais encostou em mim.

Theo balançou a cabeça, decepcionada.

– Que droga, Sam…

– Você me perdoa? Eu me arrependi imediatamente, não quero segredos entre nós.

– Por que você está me contando isso?

– Porque errei, e estou tentando consertar.

– Errou com quem?

– Com você.

– Acho que você errou com você mesma, não comigo.

– O que você está tentando fazer?

– Por acaso você acha que me traiu?

– Sim.

– Não há traição quando não há relacionamento.

– Você diz… Entre nós? – Sam estava ainda mais confusa, e com um aperto no peito.

– E nós temos algo?

– Claro que sim.

– Não fui avisada, e acho que não quero ter.

– Theo… – Sam embargou a voz, estava destruída.

– O que você quer que eu diga? Você acaba de me contar que foi para a cama com um cara que eu odeio, e que você claramente ainda tem sentimentos, quer que eu fique feliz? – Theo ficava cada vez mais nervosa.

– Não, eu sabia que você ficaria decepcionada, mas foi um deslize, apenas um! Você nem estava acordada, eu não fiz mais nada depois disso, por favor, me entenda.

Theo fechou os olhos e recostou-se no travesseiro desolada.

– Você tem um problema com Mike, não comigo.

– Não tenho nada com ele… É você quem eu quero. – Sam começava a chorar discretamente.

– Onde foi?

– Deixa isso pra lá…

– Onde foi?

– No quarto.

– No meu quarto?

– Sim.

– Na minha cama?

– Sim…

– Então enquanto eu estava aqui me recuperando da merda de um tiro na cabeça vocês estavam transando na minha cama?

– Não foi planejado, aconteceu. – Sam dizia, envergonhada.

– Samantha, teus pais não te ensinaram o que é respeito?

– Foi um erro… Foi apenas um erro. Me perdoe, por favor.

– Você sabe o que eu devo fazer, não sabe?

– Não.

– Expulsar o casalzinho da minha casa.

– Eu só queria poder ficar perto de você… – Sam enxugava o rosto. – Mas tudo bem, eu entendo sua decisão, só por favor não me proíba de te visitar.

– Eu não expulsarei vocês, sabe por que? Porque minha mãe me ensinou o que é respeito. Eu nunca tiraria ninguém de dentro da minha casa.

– Ok…

– Só tente não foder com Mike na minha cama de novo, ok?

– Eu não terei mais nada com Mike, mas de qualquer forma mudarei de quarto.

– Não é necessário, mas vou querer meu quarto de volta quando melhorar.

– Claro.

Após um silêncio carregado, Theo voltou a falar, agora num tom triste.

– Por que você, é sempre… Sempre tem que me decepcionar?

– Acho que não sou forte como você.

– Você estragou, isso… Tudo. – Theo tremia ambas as mãos, e sua fala estava cada vez mais confusa.

– Eu não tive a intenção, espero que você possa me perdoar algum dia.

– Samantha, por, vá para casa.

– Não, eu vou passar a noite aqui.

– Não vai, não. Vá embora, eu digo, eu… Por favor.

– Me deixe ficar aqui, eu prometo ficar em silêncio.

– Não… Eu não… Não volte. Não nos próximos dias.

– Tudo bem.

Sam saiu lentamente do quarto, se arrastando pelo corredor. Quando entrou no carro, ligou para Letícia.

– Você está de plantão hoje?

– Não, estava dormindo. – Disse com mau humor.

– Dormindo de tarde? Ok, me desculpe. Você pode vir ao hospital?

– Aconteceu algo com Theo?

– Nos desentendemos, ela precisa de alguém por perto.

– Brigaram? Ela mal fala direito, e você conseguiu brigar com ela?

– Eu contei que dormi com Mike.

– Mas que porra, Sam! Você foi para a cama com esse bolha?

– Foi no mês passado, Theo estava em coma e desenganada, foi um momento de fraqueza, mas nunca mais se repetiu. Você pode ir? Ela não me quer por perto, acho que ela terminou tudo comigo.

– Eu estou indo, mas tire a noite para refletir essa mancada, ok?

Letícia entrou na UTI quarenta minutos depois, encontrou Theo num quase estado catatônico, deitada de lado, com o olhar perdido.

– Achei que nunca mais falaria isso, mas vou dormir com você. – Letícia brincou, se aproximando e colocando carinhosamente o cabelo de Theo para trás.

– O sofá é todo seu.

– Não. Chegue para lá.

Letícia a ajudou a deslizar para o lado, e deitou-se na cama também, trazendo Theo para seu colo.

– Eu soube o que aconteceu. – Letícia dizia baixinho, lhe fazendo cafuné. – Sei que Sam pisou feio na bola, mas quem não pisa?

Theo apenas balançou a cabeça.

– Quer conversar?

