2121

2121_menor

 

Sinopse:

O ano é 2121, Samantha era uma combatente no exército da agora nação mais poderosa do mundo: a Europa. Tinha sua fé cristã inabalável, um noivo também militar, e uma patente de respeito.

Mas todo seu patriotismo se transformou numa corrida contra o tempo quando descobriu que este mesmo exército que idolatrava, havia lhe implantado um coração com prazo de validade. Sua última missão: sobreviver.

Sam tinha agora 6 semanas para resolver um quebra cabeças que a faria cruzar três continentes em busca de um novo coração. Nesta jornada ela salva a vida de Theo, uma jovem cega que fugia de um prostíbulo, causando um choque cultural e de ideologias.

Neste mundo pós guerra nuclear com governos opressores, onde o amor se tornara um produto, elas lutam por suas vidas e por uma segunda chance.

Ficha dos personagens

Trilha sonora
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– Capítulos 1, 2 e 3 – Fotofobia, Inefável e  Sororidade

– Capítulos 4 e 5 – Subserviência e Heterocromia

Capítulo 6 – Prólogo

Capítulo 7 – Euforia

Capítulo 8 – Hedonismo

Capítulo 9 – Redenção

Capítulo 10 – Macarrônico

Capítulo 11 – Petricor

Capítulo 12 – Exegese

Capítulo 13 – Lisztomania

Capítulo 14 – Limerância

Capítulo 15 – Cânone

Capítulo 16 – Zênite

Capítulo 17 – Congênere

Capítulo 18 – Sublimação

Capítulo 19 – Efêmero

Capítulo 20 – Lemniscata

Capítulo 21 – Fosfenos

Capítulo 22 – Lascívia

Capítulo 23 – Misoginia

Capítulo 24 – Empatia

Capítulo 25 – Epifania

Capítulo 26 – Carmesim

Capítulo 27 – Eufemismo

Capítulo 28 – Asfixia

Capítulo 29 – Desvario

Capítulo 30 – Pragmatismo

Capítulo 31 – Violação

Capítulo 32 – Aviltante

Capítulo 33 – Subterfúgio

Capítulo 34 – Gaslighting

Capítulo 35 – Enleio

Capítulo 36 – Aquiescer

Capítulo 37 – Nêmesis

Capítulo 38 – Quixotesco

Capítulo 39 – Ludibriar

Capítulo 40 – Ímpio

Capítulo 41 – Embuste

Capítulo 42 – Cordiforme

Capítulo 43 – Oblivion

Capítulo 44 – Autoquíria

Capítulo 44 – Final alternativo

Livro dois – 2121: Resiliência

Capítulo 1 – Fotofobia

 

​13 de fevereiro de 2121

​“Nunca imaginei que a morte poderia ser tão sarcástica. A aguardo sentada numa cadeira desconfortável, ladeada por outras tantas cadeiras igualmente desconfortáveis e que parecem zombar da minha solidão. A sala é branca, fria e comprida, como um frigorífico. Não consigo tirar os olhos daquela porta de vidro translúcida, nem consigo ver o que acontece além daquelas portas, mas posso imaginar.

​Aguardo impaciente pela confirmação daquilo que não quero acreditar. Ao mesmo tempo que almejo que alguém com a roupa ensanguentada apareça na minha frente me dizendo algo que vai mudar minha vida, também odeio essa possibilidade. Odeio tanto que sinto vontade de vomitar.

​Então é assim que se morre antes de morrer?”

 

​1º de janeiro de 2121

​Samantha ajeitava seu casaco surrado de couro marrom enquanto caminhava com passos rápidos debaixo de uma chuva fina, curiosamente não havia ficado no bar para o momento da passagem do ano. Após dois drinques havia abandonado aquele lugar decadente e seguia na direção do seu velho carro, faltavam vinte minutos para o réveillon.

​- Socorro! Alguém!

​Ela escutou os gritos abafados vindo de dentro de uma rua estreita e escura e parou em frente, já com sua arma prateada em punho, tentando entender o que acontecia ali dentro.

​- Alguém! Alguém me ajude!

​O som agora estava próximo e ela enxergou a origem. Uma garota vinha correndo em sua direção, parecia aterrorizada e corria aos tropeços por aquela rua repleta de entulho tecnológico e restos robóticos.

​- Hey! Pare aí! – Sam gritou, erguendo a arma.

​- Você! Você precisa me ajudar! – A jovem de cabelos castanhos esvoaçantes se agarrava à gola do casaco de Sam como se agarrasse à sua tábua da salvação. Ela usava uma venda nos olhos, uma faixa de ataduras um pouco suja, assim como sua roupa.

​- Me solte! – Sam tirou as mãos dela de sua roupa, e olhou para dentro da ruela, procurando a temível ameaça, sem sucesso.

​- Me tire daqui! Me ajude a ir para longe! – A garota olhava de um lado para outro, apesar de estar vendada, com a respiração ainda ofegante.

​- Moça, não tem nada atrás de você, mas esse lugar é perigoso, recomendo que retorne para sua casa ou vá para algum lugar seguro. – Sam disse, tentando decifrar de onde ela teria saído.

​- Me leve com você, por favor. – Ela deu um passo afoito a frente, Sam recuou por reflexo.

​- Não, de jeito nenhum, eu não posso me dar ao luxo de levar alguém comigo. Volte pelo mesmo caminho de onde veio, ok?

​Sam olhou para cima e percebeu que a chuva engrossara.

​- Não, por favor, me tire daqui. – Ela implorava.

​- Eu realmente preciso ir, se precisar de ajuda peça no bar aqui ao lado. – Hesitou um instante, mas acabou retomando seu rumo para o carro, na quadra ao lado.

​Há poucos metros do seu velho automóvel prateado do século passado, escutou passos em sua direção, virou-se e viu a mesma garota, a seguindo.

​- Não venha atrás de mim! Eu não disse para você… – Sua frase irritada foi interrompida pela presença de um grandalhão careca, trajando um sobretudo negro, que abordou a jovem de forma truculenta.

​- Me ajude! Eu não posso voltar para lá! Me largue! – Ela dizia, se debatendo, tentando se desvencilhar dos braços dele.

​Sam sacou novamente sua arma, mantendo-a abaixada, junto ao corpo. Ainda não sabia como proceder, nem se deveria entrar naquela briga, sabia que não podia perder tempo com problemas alheios, seu prazo agora era de seis semanas, seis semanas de vida.

​- Largue a garota, ela não quer voltar com você. – Finalmente bradou, ela se mantinha próxima ao seu carro.

​- Não se meta, vagabunda!

​- Do que você me chamou? – Sam deu dois passos na direção deles, ele ainda tinha dificuldade em sair dali carregando a garota, que se debatia desesperadamente.

​- Vai cuidar da sua vida, dessa vadia aqui cuido eu. – Ele disse e em seguida aplicou uma gravata em seu pescoço, finalmente a imobilizava e começava a arrastá-la na direção da ruela.

​Sam ergueu a arma, lhe fazendo mira.

​- Largue a garota. Agora.

​Ele olhou para trás, por cima do ombro, com um semblante jocoso.

​- Tem vaga no Circus, quer trabalhar lá? – Ele riu e voltou a arrastá-la.

​- Me solta! – A garota debateu-se com o resto de suas forças, saindo do golpe que a imobilizava.

​O brutamontes a puxou pelo braço e sacou a arma, lhe apontando contra a cabeça, agora eram duas armas em riste.

​- Acabou a palhaçada, sua puta metida. Agora volte para o buraco de onde você saiu, só estou fazendo meu trabalho. – Ele disse.

​- Você vai voltar sozinho para o lugar de onde veio, senão eu atiro. – Sam respondeu, segurando firmemente a pistola com ambas as mãos. O local era mal iluminado, as luzes dos letreiros quebrados de neon mal clareavam aquele estacionamento, e um véu de chuva continuava caindo sobre suas cabeças.

​Ele gargalhou, apertou ainda mais o braço da garota vendada, que sequer podia enxergar a batalha que se travava naquela noite fria de ano novo.

​- Volta para a cozinha. – Ele falou fazendo menção de virar-se, e então ouviu-se o tiro. Sam havia atirado na direção dele.

​- Merda! – A garota exclamou, balançando a mão ensanguentada.

​Sam aproveitou que o tiro havia o assustado e desviado sua atenção para se aproximar mais, e com mais dois disparos decretou o fim ao homem e à agonia da jovem, que agora se contorcia segurando sua mão aberta e coberta de sangue.

​- Desculpe, eu mirei no braço dele. – Sam se aproximou, olhando assustada para ela e sua mão ferida.

​- Ele morreu? – Ela perguntou, mantendo o semblante de dor.

​- Sim. Fique aqui, vou arrastá-lo para o beco.

​- Outros podem vir, Elias pode estar atrás de mim, não me deixe aqui.

​- Não vou deixar, eu já volto. – Sam guardou a arma no coldre de couro que levava preso à perna direita, e arrastou o homem corpulento até onde a luz era mínima.

​Olhou ao redor, certificando que não houvera testemunhas daquele embate sangrento, e voltou ao encontro da garota, que agora segurava a mão esquerda ferida com a outra mão.

​- Deixe-me ver. – Sam falou, tocando em seu braço, fazendo com que ela se assustasse, mas por fim estendeu sua mão, com um orifício no centro e sangue por toda a parte.

​Ambas já estavam com seus cabelos molhados pela chuva, a garota trajava apenas uma blusa preta, de mangas compridas, mas não espessa o suficiente para o frio que fazia ali.

​Elas estavam no lugar onde um dia fora a fronteira entre Estados Unidos e Canadá, países que haviam praticamente sumido do mapa após uma sequência de explosões nucleares e ataques por bombas eletromagnéticas, infringidos pelo Grande Oriente, há mais de oitenta anos. A América do Norte agora era terra de ninguém.

​- Não está tão ruim. – Sam falou, mexendo cuidadosamente em sua mão.

​- Não importa minha mão, você está de carro? Me leve para longe daqui, eu imploro. – Ela disse, puxando sua mão de volta.

​- Esqueça, não vou levar você comigo. Vá para a casa de algum parente, ou conhecido.

​- Não posso voltar para o lugar onde estava, e não tenho conhecidos aqui.

​- Me desculpe a franqueza, mas não é problema meu. – Sam dizia com impaciência, gesticulando. – Deve ter algum posto de pronto atendimento ou hospital nas redondezas. Ou tente o bar aqui ao lado, alguém pode te ajudar, te levar para algum abrigo.

​- Você não entende… Eu não posso ficar aqui. – Ela começava a tremer o queixo, com frio.

​Sam a analisou por alguns segundos.

​- Você não enxerga? – Falava agora num tom mais acolhedor. – Por isso está com esta faixa cobrindo os olhos?

​- Me cegaram no lugar de onde acabei de fugir.

​- Agora?

​- Não, umas duas semanas atrás. – Ela respondia com a voz baixa e a cabeça idem. – Obrigada por ter me ajudado, mas por favor me dê uma carona para longe, é tudo que lhe peço.

​- Não posso, realmente não posso, meu tempo é curto.

