Capítulo 43 – Oblivion
Do alto do 35º andar daquele prédio ondulado cheio de painéis coloridos, Theo recostava o ombro desnudo no metal da lateral da janela, que era larga e de perfil baixo. Com o olhar perdido em um ponto qualquer na noite da grande metrópole, parecia nostálgica, um tanto triste.
– Não gosto de você assim tão perto da janela. – Sam disse, correndo suas mãos pelo abdome dela gentilmente, mergulhando o rosto em seu pescoço.
– Tem medo que eu caia?
– Você pode se desequilibrar e cair, você não enxerga.
– E se eu pulasse?
– Eu estou segurando você.
– Você não pode me abraçar para sempre.
– Enquanto eu tiver braços, eu vou abraçar você.
Sam deu alguns beijos em seu pescoço, e voltou a falar baixinho.
– Você está bem?
Theo apenas confirmou balançando a cabeça.
– Vem cá. – Sam a virou, a beijando. – Quer a calça de volta?
– Não, estou bem assim. Tudo bem com sua irmã?
– Sim, eu precisava acertar algumas coisas com ela. – Sam a mantinha entrelaçada em seus braços.
– A conversa foi tranquila?
– Foi. Sabe, se eu tivesse uma conversa dessas há algum tempo atrás, eu teria chorado o tempo todo e não teria conseguido falar nada, você tem me ensinado a ser mais prática.
– Não, isso não é ser mais prática, é ser mais forte. Você está mais forte. – Theo respondeu.
– É, talvez eu esteja evoluindo de alguma forma. Mas você também está, o que aconteceu essa noite foi você evoluindo, não foi?
Theo quase sorriu, e virou-se novamente ficando de frente para a janela aberta.
– Prefiro acreditar que tenha sido superação.
– Você superou algo grande essa noite, eu sei disso. – Sam falava com uma voz confortável, apoiou-se com ambas as mãos no parapeito da janela, ao redor de Theo.
– Nunca teria acontecido se não fosse você, aconteceu porque era você.
– Sinto por ter feito tantas coisas erradas, isso tudo é novo para mim.
– Sam, foi ótimo.
– Foi? – Sam animou-se.
– Em todas as possibilidades imaginadas, eu não conseguia esperar algo diferente de trágico acontecendo. Não por você, mas por mim. Eu achava que confirmaria todas as promessas que havia feito, tudo que pretendia negar e abrir mão quando conseguisse sair daquele lugar. Mas foi diferente do que imaginei, porque foi com você.
Sam recostou sua boca abaixo da nuca de Theo, e murmurou.
– Porque foi com amor. Foi diferente.
– Eu sei.
– Sempre era ruim? – Sam ousou entrar neste assunto.
– Bastante. – Theo respondeu depois de algum tempo.
– Se importa de falar sobre isso?
– Não hoje, você conquistou esse direito.
Sam a soltou, e ficaram lado a lado na janela.
– Você trabalhava todos os dias? Ou tinha dias de folga?
– Nos obrigavam a trabalhar todos os sete dias.
– Você podia sair?
Theo deu um sorriso torto.
– Sam, estamos falando da mesma coisa?
– Não podiam, né? Desculpe.
Sam debruçou-se sobre o metal da janela, uma brisa noturna ocasional deixava o quarto fresco. Theo abandonou a janela, indo até a maleta médica.
– Procura hidrometa?
– Não, analgésicos. Já encontrei.
– Ok. – Sam tamborilava os dedos em seu braço, lembrando das perguntas que sempre tivera curiosidade de fazer.
– Quer analgésico também?
– Não, já tomei. Obrigada. Theo, você já tinha ido para a cama com homens, antes de ir para lá?
– Duas vezes, por curiosidade. Só serviu para ter certeza que não gostava daquilo, se bem que nem precisaria disso para ter certeza…
– Qual era a frequência lá?
– Alta.
– Quantos? Dois, três, por noite?
– Doze. No mínimo. – Theo disse e engoliu o remédio, bebendo água na sequência.
– Meu Deus… Mas não ao mesmo tempo, certo?
– Algumas vezes sim, às vezes era grupal.
Sam a observou voltando para a janela, a fitava incrédula, aos poucos surgia uma sensação nauseante. Theo voltou a ficar ao seu lado na janela, quando a brisa chegava, fechava os olhos a sentindo.
– Posso fazer uma pergunta um tanto íntima? – Sam arriscou.
– Não prometo responder.