– Lê, eu não consigo parar de imaginar aqueles dois transando na minha cama, eu vou pirar.

– Pare de imaginar, imagine você fazendo isso com Sam.

– Por que ela fez isso? – Theo começava a chorar.

– Por que ela estava carente, estava desconsolada, e aquele imprestável sonso aproveitou a oportunidade.

– Que droga…

– Não chore, mocinha, vocês vão superar isso, não chore não. – Letícia a abraçava mais forte.

– Se eu não… Ela… Se eu não… – Theo não conseguia mais articular as frases.

– Não se agite, ok? Tente ficar calminha.

– É porque eu… Eu amo a Sam, mas ela…

– Eu sei, eu sei, você está decepcionada, mas vai passar. Ela também te ama muito.

Theo começou a tremer, esticando os dedos e trincando os dentes, Letícia logo percebeu o que acontecia, saltando da cama e chamando ajuda.

– Estou aqui, aguente firme. – Letícia segurava seus ombros.

– Pois não? – A enfermeira chegou.

– É uma crise convulsiva, vá buscar os medicamentos e o aspirador.

Rapidamente duas pessoas retornaram ao quarto, aplicando os sedativos e retirando o excesso de saliva, que desta vez tinha sangue.

– Ela mordeu a língua. – Letícia constatava.

– Pronto, acabou.

Após a crise, que durava em torno de três minutos, Theo costumava apagar, mas desta vez estava acordada e sonolenta.

– O que… O que aconteceu… – Theo balbuciou.

– Você teve uma convulsão, mas já está tudo bem.

– Mike…

– Esqueça esse imbecil, descanse e durma um pouco, ok?

***

Assim que chegou em casa, Sam percebeu seu comunicador tocando, passava alguns minutos das quatro da tarde.

– Claire?

– Boa tarde, Sam, como Theo está?

– Evoluindo, vai ter alta em três dias.

– Você está no hospital, certo?

– Não, cheguei em casa agora, está tudo bem?

– Sim, mas tenho um assunto urgente para tratar com você, teria como vir até aqui agora?

– Você quer que eu vá para a Archer agora?

– Sim, os conselheiros me pediram para te chamar, eles querem uma reunião de urgência.

– Comigo?

– Eles descobriram que você esteve no laboratório da Ilha das Peças, estão em polvorosa, querem te fazer perguntas.

Sam suspirou aborrecida.

– Eu não estou com cabeça para isso, Claire.

– Eu sei, mas eles estão irredutíveis, eles acham que você pode prejudicar os negócios da Archer, estão falando em intervenção.

– Que droga… Ok, eu estou indo, acalme os ânimos desses nervosinhos.

Logo Sam entrava pelo hall principal da empresa, que ocupava todo um moderno prédio de 56 andares. Dirigiu-se à sala de Claire, que conversava de pé com três conselheiros.

– Até que enfim, Samantha. – Sandro disse, rispidamente.

– Onde vai ser a reunião? Aqui? – Sam também não estava no seu melhor humor.

– Não, vamos à sala de reuniões da presidência. – Stefan disse já saindo da sala.

A sala da presidência ocupava metade do andar, com três ambientes, mini golf, e uma sala de reuniões pomposa, com detalhes dourados em toda a decoração. E estava vazia desde a morte de Benjamin.

– Todos os nove estão aqui? – Aldo, o mais velho de todos, perguntou, na cabeceira da mesa.

– Clark está em Montreal, todos os outros estão aqui. – Claire respondeu, educadamente.

– Eu vou direto ao assunto. – Começou Sandro, um jovem executivo de cabelos negros bem penteados. – O que você e sua amiga foram fazer na Ilha das Peças?

– Fomos conhecer as instalações, e eu precisava de algumas informações que só conseguiria lá.

– Sobre o Beta-E? – Stefan também foi direto.

– Não, isso não me interessa, eu fui buscar informações que poderiam ajudar na recuperação de Theo.

– O que você sabe sobre o Beta-E?

– Sei que a Archer vende para o governo, acredito ser algum tipo de medicamento, mas não sei para que serve. – Sam desconversou.

– Com quais pessoas você conversou sobre isso? Sua amiga sabe também? – Sandro continuou o interrogatório.

– Apenas eu e Theo sabemos da existência do Beta-E, descobrimos juntas, e não conversamos com ninguém, nem com Letícia.

– Vamos dar o benefício da dúvida para você, mas devo alertar de algumas coisas. – Stefan, um quarentão de olhos verdes e cabelos castanhos dizia. – Esse contrato com o governo é sigiloso por questões comerciais, então você nunca irá falar sobre isso com ninguém. Você está protegendo o patrimônio de Theodora, então esteja ciente que se algo der errado neste contrato, a Archer perde metade do seu faturamento, que é o que esse fornecimento representa nos nossos lucros. Ficou claro?