​- Mas eu não irei atrapalhar, não te atrasarei.

​Sam olhou para os lados contrariada, deu um suspiro profundo e por fim respondeu.

​- Ok, vamos sair dessa chuva. – A pegou pelo alto do braço, a conduzindo até seu carro.

​- Para onde?

​- Entre aqui, no meu carro.

​- Obrigada, prometo ser um boa companhia. – A garota sorriu de lado, mesmo com uma dor lancinante na mão.

​Sam apenas a fitou, e seguiu com o carro pela autoestrada comum, que dava acesso à uma supervia, onde os carros trafegavam com ajuda de sensores, numa média de 200km/h. Apenas carros da polícia e do governo tinham autorização para trafegar pelos ares.

​- Enrole isso na sua mão. – Sam inclinou-se para trás, pegando um pedaço de toalha e lhe entregando na sequência.

​- Obrigada… Qual seu nome? – Ela disse, já enrolando o pano azul em sua mão, cuidadosamente.

​- Samantha.

​- Posso te chamar de Sam?

​- Não por muito tempo. – Apesar de não necessitar de maior atenção por parte do motorista na supervia, Sam mantinha o olhar adiante e as mãos ao volante.

​- Como assim?

​- Amanhã chegaremos em Alberta ainda pela manhã, você estará longe o suficiente e então sua jornada ao meu lado chegará ao fim. Esse é o trato.

​- O que farei em Alberta?

​- Se vire. Mas não vou te largar no meio da estrada, vou encontrar um abrigo para você, esses abrigos para nômades e viciados, sempre tem algo por aqui, essa terra tem muitas pessoas desgraçadas, e estão sempre morrendo com seus vícios, liberando leitos.

​- Você é inglesa.

​- Sim, reconheceu o sotaque?

​- Não, a frieza. – Sorriu por fim.

​- Não posso esquecer minhas origens. Você não me parece uma nativa das terras áridas daqui de cima, é da Nova Capital?

​- Sim, San Paolo. A propósito, Theodora, mas me chame de Theo, por gentileza. – Ela estendeu sua mão direita no ar, aguardando o aperto de Sam.

​Após o cumprimento, Sam observou a toalha enrolada em sua mão, que não era mais azul, já havia sido tomada por vermelho.

​- Eu tenho algumas coisas na minha caixa médica que podem dar um jeito na sua mão, afinal que a furei.

​- Foi por uma boa causa, eu preferiria morrer a voltar para aquele lugar.

​- O que é o Circus?

​Theo ajeitou-se no banco do carro, puxou a mão para perto do corpo, demorou para responder.

​- Um bordel.

​Sam lançou um olhar carregado de julgamentos para ela, que mal sabia que estava sendo observada.

​- Nossa. – Foi o que finalmente balbuciou. Sam crescera numa família fervorosamente católica e conservadora, assim como toda a nação europeia. E agora ela era uma mulher de vinte e três anos carregada destas crenças.

​- Como foi parar lá?

​- Longa história… Resumindo: tráfico sexual.

​- Ficou lá por quanto tempo?

​- Em março completaria dois anos. Os dois piores anos da minha vida, diga-se de passagem.

​- Dois anos…

​Theo apenas balançou a cabeça, de forma afirmativa, devagar.

​- Por que te cegaram? Isso não faz sentido, avariar o próprio produto. – Sam questionou.

​- Acharam que assim eu pararia com minhas tentativas de fuga. Eu nunca iria parar de tentar fugir de lá. Se você não tivesse surgido teria sido apenas mais uma das dezenas de fracassos que acumulei.

​- Você estava presa nesse lugar, sendo obrigada a trabalhar? Isso é terrível, não acredito que esse tipo de coisa ainda exista. – Sam a olhava perplexa e com pesar, imaginando o que ela havia passado até então.

​- Acredite… Existe.

​- E você trabalhava como… Era forçada a trabalhar?

​Theo apenas balançou a cabeça confirmando, corria os dedos pelas ondulações da porta do carro, desconfortável.

​Viajavam por uma supervia quase deserta, cheia de falhas na estrutura, poucos se arriscavam a andar por ali, principalmente à noite. A visão que se tinha era de cidades fantasmas, quase nada estava destruído, mas a contaminação radioativa fez com que quase todos na América do Norte debandassem, pelo menos os que não morreram durante os ataques.

​Restaram os que moravam na parte norte do Canadá, fugitivos e refugiados de outros países miseráveis. Já era possível andar sem máscara naquela região, mas na Zona Morta, a região onde um dia fora os Estados Unidos, era impossível expor-se ao ar livre sem uma máscara respiratória na maior parte do território.

​- Tem alguém nos seguindo? – Theo perguntou.

​Sam deu uma olhada nos retrovisores e na imagem da câmera externa, e não encontrou nada anormal.

​- Aparentemente não. Hey, relaxe, esse carro não é rastreável e estamos nos distanciando a uma boa velocidade, já estamos em segurança. Daqui a pouco vamos parar para dormir.

​- Você dorme no carro? – Theo perguntou.

​- Ãhn… Às vezes. Eu costumo dormir em lugares abandonados, mas razoavelmente seguros. Algumas poucas vezes dormi nestas pensões de beira de estrada, quando o corpo pede um descanso decente. O carro é desconfortável e os lugares abandonados não me deixam ter uma noite tranquila.

​- Onde vamos dormir hoje?

​- Estou procurando algum lugar abandonado nesta região, mas ainda não achei nada interessante pelo localizador. – Disse apontando para uma tela no painel do carro, então se deu conta que Theo não veria seu gesto. – Aqui, no navegador do carro.

​- Já é ano novo?

​- Sim, estamos em 2121 há… uma hora. Talvez eu tenha achado algo. – Ela disse saindo da supervia, tomando uma via inferior, entrando num bairro pouco habitado, com poucos postes funcionando.

​- Quando chegarmos, você teria algum analgésico para me dar? – Theo disse mostrando a mão, com um semblante doloroso.

​- Não tenho certeza, vou dar uma olhada.

​- Como você faz para tomar banho? Caso você seja uma adepta de banhos… – Ela riu.

​- Sim, sou adepta. Geralmente encontro chuveiros nos banheiros de postos de recarga. Quando não acho chuveiro, apelo para um banho portátil, aqueles sacos que você pendura, sabe?

​- Não.

​- Ok, depois te mostro. – Mostrar seria algo inútil, logo se deu conta.

​Sam voltou a observar Theo, que estava agora com a cabeça recostada no banco.

​- Por que a venda nos olhos?

​- Estou com sensibilidade à luz.

​- Fotofobia.

​- Sim. – Theo sorriu. – Você conhece essa palavra.

​- Conheço, por que?

​- Nem todo mundo conhece. Eu gosto destas palavras.

​- Que palavras?

​- Essas que quase ninguém sabe da existência.

​- Palavras difíceis?

​- Não, palavras que não são comumente usadas. Mas algumas vezes estas palavras são grandiloquentes.

​- E grandiloquente é uma delas.

​- É sim. – Theo sorriu novamente.

​Sam voltou a monitorar os espelhos e imagens externas, tudo parecia em paz.

​- Conheço algumas. – Sam disse, de forma relaxada.

​- Palavras não usuais?

​ – É.

​- Ok, diga uma.

​- Hum… Atelofobia.

​- Medo de não ser perfeito.

​- Isso, de não ser bom o bastante.

​- E de errar. – Theo completou.

​- Está incluso.

​- Mas sem erros não há aprendizado.

​- Se aprende acertando também. – Sam contestou.

​- Precisamos das duas coisas.

​- Eu só citei a palavra, eu não sou atelofóbica.

​- Ok, cite mais uma.

​- Hum… Exfiltrar.

​- Ex o que? – Theo perguntou, franzindo a testa.

​- Exfiltrar, exfiltração.

​- Não faço ideia do que seja.

​- É um termo militar, é o contrário de infiltrar.

​- Ainda preciso de mais explicações.

​Sam gesticulou, preparando o que dizer.

​- Quando um grupo de soldados ou prisioneiros fazem um ataque de dentro para fora, ou já dentro do terreno inimigo. Entendeu?

​- Estou elaborando visualmente em minha mente.

​- Ok. Acho que achei um posto. Reze para ter água quente.

​- Eu adoraria um banho quente, estou ensopada e morrendo de frio.

​- Eu também, mas prepare-se para a possibilidade de um banho frio. Eu me acostumei a banhos gelados no…

​- No?

​- Ok, fique aqui no carro, vou perguntar se eles tem chuveiro.

​Doze minutos depois, Sam abriu a porta do passageiro, tomando Theo pelo braço.

​- Sam? – Ela perguntou, assustada.

​- Sou eu.

​- Por que você demorou?

​- Eu não demorei. Anda, estamos com sorte, tem água quente aqui, mas só tem um chuveiro, tome primeiro, limpe esse sangue na sua mão.

​Sam pendurou uma toalha dentro do cômodo onde havia o chuveiro, e mostrou para ela onde havia outro gancho, onde estavam as roupas secas.

​- Sua roupa molhada você pendura no lugar das secas, ok?

​- Ok. Você vai ficar aqui por perto, não vai?

​- Estarei aqui do lado. Não demore.

​Sam recostou-se no azulejo amarelado daquele banheiro não muito agradável nem muito limpo, ouvia o barulho do chuveiro ligado e aguardava Theo terminar seu banho, ali dentro não fazia tanto frio. Depois de alguns minutos, percebeu que a toalha que estava pendurada na parede em frente ao chuveiro havia caído no chão, foi até lá para rependurá-la, quando viu sua nova companheira de viagem nua, de costas.

​Como se presa num feitiço, não conseguiu tirar os olhos dela, os braços de Theo eram quase inteiramente tatuados, desenhos coloridos sobrepostos que decoravam principalmente os ombros. Mas era mais do que tatuagens que lhe atraia a atenção, estava paralisada a observando.

​Theo virou-se parcialmente, mantinha apenas a faixa envolvendo seus olhos, repousou o sabonete num aparador no azulejo, após tatear a parede o procurando. Sam pode então ver alguns hematomas na região das costelas, e na parte de dentro da virilha e coxa, sentiu um mal estar com aquela visão, várias possibilidades terríveis passaram por sua cabeça, pendurou a toalha no gancho e afastou-se, voltou para o outro lado, onde estava recostada anteriormente.

​- Eu estou congelando aqui, garota. Apresse-se. – Sam resmungou.

​Logo Theo surgiu, usando algumas roupas visivelmente usadas já por algum tempo.

​- Não demorei tanto assim, é que a água está quentinha…​

​- Ãhn… Demorou sim. Ok, espere aqui.

​Depois de vinte minutos, o carro adentrava de forma lenta a lateral de uma grande construção acizentada pelo tempo, com a parte da frente parcialmente demolida. Havia uma abertura ao lado da parede, por onde Sam conseguiu manobrar e entrar com o veículo.

​- Venha. – Sam pegou Theo pelo braço, a levando até um patamar mais alto. – Sente-se aí enquanto eu ajeito um lugar para dormirmos.

​- O que é aqui?

​- Parece um teatro abandonado. Ou algum lugar de espetáculos. Tem um piano no palco.

