2121 – Capítulo 44 (alternativo)

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Capítulo 44

 

A morte é um pássaro traiçoeiro a espreita, em silêncio. Um corvo negro sempre por perto, pousado suntuosamente num galho de árvore. De tempos em tempos ele executa voos circulares por cima de nossas cabeças, nos momentos em que ele quer nos mostrar que não teria dificuldades em pousar em nosso ombro. Sabemos que depende da vontade dele, e não podemos fazer nada para espantá-lo para longe, nem temos como correr; pretensão boba a nossa achar que podemos correr mais rápido que um voo de ave de rapina. Apenas nos resta esperar seu pouso final, ou olhar em seus olhos.

***

– Mas você não enxerga! – Sam dizia, gesticulando.

– Eu posso seguir o barulho do seu air ski, basta que você guie devagar.

– Não, não, Theo, não vamos atravessar esse mar a noite em air skis, vamos arranjar um barco ou outro meio de transporte, nada individual.

A dupla já estava circulando pela cidade litorânea há duas horas, a procura de algum ponto pouco movimentado e transporte marítimo para a ilha. Passava das nove da noite e haviam planejado atacar as onze.

– Continuaremos rodando como baratas pela cidade? – Theo perguntou.

O carro estava parado num semáforo, estavam na orla, numa avenida larga e com prédios coloridos não muito altos ao redor, Sam corria os olhos para fora, com preocupação.

– Hum.

– Esse grunhido é sinal de coisa boa? – Theo perguntou.

– E se não formos pelo mar?

– Está pensando em que? Helicópteros?

– Ultracópteros.

– Aquelas coisas que parecem helicópteros de brinquedo?

– Sim, acabei de ver uma propaganda sobre um parque turístico aqui perto, que disponibiliza passeios aéreos nessas coisinhas.

Ouviu-se uma buzina comprida, o sinal estava aberto.

– Acho que estão buzinando para nós. – Theo disse.

Sam manobrou o carro para o acostamento, erguendo o dedo médio para o motorista que buzinava.

– Vá você! – Ele bradou da janela, ao passar por elas.

– Vá você o que? – Theo perguntou confusa.

– Sei lá, o trânsito é cheio de loucos. – Desconversou.

– Ok então.

– Ok o que?

– Vamos de ultracóptero para a ilha, apenas tente não nos derrubar.

– Não me peça coisas difíceis, eu não sei nem pilotar isso, se conseguir tirar do chão será uma vitória.

– Sam, você me mata de tanta positividade.

Minutos depois o carro azul subia por uma estradinha escura em meio a árvores altas, chegando ao local recreativo, onde eram oferecidas atividades como arvorismo e tirolesa.

Após estourar o portão da entrada, Sam estacionou próximo a um grande deque de madeira, onde haviam uns dez mini helicópteros coloridos. Tratou de eliminar a vigilância eletrônica flutuante e o guarda robótico.

– Achou os brinquedos? – Theo perguntou quando Sam retornou, estava de pé ao lado do carro.

– Sim, estão a nossa frente. A área já está limpa.

– Então vamos.

– Não, espere.

– O que?

– Sam hesitou antes de falar.

– Desculpe se estou parecendo pessimista, mas estou com um pressentimento ruim. Eu gostaria de não estar me sentindo assim, e sei que você tem tentado manter a situação positiva, mas é que… Eu acho que estou com medo… – Sam dizia encabulada.

– O medo faz parte, nos deixa alerta, nos prepara para as situações adversas. Não se culpe, o use para a prudência. – Theo disse de forma acolhedora.

– Se voltarmos dessa ilha, tudo terá mudado, meu destino estará decidido, para o melhor ou para o pior. Não temos plano B, e não temos tempo, depois de amanhã meu prazo termina.

Theo concordou, balançando a cabeça devagar.

– Daqui algumas horas nossas vidas estarão completamente mudadas.

– Eu vou entrar no carro um instante, se importa de ficar sozinha alguns minutos? – Sam perguntou.

– O que você vai fazer?

– Uma última oração.

– Posso acompanhar você?

– Mas você não reza.

