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Capítulo 7 – Euforia
Rosarito tinha algo de peculiar nas pessoas, nas ruas, e no ar. Ao invés de super edifícios acizentados de 400 metros de altura tomados por famílias miseráveis, haviam prédios menores, com grandes janelas e sacadas repletas de flores artificiais. Ao invés de uma pintura convencional, eram revestidos por telas dinâmicas que simulavam papéis de paredes coloridos.
E as pessoas. As pessoas vestiam-se de forma extravagante, várias cores numa mesma peça de roupa, que mudavam de estampa de tempo em tempo. As roupas não chamaram a atenção de Sam, ela sabia que na Nova Capital os habitantes costumavam se vestir de forma mais alegre, contrapondo com a sobriedade dos trajes da Europa. Mas as pessoas sorriam o tempo inteiro, como se estivessem assistindo algum programa agradável, ou de muito bom humor.
O centro da cidade se resumia numa praça circular arborizada rodeada de ruas largas e comércio, a grande praça possuía cercas arredondadas brancas, animais e crianças brincando alegremente, idosos sentados nos bancos conversando animadamente entre eles, casais caminhando de mãos dadas. Todos de bem com a vida de uma forma que Sam nunca vira nada igual antes.
– Devo ficar com medo ou aliviada? – Theo perguntou, enquanto Sam ainda olhava ao redor, boquiaberta com aquela cidadela que sorria.
– Deve ser um ótimo lugar para morar, eu estou com vontade de largar o carro no meio da rua e comprar uma casa aqui.
– Parece um filme infantil?
– Ou um filme de terror. – Sam disse, ao entrar com o carro em um posto de recarga. – Talvez apenas estejamos acostumadas com o mau humor da zona morta, não deve ser nada demais.
– Por que parou aqui?
– Vou no banheiro, quer ir também?
– Não.
– Ok, tranque o carro, já volto.
Dois minutos depois Theo tomou um susto com batidas em sua janela. Ela hesitou, não abrindo, mas as batidas insistiram, ela acabou baixando o vidro.
– Sim?
– Bom dia, senhora.
– Bom dia. – Theo torcia apreensivamente para que Sam retornasse logo.
– Está sozinha?
– Não, minha amiga foi ao banheiro. Você deseja alguma coisa?
– Apenas a rotina de serviço do meu ofício. – O policial com ares simpático apontou para o distintivo em seu peito.
– Não entendi.
– Eu sou policial, não viu aqui? – Ele apontou novamente para seu distintivo dourado.
– Não, desculpe se o senhor estava mostrando algo, eu não enxergo.
– Ah, eu que devo desculpas então, minha jovem.
– Posso ajudar em algo?
– Só averiguação de rotina, você e sua amiga pretendem ficar quanto tempo em nossa cidade?
– Pois não? – Theo ouviu a voz de Sam se aproximando.
– Bom dia, jovem. Você é a amiga dela? – Ele perguntou para Sam, que já estava agora ao lado do policial.
– Sim, aconteceu alguma coisa?
– Estava perguntando à ela quanto tempo pretendem ficar na cidade.
– Pouco tempo, estamos apenas de passagem, não ficaremos.
– Ótimo. Se forem passar a noite, não esqueçam de pedir permissão na prefeitura.
Sam balançou a cabeça assimilando e concordando ao mesmo tempo.
– Ãhn, acho que não precisaremos, mas obrigada pela orientação. – Sam estendeu a mão para um cumprimento.
– De nada, e desde já nos desculpem pela inconveniência, a escolta policial faz parte das leis municipais.
– Escolta?
– Uma viatura acompanha os carros de fora que transitam em nossa cidade. O oficial Mardillo acompanhará vocês a partir daqui, até deixarem os limites da cidade. Se precisarem de algum auxílio ou orientação, não hesitem em conversar com ele.
– É realmente necessário? Só estamos de passagem. – Theo perguntou.
– As leis municipais estão acima de qualquer coisa, minha senhora.