​- Sério? – Theo ergueu a cabeça, animada.

​Sam seguia retirando entulhos de um local próximo ao palco, atrás do carro.

​- Mas não deve funcionar, está em péssimo estado. Como todo esse lugar… Reze para que nada despenque sobre nossas cabeças essa noite.

​ Theo apoiava as mãos no piso do patamar onde estava sentada, movia a cabeça de um lado para outro, curiosa, mesmo sem enxergar nada.

​- Tem janelas? – Ela perguntou.

​- Que?

​- Aqui tem janelas?

​- Não. Quer dizer, lá atrás das fileiras de cadeiras tem algumas aberturas. Mas as paredes laterais não tem janelas, tem apenas coisas indecifráveis pintadas, deveria ter sido algo colorido e vibrante. No palco tem algumas cadeiras, a maior parte delas estão quebradas, e um pano avermelhado que provavelmente era alguma cortina. O pé direito aqui é bem alto, tem alguns arabescos pintados lá em cima.

​- Que cor são as poltronas da audiência?

​- Vermelhas. Ou laranja. Sei lá, algo com tom terra que desbotou. Quando terminar de ajeitar e limpar aqui, vou dar um jeito na sua mão e dormiremos, porque estou quase dormindo de pé.

​- Minha mão dói como se fosse explodir.

​- Eu imagino, aguente mais alguns minutos.

​Um pouco depois, Sam apareceu com seu kit de socorro, uma caixa de ferramentas metálica. Pousou ao lado de Theo e se pôs a separar algumas coisas.

​- Precisa de pontos? – Theo perguntou, já estendendo a mão trêmula.

​- Darei dois pontos na parte de trás, onde o estrago é maior. – Sam respondeu limpando o ferimento.

​- Você tem algum anestésico?

​Sam a olhou rapidamente, e começou a preparar a agulha para a sutura.

​- Me deixe explicar a situação: Você não está numa clínica nem num hospital. Não sou enfermeira nem médica. Não estamos sequer num quarto ou uma casa, talvez tenhamos insetos nos fazendo companhia hoje. Minha maleta de primeiros socorros foi roubada e esta aqui foi montada com certo improviso. Entendeu porque não haverá anestesia nestes míseros dois pontos em sua mão, garota?

​- Eu tenho nome.

​- Ok. Entendeu, Theo?

​- Perfeitamente. – Disse com sarcasmo.

​- Você aguentou todas essas tatuagens, não pode reclamar de dois pontos na mão.

​- Você viu minhas tatuagens? – Theo perguntou, intrigada.

​- Vi de relance, quando fui pegar a toalha que havia caído no chão. – Respondeu sem jeito.

​- Hum.

​- Termine de enrolar isto. – Sam disse após alguns minutos, depois de começar a enrolar a atadura em sua mão.

​Afastou-se e voltou a ficar em frente à Theo, tomou suas mãos, lhe entregando água e comida, uma barra proteica.

​- O que é?

​- Sua ceia de ano novo. E de nada. – Sam disse colocando um comprimido em sua boca. – Tome, é o analgésico.

​- Pegue um pedaço da barra.

​- Não, é todo seu, estou comendo também. Desça daí e venha dormir. O colchão não é tão grande como um duplo, mas é maior que um simples, cabe nós duas.

​- Onde está?

​- O que?

​- O colchão.

​- Ah. Ainda estou me acostumando com o fato de você ser cega.

​- Eu estou sem enxergar, mas sei que um dia minha visão vai voltar.

​- Amém. Anda, venha. – Sam a pegou pelo braço, a levando até o colchão, ambas deitaram e puxaram os cobertores rapidamente.

​- Cubra-se.

​- Brrrr… Posso dormir no carro, se ficar mais confortável para nós. – Theo disse.

​- O carro seria ainda mais desconfortável para você.

​- Por quê?

​- Porque você é mais alta que eu.

​- Sou?

​- Só um pouco.

​- Eu tenho 1,74cm, e você? – Theo indagava despretensiosamente.

​- 1,70cm.

​- É, pouca coisa… Achei que você fosse mais alta.

​- Baseada em que?

​- Você parece ser… Imponente. Acho que essa é a palavra.

​- O que mais você acha? – Sam se divertia, virou-se na direção de Theo.

​- Acho que você deve ser uma típica inglesa, cara de poucos amigos, de quem está sempre pronta para bater o guarda-chuvas em alguém e reclamar do tempo.

​- Não são boas considerações.

​- Também acho que você é uma pessoa honesta e que está fugindo de algo que não teve culpa.

​Sam virou-se novamente para cima.

​- Quem sabe… – Sam respondeu, encerrando o assunto.

​As duas ajeitaram-se no colchão que ela havia colocado sobre assentos das poltronas do teatro, depois de algum tempo o sono quase derrubava Theo, mas Sam permanecia acordada, alerta, fitava o teto.

​- Você reza? – Sam perguntou, despertando Theo.

​- Ãhn?

​- Você ora antes de dormir?

​- Não.

​- Por que não?

​Theo deu um suspiro pesado.

​- Não sou adepta. – Falou com a voz sonolenta. Theo permanecia virada para o lado de fora, coberta até o pescoço com cobertores.

​- Pois deveria.

​- Ok.

​- Não estou te impondo nada, só acho que… Enfim.

​- Ok.

​Sam passou a observá-la.

​- São belas tatuagens, tem significado? – Sam disse.

​Theo levantou o rosto do travesseiro

​- Algumas sim.

​- Sempre quis fazer uma tatuagem.

​- E por que nunca fez?

​- Não gosto de agulhas. E não acho algo correto, modificar o corpo por vontade própria, me parece coisa de pessoas da vida, pessoas sem valores.

​Theo mantinha o rosto erguido, prestando atenção, mas sem se virar.

​- Desculpe, não quis te ofender. – Sam continuou, Theo ficou em silêncio alguns segundos.

​- Não dói tanto assim. Se você tomar alguns ácidos antes da seção a dor é menor.

​- Tomar o que?

​- Nada, esquece.

​Silêncio.

​- Como conseguiu os hematomas?

​Theo virou a cabeça para o lado, com o queixo por cima do ombro.

​- Você sabe onde eu trabalhei.

​- Claro. Desculpe. Vamos dormir.

​Theo voltou para a posição inicial, ajeitou as cobertas embaixo do pescoço.

​- Boa noite, Sam.

​Sam deu um sorriso de canto, ao ouvir seu nome.

​- Boa noite.

 

Fotofobia: s.f. Intolerância à luz, sintoma próprio de certas afecções nervosas; fotodisforia.

​Capítulo 2 – Inefável

 

Edvard Grieg – Morning Mood – https://www.youtube.com/watch?v=YbOGq85jS5M

​Na manhã seguinte, Sam acordou sobressaltada com o barulho, percebeu que Theo não estava ao seu lado e imediatamente olhou para o palco, de onde vinha o som.

​Viu ao longe Theo tocando animadamente o velho piano branco, sentada numa das cadeiras tomadas pela sujeira do local. Saiu correndo na direção dela, subindo os degraus do palco aos tropeços.

​- Pare com o barulho! – Sam bradou, colocando a mão espalmada sobre sua mão esquerda enfaixada, assustando Theo.

​- Ai! – Theo recolheu as mãos das teclas, esfregando a mão esquerda, próxima ao peito.

​- O que você pensa que está fazendo?

​- Praticando um pouco, faz tanto tempo que não encosto num piano. ​

​- Você não pode fazer isso, está louca? Vai atrair andarilhos ou policiais!

​- E você é procurada pela polícia?

​- Não importa, você nos colocou numa situação de risco, entende isso? – Sam permanecia atrás dela.

​- O sol já nasceu, vamos partir daqui a pouco, não vejo o risco.

​Passado o calor da situação, Sam acalmava-se e pensava com mais sensatez. Ficou ao lado de Theo, que estava ainda sentada na cadeira.

​- Machuquei sua mão? – Disse ao pousar a mão em seu ombro.

​- Não. Desculpe o susto. – Theo falou quase num murmúrio.

​Sam olhou ao redor, viu todo aquele grandioso salão vazio, os panos pomposos e avermelhados e puídos ao redor do palco, por duas semanas vagava solitariamente por aquele continente, dormindo em lugares semelhantes, e nunca havia parado para prestar atenção nestes detalhes. Voltou a olhar para Theo e percebeu que havia exagerado na reação.

​- O que você estava tocando? Me é familiar.

​- Morning Mood, é um trecho de uma ópera de Edvard Grieg. Ou algo assim, faz tanto tempo que aprendi isso… – Theo ainda segurava sua mão ferida.

​- É bonita. – Voltou a colocar a mão em seu ombro. – Se importa de tocar mais um pouco?

​- Sam, você está me testando?

​- Não, estou falando sério. Essa hora do dia ninguém vai aparecer aqui por causa do som de um piano. Mas se não quiser tocar ou sua mão estiver doendo, tudo bem, vamos recolher as coisas e partir.

​Theo voltou a colocar as mãos sobre o teclado, hesitou por um instante, e voltou a tocar a mesma música.

​- Minha mãe tocava piano, quando éramos crianças. – Sam disse, enquanto observava Theo tocando, ao seu lado. – Por um momento todo o peso da sua jornada pareceu leve, leve como a consciência de uma criança. Theo apenas sorriu.

​Aquele momento onírico foi interrompido pelo bip que vinha do carro.

​- Sentinelas. Precisamos ir. – Sam disse, já indo na direção do carro, mas voltou e conduziu Theo pelo braço.

​- Que?

​- Sentinelas, os robôs policiais, você sabe o que são, não sabe? Aqueles ciclopes de três metros de altura.

​- Sim, eu sei, mas como você sabe que tem sentinelas por perto?

​- O carro tem radar para isso. – Sam olhou na tela no painel do carro. – Estão se distanciando, mas de qualquer forma não é seguro continuarmos neste lugar.

​- Devo entrar no carro?

​- Não. Espere. – Sam foi até a traseira do carro, abrindo a porta horizontal. Destampou um galão quadrado com água e chamou Theo.

​- O que é?

​- Água. Lave as mãos e o rosto aí, ao seu lado tem toalha e escova de dentes, que comprei no posto ontem para você, além de uma máscara, caso entremos em alguma área radioativa. E suas roupas agora enxutas.

​- Retiro as considerações negativas que fiz acerca de sua pessoa ontem à noite. – Theo disse, já lavando o rosto.

​- Ótimo, pois nem consegui dormir essa noite preocupada com suas considerações negativas. – Sam guardava os últimos objetos no carro.

​Theo respingou água do recipiente em Sam, com os dedos.

​- Hey! Para quem não enxerga você tem uma boa mira. Entre logo no carro antes que eu resolva te largar aqui.

***

​- Bem-vinda à Alberta. – Sam comunicou, enquanto desacelerava o carro, era final da manhã.

​- É aqui que ficarei, não é?

​- Sim, é um dos territórios mais habitados neste deserto chamado América do Norte. Acharemos algo decente para você ficar.

​- Para onde você está indo?

​- Ainda não tenho destino final, mas neste momento estou indo para Seattle.