Sam a olhou de lado, hesitante.
– Ãhn… Os clientes, eles… Hum… Os clientes, sabe, beijavam você?
– Nunca beijei homem algum lá, eu não permitia, mesmo que isso me custasse alguma violência.
– Nunca beijou cliente algum então?
– Eu falei que nunca beijei nenhum homem.
Sam arregalou os olhos.
– Você tinha clientes do sexo feminino?
– Raras, eram raras. – Theo dizia com pesar, cabisbaixa.
– E como era?
– Com elas? Também eram clientes pagando para me usar por algumas horas. Mas no fundo elas estavam em busca de companhia, alguém para conversar e fazer um pouco de sexo.
– Alguma se apaixonou por você?
– Não que eu saiba. Mas uma se tornou fixa, ela vinha uma ou duas vezes por mês, sem falta, e pagava pela noite inteira.
– Você acha que ela gostava de você?
– Acho que ela gostava da minha companhia, o sexo era apenas um detalhe, Michelle parecia uma mulher um tanto carente.
– Michelle… – Sam repetiu. – Por que Michelle não te tirou de lá?
– Ela dizia que não podia.
– Que monstro. Ela e todos que puderam te ajudar, e que nunca fizeram nada, são todos monstros. – Sam estava cada vez mais enjoada, seu estômago parecia revirar-se.
– Esse tipo de violência é mais comum do que você imagina… E me aflige saber que as meninas continuam lá, passando por tudo aquilo.
– Nós vamos resgatá-las, quando tivermos condições, nós vamos tirá-las de lá.
– É, quem sabe um dia…
– E dar uma boa lição no seu tio. Eu não consigo acreditar que seu próprio tio não fazia nada por você, te mantinha nesse lugar. Ele nunca pareceu ter compaixão em algum momento? Ele sabia o que faziam com você?
– Elias? – Theo lançou um meio sorriso triste. – Elias me violentava quase todos os dias.
– Que merda… Meu Deus, são pessoas sem almas… – Sam esfregava a mão pelo estômago, estava de fato enjoada.
– Eu era o passatempo vespertino dele… – Theo falava com a voz embargada, baixa.
– E a noite você ia para a cama com doze homens. Santo Cristo… – Sam não conseguia evitar as imagens mentais, sua respiração agora ficava curta.
– Não era uma rotina agradável, não era nada humano.
Sam esfregou as mãos nos olhos, respirando forte.
– Era violência! Era… Era a pior das violências, quantas coisas degradantes você foi obrigada a fazer? Meu Deus…
– Você está se dando conta agora, não é?
– Sim, e eu não quero mais imaginar isso… Eu quero tirar essas imagens da minha cabeça e não consigo.
– Não foi uma boa ideia entrar nesse assunto.
– Isso é tão… Já volto.
Sam correu para o banheiro, abriu afoitamente a tampa e vomitou. Theo ouviu e caminhou até lá, esbarrando na cama e na porta.
– Sam? – Theo disse preocupada, com as mãos nos batentes da porta do banheiro.
– Eu estou bem, só estou meio enjoada. – Sam continuava abaixada a frente do vaso, respirando rápido.
– Quer ajuda?
– Não.
– Eu também fiz isso.
– O que?
– Vomitei. Depois da primeira noite.
– Céus… – Sam novamente fez um semblante enjoado e vomitou.
– Desculpe, não quis causar isso.
Sam levantou-se, lavou o rosto demoradamente, voltava ao normal mas continuava pálida. Theo ergueu a mão, lhe entregando a toalha.
– Quer algo para o estômago? – Theo perguntou cordialmente, ao seu lado.
Sam, ainda com a toalha em mãos, apenas virou-se e a observou por alguns segundos, estava transtornada com tudo que acabara de ouvir e criar em sua mente. Largou a toalha no chão e a abraçou.
– Aquilo acabou. Que bom que você conseguiu sair daquele inferno… – Sam sussurrou. – Que bom que você está aqui comigo agora…
Theo correspondeu ao abraço, fechando os olhos com força.
– Eu esperei dois anos por esse abraço.
– Eu poderia ter sido mais cordial com você. – Sam disse ao desprender do abraço.
– Você não fazia ideia, você fez o que pode.
– Não, eu fui tão insensível… Me desculpe, meu amor. – Sam acariciou seu rosto com ambas as mãos.
– Você me salvou, Sam.
– Eu deveria ter abraçado você todos os dias. – Sam sorriu. – Te dar segurança, palavras de conforto.
