Amigos de Aluguel

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Esta foi a história que desenvolvi para a maratona (loucura) literária chamada NaNoWriMo, a simples tarefa de escrever um livro de 50 mil palavras nos 30 dias de novembro. O NaNo terminou, eu venci, e finalizei a história meses depois.

Não está editada nem revisada, então perdoem os erros e incoerências.

A história está publicada aqui até o capítulo 9, quem quiser ler o resto entre em contato que eu envio.

Sinopse:

Alice estava prestes a escrever seu primeiro livro, e um novo capítulo na sua vida amorosa. Uma jovem blogueira bissexual que viu o sucesso aparecer do dia para a noite, e que teve a inusitada ideia de “alugar” um amigo e uma amiga para ajudar a compor os personagens de seu livro, a história de um triângulo amoroso, que acaba migrando para a vida real, a sua vida real! Como será para Alice ter que escrever sobre seu amanhã?

Ficha dos personagens: http://schwinden.com.br/amigos-de-aluguel-ficha-dos-personagens/

Trilha sonora: http://8tracks.com/crishtiane/amigos-de-aluguel

Boa leitura!

            Capítulo 1 – Como escrever com o pulmão

 

Não procure por coisas que você não está pronto para encontrar.

Li isto na internet. Numa dessas redes sociais moderninhas, e rebloguei. Ah, desculpe a falta de jeito, meu nome é Alice, como a do livro de Lewis Carroll. Minha mãe nunca leu o livro, mas sempre achou o nome bonito, desde criança. Pelo menos ela sabia que havia um livro com esse nome.

Naquela terça-feira comum, depois de acordar a tarde, por mais que eu esteja tentando mudar este termo para apenas ‘acordar tarde’, ou seja, antes do meio-dia, chequei meus e-mails, como habitualmente faço antes de escovar os dentes. Entre os duzentos e quarenta spams, havia um e-mail que eu quase apaguei por engano, julgando ser também lixo eletrônico, de uma tal Editora Renome. Mas era realmente direcionado à mim, e era um agendamento de entrevista. Que estranho, eu não estava procurando emprego, já tinha um emprego de verdade e um de mentirinha.

O de verdade era numa empresa de tradução de textos de todos os tipos, desde artigos científicos a até mesmo bíblias pagãs, passando por livros medíocres e pasmem, revistas pornôs. Acreditem. Mas essas nunca caiam em minhas mãos… O legal deste emprego é que eu podia trabalhar uns oitenta por cento do tempo em casa, e o restante trabalhava no escritório que ficava no bairro vizinho.

O outro ‘emprego’ era meu blog, que começou como todos os blogs, uma besteira qualquer no oceano de besteiras da internet, um micro site onde eu postava meus textos, pequenas crônicas, algumas narrativas, e que por aqueles motivos misteriosos caiu no gosto popular, ou usando os jargões técnicos de internetês: viralizou. Apareceram patrocinadores, ganhei milhares de visitantes, e hoje em dia até vem uma grana interessante dele, nada espetacular, mas um monte de gente agora me conhece. Pelo menos na internet.

Depois de reler o e-mail entendi que a entrevista não era de emprego, era sobre meus textos, ou publicar meus textos, no papel talvez. Me interessou, respondi dizendo que estaria no local e hora marcados, que seria o dia seguinte, de manhã – nããããão! –  e passei aquela noite torcendo para que não fosse uma empresa de fachada onde me sedariam assim que eu entrasse no local, e roubariam meus órgãos enquanto eu estivesse numa maca metálica semiacordada sendo retalhada por um bisturi enferrujado.

Com dificuldade acordei as oito e meia naquela quarta-feira e as dez estava do outro lado da cidade, numa empresa de verdade, era realmente a Editora Renome, e não haviam macas metálicas lá, nem médicos suados usando tapa-olhos.

Tentei ir bem vestida, mas isso era um assunto complicado para mim, eu gostava do quanto mais simples melhor, o bom e velho jeans e camiseta e All Star e uma jaqueta. Por sorte herdei o cabelo fácil de arrumar de minha mãe, castanho quase escuro liso, e fácil de jogar para frente do rosto nos momentos necessários, artifício útil para pessoas tímidas. Nessa manhã troquei a blusinha por uma camisa branca com botões. Mas mantive o All Star, até peguei o que estava limpo, o verde musgo.

“Bom dia senhorita, meu nome é Robério, sente-se.”

Quem em sã consciência batiza seu rebento de Robério?

“Bom dia Sr. Robério, como vai?”

O escritório deveria ter umas seis ou sete salas, era um prédio antigo, tudo era separado por divisórias de madeira quase negras, tinha um ar de escritório dos anos oitenta, se não fosse os computadores em todas as mesas. Na recepção uma moça dentuça ruiva com cabelos cacheados e cheios, parecia saída de um desenho animado do Snoopy. Na sala onde eu estava agora, a minha frente além do Robério havia uma grande mesa larga, abarrotada de pilhas de papéis, ao meu lado uma janela larga coberta por persianas fininhas, fechadas.

“Então você é a famosa Alice Muller?”

“O famosa é por sua conta.” Sorri levemente amarelo.

“Nosso pessoal andou lendo seu blog…”

“Todo?” Interrompi.

“Bom, não sei. Mas gostaram do que leram.”/

Robério era daqueles senhores de cinquenta anos, com uma barriga proeminente, camisa branca de mangas curtas e gravata marrom, calvície em estágio avançado, o restante do cabelo preto com fios branco, os olhos pequenos atrás de um óculos de armação fina, mas tinha sua simpatia ainda intocada, a vida não o havia endurecido, gosto dessas pessoas.

“Ah que bom, que bom que gostaram.”

“Eu sou o editor chefe, também li alguma coisa que me repassaram, e aprovei a indicação, por isso entramos em contato.” Cruzou as mãos sobre a barriga. “Como já falei no e-mail, nós temos interesse em publicar você.”

“E eu fico lisonjeada com o interesse de vocês, confesso que nunca imaginei que esses meus textos tinham formato para serem publicados.”

“E não tem, eles tem formato para blog mesmo, não venderiam no papel.”

Fiz aquela cara de quem não entendeu bulhufas.

“Alice quantos anos você tem?”

“Vinte e cinco. Seis, desculpe, fiz a pouco tempo. Levo um tempo para me adaptar a idade nova.”

“Ah meus parabéns então.”

“Na verdade tem dois meses que fiz aniversário…”

“Entendi… Tem faculdade?”

“De Letras na Federal.”

“Hum, interessante. Tenho certeza que o talento é nato, mas uma faculdade sem dúvida é uma base excelente.”

Apenas balancei a cabeça.

“Bom, vou direto ao assunto. Queremos que você escreva um livro para nós. Um romance, algo jovem e fresco, com o mesmo ritmo e vigor que você usa nos seus textos, mas com uma narrativa mais longa e encorpada.”

“Um livro, li-livro mesmo?” Gaguejei.

“Sim, cento e cinquenta mil palavras, três meses, você teria liberdade para criar o plot mas colocaríamos um de nosso editores te supervisionando, te orientando, revisando cada capítulo, etc… O que acha?”/

“Nossa… Mas eu nunca escrevi um livro.”

Espera moço, deixa eu me recompor porque fui pega de surpresa agora, com as calças na mão.

“Mas escreve ótimos textos, tem potencial para isso, se você acreditar em você não tenho a menor dúvida que consegue. Nós estamos acreditando em você, isso não é uma prova de algo?”

Robério anotou algo num pedaço de papel e deslizou sobre a mesa, para mim.

“Esse é o valor que você receberia ao entregar o primeiro capítulo, e você receberia o dobro disso ao entregar o último.”

Confesso que era um valor bem legal. Olhei para o papel duas vezes, e então olhei para Robério, ele me olhava com um sorrisinho despretensioso, esparramado para trás na cadeira, com as mãos na nuca, aguardando minha resposta.

“Quais as condições?”

“Hum… São estas que lhe falei, tem um contrato que você assinará, de exclusividade de conteúdo. Mas claro que você terá todo tempo para ler antes de assinar. Ah, e tem um detalhe.”

Por que as pessoas fazem isso? Ficam esperando a gente perguntar ‘qual é o detalhe?’

“E qual é o detalhe?”

“Você vai postar cada capítulo no seu blog.”

“A cada capítulo que eu escrever, eu vou postar no blog, para todo mundo ler? Mas quem vai comprar o livro se tudo vai estar lá de graça, online?”

“Você sabe quantos mil livros a Bruna Surfistinha vendeu com os textos do blog dela?”

Sinceramente não sei como me sentir com a comparação dele. Ele me chamou de prostituta?

“Acho que bastante, até virou filme.”

“Exato, assim que você terminar vamos revisar, editar, tirar do ar e publicar. É sucesso na certa.”

“Se você está dizendo…”

“Tenho a sua idade em experiência nesse ramo.”

Ok, ele havia me convencido que era uma boa ideia escrever um livro. E convenhamos, essa ideia mexe com os brios de qualquer pessoa que goste de escrever. Eu gosto de fazer isso desde que me conheço por gente. Taí uma expressão curiosa, me conhecer por gente… Eu me conheço?

E daí que é uma quarta-feira, eu quero comemorar, não é todo dia que uma editora chama você para escrever um livro. Liguei para Maria, Si e Bernardo chamando para o bar de sempre, o Bear. Relutaram mas os obriguei a estarem lá as oito.

Meus amigos eram obedientes, as oito eu estava lá, e eles também. O Bear era tipo um pub que não deu certo, tinha a decoração inglesa mas o resto era bem brasileiro, cerveja e petiscos nacionais, as vezes bandinhas locais tocando pop rock, parede de tijolos aparente, mesas de madeira redondas, neons coloridos, um ambiente alternativo.