​- Seattle fica na zona morta.

​- Sim, lá tem o que eu preciso.

​Theo tamborilava os dedos na perna, apreensiva. O carro agora andava por avenidas largas cercado por pequenos prédios, a maioria com musgos tomando conta das paredes.

​- Você tem algo para fazer aqui? – Theo perguntou.

​- Apenas adquirir mantimentos e outras coisas que preciso para seguir viagem, entrarei na zona morta amanhã, e espero chegar à Seattle em três dias.

​Theo ficou em silêncio, preparando a pergunta.

​- E se… por segurança… eu pudesse te acompanhar até Seattle? Eu ainda estou perto do local de onde fugi, não vou te atrapalhar, nem tocar piano.

​- De jeito nenhum. Esse foi o trato, você vai ficar aqui, ok? Já localizei um abrigo há dois quilômetros, vamos ver se este serve, mas antes vou parar num posto.

​Theo colocou a mão no bolso da frente de sua calça, e tirou algo reluzente. Buscou a mão de Sam que estava no volante, e despejou uma corrente de ouro, com um pingente em forma de cruz.

​- O que é isso? – Sam olhou com estranhamento para aquela corrente em sua mão.

​- Meu pagamento. Se eu pagar, você me leva com você?

​- Não. – Sam pegou a mão dela e devolveu a joia. – Não tem a ver com pagamento, eu não posso me dar ao luxo de ter uma companhia na viagem.

​- Ok… Eu entendo.

​- Você vai ficar segura nessa cidade. Entenda, eu não posso perder nenhum tempo, é minha vida que está em jogo e não vou me arriscar.

​- Eu entendo.

​Poucos minutos depois Sam estacionou num posto de recarga, onde reabasteceu o carro. Enquanto fazia o pagamento dentro do escritório, percebeu pela vidraça dois homens espreitando seu automóvel, de dentro de um carro esportivo.

​Colocou a mão sobre a arma, em sua perna, abrindo a tira que a prendia o cabo, e caminhou na direção deles. Poucos passos depois, eles a notaram e saíram em velocidade.

​- Haviam dois homens nos observando. – Sam disse, ao entrar no carro.

​- Que homens? – Theo perguntou.

​- Não sei, nunca os vi antes. O dono do lugar onde você trabalhava, ele seria tão insistente assim? Mandando alguém para outro estado atrás de você?

​- Não sei… Elias poderia sim, ser capaz disso, mas não sei até onde ele buscaria.

​- Bom, talvez não seja nada nem ninguém, talvez eu esteja ficando paranoica.

​Sam consultou o navegador no painel e guiou até uma construção de médio porte, envelhecida, cheia de pequenas janelas, com uma placa na frente que dizia apenas “Recepção”.

​- Chegamos.

​Sam carregou uma Theo cabisbaixa pelo braço, para dentro deste estabelecimento com ares de decadência e aparência desleixada.

​- Sente-se aqui, vou falar com a recepcionista, depois você entra. – Sam disse, a sentando numa cadeira onde havia mais algumas ao redor.

​- Ok…

​- Qual seu nome? – A moça com um coque no alto da cabeça atendeu Sam no balcão. ​

​- Ãhn, não, é para ela. – Sam disse, apontando para trás. – O nome dela é Mary, Mary Smith.

​- Que nome comum, não? Preencha o restante da ficha, por gentileza.

​Após devolver a ficha parcialmente preenchida, em sua maior parte com dados falsos, a atendente virou-se.

​- Ela já pode entrar? – Sam perguntou.

​- Ainda não, vão chamá-la em uns dez minutos. Você também pode entrar para conversar com ele, se quiser.

​Theo e Sam permaneciam em silêncio, lado a lado, sentadas esperando o chamado, que ocorreu vinte minutos depois, vinte minutos longos e silenciosos.

​- Boa tarde, boa tarde! – Um senhor apareceu sorridente na sala em que elas haviam entrado. – O que me trouxeste, minha jovem?

​- A cegaram.

​- Hum, então vou chamar um colega meu, mais entendido nestes casos, só um instante. – E saiu da sala.

​- O que achou do lugar? – Theo rompeu o silêncio, mas sem muita animação.

​- É mais limpo do que parece por fora. Está com medo? – Sam estava de pé, atrás de Theo que estava sentada numa cadeira giratória.

​Theo apenas balançou a cabeça, em negativo.

​- Não precisa ter medo, ele vai apenas examinar seus olhos.

​- Por quê?

​- Aqui é uma clínica, o médico vai te examinar.

​Theo franziu as sobrancelhas.

​- E depois vamos para o abrigo?

​- Não, não vamos para abrigo.

​- Não?

​- Theo, você vai seguir viagem comigo.

​- Vou? – Theo falhava em conter sua felicidade com a notícia.

​- Vai sim. – Sam disse pousando a mão em seu ombro. – É mais seguro.

​- Até Seattle?

​- Sim, mas isso é negociável, depois conversamos, ok?

​- Obrigada. – Theo se esforçava para não abrir um sorriso, colocando sua mão sobre a dela em seu ombro.

​O outro médico adentrou a sala branca, um homem baixinho, magro, com uma leve curvatura.

​- Como conseguiu isso? Algum acidente? – Ele questionou, a colocando sentada no meio da maca alta.

​- Não, injetaram algo em mim, não sei o que foi.

​- E você está com a faixa por causa da luz, certo?

​- Sim.

​- Ok, vou apagar a luz principal, deixar apenas a auxiliar ligada.

​Ele apagou a luz ficando apenas uma fonte de luz mais fraca, logo acima da maca. Sam havia sentado numa mesa que estava encostada na parede, e acompanhava atentamente, de braços cruzados.

​- Vou tirar a faixa, depois colocamos outra. Há quanto tempo aconteceu?

​- Umas duas semanas.

​Ao tirar a faixa, Theo piscou com força e abriu os olhos. Sam descruzou os braços, e se aproximou dela, a fitando com certo espanto.

​- Belos olhos, mocinha. – O médico disse.

​- Seus olhos sempre foram dessa cor? – Sam perguntou.

​- Depende, que cor estão? – Ela perguntou, preocupada.

​- Azuis.

​- Então não mudaram.

​O médico corria sua pequena lanterna de um olho para o outro, a examinando de perto.

​Sam ainda a fitava boquiaberta, não era um azul comum, era um dos azuis mais impressionantes que ela já havia visto na sua vida, azul elétrico.

​- Eles devem ter injetado Avastin. Foi diretamente no globo?

​- Sim.

​- Quanto?

​- Não sei, não consegui ver, me sedaram.

​- É reversível? – Sam questionou.

​- Depende da quantidade injetada. Se foi uma grande quantidade, o nervo óptico sofreu dano irreparável.

​- O que o Sr. sugere que façamos?

​- Procurem algum bom hospital de olhos na Nova Capital, um especialista precisa examinar, e você teria que fazer exames específicos para ter um melhor diagnóstico, talvez um transplante seja cogitado, ou tentar algo com nanobots.

​- Certo…

​- A fotofobia irá diminuir, você já deve estar com menos sensibilidade agora. Daqui alguns dias um óculos de sol resolverá. Bom, vou colocar novamente uma faixa e liberar você.

​***

​- Para Seattle então? – Sam disse, ao ligar o carro.

​- Para Seattle!

​Sam a olhou rapidamente, sentia-se bem pela decisão que tomara, mesmo sabendo que talvez essa atitude a tomasse tempo adicional em sua caçada. Estava disfrutando uma inusitada companhia naquela jornada que era solitária e pesada até então.

​Seu pai, um militar reformado, cortara comunicação com ela após saber que havia desertado do tão respeitado exército europeu. Sua mãe havia ido morar no interior da França após a separação, quando Sam tinha onze anos. Lá vivia com seu novo marido e duas crianças, gêmeas. Só havia lhe restado sua irmã Lindsay, três anos mais velha, com três filhos e dois empregos, moravam ao lado do pai, numa cidadezinha chamada Sevenoaks, no interior de Kent, na Inglaterra.

​Ela mantinha também contato esporádico com Mike, seu noivo, militar de patente mais alta que ela, major do 14º pelotão, onde ambos defendiam o exército europeu. Eles lutavam em nome dos interesses da grande nação Europa na Velha América, uma terra de ninguém, um lugar agora desolado e que travava batalhas territoriais mais ao norte, onde a radioatividade já obtinha níveis humanamente aceitáveis, a fortaleza de onde Sam havia fugido duas semanas antes.

​O ano em que a primeira explosão nuclear aconteceu, 2034, foi o marco do início de uma batalha megalomaníaca de nível mundial. De um lado os Estados Unidos uniram-se aos países da Europa ocidental, sendo a Inglaterra e a Alemanha as principais alianças na invasão aos países do Oriente Médio, que ameaçavam uma represália.

​Na noite do dia 1º de novembro de 2034 um ataque às possíveis localidades com armas de aniquilação em massa na Coreia do Norte trouxe o contra-ataque oriental quase imediato. Os americanos foram pegos de surpresa, a China lançou uma bomba de pulso eletromagnético, causando um blackout na comunicação na América do Norte. A potência mundial havia voltado à idade média.

​Com o caos instaurado, dois dias depois iniciaram os ataques in loco, a América assistia bombas despencando do céu como uma chuva da morte. A barbárie durou duas semanas, o suficiente para aniquilar o país e fazê-los render-se.

​Uma nova geografia surgia, os pilares da história haviam sido derrubados, mas outros haveriam de se erguer, com novos nomes e o poder mudando de mãos. A união dos países do velho continente e do seu povo, fez com que a Europa assumisse papel de destaque na derrocada do império oriental. A Europa havia sido subestimada neste embate, e agora, com forte auxílio da igreja católica, o conglomerado tomava as rédeas do mapa mundi.

​Um novo governo, global e abrangente, formado principalmente por lideranças inglesas, alemãs e do Vaticano, conquistava novos territórios para seu domínio, países do norte da África e do oeste da Ásia agora pertenciam à Grande Europa.

​Mas enganou-se quem apostava no sepultamento do país do Tio Sam, quatro anos depois dos ataques fulminantes, a nação que sempre teve fama de orgulhosa se reerguia como a fênix americana, agora na América Latina, onde não havia radioatividade.

​A resistência dos países latinos ao serem ocupados foi recuando à medida que o novo governo americano dava o vislumbre de se tornarem a grande potência mundial, lado a lado com eles. Aos poucos a americanização tomava conta dos principais países latinos, que escolheu o Brasil como sede do novo governo da agora chamada Nova Capital, a pretensiosa nova nação do novo continente.

​Não demorou muito para que uma nova Estátua da Liberdade fosse erguida próxima ao Cristo Redentor, simbolizando a união dos dois povos, que funcionava apenas na poética teoria.

​Após uma década de invasão e doutrinação ianque, a situação parecia fora de controle, a população se revoltava com mais ardor com os passar dos dias. Não apenas os nativos, os americanos migrantes também estavam descontentes com as condições enfrentadas, e os levantes se tornavam cada vez mais fortes e organizados.