A contragosto, despediram-se do policial e seguiram pela estrada de asfalto azul ladeada por postes em formato de personagens infantis. Com uma viatura logo atrás.
– Mas que merda de lei municipal é essa? – Theo se revoltava.
– Tudo é estranho nessa cidade, o atendente do posto de recarga me deu um abraço e um pirulito. – Sam retrucou.
– Poxa, eu também quero.
– O abraço?
– O pirulito.
– Ok, chegamos. Segundo o localizador, esse é nosso destino final.
– E o que é? Algum galpão industrial?
– Um centro de saúde.
– Nosso destino é um centro de saúde? O que podemos achar num centro de saúde?
– Provavelmente mais coisas estranhas. Tem umas dez viaturas estacionadas por aqui, e na porta de entrada tem quatro policiais fazendo a segurança. Temos que ter uma desculpa para entrar aí.
– Deixe comigo.
Sam conduzia Theo pela mão, olhando discretamente para a viatura estacionada atrás de seu carro, o policial ficou por ali mesmo.
– Pelo menos ele ficou no carro. – Sam disse, aliviada.
O estabelecimento de saúde tinha uma estrutura impecável, as únicas coisas brancas ali eram as paredes, mesmo assim decoradas com telas que passavam imagens de famílias felizes.
– Em que posso ajudá-las? – A feliz recepcionista perguntou, no balcão.
– Estou com a mão ferida, algum médico poderia dar uma olhada, quem sabe limpar e trocar o curativo? – Theo disse.
– Claro! Seus documentos, por gentileza. – Ela pediu à Theo, e Sam prontamente entregou seu cartão de identificação falsificado.
– Senhora Maria Conchita, irão chamá-la em alguns minutos, vocês podem aguardar ali.
Sentaram-se numa fileira de cadeiras, dando a oportunidade de Sam observar o local, e as pessoas que transitavam. Os pacientes que aguardavam pareciam esperar pelo Papai Noel, tamanha a satisfação em estarem ali, e a sala de espera estava abarrotada de pessoas, algumas poucas conversavam entre si, num tom baixo.
– Você tem sorte da tecnologia na Nova Capital ser tão atrasada, na Europa não usamos mais cartões de identificação, temos um chip subcutâneo implantado na mão.
– O que também não deve ser impossível de burlar. Detectou algo estranho aqui? – Theo perguntou, próximo ao ouvido de Sam.
– Tirando o fato de duas pessoas ao nosso lado estarem cochilando estampando sorrisos, ainda não.
– Isso está me soando macabro, de tão feliz.
– Mas reparei uma coisa. Alguns funcionários não compartilham deste bom humor, já contei três pessoas vestidas com o jaleco cor de rosa, com semblantes normais, quase sérios demais.
– Funcionários descontentes?
– Não descontentes, apenas estranhamente normais.
– Senhora Maria Conchita? – Uma enfermeira chamou, segurando um fino tablet.
A dupla entrou num consultório com cheiro de baunilha, com elefantinhos adornando as paredes de ponta a ponta. Sam olhava para o teto, onde um grande arco-íris era projetado.
– Aqui é a pediatria? – Sam perguntou.
– Não, o ambulatório adulto. – O médico, um senhor alto e calvo as recepcionou. Ele parecia normal. – Em que posso ajudá-las?
– Eu perfurei minha mão há alguns dias, não vejo melhoras e gostaria de dar uma olhada. – Theo se antecipou.
– Sente-se na maca. Perfurou como? – Ele aproximou-se com uma tesoura, abrindo a atadura em seguida.
– Um tiro, sofremos um assalto. – Sam respondeu.
O médico pousou a mão dela numa pequena mesinha alta, examinando atenciosamente.
– Quem deu estes pontos horríveis?
Theo segurou o riso, e respondeu apontando para Sam.
– Eu não tenho experiência em sutura, fiz o melhor que pude.
– Não estávamos numa condição favorável, fomos pegas de surpresa na zona morta. – Theo a defendeu.