– Totalmente. Mais alguma pergunta?

– Avise ao conselho da próxima vez que você visitar algum laboratório, temos controle de acesso. – Disse Aldo.

– Eu farei isso.

Quando deixou o prédio, já havia anoitecido. Entrou no prédio garagem ao lado para pegar seu carro, assim que destravou a porta sentiu o cano de uma arma contra suas costas.

– Entre e passe para o banco do carona. – A voz masculina sussurrou.

Sam apenas assentiu movendo a cabeça, e fez o ordenado. Rapidamente um homem de aproximadamente trinta anos e armado com uma pistola, sentou-se no banco do motorista. Não usava nada para esconder seu rosto, que Sam nunca havia visto antes, ele parecia não temer as câmeras de vigilância.

– Se isso é um assalto, você está perdendo tempo, minha conta bancária está vazia, e não ando com dinheiro. – Sam disse, nervosamente, com o cano da arma em sua têmpora.

O homem nada falou, apenas a algemou, e prendeu suas mãos no suporte da porta do passageiro.

– Apenas fique quietinha, vamos dar uma volta.

O carro seguia sem pressa pelas ruas de San Paolo, Sam arquitetava uma reação com as pernas, mas as mãos presas seriam uma grande desvantagem.

– Quem mandou você? Elias? Saiba que a segurança na UTI de Theo foi reforçada, você não vai conseguir fazer nada lá.

Afastavam-se da área movimentada da metrópole, andavam agora por uma rodovia estreita e sem muito movimento. As casas e prédios iam raleando.

– Se foi algum conselheiro da Archer, por favor diga a ele que estou aberta ao diálogo, não precisamos de medidas radicais, eu estou disposta a fazer o que o conselho quiser, e logo Theo terá condições de assumir a presidência, eu sairei completamente de cena.

O homem não respondia, apenas dirigia concentrado. Ele estacionou o carro branco atrás de um bar fechado, olhando atentamente para os lados.

Saiu e retornou dois minutos depois, trazendo um galão metálico de algo inflamável em cada mão. Despejou o líquido por todo o automóvel, abriu a porta do motorista e espalhou o outro galão pelos estofados.

– Não faça isso, por favor não faça uma coisa dessas. – Sam dizia em pânico, tentando soltar as mãos da algema.

Ele fechou a porta, deu a volta no carro, e debruçou-se na janela onde Sam estava, dando uma olhada rápida. Sam tentou acertá-lo com a testa, mas ele desviou para trás.

Sacou uma caixa de fósforos, e fitou Sam já com um palito na mão.

– Com os cumprimentos de alguém que quer tirar você do jogo. – Ele disse friamente, e atirou o fósforo acesso na direção do carro, pelo vidro traseiro, trazendo rapidamente labaredas laranjas.

Sam desesperou-se, os estofados atrás de si estavam tomados pelo fogo, que se alastrava para a frente, fazendo uma fumaça acinzentada tomar o interior do carro.

Além de tossir com a intoxicação, o calor no interior estava insuportável. Se contorcia tentando soltar suas mãos, se empurrava contra o painel com ambos os pés, tudo sob a observação silenciosa do homem.

Finalmente rompeu o suporte plástico onde a algema estava presa, pulou para o banco ao lado, em meio as chamas, sentiu sua mão esquerda ardendo no fogo, empurrou a porta do motorista e atirou-se para fora.

Apesar da mão queimada, estava determinada a enfrentar aquele homem que a observava morrer.

Havia uma pilha de cadeiras metálicas de bar fechadas, recostadas na parede, Sam tomou uma delas, deu a volta no carro, e correu na direção do homem, que sacou rapidamente a arma. Acabou efetuando o disparo para cima, Sam acertou a cadeira em seu braço, o desequilibrando.

O elemento voltou a erguer-se e tentar apontar a arma, mas Sam chutou sua mão. Em resposta, ele aplicou um soco em seu rosto, a derrubando no chão. A soldado agiu rápido, tomando novamente a cadeira fechada em mãos, e o acertando na cabeça, ele caiu tonto. Sam ergueu a cadeira com as duas mãos unidas pelas algemas, preparando um novo golpe, estava com os pés ao redor da cintura dele, que se antecipou chutando sua perna.

A luta agora era na horizontal, os murros de Sam passavam no vazio, era difícil brigar com as mãos algemadas. Ele acertou dois em seu rosto, arrancando sangue da sua boca, o que a enfureceu ainda mais. Aproveitando um golpe vazio que ele havia tentado, Sam conseguiu colocar a corrente da algema no pescoço do homem, o empurrando contra a terra do chão. Ele tentava tirá-la de sua garganta, mas Sam o sufocava com cada vez mais força e raiva.