​O governo se tornava cada vez mais opressor e rebatia de forma truculenta à manifestação pública, ora com violência, ora com privação de direitos básicos, como a liberdade de expressão, que atiçava ainda mais o descontentamento do povo, beirando uma guerra civil.

​Curiosamente um surto de ebola surgiu no interior da Amazônia, trazendo pânico à toda população. Nascera assim a oportunidade perfeita para o governo lançar-se como estado salvador e preocupado com o bem-estar do seu povo. Rapidamente o governo montou uma megaestrutura, uma ação incrivelmente abrangente que percorreu por todo o território, das capitais aos povoados inóspitos. Em poucos dias quase todos os habitantes foram vacinados e a temível doença foi erradicada.

​Ainda de forma mais curiosa, observou-se uma crescente aprovação do governo e de sua atitude que se mantinha opressora. Os grupos militantes nacionalistas, que pediam a debandada do governo americano, foram se tornando cada vez mais brandos e permissivos, a voz uníssona de desagrado foi se dissipando, como uma chama minguante. E a chama nunca voltaria a se reacender.

​Em 2121, oitenta anos depois, o governo tinha pouco trabalho em conter os pequenos grupos rebeldes, os míseros habitantes descontentes da Nova Capital eram tratados como marginais da sociedade, relegados pela própria população, que apesar de viver em situação de precariedade e pobreza, estavam contentes com o grande pai da nação, como carinhosamente chamavam o governo continental. O inglês era a língua oficial, a desigualdade social era nada menor que sórdido, e a maior parte da população vivia em péssimas condições, em sua maioria os nativamente latinos. Os que levantavam sua voz bradando por mudanças, sumiam em circunstâncias desconhecidas.

​Muitos dos militantes levavam uma vida dupla, escondiam sua ideologia anti opressão dos olhos da sociedade, mas movimentavam-se como sombras no submundo revolucionário, sonhavam em depor o atual governo, trazendo um governo multipolítico, com governantes originários da América Latina.

​***

​- Quando entraremos na Zona Morta? – Theo perguntou, ajudando Sam a tirar do carro o que necessitariam para passar a noite naquele centro comercial abandonado.

​- Amanhã à noite. Theo, você derrubou roupas limpas no chão, que não está nada limpo.

​- Desculpe, não vi.

​- Imaginei. Sente ali no colchão, me deixe terminar de arrumar, já ajudou bastante por hoje.

​- Esse foi o lugar mais quente que você achou? Tá bem frio aqui.

​- Cobertores. – Sam disse, erguendo um monte de cobertores dobrados, então rapidamente lembrou que ela não enxergaria aquilo. – Tome.

​Theo sentou no colchão e Sam jogou a pilha nela.

​- Hey!

​- Arrume a cama.

​Theo terminou de ajeitar toda a roupa de cama, enquanto Sam preparava o reservatório d’água e algo para comerem naquela noite fria. Correu as mãos pelas cobertas e resolveu tirar a faixa dos olhos.

​- Vai tirar? – Sam viu e questionou.

​- Aqui está mal iluminado, não vai doer.

​- Ok, evite olhar na direção do refletor no carro.

​Theo tirou a venda e coçou os olhos, novamente Sam tivera sua atenção voltada à Theo e seus olhos cristalinos. Haviam passado toda a tarde e noite na estrada, conversando de forma descontraída. Sam havia lhe pregado uma peça quando pararam no banheiro de uma lanchonete, trancando a porta pelo lado de fora, com Theo dentro. Por dois minutos.

​- Seus pais também tinham olhos azuis, como os seus?

​- Meu pai.

​- Seus olhos são tão… Não consigo achar uma palavra para defini-los.

​- Inefável.

​- O que?

​- Inefável é aquilo que não pode ser descrito em palavras.

​- Que seja inefável então, até o dia em que eu encontrar uma palavra perfeita. Você não enxerga nada, nada mesmo? – Sam perguntou, depois de lavar o rosto no fundo do carro.

​- Não.

​- Nem vultos?

​- Só sei quando está claro ou escuro.

​Sam terminou de lavar as mãos e foi na direção do colchão, agachou-se ao seu lado e moveu sua mão aberta em frente aos olhos de Theo várias vezes.

​- Você está armando alguma coisa.

​- Como assim?

​- Eu sei que você está do meu lado. Você vai me sacanear.

​- Eu não faria isso. – Sam riu.

​- Eu vi o que você fez hoje naquele banheiro.

​- A porta trancou misteriosamente. – Sam disse, dando um peteleco na orelha dela, pelo outro lado.

​- Ai! Quantos anos você tem?! Doze?!

​- Quantos anos você acha que tenho?

– Não sei. Quantos anos você teria se você não soubesse quantos anos tem?

Sam ficou pensativa por alguns segundos.

– Que raios de pergunta é essa? – Sam respondeu, intrigada.

– E então?

– Às vezes acho que tenho quinze, pela quantidade de situações e coisas que nunca vi nem vivi. Mas também me sinto com cinquenta quando lembro de tudo que fiz e presenciei nos últimos anos. – Devaneou.

– Devo fazer uma média então?

– Tenho 23. – Sam disse.

​- Sério?

​- Sim, por quê? Achava que eu tinha quanto?

​- Doze. Não sei.

​- Você tem quanto? – Sam levantou-se para fechar o carro.

​- Eu também tenho 23. Sou de fevereiro, e você?

​- Agosto.

​- Eu sou mais velha que você. – Theo disse, deitando-se.

​- Ok, hora de apagar.

​- Você tem algum casaco sobrando? – Theo disse, ainda sentada na cama.

​- Você realmente está com frio, hein? Vou procurar alguma coisa aqui. – Lançou um casaco verde musgo para Theo.

​- Obrigada.

​- Use por baixo do casaco que você já está usando.

​- Por que?

​- Porque estou mandando.

​Theo manuseou o casaco, passando os dedos por cima dos bordados e brasões.

​- É um casaco militar. Do exército da Europa?

​- É sim. – Sam disse, deitando-se ao seu lado. – Vista e durma.

​- É por isso que você está fugindo? Você matou um soldado?

​- Não.

​- Mas é um casaco de algum soldado morto?

​- Ainda não. O casaco é meu.

​Theo ergueu as sobrancelhas.

​- Você é uma militar que fugiu do exército?

​- Não gosto deste termo, o termo legal e que me colocaria na cadeia por alguns anos é deserção.

​Theo terminava de vestir o outro casaco, as mãos tremiam de frio, principalmente a mão ferida. Sam a auxiliou a fechar os botões.

​- Você já lidou com alguém cego antes? – Theo perguntou, e se enfiou nas cobertas.

​- Não. Estou me saindo bem?

​- Não tenho do que reclamar.

​- Preciso criar o hábito de te avisar dos degraus e obstáculos no chão.

​Theo ficou em silêncio por um instante.

​- Por que você fugiu do exército? Aprontou algo?

​Sam virou-se para cima, puxando os cobertores. Uma confidente. Era isso que Sam projetava em Theo, e era ainda mais fácil visualizá-la desta forma pois estaria isenta de julgamentos visuais. O simples fato de poder falar e ser ouvida diminuiria seu fardo, ela não tinha dúvidas disso. Mas ainda faltava um detalhe deveras importante: ela poderia confiar nesta estranha, que talvez estivesse contando mentiras desde o início? A solução – analisava a situação – seria contar partes soltas, para que sua confidente não conseguisse encaixar a real situação.

​- Eu estou numa busca, fizeram algo comigo no exército, um experimento…

​- Que tipo de experimento? – Theo interrompeu.

​- Médico. Eu sou agora o que batizaram de Borg, substituíram meu coração por um artificial, além de outros detalhes que não vem ao caso.

​- Por que fizeram isso? Fazem testes com humanos?

​- Eu morri uma vez. – Sam deu um sorriso torto. – Então trocaram meu coração.

​- Morreu? Como assim? Fazem esse tipo de coisas no exército?

​- Fazem tantos experimentos lá… Você não conseguiria mais dormir se soubesse.

​Sam analisava se havia se exposto demais até então. Mas o que uma garota fugitiva cega poderia fazer com estas informações? Denunciar o exército europeu? Estaria lhe fazendo um favor.

​- Seu coração não é de verdade.

​- Não, não é.

​Theo riu antes de perguntar.

​- Mas ele ainda dói por amor?

​Sam também riu.

​- Ainda não testei.

​- Como você morreu?

​- Numa batalha no Alasca, nosso pelotão sofreu uma emboscada, uma granada explodiu próximo de mim, fui atingida e acabei perdendo sangue demais. Fim.

​- E como foi morrer?

​- Não lembro de nada. Acordei no dia seguinte com fios saindo de dentro de mim.

​- E quando descobriu o que fizeram, você fugiu? – Theo fazia seu interrogatório, interessada.

​Sam deu um pesado e longo suspiro antes de responder.

​- Eu fugi quando descobri que meu coração se desligará no dia treze de fevereiro.

​- Desse ano? – Theo perguntou assustada.

​- Desse ano, daqui seis semanas.

​O semblante de Theo passou para um misto de transtorno e espanto. Ainda assimilava a informação.

​- Mas… Não… Você não pode… Seis semanas?

​- Também não quero que isso aconteça, essa é minha busca.

​Theo voltou a ficar introspectiva.

​- Te assustei? – Sam perguntou.

​- Eu vou te ajudar nessa busca, seja ela qual for.

​- Você não enxerga.

​- O que que tem? Estou em estado vegetativo por acaso?

​- Não me atrase, não me irrite, ajude a arrumar a cama e me faça companhia. Já estará de bom tamanho.

​- Algo mais, oficial?

​- Durma.

​Sam alcançou seu comunicador ao lado do colchão, e enviou uma mensagem para sua irmã, do outro lado do oceano.

“Lembra da garota que salvei? Decidi levá-la comigo.”

“Com qual objetivo?” Lindsay prontamente respondeu.

“Companhia.”

“Não me parece uma boa ideia, mas depois conversamos sobre isso, tenho que colocar as crianças na cama.”

– O que você está fazendo? – Theo perguntou.

– Durma, garota.

 

Inefável: adj. Que não se pode descrever por palavras. Que não pode ser nomeado, designado ou descrito devido à sua complexidade natural, intensidade ou beleza; indescritível.

 

​Capítulo 3 – Sororidade

​- Rápido! Coloque a máscara! – Sam bradou para Theo, que cochilava ao seu lado, no carro.

​- Ãhn? Cadê a máscara?? – Theo acordou aturdida, tateando ao redor, procurando a máscara.

​Até que ouviu Sam rindo.

​- Eu não preciso colocar a máscara, não é? – Theo perguntou, se dando conta que era uma brincadeira.

​- Segundo os índices radioativos que o visor está indicando, ainda não. Se quiser colocar por segurança, fique à vontade, você vai ficar uma graça de máscara. – Sam agora segurava o riso.

​- Agora eu sei porque você tem esse péssimo hábito de pregar peças. Isso é coisa do exército, não é? Sacanear os amiguinhos.

​- Digamos que seja uma prática militar corriqueira.