– Ok, vou tirar os pontos, aplicar uma pomada que acelerará a cicatrização, e refazer o curativo. Depois vá até a sala cinco para que lhe apliquem uma injeção com anti-inflamatório e uma analgésica.
Quinze minutos depois elas já estavam na sala cinco, à espera do enfermeiro que prepararia as injeções, Theo sentou-se na maca, com as pernas balançando no ar, enquanto Sam andava pela sala, observando tudo que pudesse, abrindo armários e gavetas, algumas estavam trancadas.
Ela fechou rapidamente uma gaveta assim que o enfermeiro, um garotão de cabelos arrepiados, entrou no recinto, com seu jaleco cor de rosa e um sorriso de ponta a ponta.
– Bom dia Maria! Ou prefere que chame de Conchita?
– Maria está de bom tamanho. – Theo respondeu.
– E meu nome é Antonio, ao seu dispor. – Ele disse fazendo uma reverência bem humorada a sua frente.
– Ela não enxerga. – Sam disse quase grosseiramente.
– Ah desculpe, não tinha reparado. Essa é sua mãozinha dodói?
Theo franziu as sobrancelhas, e estendeu a mão ferida.
– Ok, vamos cuidar de você, vou pegar as injeções, mas já lhe antecipo que tenho mãos leves e habilidosas, então você mal irá sentir as picadas.
– Ótimo.
Antonio tocou na porta de um armário que ocupava toda uma lateral da parede, aparecendo um teclado numérico. Digitou uma sequência de números, fazendo com que a porta se abrisse e mostrando parcialmente seu interior. Sam esticou-se na cadeira para enxergar o que havia ali dentro, quase caindo da mesma.
– Você tem belos olhos, adoro garotas com olhos azuis. Digamos que seja meu fraco. – Ele deu um meio sorriso, fazendo com que Sam desse um suspiro impaciente.
– Me acompanhe aqui atrás na antessala de aplicações, para termos mais privacidade. – Antonio disse conduzindo Theo pela mão para o outro lado de uma divisória móvel articulada. Sam apenas acompanhou dali, atentamente.
Assim que eles não podiam mais ser vistos, Sam foi na direção do armário, fazendo o mesmo procedimento e digitando os números que havia decorado.
– Já pode abrir sua calça. – Sam ouviu Antonio falando, e paralisou o que estava fazendo.
– O que? – Sam questionou.
– A aplicação é nos glúteos.
– Sério? – Theo perguntou.
– Sim, abaixe um pouco sua calça e deite-se de bruços sobre a maca. Desculpe, não estou sendo cavalheiro, não é mesmo? Eu não deveria falar esse tipo de coisa para uma garota bonita como você sem oferecer um café antes. – Ele riu.
Theo apenas fez um semblante resignado e o obedeceu. Sam voltou a mexer no armário.
– Primeira picada, lá vai. Com todo respeito, estou tendo uma vista bem bonita daqui, belos glúteos.
Sam cerrou o punho e trincou os dentes, mas voltou a mexer no armário.
– Que acha de tomar um café comigo daqui a pouco? – Ele convidou.
– Não tenho tempo.
– Tem sim. – Sam se manifestou do outro lado. – Lembra que só temos compromisso a tarde? Você está com a manhã livre.
– Segunda picada.
– Au! Você disse que tinha mãos leves e habilidosas! – Theo ficou duplamente irritada.
– Essa com analgésico é dolorida, não é culpa minha. Então, sua amiga disse que você está livre, que acha de um café e depois quem sabe um almoço? Pronto, terminei aqui.
– Já tenho planos, fica para a próxima.
– Maria, não seja mal educada com Antonio, eu preciso fazer algumas coisas, vá tomar um café com esse moço. – Sam disse.
Ela não fazia ideia do que Sam estava pretendendo com aquilo, apenas sentia vontade de esmurrá-la.
– Ok, acho que podemos tomar um café sim, qual lugar sugere? – Theo entrou num jogo que nem entendia qual era.