– Eu posso segurar a sua mão, talvez diminua seu medo.

Sam sorriu.

– Entre.

Theo entrou no carro e foi logo se virando no banco, ficando de frente para Sam, que já sentava em frente ao volante.

– Com a mão boa. – The estendeu a mão direita.

Sam a tomou e deu uma olhada, apoiou o cotovelo esquerdo no volante, e a testa na mão, fechando os olhos. Fez sua prece de forma silenciosa, segurando firmemente a mão de Theo. Ao final trouxe sua mão para perto, e beijando devagar.

– Eu vou conseguir, não é o fim. – Sam disse com convicção.

– Não, não é seu fim, é seu recomeço.

– Nosso recomeço. – Sam virou-se em sua direção, a abraçando. – Se eu não voltar, saiba que amei você cada segundo, mesmo quando não tratava você decentemente, mesmo quando eu estava confusa.

– Achei que você ainda estivesse confusa. – Theo sorriu sorrateiramente, e a beijou.

– Ok, Archerzinha, hora de usar seu conhecimento, vamos tentar desligar o monitoramento eletrônico através do meu comunicador, você disse que sabia como fazer isso.

– Eu não disse que sabia, eu disse que o pessoal da segurança contou que era possível, e me mostraram algumas telas.

– Eu já achei o aplicativo que você falou, inclusive ele já localizou uma unidade ativa num raio de três quilômetros. Tente o resto por comandos de voz.

Depois de longos vinte minutos de tentativas, finalmente o sinal vermelho iluminou-se na tela nas mãos de Sam.

– Conseguimos, vigilância desativada. – Sam disse sorridente.

– Agora só faltam as dezenas de guardas fortes e armados.

– Você vai precisar ter paciência, vamos observar bastante antes de cada passo, um por vez.

– Posso oferecer apenas meus ouvidos.

– É o suficiente. Vem, hora da invasão.

Embarcaram num dos ultracópteros, Sam levou alguns minutos estudando os comandos, que eram relativamente simples, e logo já estavam sobrevoando o mar em meio a escuridão.

– Vamos voar um pouco mais alto que o normal, para que não nos vejam do solo. – Sam comunicou.

– Que?

Sam colocou os fones em Theo.

– Vamos voar mais alto que o normal, para não nos verem lá de baixo.

– Ah. Já enxerga a ilha?

– Sim, para alguma coisa essa minha visão cheia de frescuras tem que servir. Eu vejo prédios, Theo, eu vejo prédios que parecem laboratórios! – Sam comemorava.

Pousaram o pequeno aparato numa área gramada, um pouco afastada do complexo de prédios baixos, que eram verde escuros. Um vento frio moderado vinha do mar, fazendo Theo se encolher e Sam fechar seu casaco de couro marrom.

– É aqui perto? – Theo perguntou.

– Sim, atrás destas árvores.

Sam tomou a mão de Theo e atravessaram devagar uma pequena faixa densa de árvores, encontrando a lateral do que parecia o prédio principal. Todos os prédios estavam interligados, formando uma grande massa de aço e concreto verde.

– Está com sua arma? – Sam perguntou, certificando-se também de que sua pistola prateada estava carregada.

– Sim, aqui atrás.

– Não use a esmo, use apenas em situação real de risco.

– Quando você autorizar.

– Muito bom, você aprende rápido.

Correram pela lateral, em busca de seguranças externos, não encontrando nenhum, apenas os vigias robóticos desligados. Circularam todo o complexo, e continuaram sem enxergar nenhum segurança do lado de fora.

– Limpo até agora? – Theo perguntou.

– Tudo limpo aqui fora. Hora de entrar.

– Onde estão os dedos de Evelyn?

– No bolso da minha jaqueta.

– No seu bolso?

– Eu os embalei, não me olhe com essa cara de nojo.

Acessaram uma pequena porta lateral, e na segunda tentativa com os dedos, finalmente a pequena luz verde acendeu-se na fechadura.

– Estamos dentro. – Sam sussurrou, caminhando lentamente com Theo em sua mão.

– O que vê?

– Uma pequena sala com sofás e uma copa.