​A medida que se deslocavam pelas ruas desertas de Seattle, Sam se surpreendia com o abandono total daquele lugar que um dia fora um grande centro econômico, os arranha-céus tomados por infiltrações e musgos verdes, os letreiros destruídos, elas já estavam na Zona Morta.

​- Eles já sabem que você vai visitá-los?

​- Não, mas tenho uma indicação quente, vão me atender bem. Aqui, 4989, chegamos.

​- Garcia, é você? – Sam perguntou para um homem rechonchudo hispânico de uns quarenta anos, que suava na frente de um computador.

​- E vocês são?

​- Meu nome é Samantha. Foi o Falcon do laboratório Astor que me passou seu endereço. Precisamos de dois documentos de identificação e dois passaportes, já com os vistos para entrar na Nova Capital.

​- Ele falou dos valores?

​- Duzentos.

​- Cada. Preciso ver antes de fazer.

​Sam deu uma olhada rápida em Theo.

​- Ok, tenho os quatrocentos aqui. Em quanto tempo fica pronto?

​- Relaxa gata, em vinte minutos você vai ter um belo nome latino. E sua amiguinha também. – Ele deu uma piscadinha. – Ela vai precisar tirar essa faixa da cabeça, para a foto.

​- Ok. – Sam disse já puxando Theo para o canto. – Theo, eu vou tirar a faixa, abra os olhos devagar. – Disse colocando a mão aberta por cima dos olhos dela.

​Sam removeu a faixa, e Theo abriu de imediato os olhos, estranhando a luz do ambiente.

​- A luz não é tão forte. – Theo disse, mas ainda fazia um semblante de mal-estar.

​- Posso tirar a mão?

​- Pode.

​Sam conduziu Theo até a cabine onde Garcia tiraria sua foto e faria o arquivamento da identificação da íris.

Era uma pequena sala abafada no subsolo de um grande prédio desocupado, duas mesas, um armário e dois computadores eram praticamente todo o mobiliário dali, onde um ventilador no teto girava numa velocidade que não era suficiente para refrescar o local.

​- Documento feito, estou terminando de imprimir o passaporte dela, prepare-se para sua foto, gata.

​Após guardar os documentos de Theo, Sam tirou os óculos escuros que estavam no alto da cabeça, e entregou à sua acompanhante, que recolocava a faixa. Quando ia na direção da cabine para a foto, um jovem latino com trancinhas apareceu, já com arma em punho, parecia nervoso.

​- Hey, hey, abaixe isso! – Sam falou, Theo não entendia o que acontecia, apenas encostou na parede.

​- Essas putas trabalham para o Rhode! – O rapaz falou gesticulando com uma pistola de imobilização.

​- Vocês trabalham para aquele porco?? – Garcia perguntou.​

​- Eu nem sei quem é Rhode, só queremos documentos falsos.

​- Não conhecemos Rhode. – Theo completou.

​- Viu o jeito que elas mentem? Elas são cobradoras do Rhode, aquele traficante filho da puta.

​- Traficante? – Theo se assustava com a situação.

​- Porra, eu falei que ia pagar aquele canalha na semana que vem! – Garcia se exaltava, já de pé, empunhando uma carabina.

​- Não viemos cobrar nada, só quero meu documento falso.

​- Ela veio foder com você, Garcia! Eu vi quando elas estacionaram aqui na frente, logo percebi que era coisa do Rhode, ele sempre manda garotas para a cobrança e execução, porque não chama a atenção.

​- Que porra de Rhode é esse? Eu só quero que façam meu documento para poder seguir viagem para a fronteira com o México!

​- Duas traficantes mentirosas e astutas, olha que dupla temos aqui para dar fim, porque nem eu, nem Garcia pretendemos pagar merda de droga nenhuma hoje, eu avisei para ele! Quem ele pensa que é?

​- Garcia, você pode fazer meu documento para que possamos ir embora? Não somos traficantes. – Sam tentava.

​- Eu vou chamar a polícia. – Garcia respondeu, com insegurança.

​- Polícia?? – Sam e o jovem de trancinhas responderam na mesma hora.

​- Não fode Garcia, acaba com essas duas e mostra para o Rhode que aqui não tem ninguém de brincadeira não.

​- Se eu matar essas duas ele vai me capar. – Garcia tremia a arma.

​- Então eu mato!

​Sam pulou para cima do rapaz das tranças e jogou sua arma para longe, Garcia pulava de um lado para outro sem saber o que fazer, enquanto os dois lutavam entre si. Theo tentava entender o que acontecia pelo som. Até que três tiros foram ouvidos.

​- Vamos sair daqui. – Sam pegou Theo pelo braço, a carregando rapidamente na direção do carro.

​- E seu documento? Ele precisa fazer seu documento. – Theo disse, enquanto fechava a porta do automóvel.

​- Não tem documento, eu matei Garcia.

​E saiu arrancando com seu carro.

​- Matou? Como faremos? Só eu tenho a documentação. Em quanto tempo chegaremos na fronteira?

​- Se as supervias daqui estiverem funcionando, em três dias cruzamos a fronteira. Precisamos pensar em algo.

​- Algum outro lugar que faça documentos frios?

​- Esse foi indicação de quem me contratou, não faço ideia se existem outros lugares como esse, esse país está quase deserto, Theo.

​- Por que você matou o cara dos documentos?

​- Ele pulou nas minhas costas, eu me defendi. Atirei nos dois. Não sei para onde estamos indo. – Sam olhou ao redor e depois no localizador no painel.

​- Siga para o sul, somos agora passarinhos migrando para o sul. Ou temos algo a fazer aqui na Zona Morta?

​- Nada, meu próximo compromisso é no México. Até lá vamos ter uma agradável viagem de três dias por esta zona cheia de radioatividade e poucos seres humanos, vamos ter que dormir no carro.

​***

​A primeira noite no carro foi razoavelmente tranquila, estacionaram dentro de um centro esportivo e Sam acordou mais cedo que o normal, mal humorada. Na segunda noite o desconforto de dormirem em pouco espaço podia ser visto nos hematomas nos cotovelos e joelhos. Sam acordou com os olhos vermelhos e demasiado cansaço. Até que a terceira noite chegou.

​- Outra noite no carro?

– Chega, eu não aguento mais dormir no carro com você! E que merda de estrada! – Sam reclamava, dirigindo no início da noite por uma supervia com falhas e buracos, que a faziam perder a programação da viagem e ter que fazer desvios.

​- Eu não tenho culpa.

​- Você é espaçosa e ronca mais que um foguete espacial dando partida!

​- Nunca soube disso. E também minha mão que você furou ainda dói bastante. – Theo cruzava os braços. – O que eu posso fazer?

​- Não sei, mas sei o que eu posso fazer. – Sam deu uma guinada no volante, saindo da supervia.

​- O que vai fazer?

​- Ter uma noite decente de sono, eu estou esgotada física e mentalmente, se eu tiver que dormir mais uma noite no carro com você vou acabar espancando alguém.

– Desde que não seja eu.

​Quarenta minutos depois adentravam uma rampa em declive, que após três andares de zigue-zague terminou na entrada de uma hospedaria.

​- O que é aqui? – Theo perguntou.

​- O paraíso.

​Theo apenas franziu as sobrancelhas.

​- Algo que deveria se parecer com um hotel. – Sam completou.

– Como é?

– Um local apertado com paredes cinza escuro, tem algo parecido com um rato morto no canto e tem cheiro de tapete molhado. Bom, o cheiro você pode sentir também.

– Não precisamos de máscara aqui embaixo?

– Isso é tipo um hotel bunker.

​- Aqui está, um quarto com duas camas de casal, andar inferior, a direita. – A recepcionista ruiva e com dentes podres sorriu, entregando o cartão passe.

​- Perfeito, obrigada. – Sam agradeceu e levou Theo pelo braço até as escadas.

​- Você poderia parar de me arrastar pelo braço. – Theo disse, ainda nas escadas.

​- Não é assim que fazem com cegos?

​- Não, você poderia me conduzir de uma maneira mais humana.

​- E você pode ir sozinha se quiser.

​- Sam, parece que você está me arrastando para um calabouço.

​Saíram das escadas e continuaram a conversa no quarto, enquanto Sam separava o que precisariam. Era um quarto de tamanho moderado, haviam duas camas com lençóis amarelados, uma cômoda marrom envelhecida, e uma poltrona bege ao lado. Sam deixou apenas a luz do abajur rasgado ligada, para que Theo tirasse a faixa, que fez prontamente.

​- Então como você quer que eu te conduza?

​- Eu poderia segurar no seu braço, ao invés de você segurar no meu.

​- Vai parecer que eu estou conduzindo uma cega.

​- Oi?

​- É estranho. Vou pensar em outro jeito de te conduzir.

​- Ok, me dê uma toalha, quero tomar um longo banho decente e quente. – Theo estendeu a mão, recebendo a toalha, roupas, e uma nécessaire. Seguiu tateando até o banheiro.

– Deixe eu fazer as honras com o banheiro. – Sam a orientava, levando sua mão até os lugares que citava. – Aqui é a pia, torneira quente, torneira fria. Aqui o vaso, e aqui o box. Algo mais?

– Lave minhas costas.

– O que?

Theo riu.

– Não, nada mais, pode me deixar.

​Sam aguardava o término do banho sentada na poltrona, mexendo em seu comunicador, compenetrada.

​- Aaaai!

Escutou um estrondo e Theo gritando de dentro do banheiro.

​- O que foi?

​- Bati a cabeça no box.

​- Teve dano cerebral?

​- Não.

​- Então está tudo bem. – Sam voltou a usar o comunicador, um pequeno eletrônico multifunção flexível e extremamente fino, e digitava no teclado holográfico à sua frente, conversava com sua irmã.

“Por que você não colocou essa garota num abrigo ainda?” Lindsay perguntava.

“Eu desisti da ideia, ela vai me acompanhar até o fim.”

“Isso é loucura, Sam. Ela vai te atrasar, te prejudicar.”

“Não acho, ela pode ser útil.”

“Eu não vejo como, se eu fosse você a deixaria no México, lá já é Nova Capital, tem bons abrigos do governo, terá os cuidados que precisa para a deficiência dela, e você terá essa preocupação a menos.”

“Mas ela não me preocupa, ela me…”

​Ouviu-se outro berro vindo do banheiro.

​- Ahhhh! Sam, você me deu uma toalha de rosto!

​Sam começou a rir.

​- Se vire com esta! – Levantou ainda rindo e levou a toalha de banho até ela. Antes de entregar a toalha à Theo, não conseguiu resistir à uma demorada observação silenciosa, era como uma força inconsciente que a deixava estática.

– Tome. – Falou por fim, e atirou a toalha nela.

Então voltou à poltrona, mas não se recordava mais o que estava fazendo naquela tela, e sentiu-se culpada por deitar seus olhos de forma secreta numa pessoa nua que não fazia ideia do que estava acontecendo. As tatuagens me chamam a atenção. Deduziu.

​- Você precisa parar com essas coisas. – Theo disse ao sair do banheiro, secando o cabelo, já vestida.

​- Theo, venha cá.

​- O que foi?

​- Você está sangrando. Sente-se na cama.

– Não vou cair nessa. – Theo sorriu.