– Perfeito! – Antonio vibrou. – Tem um café aconchegante nesta quadra, bom, tem um café aqui no centro também, mas não ficaríamos à vontade. Eu saio em meia-hora, você pode me esperar na recepção. E pode subir sua calça.
– Ok.
– Quer ajuda com a calça? – O enfermeiro ofereceu-se, já colocando as mãos no botão e zíper.
– Não, obrigada, eu consigo fechar minha calça sozinha. – Theo desvencilhou rapidamente das mãos dele.
Theo saiu de trás da divisória, se dirigia à porta de saída mas esbarrou numa pequena escada que estava em frente a maca.
– Quer ajuda? – Sam se ofereceu.
– Não. – Theo respondeu enfurecida.
– Te vejo daqui a pouco, gatinha? – Antonio perguntou, antes que ela saísse pela porta.
– Claro, vamos tomar um café, depois podemos almoçar, quem sabe jantar à noite também.
– Seria maravilhoso! – Ele respondeu sem entender a ironia.
Sam tratou de correr atrás de Theo, que seguia tateando pelo corredor.
– Me espere, eu levo você. – Sam pegou sua mão e seguiram para o carro.
Assim que entraram no carro, Theo perguntou, indignada.
– Você estava me atirando para aquele enfermeiro?
Sam pegou a mão de Theo e colocou entre suas pernas, empolgadamente.
– O que é isso, seu pau? – Theo falou ainda injuriada.
– Uma caixa, peguei do armário que estava trancado, tinha centenas delas.
– Caixa de quê?
– Não sei, mas me pareceu suspeita. Vamos para algum lugar onde possamos analisar com privacidade. – Sam arrancou com o carro, parecia que o vírus da felicidade tinha a atingido, mas era apenas animação por ter conseguido algo que poderia ser substancial na caçada.
O sorriso se desfez e ela olhou séria para Theo.
– Ele não fez nada com você, fez?
– Além de me cantar e furar minha bunda duas vezes? Não.
– Você entendeu que eu estava te empurrando para ele para ganhar tempo enquanto desbravava o armário?
– Estava?
– É óbvio! Eu estava com vontade de bater naquele garoto, mas não poderia desperdiçar a oportunidade. Além do mais eu estava do outro lado da divisória, teria como te defender se ele tentasse algo.
– Eu estava com vontade de te mandar a merda, ainda bem que não fiz.
– Você precisa confiar mais em mim.
– Onde estamos indo?
– Não sei, estou procurando algum lugar onde este policial do inferno não nos vigie.
– Vamos no café aconchegante que Antonio sugeriu. – Ela falou jocosamente.
– Se fosse uma enfermeira você não teria ficado zangada.
Theo abriu a boca perplexa.
– Teria sim! Porque sou lésbica tenho que ficar feliz quando uma mulher me assedia? Assédio é assédio.
– Você é exagerada. – Sam retrucou, estacionando o carro em frente à uma lanchonete com vidros na parte frontal, pintados com coelhos e ovos de páscoa, apesar de estarem em janeiro.
– Onde estamos?
– Uma lanchonete, parece vazia. Cuidado quando sair, estamos do outro lado da rua, não vá ser atropelada.
Sentaram-se numa mesa no fundo, de frente para a entrada. Estavam praticamente isoladas ali, um casal enamorado trocava beijos numa mesa próxima às vidraças, e uma garçonete de patins veio atendê-las. Escolheram um sanduíche e após serem servidas, Sam tirou a pequena caixa azul de dentro das calças.
– Tem algo escrito? – Theo perguntou, com curiosidade, devorando sua refeição.
– Apenas um pequeno B no centro e embaixo tem três letras: SCR.
– Abra.
Sam tirou um frasco transparente de vidro de dentro, estava preenchido com um líquido até a metade.
– Um pequeno vidro com um líquido.
– Tem rótulo?
– Um código numérico.
– Você viu se ele aplicou isso em mim?