“Assim, do nada eles te chamaram para publicar um livro que você nem escreveu ainda?”

Eu sempre gostei da sinceridade a flor da pele de Maria, uma ruiva alta com cabelo de ferrugem, com algumas sardas na bochecha, minha melhor amiga desde a época do cursinho. Ela entrou em Letras comigo, e eu prefiro acreditar que não foi por influência minha, mesmo ela nunca tendo cogitado isso antes de me conhecer, e mesmo ela odiando o curso seis meses depois de começar, trancando a matrícula e indo para Economia. Não sou tão persuasiva assim.

“Eu tenho meus talentos.” Gabei-me, jogando o cabelo para trás, sentada numa cadeira desconfortável de madeira.

“Você já leu o blog dela por acaso? Não né? Alice é a nova Clarice Lispector!”

E também amava esse Bernardo exagerado e sem noção, minha cara metade que não deu certo, meu ex namorado que agora era um amigo de quase todas as horas, com aquele cabelo castanho escuro curto e tentativa de topete, o queixo meio quadrado e um furinho que eu era apaixonada, um olhar quarenta e três engraçado e um eterno jeito adolescente apesar dos também vinte e seis anos.

“Menos Bernard, menos.”

“E quando começa?” Si perguntou.

“Eu ainda não aceitei oficialmente.” Dei um gole no copo de cerveja. “Mas se aceitar, terei um encontro com meu editor na segunda-feira.”

“Seu editor?”

“É, eles vão colocar tipo um profissional a minha disposição para dar umas dicas, já que nunca escrevi um livro. Só espero que não se meta muito nas minhas ideias mirabolantes.”

“Hum… Ele vai querer meter o bedelho no seu trabalho, escute o que estou te falando.” Maria comentou.

“Meu livro, minha história.”

“Parece slogan de propaganda de cigarro.”

“Vá a merda Bernardo.”

“E você já sabe sobre o que vai escrever?” Incitou Si.

“Hoje à tarde fui até o parque e fiz um brainstorming de ideias e possíveis plots, e acabei caindo num dos maiores clichês, mas acho que é vendável.”

“Vampiros?” Maria exasperou.

“Serial killer?” Bernardo falou animado.

“Dominação sexual?” Si falou me surpreendendo e me deixando um pouco arregalada.

“Não! Um triângulo amoroso.”

Pude ouvir três suspiros desanimados.

“Ah gente, triângulos amorosos vendem igual água, vejam Hollywood, tá cheio de triângulos, triângulos são legais, não são?”

“Na trigonometria talvez…” Bernardo falou baixinho.

“Eu esperava mais apoio de vocês.” Falei fingindo desapontamento profundo.

“Mas você ainda tem tempo para pensar no plot, não tem?” Maria sugeriu.

“Dois dias, sexta-feira terei uma reunião com Ulisses, meu editor, já tenho que ter algo em mente.”

“Se nada te ocorrer até lá, escreva sobre você.” Bernardo profetizou.

“Eu e minha vida onde nada acontece? Quem vai querer ler sobre isso?”

“Nós três compraremos seu livro.” Si disse.

“E foi assim a que Editora Renome decretou sua falência.”

Dezenas de cervejas depois seguimos nossos rumos, cada um para seu apartamento, eu para meu apartamento quarto e sala num bairro até razoável, um imóvel dado pelos meus pais para que eu estudasse na capital, onde eu resolvi ficar mesmo após ter finalizado a faculdade. ‘Talvez eu faça uma pós. Ou mestrado.’ Foi o que eu disse à eles, justificando minha permanência.

Naquela noite Si seguiu comigo no táxi, eu estava comemorando oras, qual a melhor forma de comemorar que não sexo? Antes que nos rotulem, Si não era minha namorada, ainda estávamos num patamar intermediário. Fomos semiamigas na faculdade por alguns anos, depois nos tornamos amigas, e começamos a ficar. Mas era só isso por enquanto, era confortável, era gostoso, tinha tesão, mas nem eu, e acho que nem ela, não queríamos avançar para o nível seguinte. Por quê? Simples. Não havia sentimento. Quer um motivo maior? Vá ler Crepúsculo.

Si era legal, ok, era uma garota não muito profunda mas era interessante, tinha seu charme com aqueles olhinhos azuis pequenos, os cabelos Jennifer Aniston no final de Friends, só que mais escuros, nariz e queixo finos, típica magrinha alta, estava no último ano de sociologia, aquela garota que sabe um pouco de tudo mas não faz ideia para onde vai. Era mais nova que nós, tinha vinte e três. Eu adorava aquele sorriso torto dela, quando subia um canto da boca meio que me chamando para um beijo. E eu sempre ia. Sempre.

No dia seguinte ela se despediu cedo, tinha aula, trabalho, prova, algo do tipo, não escutei direito, só aproveitei o longo beijo de despedida e a mão boba dela passeando pelo meu corpo e voltei a dormir. Quando realmente acordei e levantei percebi que ela havia feito café para mim, Si era uma boa menina.

“Uma pena eu não me apaixonar por você…” Murmurei ao ver o café em cima da mesa.

Sexta-feira chegou e novamente tive que acordar cedo, cedo até demais, oito da manhã eu já estava naquele escritório saído das filmagens de Uma secretária do futuro, na sala de Ulisses.

Eu o encarava em silêncio, e ele fazia o mesmo. Ulisses malhava, tinha um bom corpo para seus quarenta anos, pelo menos era o que aparentava. As laterais de seu cabelo eram raspadas, eu podia ver o branco do couro cabeludo, que iam raleando e o restante do cabelo era normal, castanho médio, acho que ele usava gel, parecia aqueles cortes de cabelo dos nazistas, que você vê nos documentários da segunda guerra. Meu editor era um nazi-editor. Anote este termo.

“Bom dia.” Acomodei-me melhor na cadeira.

“Alice.”

“Isso, meu nome é Alice.”

Foi assim que ele me cumprimentou. Juro, não rolou nem um bom dia.

“Serei seu editor pelos próximos meses. Iremos trocar e-mails e telefonemas, além de visitas regulares. Você tem e-mail certo?”

Ele era meu editor ou meu agente da condicional?

“Ãhn… Te-tenho sim, tenho mais de um, se for o caso.”

Cara, o que estou falando? Esse homem sabe como intimidar alguém.

Ele colocou as mãos sobre a mesa diante dele, me encarando com um olhar de psicopata, já falei que ele tinha um bigode?

“Já tem um plot?”

“Eu tive algumas ideias…” Abri uma pasta transparente e tirei um papel com algumas ideias que havia imp/resso na noite anterior, eu sabia tudo de cor e salteado, mas queria impressionar, papéis sempre impressionam.

“Leia para mim apenas o plot que você acha que tem potencial.” Ulisses falou de forma severa./

“Ok. Certo. Vou ler então.”

Coloquei o cabelo para trás das orelhas, limpei a garganta e li o plot que eu havia pensando na tarde anterior, no parque, olhando os patinhos copulando na lagoa.

“Uma professora universitária se vê atormentada por uma trama de intrigas e sentimentos controversos quando se envolve ao mesmo tempo com sua aluna de literatura e o inspetor de sua faculdade, formando um triângulo amoroso pérfido, recheado de insinuações e dúvidas.”

Terminei de falar e levantei os olhos, Ulisses mantinha o queixo apoiado na mão, olhando um ponto qualquer em sua mesa, com a testa franzida. Ele tinha olhos de louco, não estou exagerando, tinha olhos grandes, mesmo quando franzia a testa.

“Bom, triângulos amorosos vendem igual água.” Ele falou após alguns segundos.

Rá! Eu falei isso quarta-feira e zombaram de mim.

“Seria algo novo para mim, mas acho que pode dar certo.”

“Você nunca esteve num triângulo amoroso?”

“Não me refiro a mim, me refiro a escrever sobre triângulos.”

Provavelmente a cor das minhas bochechas naquele momento era vermelho-estou-morrendo-de-vergonha.

“Você tem cara de universitária.”

“Mas não sou mais.”

“Ainda frequenta a universidade?”

“Não, só tenho contato com ex-alunos.”

“A protagonista da sua história, quantos anos ela tem?”

“Uns trinta e cinco.”

“E o inspetor?”

“Mais ou menos isso também.”

“Você tem pessoas dessa idade no seu círculo de convivência? Já namorou pessoas mais velhas?”

Eu realmente torço para que essas perguntas sejam estritamente profissionais e não façam parte de algum fetiche dele.

/“Ãhn… Na época da faculdade eu tive contato com professores dessa idade. Mas nunca namorei ninguém mais velho, não que me ocorra agora.” Fechei minha camisa xadrez, como se instintivamente pudesse me esconder um pouquinho de Ulisses.

Ele pegou uma caneta, abriu um caderno com capa preta e começou a fazer anotações. Sem meus óculos não conseguia enxergar o que ele escrevia com tanto furor naquelas páginas, mas parecia empolgado.

Uns cinco minutos depois, ele para bruscamente a escrita e fecha o caderno como se fechando a caixa de pandora, e me encara com aqueles olhos insanos.

“Ok, plot aprovado. Quero o primeiro capítulo no meu e-mail em trinta dias.”

“Hum… E até lá? É só isso? Não nos falaremos mais?”

“Ah sim, nos falaremos e faremos tudo mais o que você quiser, você tem meu número, eu tenho o seu, trocaremos nossos e-mails neste momento, e você tem toda liberdade para vir aqui falar comigo quando quiser, claro, se eu estiver disponível.” Ele se aproximou de forma brusca e assustadora, se inclinando para frente, e eu por reação automática pulei para trás, com o susto. “Porque as vezes eu estou ocupado… Muito ocupado.” Falou com um semblante quase doentio.