Sam colocava a maleta de primeiros socorros em cima da cama. Theo passou os dedos no supercílio, percebeu que estava realmente molhado de sangue.

​- Nossa, está sangrando mesmo. – Falou agora séria.

– Eu falei. Sente-se.

– Ok.

– Como você conseguiu a façanha de bater o supercílio e o malar ao mesmo tempo?

– Cortou aqui embaixo também? – Theo disse, passando os dedos abaixo do olho.

– Não cortou, mas vai ficar roxo.

– O banheiro é menor do que eu imaginava.

– Use mais as mãos, tateie mais.

– Vai precisar de pontos? – Theo disse, já sentada e com Sam limpando o corte.

– Não, mas posso dar alguns se quiser, uma pena você não poder ver o ótimo trabalho que fiz na sua mão.

– Por falar nisso, depois você poderia trocar o curativo da minha mão?

– Ainda não está sujo o suficiente.

– Me dê uma atadura que eu mesma troco.

– Pare de se mexer, estou tentando colocar um curativo em você e não quero correr o risco de te deixar ainda mais cega.

– Aqui tem TV?

– Tem.

– Ligar TV. – Theo falou em voz alta e nada aconteceu. – Por que não ligou?

– Aqui é a moda antiga, tem um controle remoto em cima da cama.

– Ou através do seu comunicador.

– Como sabe que tenho um?

– Quando você fica quieta eu sei que está mexendo no comunicador.

– Nem sempre. Ok, terminei. Tem comida na bolsa aqui ao lado da cama, fique à vontade, minha vez de limpar o sangue.

– Que sangue? – Theo perguntou confusa.

– Levei um tiro de raspão na perna.

– Sério? Foi feio?

– Não, está bonito, adoro a cor vermelha. – Sam disse ligando a TV.

– TV!

– Você não enxerga, qual a graça disso?

– Adoro TV, ainda posso ouvir. E você pode me narrar o que está acontecendo.

– Não conte com isso. – E entrou no banheiro.

– Sam, pelo amor de Deus, durma, você está insuportável.

***

Theo tinha razão, Sam acordou na manhã seguinte com um humor infinitamente melhor.

– Eu li no aviso do quarto que tem café da manhã. – Sam disse, subindo as escadas e levando Theo pelo alto do braço.

– Não sei porque, mas tenho o pressentimento que vou agradecer por não enxergar o café da manhã daqui.

– Você está exigente demais.

Chegaram até a recepção, com a mesma ruiva de dentes ruins.

– Bom dia, tem café incluso, certo?

– Sim, basta seguir em frente, a porta a esquerda. – A ruiva falou lançando um olhar desconfiado para Theo.

Já no pequeno salão refeitório, que parecia um acampamento com mesas compridas, Sam ia narrando as opções. Mais dois casais faziam o dejejum ao canto.

– Tem café? Eu quero café, muito. – Theo disse, animada.

– Mais nada?

– Pão, mesmo você tendo descrito como uma mistura de sabão com excremento de elefante.

– Tentei ser realista.

Sam fez sua oração habitual e silenciosa, como de praxe antes das refeições. Theo nunca entendia esses silêncios dela.

Terminavam o café quando Sam percebeu uma movimentação estranha na entrada do salão, a moça ruiva estava em companhia de dois homens grandes, de paletó e arma na cintura, e apontou o dedo na direção delas.

Discretamente Sam sacou a arma da perna, e a manteve embaixo da mesa, o trio se aproximou da mesa onde estavam.

– Essas duas aqui. – A moça disse, de forma ríspida.

– Posso ajudar em alguma coisa? – Sam perguntou, levantando-se, havia colocado a arma no cós às costas.

– Você leu nosso informe com as regras do hotel, é proibido qualquer ato de violência em nossas dependências.

– Violência? – Theo perguntou.

– Eu vi quando vocês duas chegaram ontem à noite, essa garota não estava com estes machucados no rosto, e agora aparece de olho roxo.

– Eu bati no box.

– Conta outra, a vítima sempre inventa desculpas esfarrapadas por medo de represália, diz isso para defender o agressor.

– É sério, eu bati no box, eu não enxergo.

– Senhorita, queira se levantar, quero que você duas nos acompanhem até a sala de segurança. – Um dos homens falou.

Theo levantou, e tentou dialogar.

– Ela não me bateu, se tivesse de fato batido eu seria a primeira a denunciá-la à justiça.

Sam olhou assustada para ela.

– Temos uma política rígida anti-violência, levem elas. – A ruiva disse.

– Vocês estão cometendo um engano. – Era a vez de Sam argumentar. – Não houve violência de forma alguma naquele quarto, posso garantir que sequer encostei nesta garota, e ela não está falando isso apenas para…

Gritos, pessoas caindo, pessoas correndo, o pandemônio começou quando Theo interrompeu o que Sam falava e atirou com uma pistola paralisadora no segurança que empunhava a arma. Em seguida Sam tomou a pistola das mãos de Theo e derrubou o outro também. A ruiva saiu correndo.

– Vamos! – Sam pegou a mão de Theo, sua bagagem, e saíram correndo para o carro.

A ruiva ainda bradou algo enquanto o carro tomava o rumo da primeira rampa, mas já era tarde demais, a fuga fora executada com sucesso.

Assim que saíram na estrada Theo cobriu os olhos por causa da claridade.

– Cadê sua faixa?

– Acho que deixei lá.

– Quer amarrar alguma coisa?

– Não, apenas trate de dirigir com velocidade.

– Tome meus óculos, quem sabe ajude.

– É tolerável. – Theo disse após colocar os óculos, ainda apertava os olhos, estranhando a luz do dia.

– Onde você achou uma arma paralisadora? – Sam perguntou, seu coração ainda estava disparado, mas já estavam à uma boa distância do hotel.

– Do cara das trancinhas.

– Bom tiro. E que gente louca!

– De nada. Pegou tudo?

– Ahan.

Sam deu uma olhada em Theo.

– Acho que achei um jeito de te conduzir.

– Qual?

– Pela mão. É humano e não parece que estou conduzindo uma pessoa cega.

– Por mim tudo bem, porém talvez alguém acabe achando que você é minha namorada. – Theo riu.

– Claro que não, nós não parecemos com lésbicas.

– O que é parecer com uma lésbica para você? – Theo perguntou, intrigada e segurando o riso.

– São aquelas mulheres machonas, que se vestem como homens, e tem vida promíscua.

– Uou. – Theo estava estarrecida.

– O que foi?

– Isso é o que você realmente pensa?

– É sim, não temos nada a ver com esse tipo de gente.

Theo coçava a testa, procurando as palavras para contrapor a opinião de Sam.

– Eu sempre soube que na Europa, por causa da constante intervenção do Vaticano, as pessoas eram mais conservadoras e mente fechadas que aqui na América, mas você tá de parabéns, me surpreendeu.

– Mente fechada? Nunca tratei nenhum homossexual de forma preconceituosa, mesmo alguns não se dando ao respeito. Até conversava com um que trabalhou com minha irmã.

Theo uniu as mãos, pensativa.

– Nem sei por onde começar a apontar os erros nessas suas frases, é quase um crime contra o bom senso.

– Por falar em crime, que história é essa de ‘se ela me batesse eu mesma a denunciaria à justiça’?

– Eu denunciaria qualquer pessoa que me batesse.

Sam olhou boquiaberta para ela.

– Você seria capaz de me denunciar? Mesmo depois de tudo que fiz por você? – Sam se exaltava.

– E por isso você teria o direito de bater em mim?

– Se você merecesse sim, eu entendo porque alguns maridos batem em suas esposas, às vezes elas aprontam tanto que pedem por isso, fazem por merecer.

– Meu Deus, Sam, você também é mulher, como pode dizer uma asneira dessas? – Theo dizia, impressionada.

– Não é porque sou mulher que vou ser hipócrita, as mulheres precisam parar com esse coitadismo, essa ideia de querer ser superior ao homem, precisam se colocar em seu lugar.

– E por causa de mulheres como você que a luta feminista tem muito o que fazer ainda, para despertar o sentimento de sororidade entre nós. Fazer com que as próprias mulheres parem de se diminuir e parem de propagar pensamentos machistas, como os seus.

– Você é uma dessas feministas? – Sam disse, com repulsa.

– Sam, repare o jeito como você se referiu a mim agora. Você é uma mulher machista.

– Eu não sou machista, mas vocês feministas estão sempre exagerando, tudo é machismo. Esse movimento é uma perda de tempo, tantas coisas que vocês poderiam estar correndo atrás, poderiam se dedicar a cuidar melhor dos maridos e filhos. Feminismo é falta de louça na pia.

Theo suspirou pesadamente.

– Ok, eu entendo, é sua cultura, você cresceu com esta vivência e está repetindo o que ouviu. Acredito que não é tarde para você expandir sua forma de pensar, desconstruir esse montante de impropérios machistas que te fizeram acreditar. Em nome da admiração e gratidão que tenho por você, acho melhor não continuarmos esta conversa.

Ficaram em silêncio por longos minutos, Theo fechou os olhos e recostou a cabeça no banco.

– Eu nunca bateria em você. – Sam murmurou.

– Eu sei.

– Eu falei por falar. Eu nunca te faria mal.

Theo sorriu.

– E se fizesse perderia o braço.

– Na mesma moeda?

– Então, oficial. – Theo mudava de assunto. – Quando chegaremos na fronteira?

– Hoje à noite.

 

Sororidade: s.f.: Pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo.
Ler Capítulos 4 e 5

46 comentários Adicione o seu
  1. Nossa Nossa nossa estou sem palavras esses três primeiros capítulos me deixaram numa alegria inefável kkkk pois já deu pra notar que sera outra grande leitura!!!!!! Aguardando próximos capítulos … Parabéns outra vez =)

  2. 2121 chegou con tudo!!!
    La vem eu com a frase típica:Sou suspeitela pra falar, mas essa história ta fodasticamente de matar!!! Boa demais! ! Poderia ler trocentas x e cadavez ver coisas novas nas entrelinhas…
    Sabe que o começo me lembrou o 1 capítulo de Xena..Gabrielle insistindo pra Xena levá-a..só q Xena n leva e Gabi segue ela, enfim!
    Parece q teremos muitas emoções entre essas duas e vamos passar raiva com Sam e suas ideias, valores e tudo q ela tem instalado né. ..Theo que tenha paciência e a gente tolerância. E pensar q existem milhões de Sam por aí. ..e aqui vem pq amo suas historias pq sempre podemos comparar a realidade do momento, mesmo sendo futurista, tem coisas q nn mudam…
    Theo é uma fofura, fã dela!! Vai arrebentar a cabeça de Sam…
    Sam ja ta sentindo algo, mas nega colocando outras desculpas qndo fica olhando Theo!
    Amei o fato de Theo ser cega e adoro personagens militares rsrs.
    Adoro Sam ser um pouco mandona e parecer imponente e achar q sabe das coisas, ela fala com uma convicção, mas Theo vai mostrar pra ela q tudo q ela construiu n é a verdade absoluta. .
    Vai ser uma história mais q interessante e amei as partes políticas q vc botou pra esse tempo..mmt bom e nem ficou monótono, nornalmente qndo botam esses temas na história ficam chatos, mas ficou decente e leve, o seja convinou mt n ficou soltp do nada comp querendo apenas jogar informação. .mmuito melhor do q sua primeira história futuristica, ficou mt mais leve..ee sabe q amooo de paixão minha Lince e a Raposa!!;).
    Bom, linda estreia! !Quero ver isso aqui bombardo geral!!!
    Beijokasss
    PS:Hoje farei um gol pra vc..nunca mais dediquei gol né. .q feio!! kkkkk