– Não, eu vi ele preparando as duas injeções, parecia ser o que ele disse mesmo.
– Abra.
– A tampa? E se for um vírus ou algo nocivo?
– Não deve ser. Abra.
Sam arrancou o lacre e abriu lentamente, Theo aguardava apreensiva ao seu lado.
– Nada relevante. – Sam disse. – Espera, tem algo dentro da tampa.
– O que?
– Parece um chip.
– Deve ser o controle disso aí. Temos que tentar ler esse chip, seu comunicador deve ler.
Enquanto Sam sacava seu comunicador, percebeu que o policial que fazia sua escolta entrava no café, e vinha na direção delas. Rapidamente guardou o frasco na caixa, enfiou na calça.
– Boa tarde, meninas! Eu sou o policial que está acompanhando o passeio de vocês. Estão gostando? – O oficial disse, guardando os óculos no bolso da camisa.
– É uma cidade bonita e alegre. – Sam respondeu.
– Já almoçaram? Posso levar vocês à um ótimo restaurante. – Ele disse, puxando uma cadeira e sentando de frente.
– Sim, já fizemos um lanche. – Sam respondeu enquanto corria os dedos pelo copo de suco, apreensivamente.
– Não deixem de visitar o parque da cidade, é o lugar mais agradável daqui. Não que os outros lugares não sejam também, mas esta cidade é o melhor lugar para se morar em toda Nova Capital.
– Por que as pessoas aqui são tão alegres? – Theo perguntou de bate pronto, chocando Sam.
– E por que não seríamos? Temos uma cidade linda, um prefeito honesto e preocupado com nosso bem estar, além de governador e presidente igualmente honestos. Já viu as árvores? Nossas árvores são tão verdes! Ah e as ruas, belas ruas azuis, o asfalto é tão liso, às vezes tenho vontade de andar com meu carro em voltas apenas para usufruir destas belas estradas tão adornadas. – Ele falava com certa paixão, que até mesmo Theo sem enxergar estava impressionada.
– Só isso? Não tem Prozac na água de vocês? Ou salários incrivelmente altos?
– Viver aqui é nosso motivo de felicidade, nem temos vontade de conhecer outras cidades, mesmo sabendo o quanto o governo da Nova Capital cuida bem dos outros lugares também. Vocês são de onde?
– De uma cidade próxima.
– Sério? Sua amiga tem sotaque inglês.
– Ela morou lá por muito tempo. Sam, vou ao banheiro.
– Ok, é a porta atrás de nós, à esquerda. Vou pedir a conta para irmos quando você retornar.
– Já vão?
– Temos compromisso na cidade vizinha agora à tarde, por isso acho que deveríamos ir logo. – Sam apressou Theo, que seguiu tateando até o banheiro.
Dois homens vestindo sobretudos pretos entraram na lanchonete, não era um traje comum naquela cidade. Sentaram-se numa mesa ao centro, um de frente para o outro, e o que ficara de frente para Sam a olhava discretamente, a deixando perturbada. O outro largou ao lado da cadeira uma maleta comprida e rígida.
O oficial percebeu o olhar apreensivo dela, deu uma olhadela por cima do ombro.
– Mais turistas, nossa cidade é irresistível. – Ele disse e deu uma garfada no prato que Theo havia abandonado.
Sam evitava cruzar o olhar com aquele homem misterioso, mas logo seu olhar correu para fora da vidraça, a deixando paralisada. Um sentinela caminhava lentamente pela frente da lanchonete, com sua marcha mecanizada e aquela câmera vermelha escaneadora no meio da cabeça de aço, lhe dando o aspecto de ciclope.
– Vão para onde agora? – O policial perguntou, com a boca cheia. Mas Sam não respondeu, mal respirava.
O sentinela havia passado quase por completo pela vidraça da lanchonete, quando parou seu passo no ar, girando a cabeça lentamente para dentro do estabelecimento.
Sam abriu o coldre em sua perna discretamente, retirando a pistola.