“Certo, pode anotar meu e-mail?” Falei por falar, porque estava quase me borrando nas calças.

Após trocarmos e-mails saí meio que correndo da sala dele, esqueci até que ia tomar café na cafeteria naquela rua. Cheguei em casa e fui para o computador, que ficava na sala, no lado oposto ao sofá e TV. Era hora de criar um plot decente, personagens, cenários, e todas aquelas coisas que formariam um livro de verdade.

/Ulisses havia me assustado com sua postura hitleriana, mas não havia tirado a empolgação do meu pulmão. Porque eu escrevia com o pulmão, e não com o coração, escrevia a cada suspiro, cada respiração uma palavra, eu não sabia escrever com o coração.

 

 

            Capítulo 2 – As três margens do Rio Charles

 

“Que ridículo! Como que um rio pode ter três margens Alice?” Maria me fulminou assim que contei o nome do meu futuro livro.

“É metafórico oras, é uma alusão ao triângulo amoroso, que se passa na universidade de Boston, que por ventura fica às margens do Rio Charles.” Estávamos ambas esparramadas no meu grande sofá bege naquele sábado à tarde.

“Você tem um sério problema de lógica aqui my dear… Mas, já que você insiste, tudo bem, mantenha esse título.”

Olhei de forma séria para ela, mordendo a tampa da caneta.

“Tá ruim?”

“Não, não tá ruim, você só está mudando os pilares da geografia mundial. Mas o título é pertinente. Já acabou o café?”

“Não, vou pegar mais.” Levantei para buscar mais café para nós. “Quer ouvir o nome dos três protagonistas?” Berrei da cozinha.

“Claro. Espera, deixa eu adivinhar. Absurdo, ilógico e irracional?”

“Eu posso fazer de conta que não ouvi, ou seu café pode vir com uma espuma estranha adicional.”

“Não tá mais aqui quem falou!” Ela berrou de lá.

Sentei no sofá, com as pernas para cima, e dei um gole na minha caneca.

“A professora, uma gata de cabelos negros esvoaçantes chamada Alexandra, a aluna, uma jovem loira meio ninfeta meio colegial ingênua chamada Kate e o inspetor, um bonitão gente boa chamad/o Christopher.”

“De onde você tira esses nomes?”

“Livros, os livros que eu leio, lá tem nomes, vários nomes.”

Maria bebeu seu café e meio que se deitou no sofá, balançando a caneca, ela derrubou um pouquinho de café no chão, fez de conta que não, mas eu vi, tudo bem. Ficou um tempo olhando para a TV, pensativa.

“Sabe, eu nunca daria certo nesse ramo, não conseguiria nem escolher os nomes para meus personagens, não tenho essa criatividade.”

“Você nasceu para os números Mary Jane, não para as letras.” Falei parando meus olhos nela, ajeitei meus óculos de armação marrom.

Eu não tinha muitos amigos, meu círculo de amizades havia reduzido significantemente depois da faculdade. Não que isso me incomodasse, mas eu andava pensando bastante no que o meu nazi-editor havia falado. Eu tinha Maria, minha idade. Bernardo, minha idade. Si, mais nova. E Felipe, Mabel e Karina, que eventualmente saiam com a gente, ou frequentavam nossas casas, todos da época da faculdade, ou seja: minha idade. Bernardo tinha uma garota com quem saia às vezes, Fernanda, e que saia com a gente: vinte aninhos. Meus pais e tios, todos haviam ficado no interior. Na empresa onde eu trabalhava algumas poucas horas por semana, quase todo mundo tinha menos de trinta, até o dono tinha menos de trinta. As aulas de baixo que eu fazia? Pffff, todo mundo tinha menos de vinte… Teve um dia que uma menina veio me perguntar se eu era mãe de aluno. Sem mais.

Comecei a procurar por balzaquianos com quem eu pudesse conviver, gente com mais de trinta que eu pudesse absorver um pouco da sua vivência. E lá estava eu, olhando para o fundo da minha caneca vazia, sem conseguir pensar em ninguém.

G/ente, como assim, não tem ninguém mais velho na minha vida? Tem o Zé Irineu, eu gosto dele, ele parece gostar de mim, nós conversamos todos os dias um pouquinho, às vezes ele me entrega pacotes, ele sempre é tão simpático comigo, eu poderia tentar ter um contato maior com ele. Zé Irineu é o porteiro do meu prédio. Mas acho que Zé Irineu não tem muito em comum com o Christopher, até porque ele já deve ter mais de cinquenta.

“Que porra foi essa??” Falei carinhosamente para Maria, depois dela me chutar na lateral da minha coxa.

“Estou falando com você tem três minutos e você não me responde.”

“Estava compenetrada numa coisa importante.”

“Incrível como você desliga do mundo real.”

“Escritores tem dessas.”

“Dessas indelicadezas?”

“Estou preocupada com uma coisa.”

“O quê?”

“Meu romance tem dois protagonistas com trinta e tantos anos, como vou falar sobre eles, falar como eles, se não conheço ninguém nessa idade?”

“Use sua imaginação. Se você escrevesse uma ficção científica sobre alienígenas que namoram lobisomens você teria essa preocupação?”

Maria me fez refletir. Mas não me convenceu.

“Você conhece pessoas de trinta e cinco anos?”

“Várias.”

“Me apresenta? Preciso fazer amizade com elas.”

“Arranje as suas.”

“É sério, preciso conviver com pessoas dessa idade para poder desenvolver meu livro. Eu não tenho essa convivência, preciso saber como falam, como se portam, o que faziam em suas infâncias sem tecnologia, quero ouvir suas gírias defasadas, conhecer seu hábitos estranhos, como pensam, como amam.”

“Isso está ficando estranho Alice.”

Estava estranho até mesmo para mim, recuei.

Vo/ltei a sentar normalmente no sofá, e a assistir TV.

“Como eles viviam sem videogame na infância?” Voltei ao assunto.

Maria virou-se lentamente no sofá, na minha direção, me encarando.

“Eles vão jogar videogame no seu livro?”

“Acho que não.” Dei de ombros.

“O videogame na infância vai impactar no romance que eles vão viver?”

“Hum… Não.”

Maria apenas virou-se novamente na direção da TV, e ficou em silêncio.

Ela tinha bons argumentos, isso era inegável.

 

Na semana seguinte eu marquei uma visita com Ulisses, apesar do quase pânico de ter que enfrentá-lo novamente eu queria apresentar os elementos que havia juntado, e o esboço dos primeiros parágrafos. Eu sabia que seria inevitável conviver com ele nos próximos meses, então reuni toda minha coragem e estava lá sentada naquela mesma cadeira vermelha na sexta-feira.

E novamente estávamos naquele jogo de ‘quem piscar primeiro perde’, nos encarando em silêncio, eu agarrada à minha pasta transparente como se fosse meu colete salva-vidas, ele e seu bigode marrom.

“Bom dia Sr. Ulisses, com vai?” Tentei ser simpática, até sorri com sinceridade.

“Alice.”

“Esse é meu nome.”

“O que você trouxe para mim hoje?”

“Bom, já temos quase todos os elementos definidos, e tenho o que considero a primeira parte do primeiro capítulo.”

“O /que você quer dizer com todos os elementos? Você já tem toda a história definida, todas as batidas da narrativa, os três atos, os plot points, cenários, plot twists, personagens, arcos principais, secundários, tudo definido?”

Ele me deixou confusa, confesso.

“É… Não exatamente. Mas eu tenho o nome, e a locação.”

“Ah que bonitinho, você tem o nome.” Falou com deboche. “E qual o nome?”

“As três margens do Rio Charles.”

Ele coçou o bigode com o polegar e o indicador, me encarando.

“Explane.”

“A história se passa na universidade de Boston, que…”

“Eu conheço Boston.” Me interrompeu.

“Ah ótimo, então talvez você saiba que essa universidade fica às margens do Rio Charles, resolvi fazer essa metáfora do triângulo amoroso com o rio.”

“Mas você sabe que os rios tem apenas duas margens, não sabe?”

Tudo bem, ele tinha todo direito em insultar minha inteligência, eu sei que insultei a dele com o nome do livro.

“Eu estudei sobre rios nas aulas de geografia, na escola, então digamos que sim, sei que os rios tem apenas duas margens.”

“Tudo bem, o nome é algo que pode ser alterado mais tarde, mas por enquanto mantenha esse.”

Ficamos quase uma hora conversando sobre alguns pontos que eu havia já criado para o livro, inclusive sobre o texto que eu já havia desenvolvido, e apesar daquele jeito incrivelmente excêntrico e assustador de Ulisses, esse encontro foi deveras produtivo, não posso negar que ele tinha tino para o negócio.

“Só mais uma coisa.” Ulisses me chamou, enquanto eu já guardava tudo na pasta.

“Você acha realmente que vai conseguir desenvolver estes dois personagens mais velhos apenas se relacionando com crianças de vinte anos?”

Franzi a testa e tentei fazer um ar de pessoa experiente.

“Mas eu já lidei com pessoas mais velhas no decorrer da minha vida.”

“Pen/se nisso. E passar bem.”

Eu saí um pouco perturbada daquele escritório, eu já estava com aquele assunto espezinhando meus pensamentos dia e noite, mas estava me convencendo que não havia motivos para me preocupar com aquilo. Então veio Ulisses e plantou quinhentas pulgas gordas e com patinhas cabeludas atrás da minha orelha.

Eu era uma pós-pirralha sem amigos com mais de trinta?

Estava arrasada com esta constatação, fui direto para casa, parei na portaria para pegar uma encomenda com meu único amigo com mais de trinta anos, Zé Irineu.

“Bom dia dona Alice!”