– Você me dá segurança agora.
Sam a abraçou novamente.
– Vá dormir, já é madrugada.
– E você?
– Eu já vou também.
Theo seguiu para a cama devagar, Sam a observou, fechou a porta do banheiro e sentou-se no piso, cobrindo o rosto com as mãos.
– Deus, me ouça… Eu preciso viver. – Sam iniciou uma prece entre lágrimas. – Eu não posso ir embora agora. Me ajude a conseguir um novo coração, por favor… Eu sei que estou cometendo uma série de pecados, mas depois resolvemos isso. Me deixe viver, eu tenho muito o que fazer por aqui ainda, eu preciso ficar por aqui. Me dê uma chance, e eu prometo ser feliz e fazer Theo feliz.
Saiu do banheiro minutos depois, tirou sua calça e vestiu em Theo, aconchegou-se em suas costas, a envolvendo, e adormeceu.
Acordou com a claridade que entrava pela parede de vidro, percebeu que Theo não estava na cama, e logo a localizou, de pé junto a janela.
– Não gosto de você perto dessa janela. – Sam resmungou, com voz ainda um pouco rouca.
– Bom dia, oficial. – Theo permaneceu onde estava, respondendo com um sorriso.
Sam levantou-se, permaneceu alguns segundos sentada na beira da cama, preparando-se para iniciar aquele dia de tudo ou nada. Estranhou a visão de sua perna artificial, há anos que dormia apenas com calças.
– Uma corrente de vento pode te derrubar. – Sam disse já a envolvendo por trás.
– Medo de ficar viúva?
– Viúva? Você ainda não me pediu em namoro.
– É necessário?
– Eu sou uma garota a moda antiga. – Sam disse beijando seu pescoço.
– Te pedirei em namoro na sexta-feira.
– Talvez eu não tenha sexta-feira.
– Conseguiremos seu vale coração hoje, esqueceu?
– Você me faz esquecer das coisas importantes. – Sam ficou ao seu lado na janela. – Quer me apresentar a cidade?
– Claro, preciso que me diga o que está vendo.
– Prédios e mais prédios. Tem um redondo a nossa frente.
– O antigo Hilton, eu nem sei o que é Hilton, mas todo mundo chama assim. Então estamos de frente para a Avenida Ipiranga. A sua extrema direita, talvez você consiga enxergar a aeroestação da Luz, onde tudo que flutua ou voa faz sua parada.
– Você mora aqui perto?
– Não, moro nas colinas, é um bairro artificial construído há algumas décadas. É meio afastado do Centro. Olhe para baixo, deve ter uns letreiros bem chamativos aqui em frente.
– Tem sim, o que é?
– Uma balada, uma ótima balada.
– Já foi?
– Já, Letícia adora.
– Eu nunca fui numa danceteria. – Sam confessou timidamente.
– Não? Já sei, seu pai não deixava.
– E Mike não gostava.
– Quer ir comigo? – Theo pousou sua mão em sua cintura, a puxando para perto.
– Quero. – Sam disse com um sorrisinho. – Eu tenho tantas coisas para fazer ao seu lado.
– Então faremos.
– Mas no momento tudo que quero fazer com você é tomar um bom café.
Uma hora depois, Sam terminava seu dejejum no refeitório do hotel, Theo ainda tinha um prato repleto de pães e bolos a sua frente.
– Está estocando para o inverno, formiga? – Sam indagou, guiando sua mão até a xícara. – Cuidado, está quente.
– Só Deus sabe quando vamos comer de novo. – Theo respondeu dando um gole de sua terceira xícara de café.
– Não temos tanta pressa, pode comer devagar, sairemos as dez.
– Ótimo, pegarei mais pães.
– Ok, faremos o seguinte então: pegarei mais pães para você, depois vou buscar nossas coisas e colocar no carro, passo na recepção e acerto as contas. Enquanto isso você come todos os pães do mundo. Pode ser?
– Claro, pegue um doce e um de leite. Não esqueça a manteiga.
Sam entregou os pães em seu prato, beijou sua cabeça, e seguiu para o quarto. Theo continuava comendo, sem pressa, quando percebeu alguém sentando na cadeira ao seu lado, sentiu um perfume masculino.
– Tem alguém aqui? – Indagou confusa.
– Quanto tempo, Theo.
– Mike?? – Theo reconheceu a voz.
– Sentiu saudades? Eu não senti, mas foi bom encontrá-la sozinha aqui.