– Posso indicar um hotel para vocês, na verdade temos apenas um hotel aqui na cidade, e se forem ficar já sabem do procedimento, não sabem?
– Sentinela. – Sam falou de forma firme, ao vê-lo entrando na lanchonete. As pernas robóticas do ciclope diminuíam pela metade quando entrava em lugares fechados, o deixando com no máximo dois metros de altura.
– Samantha Cooper, infrator localizado, você é procurada pelas forças armadas da Europa, fique onde está. – A voz metalizada bradava.
Sam levantou abruptamente, e tomou o policial como refém, segurando seu pescoço com o braço, apontava sua arma para a cabeça dele. A atendente gritou assustada com a situação, os dois homens misteriosos mal se moveram, apenas observavam o que acontecia ao redor. E o sentinela repetia a mesma frase seguidamente.
Theo lavava suas mãos no banheiro quando escutou a voz do sentinela, repetindo a frase, que depois mudou para “abaixe a arma e coloque as mãos na cabeça”.
– Merda! Merda! – Ela saiu tateando as paredes até encontrar uma pequena janela basculante no alto, atrás do vaso sanitário. Subiu na peça e com esforço abriu a janela, deixando uma passagem de pouco mais de trinta centímetros.
Tomou impulso e passou a cabeça e os braços pela janela, o cós da calça prendeu na tranca, que tinha um puxador pontudo.
– Que boa hora para empacar numa janela! – Esbravejava sozinha, desesperando-se para sair dali, não conseguia ver onde estava presa.
Finalmente conseguiu soltar sua calça, e com outro impulso se atirou para fora, caindo de quatro na calçada.
Sam deu alguns passos nervosos para frente, ainda com o policial sob sua mira e seu poder, o sentinela estava na entrada, com o braço apontado para eles, ela sabia que aquele braço era uma poderosa arma laser, e que a qualquer momento poderia ser usado contra ela.
– Tem saída pelos fundos? – Sam perguntou para a atendente, que estava atrás do balcão central, ela não respondeu, apenas gemia de medo.
– Me responda! Tem saída pelos fundos?
– Sim, pela cozinha.
– Infrator localizado, solte o refém. – O sentinela falou.
– Estou com um oficial da lei em meu poder, eu vou sair pelos fundos o carregando comigo, se você vier atrás de mim eu mato este homem. – Ela tentava argumentar com a máquina que tinha inteligência artificial o suficiente para lidar com estas situações.
– Solte o refém e ninguém se machucará, você será conduzida para a prisão para estrangeiros sem ferimentos.
– Não, não vou, vou sair com ele até meu carro, se eu enxergar você ou outro sentinela atrás de mim, vou matá-lo. Só quero ir até meu carro.
Sam mal terminou a frase quando seu carro entrou na lanchonete em alta velocidade através da vidraça. Móveis sendo espatifados e levantados, pessoas sendo atiradas para longe, estilhaços de vidros voando por todo o recinto, um estrondo infernal e metade da lanchonete estava destruída em poucos segundos. O carro só parou quando bateu contra o balcão central, prensando o sentinela contra o móvel. Os dois homens misteriosos foram atingidos pelos móveis e jaziam ao longe, bem como o casal de namorados, que levantavam-se com dificuldade do chão. O sentinela praticamente partira ao meio, seus comandos ainda funcionavam, mas de forma descontrolada. A atendente chorava e gritava desesperada atrás do balcão, com as mãos sobre a cabeça. Sam e o policial foram atropelados e arremessados pelo capô do carro para cima das mesas do fundo.
– Sam, entre no carro! – Theo colocou a cabeça para fora da janela do automóvel e a chamava aos gritos. – Sam! Venha!
O casal enamorado saiu correndo pela rua, gritando pela polícia, enquanto a garçonete fazia o mesmo aos berros.
O policial estava desmaiado sobre Sam, que tinha um corte no meio da testa, causado por um estilhaço da cadeira. Ela jogou o corpo desacordado para o lado e levantou-se com dificuldade, uma dor forte nas costas quase a impedia de ficar de pé. Cambaleou até o carro, que estava rodeado de escombros, e atirou-se para dentro através da janela do passageiro.