“Bom dia Zé! Até que enfim esse pacote da China!”

“Quando chega esses pacotes com letra estranha já sei que é pra você.”

Sorri e esperei ele buscar o pacote numa portinha ao lado, enquanto isso relanceei os olhos no mural, para ver se a taxa de condomínio havia subido novamente.

E foi assim que tive a melhor ideia da minha vida. Ok, esse termo ‘melhor ideia’ é bem controverso.

Peguei o pacote avidamente das mãos do Zé Irineu e corri pro elevador. Cheguei em casa e nem abri, já sabia o que tinha dentro mesmo, quatro porta-copos na forma da cabeça do Super Mario. Mandei mensagens para os celulares do meu trio preferido.

“Nada de Bear hoje, reunião na minha casa.”

Acho que começo a entender porque eles reclamavam que eu era meio mandona às vezes.

 

“Alugar amigos? Tipo, pagar putas?” Maria tinha um vocabulário impecável.

“Sua comparação foi infeliz.” Si retrucou.

Antes/ das nove da noite os três já estavam com suas cervejas em punho, espalhados pela sala do meu apartamento, escutando minha genial ideia de alugar um amigo e uma amiga de trinta e cinco anos, para que eu tivesse a convivência que precisava para escrever o livro.

“O valor pago seria simbólico, a empreitada seria mais pelo apelo artístico do projeto, para ajudar uma escritora a atingir seu objetivo maior. Até porque ainda não estou achando dinheiro nos meus vasos de begônias.”

“E onde você encontraria pessoas dispostas a isso?” Bernardo disse.

“Onde você encontra de tudo hoje em dia: nas redes sociais.”

“Ninguém vai topar.” Maria contestou.

“Não custa tentar. Vocês me ajudam?”

“A fazer o quê?”

“Bolar o anúncio.”

“Anúncio?”

“É, tipo classificados, algo tipo ‘procura-se um amigo e uma amiga, e bla bla bla…’”

“Mas a escritora aqui é você.” Bernardo respondeu.

“Sim mas vocês são mais sociáveis que eu, são melhores em fazer amizades, não sei o que colocar no anúncio para atrair um amigo.”

“Acho que você vai atrair alguns cracudos querendo dinheiro para mais uma pedra, ou alguns tarados com fetiches estranhos.” Si disse, largada no sofá.

“Ou então alguém com sérios problemas de estima, que vai grudar em você e achar que você é a melhor amiga de toda a sua vida, vai querer fazer suas unhas e cortar sua grama, vai estar deitada na sua porta quando você abrir para pegar o jornal de manhã, e quando você menos esperar vai esfregar suas costas com uma bucha de banho dentro do seu box, com um sorriso maligno e touca de banho.” Bernardo devaneou, sentado numa poltrona.

“Eu moro num apartamento, nem tenho grama para cortar.” Eu falava de trás de meus óculos de armação não tão grossa, sentada na cadeira giratória do computador.

“Você vai atrair gente muito, muito estranha.” Maria tentava me aterrorizar, espojada no grande puf ao lado do sofá.

“Ah não custa tentar, eu posso marcar uma entrevista com os que se candidatarem, tipo num café ou lancho/nete, e o menos estranho eu considero para uma segunda conversa.”

“Tá bom, então vamos colocar as mãos na massa, vamos criar o anúncio.” Maria se animou.

Eu também me animei, sorri e me virei para o computador. Na verdade não era um computador, era meu notebook que eu transformava em estação de trabalho em cima da escrivaninha, mas ok, servia como um computador e eu podia escrever no parque com ele, uma das minhas coisas preferidas, escrever no parque a tarde, debaixo de uma árvore que soltava umas florezinhas branquinhas bem pequenas.

Abri o editor de texto e vi o cursor lá piscando. Tinha que começar desse jeito:

ALUGA-SE AMIGO E AMIGA

“É, o título tem que ser assim.” Si concordou.

“Claro que não, parece que que Alice está colocando seus amigos para alugar.” Maria rebateu.

“Maria tem razão, está dúbio.” Bernardo corroborou com Maria.

“Ok, vamos mudar.”

PROCURA-SE AMIGO E AMIGA, PAGA-SE BEM

“Você nunca nos pagou porra nenhuma.” Maria resmungou.

“Vocês tem trinta e cinco anos? Então shhhh.” Coloquei o indicador sobre meus lábios.

“Vai pagar quanto?” Si perguntou.

“Pensei em um salário para cada, por mês. É meio que simbólico, não sou rica.”

“Um salário não é tão bem assim então né?” Bernardo falou.

“Hum… É, tem razão. Vamos lá então.”

PROCURA-SE UM AMIGO E UMA AMIGA, PARA PROJETO LITERÁRIO REMUNERADO

“Melho/rou.” Bernardo indagou.

“Tá bom o título, continue. Coloque algo sobre disponibilidade para sair, passear e tal.” Maria autorizou.

“Fale sobre a idade nas próximas linhas.” Si falou o óbvio.

“E coloque que a pessoa precisa se encaixar em certo perfil do personagem, vai que algum revoltado não entenda que não foi aprovado por ser anão, ruivo e pesar duzentos quilos.”

“Um anão com duzentos quilos?” Olhei assustada para Bernardo.

“Tá, você entendeu.”

PROCURA-SE UM AMIGO E UMA AMIGA, PARA PROJETO LITERÁRIO REMUNERADO

DISPONIBILIDADE PARA PASSEIOS, ATIVIDADES DE LAZER DIÁRIAS E NOTURNAS, SOCIABILIZAÇÃO.

REQUISITOS: TER APROXIMADAMENTE 35 ANOS, SE ENQUADRAR NOS PERFIS DOS PERSONAGENS DA OBRA LITERÁRIA A SER DESENVOLVIDA.

VALOR A COMBINAR.

 

“Sociabilização?” Maria olhou estranho para mim.

“É, se socializar comigo.”

“Não sei, soou estranho.”

“Mais alguém quer mudar algo?”

Si entornava sua garrafa de cerveja, Bernardo me olhava reflexivo, Maria agora olhava para a TV.

“Vou mudar para ‘atividades sociais e de lazer’ então.”

“Acho que fica melhor.” Maria concordou.

“Vou postar então.” Ameacei.

“Manda ver.” Bernardo incentivou.

“Acho que falta algo.” Si se manifestou.

“O quê?”

“A orientação sexual deles.”

Si tinha /razão, tinha toda razão.

E acrescentei essa linha:

ORIENTAÇÃO SEXUAL DA AMIGA: BISSEXUAL

ORIENTAÇÃO SEXUAL DO AMIGO: HETEROSSEXUAL OU BISSEXUAL

“Vai chover veado nessa entrevista.” Maria comentou.

“Por quê?”

“Os veados vão achar que é putaria, vão se inscrever só para comer alguém. Ou dar a bunda.”

“Você tem uma visão de mundo muito triste sabia?” Falei um pouco estarrecida.

E foi assim que lancei minha sorte na maior rede social, apertei o ‘publicar’ e fiquei extremamente ansiosa aguardando as inúmeras inscrições. Meu perfil nesse site tinha cinco mil ‘amigos’, era meu perfil cheio, eu tinha outro perfil, que ainda tinha apenas pouco mais de três mil ‘amigos’. Publiquei em ambos os perfis, e também em quatro grupos de discussão da nossa cidade. Tinha que dar resultado.

“E aí, alguém já respondeu?” Bernardo perguntou.

“Nada ainda.” Checava meu perfil e meu e-mail de trinta em trinta segundos.

“É uma ideia meio maluca né Alice? Não projete seu livro em cima disso, você tem potencial para desenvolver sua história sem esses amigos de aluguel.” Maria puxou uma cadeira e sentou-se próximo de mim.

“Mas seria legal, não seria?” Falei provavelmente com um semblante lunático, eu estava animada com esta ideia.

“Uma boa experiência antropológica, não vou negar, mas se não der certo tudo bem, as pessoas são ocupadas, tem seus empregos em tempo integral, suas famílias para cuidar.”

“É eu sei/… O pessoal nessa idade já está casado, tem três filhos, dois empregos, faz pilates ou hidroginástica a noite…” Um bip no computador chamou a atenção.

“É uma resposta.” Olhei como quem está esperando a notícia do sexo do bebê real.

“E aí, é interessante?”

Li quase com leitura dinâmica a resposta do anúncio, era um cara, aparentava uns quarenta e cinco anos, queria marcar a entrevista e perguntava o valor da remuneração.

“Acho que não se encaixa…” Si falou desapontada.

A essa altura os três já estavam ao meu redor olhando para a tela do computador, com as mãos entre os joelhos.

“Tudo bem, é só o primeiro, outros virão.” Bernardo tentava me animar.

Todos voltaram para seus lugares, e Maria permaneceu em sua cadeira.

“Agende todos que aparecerem para segunda-feira à tarde, estarei livre, vou com você e te ajudo com a seleção.”

“Sério?” Falei animada.

“Estou nessa com você, e não deixaria você se encontrar sozinha com tarados e anões de duzentos quilos.”

“Marco onde?”

“Naquela cafeteria a duas quadras daqui, com toldo verde. Tem bastante movimento e é perto da delegacia.”

Eu ri, não tive escolha.

“Você pensa em tudo cara de ferrugem.”

 

 

            Capítulo 3 – Avada kedavra!

 

Sábado meio-dia em ponto acordei e abri a porta do quarto, mesmo descabelada e de pijamas adentrei a sala e constatei que me restava apenas Bernardo. Si tinha almoço em família, Maria simplesmente sumiu enquanto eu dormia.

“Bom dia Simba, pedi comida japonesa para nós dois, deve chegar em vinte minutos.” Falou sorridente, dando pause no vídeo game.