O estrangulamento encerrou-se quando ela percebeu a ausência de respiração, resolveu garantir, caminhou até a arma, a tomando, e atirou três vezes contra sua cabeça.

Procurou por todos os bolsos dele, mas não encontrou nada, nenhuma identificação. Achou a chave das algemas, libertando suas mãos. Não sabia como sair dali, seu comunicador estava sendo incinerado no interior do carro, que ainda estava em chamas. Percebeu sua mão esquerda queimada na lateral, começava a arder. Arrastou o corpo até o carro, o jogando em seu interior.

Seus documentos e um pouco de dinheiro estavam no bolso de trás de seu jeans, sua camisa branca estava suja de terra e com dois botões arrebentados, e tinha um pouco de sangue da sua boca sujando as roupas. Resolveu caminhar pela estrada, até avistar alguma movimentação ou estabelecimento aberto àquela hora da noite, não fazia ideia de onde estava, seus implantes de geolocalização não estavam mais funcionando.

Minutos depois, encontrou uma quitanda, com uma senhora de idade sentada ao lado de caixas com frutas.

– Senhora, aconteceu um acidente comigo, eu poderia usar seu comunicador? Posso pagar pelo empréstimo.

– Tenho não, eu não gosto dessas coisas modernas.

– Tem alguém por aqui que poderia me emprestar?

– Meu neto está trabalhando.

Sam suspirou pesadamente, sua mão e seu rosto doíam, sentia o corpo ainda quente por conta das chamas.

– Sabe como faço para chegar no Centro de San Paolo?

– Aqui em frente tem ponto de trollbus.

– Tem ponto de taxi?

– Não.

– Ok, vou aguardar no ponto então.

Sam atravessou a calma rodovia, sentando num banco de concreto parcialmente destruído.

Cerca de uma hora aflita depois, finalmente um trollbus passou por ali, a levando até o Centro. De lá pegou um táxi até a mansão, chegando em casa passando das dez da noite.

Subiu cansada até seu quarto, a dor pela discussão com Theo era maior que a dor física, não queria pensar agora no atentado que sofrera, queria apenas tomar um banho e colocar a cabeça no lugar.

Assim que entrou no quarto e tirou a camisa na direção do banheiro, Mike entrou também, havia chegado de um happy hour com colegas da Archer, e parecia um pouco alcoolizado.

– Por que não atende seu comunicador? Eu estava num bar de granfino, com o pessoal do trabalho, queria que você tivesse ido até lá.

– Eu o perdi. E por favor, saia do meu quarto, eu quero tomar um banho e dormir.

– Você está bem? Não parece bem. Mas gosto de você assim, sem camisa.

– Estou ótima.

– Hum… – Mike estava recostado no batente da porta. – Por que veio de táxi? Cadê seu carro?

– Também o perdi. Me dá licença?

– Quer carona para o hospital amanhã?

– Não irei para o hospital amanhã.

Mike percebeu que algo acontecia, e desencostou da porta.

– Não vai? Você sempre vai. Brigou com Theo?

– Mais ou menos.

– Por que brigaram? Por minha causa? – Mike se animava.

– Mike… Por favor, eu quero descansar. – Sam foi até a porta, o colocando para fora.

Finalmente teve paz para tirar o restante da roupa e entrar debaixo da ducha. A mão ardia em contato com a água, mas a deixou ali por algum tempo. A cabeça também incomodava, tinha um corte dentro do lábio, e todo o rosto estava dolorido.

Continuava com a mão queimada parada embaixo da água, de olhos fechados, quando percebeu um barulho dentro do banheiro. O box se abriu, e Mike entrou sem pestanejar, indo na direção dela.

 

Nepente: (grego) que faz desaparecer a dor, algo que ajuda a esquecer a tristeza e o sofrimento.

4 comentários Adicione o seu
  1. Sam faz burrada atrás de burrada, se ficar com Mike agora, ferrou de vez… as vezes da tanta vontade de dar umas porradas na Sam…. se o pior vai estar no 11, será que Mike vai forçar Sam?

  2. Será que foi a Michele que mandou o cara matar Samantha? Ou a amante do pai da Theodora.. ou alguem da Archer.
    Mas algo me diz que nao tem dedo do Elias…

  3. É verdade que Sam não para de fazer burradas, mas fez certo em contar a verdade para Theo. Agora só falta ela despachar o mala do Mike.
    Nem quero imaginar o que de pior, possa acontecer no Capítulo 11.
    Não sei porque, mas também acho que Elias não está metido nesse atentado contra a Sam.

  4. Puts, só falta o Mike ficar de graça e forçar a Sam a fazer algo, já não basta a briga… Agora a Sam tem a mente meio fraca por ter contato sobre a noite com o Mike agora para a Theo, podia ter esperado ela se recuperar mais um pouco.

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