– Eu não estou sozinha, Sam já deve estar voltando do carro.
– Não ela ainda vai acertar a conta do hotel, temos alguns minutos. – Mike ajeitou-se na cadeira ao lado de Theo, ostentava agora uma barba curta.
– Se você tentar algo comigo, eu vou gritar pedindo ajuda. – Theo disse segurando o pânico.
– Estou com uma doze milímetros apontada para seu estômago por baixo da mesa nesse momento, então se eu fosse você continuaria a conversa desse jeito, de forma civilizada.
– O que você quer?
– Conversar com Sam.
– Você só vai perturbá-la, hoje é um dia importante, por favor vá embora e converse com ela outro dia.
– Não, conversarei agora, e você não vai me impedir disto. E não vai sequer se meter em nossa conversa, vai acompanhar quietinha, nessa cadeira, sem abrir a boca em momento algum.
– Você não pode me impedir de falar, eu vou alertá-la das suas besteiras.
Mike lançou um sorriso irônico, inclinou-se para a frente.
– Sua mão piorou bastante desde a última vez que nos vimos. – Mike fitava sua mão esquerda enfaixada, que estava repousada sobre a mesa redonda.
– Não é da sua conta. – Theo disse e tentou recolher a mão, sendo impedida por Mike, que a segurou de forma agressiva pelo pulso, a prendendo sobre a mesa.
– Me solte. – Theo parecia tensa.
– Não faça nenhum escândalo, não grite, não peça ajuda, nem aumente o volume da sua voz.
– Então me solte.
Mike continuou segurando sua mão espalmada sobre a mesa, tomou um garfo com a outra mão, pousando em cima da região ferida, por cima da atadura.
– Isso em cima da sua mão é um garfo, se você prometer ficar quietinha eu solto a sua mão.
– Eu não vou mais me calar para você, Mike.
Mike pressionou o garfo contra sua mão, traspassando a atadura e a perfurando, trazendo uma expressão de dor extrema de Theo.
– Pare, pare. – Theo disse num sopro.
– Não. Prometa ficar quietinha enquanto converso com minha noiva, e quem sabe eu permita que você continue viagem conosco.
– Mike… – Theo respirava rápido, curvada a frente. – Deixe Sam em paz, ela tem pouco tempo para conseguir o coração.
Mike penetrou ainda mais o garfo, trazendo sangue para a atadura.
– Não, eu vim para ajudá-la, eu larguei o exército para isso. E então? Pelo visto está gostando desse garfo enfiado na sua mão.
– Ok, eu vou ficar calada, eu vou ficar calada, eu prometo.
Ele deu uma boa olhada em Theo, com um semblante satisfeito, mas não removeu o garfo.
– Só mais uma coisa: aproveite seus últimos momentos ao lado dela, quando tudo acabar eu vou levá-la para nossa casa, na Inglaterra.
Theo agiu rapidamente, tomando o garfo dele e o espetando em sua mão, Mike soltou um grunhido alto, assustado, e removeu o garfo.
– Você vai pagar por isso, sua vagabunda. – Ele resmungou.
Ela trouxe sua mão junto ao peito, com feições de dor.
– Você é um animal. – Theo murmurou entre os dentes, com raiva.
– Garota, você acha mesmo que Sam ficará ao seu lado depois que isso acabar? Ela está com você porque é conveniente, mas essa não é a vida dela, ela não gosta de mulheres, muito menos de você. E ela odeia esse continente, deve estar contando as horas para voltar para sua casa, sua família, os amigos, para mim. Ela vai cair na real rapidinho, e você vai ficar para trás, como um cachorro sarnento abandonado. – Mike cobriu sua mão com um guardanapo.
– Se você a ama, a deixe em paz hoje, volte semana que vem, mas não nos atrapalhe hoje.
– Atrapalhar? Você é bem pretensiosa, hein? Escute com atenção, Sam ficou confusa e acabou escolhendo você para seguir nessa busca, então a responsabilidade recaiu sobre você. Se até quinta-feira ela não conseguir esse coração e morrer, saiba que irei revirar o mundo te procurando, mas terei o prazer de enfiar um tiro no seu ouvido.
– Eu estou fazendo o máximo…
– Shhh, cale a boca, Sam está chegando. E se você falar sobre a mão acabo com sua raça aqui mesmo.
Mike levantou da cadeira e abraçou Sam, que o fitou de forma perplexa.
– O que você está fazendo aqui? – Sam perguntou ainda confusa, ao soltar-se do abraço.