    1. Cadê meu gol? Saiu? Quero cinco. E de letra.
      Olha eu Xeniando sem saber, que bom. Vcs xenites devem ter adorado então. Vc percebeu que eu mudei essa parte né? No conto Sam voltava para o beco arrependida, no 2121 ela ligou o foda-se e foi para o carro, Theo que teve que ir correndo atrás dela.
      Bom, vc já leu até o capítulo… Deixa eu ver aqui. Vc leu até metade do 13. Então sabe que Sam ainda vai falar muita merda, nem sempre Theo será paciente com as merdas dela. Agora no capítulo 5 ela vai dar pití hauhauhauhaua
      Meu, tem tanta mulher machista igual Sam, e pior, tem muitas lésbicas machistas! Lai, junte-se a mim no exército da luta por um mundo mais feminista, esse é só o começo! (Theo se orgulharia desse meu discurso, ou seria o contrário, eu me orgulhar do discurso dela? Enfim, o ateísmo e o feminismo de Theo vc sabe de onde veio, né? A sapatagem também.)
      Eu ter cegado Theo deu todo um tchan especial, transformou as personagens, elas estão mais humanas do que no conto, a cegueira às une de outra forma.
      Posso confessar uma coisa? Sam já tá caidinha, mas ainda não sabe. E Theo? Ahá, não sabemos, nem saberemos tão cedo. Sabe por que? Porque estou narrando na terceira pessoa restritiva, diferente da Lince e a Raposa. Na Lince, eu narrava os pensamentos e sentimentos de todos. Em 2121 só estamos na cabeça de Sam, eu nunca irei narrar o que se passa na cabeça de Theo, o leitor vai ter que interpretar suas atitudes.
      A parte política e que fala sobre o mundo em que elas vivem agora acaba sendo sempre mais maçante, estou tentando injetar de forma moderada. A novidade é que 2121 tem flashbacks, e isso vai me ajudar a contar a história delas e dar informações sobre o panorama.
      Gente, que comentário prolixo foi esse que eu fiz agora? Desculpe o tamanho.
      Sexta tem mais 2, que você já leu, mas seus comentários são a cereja do bolo.
      Beijos!

      1. Pára tudoooo….eu só n fiquei vermelhoa pq n sou branquela q nem vc! kkkk.”Meu comentário é a cereja do bolo”
        Amei o tamanho! ! rsrs.
        Reclame nao q fiz varios gols..4, n cheguei no 5, mas essa semana vou me esforçar! ! ! Tô voltando a jogar como antes..froida-se o dedo! Rsrs.Eu só faço gol de “catigoria”!
        Ameii..vvc ta xeniando espetacularmente!! Nem comentei nesses último Capítulo , mas foi massa!! Ganhou mais um coraçãozinho! !
        Vc disse q podia mudar algo, mas sendo sincera n me ative, mas ficou bom pq Theo tinha q ir atrás mesmo pq elaela.q qr carona kkkkk.No ccap 5 ela pode dar pitís pq ja criou um vínculo rsrs.
        Eu c toda cautela n qrndo dizer q li e vc fala isso…rsrs.
        Se eu me juntar a vc no exército esse por um mundo mais feminista, como farei qndo detonar a guerra? Kkk.EKkk.Eu deveria ta de fora n acha? ?
        Por falar em sapatagem, ,ateísmo e tal..eu tava comentando com myself q suas histórias n tinham tanto dr vc como das outras escritoras….e é verdade. .tem pouca coisa..gosto disso!! kkkkkk.Criatividade 100%.rs
        N se faça de cruela naoo..eeu sei oq passa ja cabeça de Theo kkkkkkkkkk.Sei oq ela sente rsrs.
        E Theo ta feliz pelo seu comentário, ela gostou, ela me disse!;).
        Flashback ..to vendo. .parece aqueles fikmes q vc se perde kkkkk.Vou ficar loucaa..mas ai q vai ta o segredo. .tenho q ler c calma..anotarei oa Flashbackks..farei aquelas coisinhas c papeis coloridos kkk post its..
        É, vc tera q usar mais palavras difíceis em off assim eu aprendo. .pq ja fui milhões de x ao dicionário e aqueço dps..e isso é uma ordem!! rsrs.Vai entrar ppr osmosee!!
        Respondi pra compensar pofinde q n apareci kkkkk.
        Beijoooooooo

  3. Adorei! Aguardo, com toda a ansiedade da minha alma, pelos próximos capítulos. Como sempre surpreendente! Esta mulher, Sam, com mentalidade e ideias do ano 1800 a viver no ano 2121 promete e já me conquistou. Mais uma vez, obrigada por partilhar comigo mais uma intensa e grandiosa leitura. Fico a contar os minutos…

    1. Olá Ana! Como estás, o gaja?
      Meu irmão está indo para sua terrinha amanhã, vai para Coimbra e Lisboa, é bem longe da Ilha da Madeira, né?
      Engraçado que Sam mesmo sendo tão retrógrada e machista, tem algo mais nela que nos faz dar uma segunda chance, não é? Ela não é má pessoa, só tem alguns pensamentos equivocados, como tantas e tantas mulheres por aí…
      Eu resolvi postar sempre na sexta-feira, porque geralmente paramos para ler nos finais de semana, né? (não é o meu caso, mas enfim).
      Obrigadíssima por ler e me dar um retorno, grande beijo!

      1. Olá! A Ilha da Madeira é uma ilha de Portugal que continental que fica a cerca de uma hora e vinte minutos (de avião) de lisboa. É uma pena o seu irmão vir a Portugal e não conhecer esta ilha maravilhosa e paradisíaca. Quem sabe de uma próxima vez, ele vem e traz consigo a irmã. Confesso que adorava ler um conto seu tendo como palco a minha terrinha. A forma intensa e maravilhosa como faz a descrição dos lugares,seria como “ver” a minha ilha por outros olhos… um dia quem sabe….a esperança é a última a morrer (dizem…)… Agora vou a caminho dos próximos capítulos (Adorei a Sam, dou-lhe uma segunda e terceira chance e…). Obrigada mais uma vez. Beijinhos e boa semana.

  4. Adorei o inicio da estoria
    ja to anciosa pra saber mais dessas duas e mas anciosa ainda pra saber qual vai ser a reaçao da Sam quando souber q a Theo é lesbica

  5. O que dizer,de pois de todos que li aqui em cima?
    Posso dizer que mais uma vez vc foi perfeita! Não deixou a desejar em nada,excelente!

  6. Esses três capítulos me deixaram sem fôlego! Estou adorando o contexto da história, já simpatizei com as personagens. Agora é esperar os próximos capítulos.
    Parabens, Cristiane. Beijos!

    1. Oi Rafaela!
      Eu estava com receio de estar escrevendo uma história com tanta dedicação e estar cega (desculpe a piadinha) para a qualidade da mesma, e fico mais tranquila em saber que estes 3 primeiros capítulos agradaram.
      É bom saber que as protagonistas conseguiram conquistar a leitura. Obrigada por ler e me dar seu feedback, isso faz uma grande diferença.
      Beijos!

  7. Hello Agatha!
    Como você sabe que Theo é lésbica? huahauhauah
    Sexta-feira vou postar aqui a reação dela quando descobrir. Claro que ela vai achar que Theo arderá no mármore do inferno e essas coisas. Enfim, muita água vai rolar…
    Brigada por comentar! Bjos!

  8. Uau! 2121 já chegou chegando…adorei essa dinâmica inicial delas…ainda estou rindo das brincadeiras que Sam fez com a Theo kkk…Maldade? Sim, mas…putz, tem como não rir?! É aquele típico humor negro aflorando em mim, e olha que é só o começo. Parabéns, como sempre você deu um show…esperando ansiosamente pela sexta.
    Até lá. Bjos!

  9. Amei. Vai ser interessante a interação entre essas duas mulheres tão diferentes. Sam pensa que a única coisa que implantaram nela foi o coração, tem muito que aprender com essa mulher que representa tudo o que ela foi ensinada a repudiar: lésbica, cega, prostituta, feminista,tatuada… Ansiosa pelos próximos.

  10. Adorei. Está mostrando uma sintonia legal nas personagens. Diferente de tudo que já li. Espero que continue assim nos próximos capítulos. E nada de final triste.. rs

    1. Oie Patricia!
      Eu estava meio receosa com a recepção desse romance, mas fico feliz que está agradando. A proposta dessa história é diferente das minhas outras, eu vou abordar temas sociais para tentar provocar uma reflexão no leitor.
      Sobre o final, não vou falar se é triste ou feliz, só posso dizer que é intenso.
      Obrigada e grande beijo!

  11. muito boa historia,, essa Sam é muito quadrada sera q depois de tantos anos as pessoas continuaram tao conservadoras?

    1. Olá Alice!
      Que bom que tá curtindo! \o/
      Então, ficticiosamente no ano de 2121 a Europa é governada indiretamente pelo Vaticano, ou seja, pela igreja católica, então… Imagine uma nação sendo governada pelos preceitos de uma religião, a visão não é muito boa… rs
      Beijos!

  12. MEU DEUS! QUE DEMAIS <3

    Não dá pra se decepcionar com as suas histórias. Pfvr, poste mais.

    abraços.

    1. Oie Victoria!
      Estou postando os capítulos com mais frequência agora, sem avisar mesmo.
      Agradeço de coração por dedicar seu tempo à leitura da história, qualquer tipo de opinião é sempre bem-vinda.
      Abraços!

  13. UAU !!!
    Novamente você nos presenteia com mais uma história incrível. Sua mente só pode ser abençoada por tanta criatividade e talento. Hollywood está perdendo seus textos. Já amava Jennifer e Anna, agora está chegando Theo e Sam para ocupar também espaço no meu coração.

    1. Olá Clara!
      Anna e Jennifer não se importam de dividir a atenção (e seu coração) com estas duas novatas, então tudo bem, bem-vinda à nova história! Tomaram que Theo&Sam também te conquistem, boa leitura!
      E obrigadíssima pelos elogios 😉
      Beijos!

  14. aaaa que lindo eu me matando de agonia esperando novos capítulos no ABCLes, ai como o mesmo deixou de existir hoje fui procurar algumas das histórias que acompanhava lá e encontrei essa terminada já…. que maravilha kkkkkkkkkkkkk

  15. nossa, essa história é a unica que ainda não tinha lido… fiquei na vontade de ler mais… Por isso que te considero um achado… e continuo sua fã… quando teremos o restante da história? Espero que não demore….kkk Vou ficar em cólicas aré o restante chegar.

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