– Deve ser alguma sala de descanso para funcionários. Procure alguma porta larga, também com fechadura biométrica.

– Tem uma, vamos.

Passaram pela porta larga, acessando agora um grande pavilhão, de pé direito altíssimo e alguns mezaninos metálicos o rodeando. Haviam dezenas de bancadas brancas repletas de vidrarias de laboratório. As luzes estavam apagadas mas haviam pequenas janelas no alto, por onde entrava um pouco de claridade natural.

– O que vê? – Theo perguntou.

– Ãhn, um lugar grande com coisas de vidro, mesas.

– Muito grande?

– Bem grande, cabem umas dez casas do tamanho da minha aqui dentro. As luzes estão apagadas, parece estar com a vigilância desligada. Nenhum sinal de guardas ou alguém.

– Ótimo, mas o que procuramos deve estar longe daqui. Vamos procurar outro bloco, algum que aparente ser de alta segurança, aqui é zona de trabalho.

A dupla passeou por mais dois ambientes semelhantes, com bancadas de trabalho, chegando até uma pequena sala com trajes de segurança bioquímica pendurados na parede.

– O que tem nessa sala?

– Parece uma antessala de segurança, deve ter algo importante além dessa porta, tem trajes de segurança aqui.

– Vamos vestir?

– Não, vamos tentar entrar e ver o que há aqui dentro, fique atrás de mim.

Sam abriu a porta lentamente, tentando enxergar algo naquele ambiente intensamente iluminado, conduzia Theo pela mão.

– E então?

– Não sei o que parece, é apenas uma sala enorme, quadrada, tem uma luz forte vindo inclusive do chão, o teto é metálico e estranho, cheio de divisórias.

– E mais nada?

– Uma espécie de refrigerador horizontal.

– Deve estar aí! – Theo se animava.

– Ou talvez tenha algo radioativo que nos derreta em trinta segundos. Eu vou verificar, fique onde está.

Sam aproximou-se do grande freezer metálico e abriu a tampa com curiosidade.

– Quem ousa me acordar??

Um ser humanoide verde musgo, de dois metros de altura e cabeça grande ovalar empurrou a tampa com agressividade, parecia mal-humorado.

– Quem é você?? – Sam perguntou assustada, dando um passo nervoso para trás.

– E o que te interessa? – Ele respondeu grosseiramente, esfregando os olhos negros gigantes, que ocupavam metade da cabeça. Tinha um pequeno topete ruivo no alto da testa.

– Você é a matriz do Beta-E?

– Beta? Beta é nome de mulher, eu sou um exemplar reptiliano macho, meu nome aqui na Terra é Ford, mas fui batizado no meu planeta como U, sendo U a sílaba tônica.

– Eu devo te chamar de Ford ou U?

– Ford, por gentileza.

– Você é um… é um alienígena?

– Gata, se você me deixar dormir, pode me chamar do que quiser, até de lagartixa verde gosmenta.

– Eu não estou entendendo… O que você faz aqui, num laboratório secreto da Archer? – Sam continuava espantada, e Theo emudecida mais atrás, próxima da porta.

– Esperando minha carona para casa.

– Eu estou falando sério, o que você faz aqui? Sabe onde estão as matrizes?

– Ingleses são tão cansativos… – Ford exasperou entediado. – Matriz, matriz, matriz, bla, bla, bla…

– Mas você sabe do que estou falando? Eu preciso dessas matrizes, senão meu coração vai parar quinta-feira. Eu não posso morrer quinta-feira, a novela que eu assisto termina na sexta, não posso perder o último capítulo! Eu preciso saber se foi a Nina que matou o Max! – Sam se agitava.

– Essa novela passou no meu planeta em 2012, foi a Carminha que matou o Max. E ela volta a morar no lixão.

Sam o fitou boquiaberta.

– Você me contou o final? Eu vou matar você. – Sam sacou sua pistola do coldre na perna, possessa.

O alienígena sacou rapidamente uma pistola laranja com anéis azuis ao redor do cano, apontando para Sam.

– Guarde essa arma, terráquea desatualizada.

– Eu vou atirar em você! – Sam dizia, com raiva.