– Também estava com saudades, amor. – Mike falou com ironia. – Sente-se.
Sam sentou-se ao lado de Mike e de frente para Theo, que permanecia quieta, com semblante fechado.
– Como você tem a audácia de me procurar depois do que você fez? Eu descobri tudo sobre sua expulsão nada honrosa do exército.
Theo baixou uma sobrancelha, sem entender.
– Eu tenho uma boa explicação sobre isso, não é o que disseram. – Mike dizia calmamente.
– Como me achou?
– Conversei com Lynn hoje cedo.
– Claro, Lindsay… – Sam balançou a cabeça, incomodada.
– Por sorte eu estava na cidade resolvendo algumas coisas, e fiquei animado com a possibilidade de te encontrar e ajudar, eu estou disposto a fazer qualquer coisa para que você consiga esse coração.
– Eu agradeço sua preocupação, mas não acho que você tenha como ajudar.
– Claro que tenho, pelo que conversei com Theo hoje é um dia importante, vocês estão indo para onde?
Sam deu uma olhada em Theo, que continuava quieta. Olhou ao redor, a procura de algo suspeito ou drones.
– Uma ilha no Paraná, onde provavelmente estão as matrizes que procuro. – Sam disse em voz baixa.
– Um laboratório?
– Sim, um laboratório da Archer.
– Foi por isso que você preferiu continuar com essa garota, não foi? Eu também descobri algumas coisas com Lindsay, que Theo é a herdeira da Archer.
– Eu não sou herdeira de nada. – Theo manifestou-se.
– Você é a filha do presidente dessa empresa, fico feliz em saber que você tem informações importantes para repassar e nos ajudar. – Mike disse fingindo cordialidade.
– Deixe Theo em paz. – Sam alertou.
– Continua a defendendo? – Mike disse com certa impaciência, percebeu que quase perdera o controle e voltou a falar num tom amigável. – Sam, eu vim em paz, eu só quero ajudar como puder, seja com minha força, meu conhecimento tático, eu sei que ter uma pessoa a mais na equipe faz toda a diferença. Não estou pedindo para abandonar Theo, ela pode seguir conosco, prometo tratá-la bem, não tenho mais nenhum sentimento ruim por ela.
Sam fitou novamente Theo, na esperança que ela dissesse algo, mas permaneceu calada.
– Mike, eu não confio mais em você, o que você escondeu de mim… Foram coisas graves.
– Aquele processo não foi nada de mais, incluíram meu nome numa operação de tráfico de armas, mas meu envolvimento foi mínimo.
– Quem diria, hein? Você ajudando a fornecer armas para a resistência da Nova Capital. – Sam ironizou.
– Não era bem para a resistência, era para um grupo de dissidentes.
– Que grupo é esse?
– Sam, eu não entendo de política, é um grupo radical de ex-militantes da resistência, algo assim. Mas eu apenas dava cobertura, não trabalhei ativamente nessa operação suja, sou inocente.
– Ah é? E o que você tem a dizer sobre nunca ter pedido licença alguma? Você me procurou porque seu pai conseguiu converter sua sentença numa expulsão, você foi mandado embora do quartel e resolveu me procurar porque não tinha nada melhor para fazer.
Theo subiu as sobrancelhas, perplexa com as novidades.
– Não é verdade, eu pedi a licença, mas negaram, e não tive coragem de contar isso.
– Ah, Mike… Pare com as mentiras, a essa altura do campeonato o melhor para sua imagem é admitir tudo que fez.
– Então sejamos práticos, deixemos tudo isso para trás momentaneamente, você sabe que tenho razão quando digo que posso ser útil para a invasão desse laboratório hoje. Permita que eu siga viagem com vocês, serei cordial, não pretendo trocar nenhuma palavra com Theo, a deixarei em paz, como você pediu. Eu ainda amo você Sam, quero que você sobreviva, eu só quero ajudar, mais nada.
Sam olhou para Theo, pensando de forma hesitante. Correu os dedos pelos vincos da toalha da mesa, o garfo com as pontas sujas de sangue estava próximo, mas não o viu.
– Não. – Sam disse, enfática.
– Sam, pense de forma racional, toda ajuda é bem-vinda. – Mike pousou sua mão sobre a mão de Sam, em seu colo.
– Eu sei disso, mas prefiro continuar sem sua ajuda, Theo tem me ajudado, nós temos nos virado, e não seria justo permitir que você volte a conviver com ela. – Sam tirou sua mão.