O legal d/e Bernardo é que ele era o mais mulher de todos os meus amigos, prestava atenção em nós, conhecia nossos hábitos, gostos, sabia a hora que eu acordava aos sábados e o que gostava de comer.

Não falei nada, apenas me aproximei com meu super hálito matinal e dei um beijo em sua cabeça, por cima. Me dei conta do que havíamos aprontado na noite anterior e corri para o computador, o resultado havia sido frustrante até então e não estava muito esperançosa que algo houvesse mudado naquele início de tarde, mas ainda esperava por bons frutos hoje.

“Bernard… Fudeu.”

Percebi que ele pausou o jogo e virou a cabeça na minha direção, assustado.

“Tem cento e vinte e oito notificações no meu Facebook e tenho duas centenas de e-mails novos.”

Em dois segundos ele já estava sentado numa cadeira ao meu lado, olhando para a tela comigo.

“Abra.”

“Estou com medo, segure a minha mão.” Falei dramaticamente.

Pin! Meu computador bipou. Cento e trinta notificações.

Olhei para Bernardo, suspirei e comecei a ler as mensagens na rede social, deixaria os e-mails para depois.

Eu não tenho a idade que você deseja mas tenho certeza que meu pau se enquadra perfeitamente na sua buceta. – Marivaldo”

Era o que dizia a primeira resposta.

“Não quero ler as outras.” Tirei os óculos e joguei na mesa, desapontada.

“Hey, sem/pre tem os engraçadinhos. É internet Alice, você esperava o quê? Gente te mandando o currículo em PDF?”

Torci a boca e levantei.

“Vou tomar um banho, depois leio o resto, preciso me preparar psicologicamente para as outras quatrocentas respostas.”

“Interfone, deve ser nossa comida.”

“Perfeito, banho e comida, é tudo que preciso.”

No final da tarde eu estava com o notebook no sofá, e Bernardo do meu lado, com uma prancheta em mãos. Nos desprendemos de nossas amarras sociais e preconceitos, enchemos nossos corações de tolerância e amor, e começamos a seletiva, escolhendo aqueles que de fato se enquadravam no perfil solicitado, e não no… na minha… bom, esquece.

Com os e-mails foi mais difícil, porque eram apenas algumas poucas palavras para analisar, não tinham fotos, informações pessoais, nada, mas mesmo assim conseguimos salvar alguns candidatos interessantes  .

No dia seguinte contei com a ajuda de Maria para fazer o mesmo procedimento com as respostas que chegaram no domingo, já num número reduzido. Respondemos aos pré-selecionados e agendamos para o dia seguinte, ficaríamos naquela cafeteria umas dez horas entrevistando desconhecidos para uma coisa meio estapafúrdia, mas nada como alguém tão insano quanto eu para topar essas coisas.

E então à noite fechamos a seleção, com dezessete mulheres e quinze homens, depois de muitas risadas, sustos, vergonha alheia, cantadas obscenas e constrangimento, foram os que se salvaram.

 

“O que tem nessa pasta?” Maria perguntou assim que sentou-se ao meu lado na mesa da cafeteria, trazendo meu grande copo de café, era segunda-feira.

O lugar era um misto de café e lanchonete, com mesas retangulares metálicas pintadas de branco, em algumas paredes haviam espelhos, em outras pôsteres com seus sanduíches. Estávamos numa mesa mais ao canto, com quatro lugares, eu sabia que só sairia dali junto ao anoitecer.

“Os formulários.” Respondi com inocência.

“Que formulários? Eles vão preencher formulários?”

“Não, na verdade são as fichas individuais de cada um deles, já com as informações básicas preenchidas, e a foto do perfil. E tem as perguntas que irei fazer, que preencherei com caneta à medida que forem me respondendo. Daí aqui do lado deixei esse espaço para as minhas observações finais, e abaixo tem cinco quadradinhos, que vou pintar de acordo com minha impressão.”

“Você é tão metódica, você daria uma ótima assassina em série.”

Olhei para Maria e seus cabelos avermelhados presos num rabo de cavalo no alto, olhei para minha pasta em cima da mesa, e tirando o exagero, ela tinha razão.

Eu estava surpresa com a quantidade de inscrições sérias, admito. Ou talvez realmente não entenda nada de indivíduos com mais de trinta. Mas redes sociais mentem, então estou preparada para conhecer hoje pessoas de meia idade desinteressantes, desempregados apáticos, algumas pessoas interessadas apenas no dinheiro, e talvez alguns bichos grilos que pararam no tempo.

Sei que preciso manter as expectativas altas, ou pelo menos médias, mas agora estava finalmente caindo na real. As pessoas que procuro estão trabalhando numa segunda-feira à tarde, as que poderiam se encaixar no que eu procuro não virão, elas tem empregos normais, das oito as dezoito, e depois elas pegam os filhos na escola, não vão numa entrevista de projeto literário com ares universitário.

“Que horas está marcado o primeiro mesmo?” Maria interrompeu meu desespero mental.

“Uma e meia. Você vai almoçar esse pão de queijo?” Falei olhando para o pequeno prato a sua frente.

“Já comi em casa, isso é sobremesa. E você, vai almoçar esse café?”

“É meu café da manhã.”

“Uma da tarde?”

“Almoço qualquer coisa daqui a pouco.” Minha atenção voltou-se rapidamente para um rapaz baixo e gordinho, de boné, que sentou-se na nossa mesa, de frente para nós, sorrindo para Maria.

Eu não era a pessoa mais paciente da face da terra, mas Maria era o que podemos chamar de pavio curto, ela o encarou séria e pronunciou uma única palavra.

“Vaza.”

“Mas vocês não são Clarice e Maria?”

“Alice.” Corrigi.

“Sim. E você é?”

“Gualberto, agendei com vocês a entrevista.”

“Você é o das treze e trinta?” Perguntei com boa educação.

“Não, marcamos as quatorze.” Ele estava um pouco suado e tinha alguma coisa cinza na testa.

“Acho que você está adiantado em quase uma hora.” Falei.

“Dizem que devemos chegar com antecedência nas entrevistas de emprego.”

“Você sabe que isso não é um emprego, não sabe?”

“Mas se eu me sair bem nos três meses de experiência vocês assinam minha carteira, não?”

Eu já havia avisado Maria para não se exaltar caso ouvíssemos alguma estupidez, e eu tinha certeza que ouviríamos, mas ela prometeu que ficaria quieta nos momentos críticos.

Respirei devagar antes de responder, e a tarde estava apenas começando.

“Gualberto, é apenas um projeto literário, com duração aproximada de três meses, sem nenhum vínculo empregatício.”

“O que seria um projeto literário, tem a ver com livros?”

Olhei rapidamente para Maria, que esfregava a testa com as polpas dos dedos, com os cotovelos apoiados na mesa metálica.

“Isso, eu irei escrever um livro e preciso de um apoio de recursos humanos para compor os personagens. Só um minuto, vou pegar sua ficha aqui para preencher.”

“Na verdade eu cheguei mais cedo porque vim na hora do almoço, tenho só uma hora de intervalo lá na obra, você vai dar a resposta ainda hoje?” O candidato perguntou com uma voz preocupada.

Saquei sua ficha e nem sabia por onde começar, na verdade eu não sabia que seria tão fácil, eu nem iria seguir o roteiro das perguntas programadas, ao invés de preencher os cinco quadradinhos eu fiz um X grande sobre eles.

“Provavelmente não, devo decidir no decorrer da semana, mas eu te manterei informado. Tem mais algum dúvida?”

“Qual o valor do salário?”

“Eu prefiro chamar de contribuição simbólica, mas tudo bem, o valor é um salário mínimo.”

“Tem direito à vale transporte né?”

“Ãhn… Não é um emprego Gualberto, eu já te falei isso.”

“Ah ok. Tudo bem então.”

Nos despedimos de Gualberto e eu estava agora um pouquinho mais pessimista do que antes de iniciar a seletiva. E um pouquinho mais triste com a humanidade também. Não era culpa dele, provavelmente ele precisava de uma grana adicional, um segundo emprego talvez, ou até mesmo estava cansado de trabalhar na obra e queria algo diferente, trabalhar em um projeto literário mesmo sem saber que raios era um projeto literário. Eu não culpava Gualberto pela minha decepção.

“Pelo menos ele tinha trinta e cinco anos.” Maria resmungou.

“Era a única coisa que se encaixava no perfil.” Resmunguei de volta.

“Quer pão de queijo?” Ela tentava me animar, ao me ver mordendo a caneta, olhando desolada para minha pasta restando trinta e um formulários a serem preenchidos.

“Não, vou almoçar.”

Eu terminava meu sanduíche quando vimos uma mulher alta de cabelos loiros esvoaçantes, com roupas bem alinhadas, uma saia justa até um pouco acima dos joelhos que não escondia o fato dela ter um belo par de pernas, terninho bem cortado, colar de pérolas, não, não imagine uma perua, porque ela estava longe disso, era realmente uma bonita mulher com roupas elegantes. Parecia procurar por alguém, então logo julgamos ser a nossa candidata da uma e trinta, Bárbara.

A olhávamos com atitudes que diziam ‘aqui! venha aqui! somos nós que você procura! dane-se se a Alexandra do livro é morena, queremos você!’, até que ela finalmente veio em nossa direção.

“Olá, você deve ser a Bárbara, certo?” Eu perguntei.

“Exato, e você Alice.”

Sorri, e meu sorriso quase entregou o trocadilho que estava fazendo com o nome dela dentro da minha mente poluída. Maria percebeu, e ria de mim.

“Essa é a Maria, e já vou pegar sua ficha, só um instante.”

Estava disposta a fazer todas as perguntas para ela, que nos olhava com um leve sorriso enigmático.