– Não! – Theo gritou, fazendo Sam se virar na direção dela.

– Ele estragou o final da novela, Theo! Ele não pode continuar vivo!

– Sam, pense nas matrizes, ele está com as matrizes, não o machuque.

– Como você sabe que ele está com as matrizes?

– Por que eu entreguei a ele. – Theo disse, e por fim removeu uma máscara de látex, revelando ser também uma alienígena verde de olhos ovais enormes.

– Theo… Meu Deus, você também é…

– Sou uma reptiliana, eu assumi o papel de filha do Benjamin Archer para ter acesso as matrizes. – Ela dizia movendo seus lábios que de tão finos eram inexistentes.

– Foi tudo uma farsa?

– Nem tudo foi uma farsa, oficial. – Theo, ou melhor, A, se aproximava de Sam.

– Você mentiu o tempo todo.

– O orgasmo foi verdadeiro. E puta que o pariu, você levou uma hora para me fazer gozar, sendo que eu tenho três clitóris!

– Eu não percebi… – Sam dizia, encabulada.

– Eu poderia ter tentáculos entre as pernas que você não perceberia.

– Espera… – Sam a fitava. – Você enxerga?

– Lembra que eu sempre dizia que te enxergava? Era verdade, eu não sou cega.

– Por que você mentiu?

– Para ficar mais dramático, sabe como é, eu assisti Perfume de Mulher lá no nosso planeta, e adorei. Você sabe me dizer se o Al Pacino é realmente cego?

– Não, não é, foi só o papel dele no filme.

– E aquele loirinho simpático? Uma graça!

– Ah, nem me fale nele, fez o pior Robin de todos os tempos. – Sam respondeu desanimada.

– Nem tudo é perfeito. – Theo bufou.

– E então, onde estão as matrizes?

– U, entregue as matrizes para ela. – Theo ordenou.

– Com todo prazer! Não aguento mais guardar essas porcarias…

Ford se agachou, fazendo força, e de um orifício não identificado saíram 5 ampolas de vidro.

– Ugh. – Sam disse, com feições de nojo.

– Estão limpas, terráquea fresca. – Ele as entregou.

– Agora você pode ir em busca do seu coração, Sam. Leve para o laboratório da Zona Morta e diga que as matrizes são cortesia de A.

– Quem é A?

– Eu. Sendo A a sílaba tônica, isso é importante na hora de pronunciar.

– Você é A? Então foi você que matou a Alison?

– Não sei do que você está falando. – Theo respondeu, tirando discretamente uma faca ensanguentada do seu bolso, e jogando fora.

– E agora?

– Agora voltarei para casa, minha carona chegou.

O teto se abriu, e uma nave repleta de pequenas luzes estava parada no ar logo acima.

– Então é assim que tudo acaba?

– Prometo que um dia volto para te visitar. E vou te ensinar tudo sobre um número misterioso.

– Que número?

– 69.

– O que é 69?

– Ah Sam, jogue no Pornotube, estou com pressa, tenho um concerto de Edvard Grieg para ir daqui a pouco.

– Mas ele não morreu?

– Não, ele também é um reptiliano, seu nome é E, sendo E a sílaba tônica.

Um feixe de luz desceu da nave, era hora de A e U partirem para seu planeta, ambos se encaminharam para a luz.

– Adeus, Sam. – Theo acenou.

– Adeus, Theo.

Os dois seres esverdeados já subiam pelo feixe de luz, quando Sam correu na direção deles.

– Espera! Como pode A ser a sílaba tônica se A é uma palavra monossilábica?

Era tarde demais, eles haviam partido em sua jornada de volta para o planeta O.

 

FIM

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11 comentários Adicione o seu
  1. Ok, você trollou legal com esse capítulo alternativo kkkkkk
    Quando você falou que seria alternativo não imagine que seria tanto kkkkk

  2. Segurando riso, quase chorando de tanto rir e ainda possível no trabalho!!! Sra. Autora, que final mais que alternativo ahuahauhauah. Adorei!!
    Pelo menos alivia a tensão do último capítulo verdadeiro. XD

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