Mike a fitou incrédulo.
– Você não conseguirá sem minha ajuda, seja razoável, não faça essa besteira.
– Volte para casa, Mike.
Mike ergueu-se da cadeira, parecia ofendido.
– Eu não a reconheço mais, você mudou, Sam.
– Eu não mudei, eu me encontrei.
Ele balançou a cabeça com revolta, deu uma última olhada em Theo, acariciou o rosto de Sam.
– Não serei orgulhoso, se mudar de ideia, sabe como me encontrar.
– Obrigada. Darei notícias na semana que vem.
Mike saiu apressado do salão do hotel, Sam aguardou que ele saísse de sua visão e apoiou os cotovelos na mesa, esfregando o rosto.
– Ele já foi? – Theo quebrou o silêncio.
– Sim. – Sam a encarou. – Eu fiz a coisa certa, não fiz?
– Fez.
– Agora é nós duas contra o mundo. Já enfrentamos tantas coisas…
– E estamos aqui, vivas e inteiras. – Theo sorriu, aliviada por Mike ter ido embora.
Sam a encarou com o coração aquecido por aquele sorriso, sentindo-se confiante.
– Quer que eu embale seus pães para a viagem?
– Quero. Não esqueça a manteiga. Também preciso de um analgésico.
Uma hora depois, seguiam por uma supervia em alta velocidade, descendo na direção de Paranaguá.
– Você ia me contar sobre Mike? – Theo perguntou com a voz séria.
– Sim, eu ia te contar, mas esqueci completamente.
– Esqueceu? Esqueceu de me contar que Mike é traficante de armas e que foi expulso do exército?
– Esqueci, Theo, eu realmente esqueci, estou falando a verdade. Eu ia contar, mas foi naquela noite que brigamos. – Sam respondeu gesticulando.
– Como você descobriu?
– Naquele bar eu encontrei um colega de quartel, estava de folga visitando a família, ele me contou. Eu ia sair do bar e te contar, mas acabei vendo aquela foto sua e perdi a cabeça, esqueci de tudo.
Theo ficou em silêncio um instante, ainda estava com um semblante fechado.
– Você ainda gosta dele, o protegeu, ficou com receio de me contar porque sabia que eu não o pouparia.
– Quanta besteira! Você deveria ficar contente, eu realmente esqueci disso, esqueci da existência de Mike, não foi proteção, foi displicência.
– Mas ficou balançada com o convite dele, não ficou?
– Não, não fiquei. Admito que por um segundo pensei que realmente seria bom ter mais alguém ajudando na invasão do laboratório, mas eu não quis pagar esse preço.
– Não sei como você consegue olhar na cara desse animal…
Sam suspirou fundo, dando uma olhada em Theo.
– Amor, eu não quero brigar. – Pediu carinhosamente.
– É impossível brigar com você quando me chama de amor. – Ambas sorriram.
Sam a olhou novamente, agora com as sobrancelhas baixadas, ao ver sangue na mão de Theo.
– O que aconteceu com a sua mão? Machucou de novo?
Theo apenas trouxe a mão para perto do peito, e não respondeu.
– O que foi isso, Theo? – Sam insistiu.
– Mike enfiou um garfo na minha mão.
Sam a olhou arregalada.
– O que você está falando?
– Seu ex-noivo enfiou um garfo na minha mão, antes de você chegar.
Sam parou o carro no acostamento.
– Um garfo? Por que ele fez isso? – Sam dizia perplexa.
– Ele não queria que eu me metesse na conversa de vocês. – Theo dizia desconfortável.
– Por que não me falou?
– Ele disse que acabaria comigo se eu falasse algo, disse que estava armado.
– Não acredito… – Sam dizia incrédula, balançando a cabeça.
– Me informou também que se você morrer, ele vai me encontrar e enfiar uma bala no meu ouvido.
– Mike é um dissimulado!
– É um babaca. – Theo resmungou, ainda segurando sua mão.
Sam virou-se para trás, buscando a caixa médica, a colocando sobre o banco entre elas.
– Me deixe cuidar da sua mão.
Theo estendeu a mão, logo já estava sem as ataduras e Sam observava os quatro pequenos furos de perto.
– Eu vivi oito anos com esse homem e agora vejo que não o conheço. – Sam falava enquanto limpava e enfaixava sua mão.
– Nunca percebeu sua covardia?
– Não, não desta forma. Eu sinto muito por isso, mas por favor, não me culpe.