– Dê ré! – Ordenou, ainda caindo sobre o banco.
– Ok.
Theo apertou o botão da ré e arrancou para trás, aos solavancos, indo até o meio da estrada.
– Para frente agora! – Sam torceu o volante e Theo acelerou na rotação máxima.
O carro saiu em alta velocidade pela rua azul, Sam colocou suas mãos por cima das mãos de Theo, que seguravam o volante com força, e passou a guiar o carro.
– Acelere mais!
– Estou acelerando o máximo que posso!
Seguiram por alguns quilômetros em alta velocidade, Sam olhou pelos retrovisores internos e não viu nenhum carro às seguindo.
– Ok, diminua um pouco e troque de lugar comigo. – Ela ordenou.
Numa confusão de pernas e braços, finalmente trocaram de lugar, com Sam assumindo o volante, além do sangue que escorria entre os olhos, tinha um semblante de dor constante, a adrenalina começava a diminuir.
– Droga… Droga… – Sam resmungava, baixinho, entre gemidos doloridos. Theo percebeu.
– Você se machucou?
– Pegue alguma toalha no banco de trás, qualquer coisa para limpar esse sangue no meu rosto, está atrapalhando minha visão.
Theo prontamente alcançou uma toalha e lhe entregou.
– Justamente a branca?
– Onde se feriu?
– Cortei a testa. E bati as costas na queda, eu caí de lado, acho que dei algum mau jeito. – Gemeu novamente.
– Que queda?
– Theo, você me atropelou! Eu voei para cima das mesas.
– Desculpe, estava tentando te resgatar.
– Eu sei, eu sei. É que estou morrendo de dor nas costas. Obrigada pelo resgate cinematográfico.
– Deve ter machucado pra valer, você precisa ir num hospital.
– Não posso ir num hospital, provavelmente seria presa assim que me identificassem. Foi só um mau jeito, daqui a pouco eu conserto isso.
– Tem alguém atrás de nós?
– Não. – Sam certificou-se novamente que estavam desacompanhadas.
– Já saímos da terra da alegria?
– Sim, estamos dirigindo sem destino e dentro de duas horas vai anoitecer.
– Temos que ler o chip daquele frasco, talvez tenha alguma informação relevante. Onde está o frasco?
– Tome. – Sam entregou a pequena caixa azul, pingando o líquido do vidro quebrado do seu interior.
– Que droga, quebrou e vazou tudo. Se for corrosivo perderei a mão dentro de instantes. Ok, me passe seu comunicador, vamos tentar ler isso.
– Não, abra com cuidado para não se cortar, tire a tampa e me entregue, eu verifico no comunicador. – Sam falou, incisiva, as feições de dor continuavam.
– Não quer que eu veja as fotos comprometedoras em seu comunicador?
– Não vou conseguir dirigir por muito tempo com essa dor nas costas, me dê logo a porcaria dessa tampa.
– Não ouse ficar paraplégica, ok? Tome a tampa.
Enquanto dirigia, Sam passou o leitor do seu comunicador pela tampa várias vezes, mas nada aconteceu.
– Me dê aqui. – Theo tomou tudo da mão dela, limpou a tampa na camiseta várias vezes, e passou pelo comunicador, que emitiu um bip.
– Apareceu algo na tela? – Theo perguntou, animada.
– Sim, apareceu! – Sam tomou o comunicador de Theo. – Deixa eu ver.
– O que diz?
– Lote 56859, validade 12-2123, e uma mensagem religiosa. – Sam leu, decepcionada.
– O quê??
– Tem uma frase religiosa em espanhol. “Gracias a Dios”. Por que alguém colocaria uma frase religiosa em espanhol num chip de um líquido misterioso? Não faz sentido, isso deve ser alguma brincadeira.
– Gracias a Dios?