“Então Bárbara, quantos anos você tem?”

“Trinta e quatro, e meu marido quarenta.”

Franzi a sobrancelha rapidamente, anotei a reposta e continuei.

“Tem disponibilidade para atividades recreativas? Ir ao cinema, ir à bares, festas, coisas do tipo?”

Bárbara havia colocado sua bolsa sobre suas pernas, e as mãos sobre a bolsa, mantinha uma postura ereta, e continuava revezando seu sorriso misterioso ora para mim, ora para Maria.

“Sim, tanto eu quanto meu marido trabalhamos por conta própria, temos nossa empresa e temos nossos próprios horários. Acredito que podemos fazer vários programas interessantes juntos sim.”

Maria já começava a me olhar com aquele jeito de quem está segurando o riso.

“Hum… Ok.” Escrevi tudo isso naquele campo, não sei exatamente porque.

“Você trabalha com o quê?” Perguntei de forma profissional.

“Temos uma empresa de eventos.”

“Eventos, tipo, festas, shows, essas coisas?”

“Também, porém somos mais voltados à feiras e exposições.”

“Ah entendi.” Anotei tudo. “Quais seus hobbies?”

Se vocês vissem a cruzada de pernas que ela deu nesse momento, teriam pena da Sharon Stone em Instinto Selvagem. Meus olhos e os de Maria arregalaram em sincronia. Bárbara estava dispensada do exame papanicolau naquele semestre.

“Gostamos de cavalgar.” Seu sorriso mudou para um malicioso.

Eu não queria ter que fazer a pergunta seguinte, mas enfim, era a pergunta seguinte, e eu estava seguindo a ordem das perguntas.

“Você é bissexual?”

“Sim.”

E a pergunta que eu fiz a seguir não estava no questionário, simplesmente pulou da minha boca naturalmente.

“Seu marido sabe que você é bissexual?”

“Claro, e ele adora.”

Ok, vou voltar para o questionário oficial, assim que juntá-lo do chão. Me concentrei e fiz a próxima pergunta.

“Você está disposta a ter uma amizade comigo pelos próximos três meses, sob a remuneração de um salário mínimo, com as condições de ter encontros de lazer e sociais para fortalecer os vínculos desta amizade, com disponibilidade de cinco vezes por semana, e duas horas cada encontro? Observação: Não necessariamente serão cinco encontros semanais, mas o contrato estipulará esta disponibilidade por parte do contratado.” Bolei esse texto sem lembrar que teria que ler para trinta e dois estranhos.

Ela se inclinou lentamente para frente, me encarando de forma sexy.

“E você gostaria de fazer sexo conosco cinco vezes por semana?”

Maria explodiu numa risada. E eu quis matá-la, mas estava ocupada tendo uma síncope.

Tossi, engasgada com saliva.

“Bárbara, acho que talvez você tenha compreendido mal o objetivo do meu projeto. Eu realmente estou procurando por duas novas amizades, mas é só isso mesmo, amizade, convivência, sem sexo, entende?”

“Esses anúncios nunca são para o que realmente dizem que são.” Ela respondeu.

“Bom, infelizmente esse é para o que diz ser, sinto muito por seu tempo perdido, mas vou ficar te devendo essa, não tenho interesse em ménage a trois.”

“E sua amiga ruiva?” Falou olhando para Maria, que bebia água e parou o copo no ar.

Deixei que ela respondesse, só para observar a reação.

“Você tá falando sério? Eu não te conheço, nunca vi a cara do seu marido, e não beijo moças. Motivos suficientes?”

Bárbara se desculpou polidamente pelo mal entendido, e seguiu seu rumo. Maria riu novamente olhando para mim, virada na sua cadeira na minha direção.

“Eles queriam comer você!” Gargalhou.

Balancei a cabeça para os lados, deixando os cabelos caírem, encarava minhas coxas.

“Isso não vai dar certo.” Constatava.

“Hey não fale assim, é só o segundo do dia, teremos uma longa tarde e início de noite pela frente.”

“Esse é meu temor.” Eu coçava os olhos por baixo dos óculos.

“Escute, se não der certo, pelo menos vai ser divertido, entrevistar esse monte de gente esquisita, vamos tirar algum proveito disso.”

Parei de coçar os olhos e a encarei. Maria tinha razão.

“É, vamos nos divertir!” Falei me animando.

“Assim que se fala!” Deu um tapinha nas minhas costas.

“Mas prepare-se, porque Bárbara não será a única a confundir amizade com outras coisas.”

“Eu sei, Bernardo falou que eu poderia ter que lidar com tarados e afins.”

“E taradas.”

Logo chegou nossa próxima entrevistada, uma mulher de longos, longos cabelos castanhos e franja que quase cobria os olhos. Tinha grandes olhos e era meio corcunda. Usava um casaco de moleton preto com listras amarelas nos braços, e um broche verde com o desenho de uma cobra. Ela trazia uma daquelas bolsas tipo carteiro, parecia abarrotada. E tinha algo desenhado na testa.

“Boa tarde, você deve ser a Sarah.”

“Isso, Sarah Potter.”

Percebi Maria ao meu lado levantando apenas uma sobrancelha.

“Tudo bom? Já estou com sua ficha aqui, vou te fazer algumas perguntas ok?”

“Claro.” Falou isso e tirou algo de dentro da sua grande bolsa.

Era uma varinha mágica. Juro. Eu e Maria olhamos aquele objeto e depois nos entreolhamos.

“Quantos anos você tem?”

“Trinta e seis.”

“Ok.”

“Tem disponibilidade para atividades recreativas? Ir ao cinema, ir a bares, festas, coisas do tipo?”

“Sim, tenho bastante disponibilidade para tudo que for relacionado à Harry Potter. Feiras, reuniões de fã-clubes, festas temáticas, salas de discussões e interpretações de trechos dos livros, concursos de cosplays, vocês se vestem de quê?”

“Ãhn?”

“Não tem personagem preferido?”

“Eu gosto da menina, a loirinha.”

“Hermione?”

“Isso.”

“Você faz cosplay dela então? Isso é sensacional! Por que eu faço do Ron!”

“Não, eu não me visto de nada, só simpatizo com a Hermione. Li os livros, vi os filmes mas paro por aí mesmo.”

“Mas ainda dá tempo de se tornar fã, nosso fã-clube, o Potteamo, é o melhor do estado, tem os membros mais engajados e temos sede própria. E se você se inscrever esse mês ganha uma varinha!”

“Sarah…”

“Potter.” Completou.

“Sarah Potter, neste momento, eu realmente não tenho interesse em entrar no fã-clube. Não vou falar que assim, nunca me tornarei fã, eu gosto dele sabe? Acho uma saga bem interessante, mas não estou com meu coração aberto para esse tipo de fanatismo.”

“Você me chamou de fanática? Eu não sou fanática!”

Eu não sou fanática, me falou a garota com um raio pintado na testa.

“Não, desculpe, não quis chamá-la de fanática, estava me referindo à minha pessoa, porque quando eu gosto de algo, eu me empolgo e me torno fanática, entende?”

Sarah Potter levantou-se bruscamente, pegou sua varinha e me fitou com os olhos semicerrados. Apontou a vara para mim e bradou.

“Avada kedavra!”

E saiu a passos largos.

Eu e Maria ainda acompanhávamos Sarah indo embora, boquiabertas, em silêncio. Até finalmente Maria quebrar o silêncio.

“O que foi esse negócio que ela falou?”

“A maldição da morte.”

“Ela nos matou?”

Olhei para os dois lados.

“Bom, se nenhum raio verde nos atingir até o fim do dia, estamos salvas.”

“Isso está ficando divertido. Perigoso, mas divertido.” Maria se espreguiçava na cadeira.

“E eu nem cheguei na terceira pergunta.”

O sol já havia se despedido naquele comecinho de setembro, e todas as luzes da cafeteria estavam acesas. Já haviam passado por nossa mesa vinte e três candidatos e eu era o retrato fiel do cansaço mental. Porém alguns haviam faltado, e só restavam quatro. O das dezenove estava atrasado e eu estava torcendo para que faltasse também. Fui até o banheiro lavar o rosto para recuperar um pouco de ânimo.

É, eu ainda não havia selecionado ninguém.

Entrei no pequeno banheiro branco com duas cabines, me aproximei da bancada e joguei a maior quantidade possível de água no rosto e pescoço. Molhei boa parte do chão por consequência. Me aproximei do espelho, encarei meus olhos arredondados e da cor da madeira razoavelmente escura daquela bancada, com sinais de cansaço, meu rosto meio quadrado, sabe aquele animais que comem e guardam uma reserva na bochecha? Eu me parecia com eles, por causa desses dois ossos pontudos além da conta formando meus maxilares, abaixo das orelhas. Minha mãe dizia que esse era justamente meu charme, que as modelos famosas geralmente tinham o rosto neste formato. Ela queria me agradar. Eu estava pálida, branquela seria talvez o termo mais apropriado. Deduzia tudo isso virando o rosto de um lado para o outro, na frente do espelho com marcas de dedos.

Usei uma das cabines e voltei para meu posto, ao lado da minha companheira entrevistadora e bebedora de café. Maria também já demonstrava sinais de cansaço, coitada, estava ali por puro companheirismo. Ou nem tanto, ela adorava uma desculpa para fugir do trabalho, na empresa do pai dela.

O das dezenove chegou, olhando para os lados, como se desconfiando de algo e sentou-se bruscamente na nossa frente.

“Você é o Jonas?”

“Shhh!” Ele estranhamente fez.

“É ou não é?” Maria perguntou irritada.

“Sim, mas não falem meu nome em voz alta.

Suspirei pesadamente. Jonas era um homem alto e magro, com uma camisa xadrez aberta e camiseta preta por dentro. Cabeça raspada e barba por fazer, tinha olheiras avermelhadas.