– Não vou culpar você. – Theo suavizava suas feições.
– Finalizado. Quer hidro?
– Não, mas aceito mais analgésicos.
Sam lhe entregou alguns comprimidos, e voltou a pegar a estrada.
– Então, que grupo é esse que Mike falou? Você conhece? – Sam perguntou, já guiando o carro.
– Conheço superficialmente, eles se auto intitulam como Falange. É um grupo dissidente da resistência, pessoas com ideias radicais e que lutam por uma mudança drástica de governo. Mas eles não querem uma democracia pacífica, eles querem tomar o poder e transformar a população num exército contra a Europa.
– São perigosos e violentos, então.
– Eles trabalham na surdina, de vez em quando surgem com algum ataque terrorista ao governo. Por isso passei meus dois primeiros anos na Suíça, naquela época eu e minha mãe éramos alvos da Falange.
– Mas nunca lhe fizeram mal, fizeram?
– Não, no máximo duas tentativas de sequestro.
– Tentaram te sequestrar?
– Uma na infância e depois quando eu tinha uns quinze anos, mas não tenho certeza se foram eles.
– Você sempre andou com guarda-costas?
– Só em alguns lugares, eu odiava.
– Você acha que seu pai contratou Evelyn para ser uma espécie de guarda-costas para você?
– Duvido, ele deve ter descoberto que eu estava me ligando a resistência, queria me espionar. Meu Deus, e eu nunca desconfiei… – Theo balançou a cabeça. – Como pude ser tão burra?
– Você confiava no seu pai.
– Sim, até me dar conta que ele havia assassinado minha mãe. Mas era tarde demais, ele já estava um passo a frente, e eu não sabia.
– Você não pode se culpar por confiar no seu próprio pai.
Theo continuou pensativa nos minutos seguintes, com a cabeça apoiada na mão.
– Aquela cretina… – Theo rosnou como se dando conta de algo.
– O que foi? Está relembrando os bons momentos com Evelyn? – Sam zombou.
– Ela sabia, ela sabia, era tudo de propósito.
– O que?
– Eu havia reclamado para Evelyn que estava me sentindo sobrecarregada, um tanto estressada com faculdade e minhas outras atividades. De repente meu pai começou a insistir que eu trancasse a faculdade e passasse um tempo na Suíça, que fosse para lá descansar, ainda temos casa em Lausanne, mas eu não queria ir. Eu comentei isso com Evelyn, e ela passou a insistir também, para que eu fosse para Lausanne, que meu pai tinha razão. Aquela cretina sabia…
– Você acha que ela sabia que seu pai enviaria você para um prostíbulo?
– Não sei até qual ponto dessa história sórdida ela tinha conhecimento, mas foi tudo uma armação de meu pai com ajuda dela. E você viu lá no ferro velho? Ela sabia que eu pertencia a célula azul, e não me dei conta.
– Estou menos compadecida da morte de Evelyn agora. – Sam comentou.
– Não me conformo…
– Com a morte dela?
– Eu deveria ter acertado mais tiros naquela mentirosa.
Sam tentou segurar o riso.
– Theo, me lembre de nunca me tornar sua ex namorada.
Theo também riu.
O comunicador de Sam tocou, era um ID desconhecido.
– Bom dia, Samantha.
– David?
– Será que preciso lembrá-la que seu prazo termina na quinta-feira?
– Não, eu estou ciente e correndo atrás, tenho boas notícias, acho que conseguirei as matrizes hoje à noite. – Sam dizia nervosamente.
– Acha?
– Tudo indica que encontramos o laboratório correto.
– É bom mesmo. Faço novo contato em breve para repassar o endereço de entrega. – E a ligação finalizou.
Quatro horas depois, o carro azul adentrava lentamente as imediações de Paranaguá.
Cris! Eu fico possessa com o quanto Theo sofre. Cê não acha que deu, não? rs. Mas, falando sério, capítulo eletrizante esse. Sim, continuo ansiosa e, pelo visto, a ânsia acaba amanhã, certo?
Ps.: Acho Sam super fofa com Theo e tudo, mas eu a entenderia se ainda não confiasse completamente nela…
Ps2.: Sim, tenho preferência de personagem… hehehe
Amigaaaa,
Acho digno comecar o comentário com esse diálogo que é tudoo:
"E se eu pulasse?
– Eu estou segurando você.
– Você não pode me abraçar para sempre.
– Enquanto eu tiver braços, eu vou abraçar você."