– Sim, graças a Deus. Graças a Deus? Que piada de mal gosto! E que dor infernal!
– Gracias a Dios… – Theo repetia baixinho, pensativa, os olhos correndo de um lado para outro.
– Droga, Theo! Estamos sem nada! Temos que voltar no posto de saúde, com a polícia da cidade inteira atrás de nós. – Sam falou, parando o carro no acostamento.
– Gracias a Dios…
– Você está drogada? Pare de repetir esta frase sem nexo!
– Gracias a Dios não é uma frase sem nexo, é o nome de uma província de Honduras. – Theo fulminou, os olhos brilhando de alegria.
– Honduras?
– Sim, já ouviu falar? Um país na parte central da Nova Capital.
– Claro que já ouvi falar, mas tem certeza disso? Um lugar chamado Gracias a Dios?
– Absoluta, ouvi alguns companheiros falando sobre esse lugar.
– Companheiros?
– De militância.
– Que militância?
– Ok, é uma longa história, vamos nos concentrar no que temos. Esse líquido provavelmente veio deste lugar, talvez seja o local de fabricação, ou de armazenamento. Temos que ir para essa província.
Sam consultou no localizador do carro a distância até lá.
– É uma longa viagem de quatro dias.
– É tão longe assim?
– Estradas ruins e a principal rodovia de acesso teve um trecho destruído, teremos que pegar um desvio de centenas de quilômetros.
– Por um ataque com bomba. Fiquei sabendo disto, mas nunca havia entendido o porquê de quererem prejudicar o acesso à essa província. Agora faz sentido.
– Tenho a impressão que você sabe mais do que está me dizendo.
– Sei, mas tudo que importa eu tenho te falado.
Sam a fitou demoradamente, precisaria confiar nela ou ficaria sem nada. Temia que se a pressionasse demais, Theo parasse de falar, assim voltaria à estaca zero. Restavam cinco semanas para ela, e a decisão foi tomada.
– Ok, preparada para passar os próximos quatro dias viajando de dia, dormindo em lugares abandonados, e me ouvindo reclamar de dor nas costas?
– Totalmente preparada, gracias a Dios.
Euforia: s.f.: Sensação de bem-estar, que pode ser natural, por efeito de uma saúde perfeita; ou artificial, obtida com drogas ou estupefacientes.
Gracias a Dios um novo capítulo!! Pena que um só.. Tava com saudades já da Theo e Sam.
Theo salvando a Sam foi ótimo. Moça sacudida ela heim… Adorei. Por favooor libera mais capítulos.
Oie Patricia!
Pronto, aqui estou eu atendendo seu pedido, postei até o capítulo 9, e os próximos serão postados com mais frequência, prometo.
Obrigada pela leitura 😉
Beijão
Fiquei eufórica com o novo capítulo. Muito bom, como sempre. Feliz carnaval!
Olá minha cara Ana Sofia!
Agradeço os votos de feliz carnaval. Em Portugal tem carnaval?
Tem mais 2 capítulos, já sabe né, seus comentários são bem-vindos (e esperados) sempre.
Abraços!
Oie eu to amando estas duas obr bjs
Oie Agatha!
Espero que vc continue amando, mesmo eu dando de vez em quando motivos para odiar um ou outra, ninguém é perfeito né? rs
Beijão!
Amigaaaaa….sabe que fiz?? Li pra Vero esse capítulo, foi massa, atuei de Sam, de Theo, de narradora!! Dps expliquei pra ela a história heheeh
Amei o capítulo, cidade da alegria ta sendo drogada ppr essa substância. ..rs.
eu gostei do hospital pq isso acalma as pessoas , n fica aquela coisa fria né kkkkkkk
Agora irei ali numa praia privada relaxar ! !:)
Dps volto. Beijao
E eu queria ter sido uma mosca para ter visto sua narração ahuhauahuahua
O que Vero achou?
É isso aí, alegria artificial, estão todos drogados e nem suspeitam.
Praia privada? Que lusho bee!
Besos!