“Vocês são as garotas do anúncio, não são?” Falou em voz baixa, quase sussurrando.

“Somos.” Respondi.

“Ah ótimo. Alguém seguiu vocês até aqui?” Continuava olhando para os lados, preocupado.

Maria estava grudada no encosto da cadeira, com a boca entreaberta, apenas observando a conversa maluca que estávamos tendo, incrédula.

“Não que eu tenha percebido, até porque estamos aqui desde o meio-dia.”

“Vocês não são policiais, são?”

“Policiais?” Falei um pouco confusa.

“Eu estou limpo ok? Não tenho nada comigo.”

“Você leu meu anúncio?”

“Sim, vocês querem entrar pro esquema não é?”

Balancei a cabeça rapidamente, como se tentando assimilar aquilo tudo, que era meio surreal.

“Esquema?”

“O bagulho. É trinta setenta. Já vou avisando que só trabalho com bonequinha e brizola.”

“Brizola não morreu?” Maria resolveu se manifestar.

Chutei a canela dela por baixo da mesa.

“Ai!”

A lancei um olhar gelado, ela não entendeu mas calou a boca.

“Jonas eu…”

“Shhhhh!”

“Ah desculpe. Bom, eu… eu nem vou continuar o processo seletivo com você porque percebi que temos um equívoco aqui. Eu coloquei um anúncio na internet em busca de amizades.” Falei ‘amizades’ bem devagar, como se fala para crianças. “Estou em busca de dois amigos, e não estou interessada em fazer parte de nenhuma esquema, seja do que for.”

Ele apenas movia a cabeça de acordo com as palavras que eu ia falando.

“Você está conseguindo me entender?” Continuei.

“Você é da polícia?”

Engoli a saliva, juntei minhas mãos acima da mesa e o olhei.

“Não, não sou da polícia, na verdade eu estudo neste colégio aqui na rua em frente e estou procurando pessoas para fazer um trabalho escolar, e você não se encaixa, então obrigada por seu tempo.” E estendi a mão.

Ele me olhou mais alguns segundos, olhou para Maria e saiu correndo.

“Por que você me chutou? Por que ele saiu correndo?”

Me virei e a fitei.

“Ele era um traficante, e pensou que queríamos ser aviõezinhos do tráfico.”

Maria assustou-se, e eu deitei minha cabeça em meus braços sobre a mesa, desolada.

“Me acorde no ano que vem.” Resmunguei.

“Alice?”

Levantei rapidamente a cabeça e vi um homem de cabelos desgrenhados e olhos verdes, com um quase sorriso me encarando.

“Eu sou Paul, marcamos agora as sete e meia, mas posso voltar ano que vem.” Sorriu, daqueles sorrisos que aparecem um pouquinho da parte de cima da gengiva.

 

 

 

            Capítulo 4 – Paul, Alice, Lina e Almodóvar

 

“Paul? Ah, claro. Não, não pretendo de fato dormir até o ano que vem, sente-se.” Ajeitei meus óculos e procurei a ficha dele dentro da pasta.

“Posso fazer uma pergunta meio estúpida?” Ele me perguntou um pouco sem jeito.

“À vontade.”

Se ele soubesse a quantidade de perguntas estúpidas que eu já havia ouvido hoje.

“O anúncio é realmente para aquilo que foi anunciado, não é? Você quer só um amigo para pegar um cinema, tomar uma num bar, essas coisas. Ou é tipo alguma pegadinha? Tipo, vocês são de alguma igreja, ou seita, ou então querem fazer algum filme caseiro… ou são essas pessoas praticantes do poliamor?”

Eu vi luzes celestiais pairando sobre Paul neste momento, se me esforçasse poderia até mesmo ver andorinhas voando em círculos sobre sua cabeça, regozijando-se com sua presença.

“Não tem pegadinha Paul, é o que diz o anúncio.” Falei com um sorriso aberto.

“Nada de seitas.” Reforçou Maria.

“Ah bom. Sabe como é, tá cheio de gente esquisita por aí, tudo bem, todo mundo faz o que gosta, mas fiquei com receio de não ter percebido alguma segunda intenção oculta no anúncio.”

“Na verdade acho que você foi o único que simplesmente leu o anúncio…” Murmurei.

“O que disse?”

“Nada não. Enfim. Paul…”

“McCartney.”

“Sério?” Olhei assustada.

“Não, claro que não, só gosto de fazer essa piadinha.”

“Ah… Mas eu já estudei com um John Lennon Pereira, então não estranharia se fosse mesmo.”

“Sério??” Ele perguntou surpreso.

“Não, claro que não, só queria devolver a piadinha.”

Paul e Maria riram. Pude observá-lo melhor, usava uma camiseta preta com o símbolo do vídeo game Atari, isso era o suficiente para que eu pintasse pelo menos um quadradinho em sua ficha. Tinha bastante cabelo, pareciam castanhos médios naquela luz não muito forte da cafeteria, apesar de bagunçados, pareciam bagunçados de forma meticulosa. Eu estava prestes a perguntar a idade dele, mas apesar do que ele dissesse, tinha uma cara de garotão crescido, cara de primo gente boa sabe? Daqueles que roubava pitanga no vizinho com você.

“Ok, mereci o troco.”

“Mas seu nome foi em homenagem a Paul McCartney?”

“Foi sim, meus pais eram fãs.”

“E você por consequência deve ser um grande fã de Beatles também.”

“Rolling Stones. Por isso fui expulso de casa e retirado do testamento.”

“Nossa, sério?”

“Não, na verdade saí da casa dos meus pais por vontade própria e acho que eles nem tem testamento. Mas a parte dos Rolling Stones é verdade.”

“Ok, vamos começar a falar a verdade aqui então?” Falei em tom de brincadeira.

Ele tinha um sorriso de quem apronta bem parecido com o meu.

“Quantos anos você tem?” Perguntei olhando para a ficha.

“Trinta e três.”

“Certo. Não tem cinquenta e oito e está brincando de novo, está?”

“Você pode ligar para minha mãe e perguntar. Mas eu seria um milagre da medicina.”

Anotei e fui para a próxima.

“Tem disponibilidade para atividades recreativas, como ir ao cinema, bares, festas e coisas do tipo?”

“Esse é o objetivo.” Sorriu.

“Você trabalha com o quê?”

“Eu desenvolvo games. Sabe, trabalho com o desenvolvimento e a programação de jogos multiplataformas.”

Queria pintar vinte quadradinhos se vinte quadradinhos a ficha dele tivesse.

“Jura?” Meus olhos brilharam.

“Sim, é meio geek eu sei, mas consigo ter um papo que não seja games ou códigos de programação, acredite.

“Eu adoro games. Que tipo de jogos você desenvolve?”

“A empresa é mais voltada à games de ação, tiro, as vezes rola uma aventura, RPG. Mas eu gosto de jogar quase tudo, principalmente futebol.”

“Futebol. São os meus preferidos.” Falei quase babando.

“Quando quiser levar uma surra no FIFA então é só me falar.”

“Eu não vejo a hora.” Falei com deboche.

“Não pense que eu deixaria você ganhar só porque quero ser selecionado.”

“Nem passou pela minha cabeça.”

Tirei meus óculos e coloquei em cima da mesa, e quando eu faço isso é sempre por bons motivos.

“Por que você está aqui Paul?” Falei quebrando o protocolo.

Ele coçou a nuca como se procurando pelas palavras, olhando para baixo.

“Acho que cansei daquele monte de cuecas do meu trabalho e os que moram comigo, eu queria ter amizade com garotas, eu gosto de garotas, gosto da companhia de garotas.” Falou até com certo ar ingênuo.

“Tem namorada?”

“Não, mas não é o que procuro no momento.”

“Ah, ok, só perguntei por perguntar mesmo. Certo, quais seus hobbies?”

“Games?” Sorriu de lado.

“Ninguém pode viver só disso.”

“É verdade. Eu gosto de futebol também, jogo uma ou duas vezes por semana. Sair para beber conta como hobbie?”

“Com certeza.”

Eu e Maria concordamos balançando a cabeça.

“Estou tentando aprender a tocar guitarra.”

“Ótimo, estou tentando aprender baixo, Maria poderia tentar aprender bateria e teríamos uma banda que tentaria tocar algo.”

“Eu nunca teria coordenação motora para tocar bateria.” Maria retrucou.

“Você pode ser a vocalista.” Paul respondeu.

Maria deu uma risada e falou:

“Você não faz ideia do que está falando.”

“É, não faz.” Corroborei.

Maria parecia uma gaivota no cio com uma flechada quando cantava. Era o terror do karaokê.

“Também passeio no parque com o Almodóvar.” Paul retomou.

“Quem?”

“Meu cachorro.”

“Ah, legal. Ok, a próxima pergunta eu vou ler porque é padrão para todos os entrevistados, é a última.”

“Manda.”

“Você está disposto a ter uma amizade comigo pelos próximos três meses, sob a remuneração de um salário mínimo, com as condições de ter encontros de lazer e sociais para fortalecer os vínculos desta amizade, com disponibilidade de cinco vezes por semana, e duas horas cada encontro? Observação: Não necessariamente serão cinco encontros semanais, mas o contrato estipulará esta disponibilidade por parte do contratado.”

“Tem contrato, contrato mesmo, de papel?”

Me senti meio idiota com minha pergunta. Contrato para uma amizade? Sério Alice?

“É, tem contrato… Porque envolve remuneração. O pai dela vai redigir alguma coisa, mas deve ser algo bem simples, não se preocupe com isso, e você vai ler antes e tal.”