É mt fofura pra uma pessoa só!!!Sam,quando quer, é super!Ng dava nada por ela,porém, eu sempre na defesa!!!Vamos Sam!!
Mike,é chato viuu!!Tipinho….minhas meninas temq tomar cuidado com ele pq o cara n vai ficar parado nao!!
Chegando aos momentos finais da primeira parte…finalmente algumas coisas irao se encaixar e outras ficaremos na espera!!Será q Sam se salva,será q o final vai nos revelar isso ou vai terminar e n iremos saber..algo de mistério….
Theo n merece sofrer mais,espero que logo alivia pra ela!!E na 2 parte ela chega c td "A vingadora" 3 exploda a ACHER!!!!!!!!Ou tome o mando e mude o enfoque….poderia sem ng saber q era ela né?rsrs.
Bom,capítulo muitooo decente e qr logo o final pq mereco e muito!!!!Quero o final do meu remédio natural!!;)
Amanhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa….
Beijinhoss,Bee!!!
Perfeito como sempre!!! Anciosa com esse final.
Cris, lembrei da musica "Oblivion" do Bastille
Não quero que chegue o fim 🙁
É tão bom perceber que Theodora esteja confiando mais na Samantha, mesmo que esta pise bastante na bola. Consigo ver o sentimento por parte de Theo tomando forma. Sinto um carinho enorme por Theo, consigo me imaginar abraçando-a rsrsrs.
Pelo amor! Acaba com a raça do Mike.
Não creio que o próximo seja o último, mas estou aguardando a segunda temporada na primeira fila!
Abraços, Schwinden!
Olá Alice!
Eu também protelei bastante no final, não queria escrever a palavrinha FIM, porque sabia que era uma espécie de despedida. Mas dentro de alguns meses retomo a escrita e a segunda parte.
Foi um processo tão lento esse da confiança por Sam, não foi? Quando avançava um passo, Sam fazia uma besteira e recuavam dois passos. Mas esse dia chegou.
Amanhã posto o último, ok?
Bjos e obrigada!
Já estou sofrendo sò de imaginar que esta chegando ao fim. Nossa, nunca pensei que uma historia iria consegui mexer tanto comigo, ou melhor dizendo uma personagem mexer tanto comigo. Sam é aquele personagem que da vontade de bate e ao mesmo tempo abraçar, ela com certeza é meu personagem favorito. Não sei exatamente o por que, mas sempre me identifiquei um pouco com ela.
Que história foda! Não quero que acabe, já tô com saudade. Cris, não demore pra voltar com a segunda parte, ta? kkk
Olha, melhor entrar na fila das pessoas que querem me bater quando faço Theo sofrer… rs
Bom, vem mais sofrimento pela frente, melhor avisar com antecedência, né?
Eu ia postar sábado, mas percebi que tinha uns erros, e ainda tô revisando, pretendo postar amanhã a noite (segunda).
Sam ainda não conquistou inteiramente sua confiança? Bom, não posso ter preferência de personagem pq seria como escolher um filho, mas me apeguei bastante ao desenvolvimento de Theo, criou vida própria.
Até amanhã!
Agora entende o significado desse diálogo inicial? Era um teste.
Obrigada por ter sido uma das únicas a defender Sam, tem poucas pessoas no time dela.
Mike não vai deixar essa garfada barata não, vai fazer Theo pagar por isso num futuro não muito distante.
Eu expliquei 90% da história no capítulo final, não sobrou muita coisa pra segunda parte…
Sobre Theo explodir a Archer na segunda parte, fica meio difícil…
Bjinhos chica!
Não conhecia essa música do Bastille, mas coloquei aqui e gostei! Adicionada a minha playlist 😉
The final is coming!
Aeeeee mais uma que defende Sam! Vocês são poucas.
Chegou ao fim, mas é um fim temporário, vai durar alguns meses.
Sobre se identificar com Sam, eu acredito que ela tem essa coisa do errar sem perceber o mal que fez, daí depois se dá conta, dá um tapa na testa, e tentar consertar. Apesar dela ser uma blog, ela é a personagem mais humana que já escrevi.
Obrigada por acompanhar, bjinhos!
Só vai acabar de mentirinha, eu volto daqui alguns meses 😉
Acabei de ler o capitulo e vi que vc já postou o 44 confesso que estou meia receosa de ler é que são tantas as possibilidades para a busca delas ser infrutífera e alem disso esta terminando e eu já estou com saudades da sua historia maravilhosa Cris bjs