“Por mim tudo bem, só achei meio peculiar. Sobre a pergunta, tenho a disponibilidade sim, meus horários são flexíveis. E acho que não teria problema em ver você cinco vezes por semana.”

Uma mulher com ares simpáticos, porém um pouco esbaforida, aproximou-se e nos interrompeu.

“Boa noite, você é a moça com quem marquei a entrevista agora as sete e quarenta e cinco?”

“Ãhn, sim, eu mesma. Tem como aguardar um instante, enquanto finalizo com ele?”

“Sim, é que não posso demorar muito, eles estão com sono, fome, me deixando maluca.” Deu um sorriso constrangido e sentou-se na mesa ao lado.

“Maria Luiza devolve o tênis do seu irmão!” Ela gritou para o bolo humano infantil.

E pude então ver quatro crianças que deveriam ter entre seis e doze anos escalando e/ou destruindo a mesa atrás de Paul.

“Não quero ocupar o tempo da outra entrevista, nem ser o responsável por uma catástrofe na mobília da lanchonete…” Paul falou baixinho para mim.

“Tudo bem, já vamos encerrar. Bom, eu gostei de você, isso é fato. Mas não vou dar nenhum ‘sim’ hoje, ok?”

“Tá bom. Vai dar sim amanhã?”

“Sim.”

“Isso foi um sim?

“Sim, quer dizer… não.” Respondi, confusa.

Ele lançou aquele sorriso bobo que havia dado quando chegou.

“Pelo menos arranquei um sim seu hoje.”

“Foi um prazer Paul.” Estendi minha mão, com um sorriso sincero, interrompido pelos gritos das crianças atrás de nós.

A entrevista com a mãe das quatro adoráveis crianças foi bem rápida, mas eu nem precisava falar isso, não é mesmo?

Assim que ela e sua prole foram embora respirei profundamente e proferi as seguintes palavras, com o olhar perdido:

“Eu quero Paul.”

“Eu quero casar com Paul.” Maria retrucou, com o mesmo olhar perdido.

Saquei meu celular e comecei a digitar.

“O que está fazendo?”

“Mandando uma mensagem para o Bernardo.”

“Dizendo?”

Mostrei a tela para ela, com o texto.

Achei nosso Christopher.”

“Totalmente.”

“Totalmente.” Concordei. E mandei a mensagem.

Coloquei o aparelho em cima da mesa e me espreguicei, aquelas espreguiçadas satisfeitas, de dever cumprido, demoradas.

“Merecemos um café.” Maria falou animada se levantando e voltou logo com nossos copos, bebi pensativa.

“Sabe… tudo bem não ter encontrado a ‘amiga’.” Eu sou daquelas que faz aspas com os dedos no ar. “Hoje até que foi uma experiência bem interessante.”

“Vai render histórias por um bom tempo.” Ela também segurava o copo com as duas mãos.

“E achamos um cara legal. Foi cinquenta por cento de sucesso na empreitada.”

“É, e você pode dar umas voltas pela faculdade, bater um papo com algumas professoras, tem a senhora Giustini, lembra dela? Ela adorava bater papo com você.”

“Ela queria ficar comigo Maria.”

“Ah… e você…”

“Não, não. Ela tinha mais bigode que meu pai.”

Nossa conversa construtiva foi interrompida por uma morena misteriosa de cabelos meio espetados, nos ombros, parada em nossa frente.

“Qual de vocês duas é a Alice?” Ela perguntou séria, mas não de forma ríspida.

Eu levantei a mão.

Ela estava com um short curto, e uma jaqueta jeans, mascava chiclete de uma forma estranha. Então sentou-se.

“Oi Alice, tudo bom?” Me perguntou com um sorriso meio forçado.

“Sim. Você deve ser a Cindy, certo?”

“Isso. Você tem fogo?” Falou tirando um cigarro de uma bolsa minúscula de lantejoulas vermelhas.

“Ãhn… Acho que não pode fumar aqui dentro. De qualquer forma, não tenho fogo não.”

Ela guardou o cigarro meio contrariada, e cruzou as pernas.

“Então, vamos começar?” Cindy pediu.

“Claro, vamos lá. Qual sua idade?”

“Trinta.”

Ela aparentava uns trinta e sete… trinta e oito… Mas tudo bem. Maria olhou de lado para mim, também duvidando da resposta dela.

“Ãhn… Tem disponibilidade para atividades recreativas, como ir ao cinema, bares, festas, coisas…”

Ela me interrompeu.

“Gata você sabe que seu tempo já está contando, não sabe?”

A olhei meio confusa.

“Que? Tempo?”

“Eu cobro cenzinho por hora, e se a grampoula aí participar fica cento e cinquenta a hora.”

Ok, vejamos, me faltava mais o que naquele memorável dia? Uma prostituta! Como não havia pensado nisso?

“Moça acho que…”

“Posso dar um desconto porque ela tem cara de ativa.”

Eu não consegui ficar séria, soltei uma risada abafada, mas percebi que Maria estava indignada. Ergui um pouco a mão para Maria, impedindo que ela falasse algo.

“Cindy, desculpe, nós não queremos contratar seus serviços, nosso anúncio procurava por amizade, você entendeu mal.”

“No anúncio vocês diziam que queriam contratar os serviços de uma mulher sim, e agendaram um horário comigo.”

“Sim, mas não é bem esse tipo de serviço, entende? Eu estou fazendo um projeto literário e procuro por duas novas amizades, apenas amigos, sem sexo.”

“Mas vocês tem pagar pelo meu tempo aqui com vocês, tendo feito ou não o ‘pograma’.”

Foi assim que ela falou, ‘pograma’.

“Pagar por ter conversado cinco minutos com você? Nem teria dado tempo de uma dedada!” Maria rebateu.

“Não quero saber, usou meu tempo, meu deslocamento, quero meu dinheiro.” Cindy cruzou os braços e ergueu a cabeça, com semblante incomodado.

Sinceramente eu não sabia o que fazer com Cindy.

“Ok, quanto te devo.” Finalmente decidi.

“Não Alice, você não vai pagar nem um centavo para essa aproveitadora!” Maria tentava me impedir, segurando meu punho.

“Trinta.” Cindy respondeu.

Eu olhei para Maria, como se pedindo para que ela me soltasse, eu só queria resolver logo aquilo, eu estava quase oito horas sentada naquela cadeira de metal conversando com mais de vinte pessoas estranhas.

“Hey Cindy dos infernos, não vamos te pagar por nada, então é bom você levantar essa bunda dessa cadeira e tomar o rumo da sua esquina, me ouviu?” Maria esbravejou.

Eu apenas a olhei arregalada, e avermelhada.

E Cindy prontamente a atendeu, pegando sua micro bolsa vermelha cintilante e levantando da cadeira, com seus trejeitos sensuais.

Cindy apontou para nós e começou a falar quase gritando:

“Essas duas caloteiras aqui me contrataram para um ‘pograma’ e agora desistiram, éééééé!! Amarelaram! E não querem…”

“Tome!!” Enfiei trinta reais entre os peitos dela, no seu decote.

“Humpf!” Bufou Cindy, e saiu de nariz empinado, rebolando pela cafeteria.

Eu a observei sair, ainda de pé, ofegante. Assim que ela passou pela porta me virei e encontrei uma Maria boquiaberta, me fitando.

“Cindy dos infernos? Sério?” Falei.

“Eu não sabia que ela era barraqueira!”

“Putas são pessoas tão pacíficas, não é mesmo?”

“Putas? Que vocabulário é esse Alice Catarina Muller?”

Sentei-me novamente em minha cadeira, tomei o resto do meu café já quase frio e evitei olhar para Maria nos instantes seguintes, mesmo sabendo que ela apenas estava tentando me defender.

“E ainda faltam mais duas pessoas.” Maria murmurou.

“Tomara que não venham.” Resmunguei.

Realmente a das oito não veio, aguardava então pela última pessoa. A temperatura já havia caído um pouco e vestimos nossos casacos. Uma mensagem de Bernardo perguntava pela escolhida, e eu então respondi que estava pensando em contratar uma prostituta chamada Cindy, por falta de opção. Claro que era mentira.

Finalmente o das oito e quinze chegou, e logo sentou à nossa frente. E eu precisava tirar uma foto dele de algum jeito para mostrar para Bernardo. Eu simplesmente precisava. Era um anão gordo.

Tudo bem que ele não deveria ter duzentos quilos como na profecia do Bernardo. Mas era um anão gordo!!

Bom, a entrevista não foi muito longe por motivos óbvios, mas encerrou com chave de ouro aquele dia histórico em nossas vidas. E acho que Maria conseguiu tirar uma foto por baixo da mesa.

“Por hoje é só?” Maria me olhou com um sorriso cansado.

“Você quer mais? Posso agendar mais uns vinte para amanhã.”

“Perguntei por educação.”

Levantei minha mão espalmada e bati no ar contra a palma da mão dela, comemorando nossa empreitada. Ela me deixou em casa e já era nove horas quando estava de banho tomado descansando? Não, de banho tomado no computador tirando o atraso nas redes sociais e e-mails, comendo algo ali mesmo. Descansaria depois.

“Ah ele não tinha duzentos quilos, acho meio impossível um anão pesar isso tudo, mas uns cem ele deveria ter sim.” Eu falava no telefone com Bernardo.

“Tirou foto?”

“Acho que Maria tirou por baixo da mesa, depois fala com ela.”

“Tá, e me conta da Cindy dos infernos, que história foi essa?”

Fiquei em silêncio.

“Alice?”

“Espera, tô lendo um e-mail. É de uma candidata que havia agendado para hoje mas não pode ir.”

“Ah tá. E aí, perdeu a chance né? Ou não?”

“Não sei. Teve imprevisto, ela tá perguntando se pode reagendar para amanhã à tarde, depois das cinco.”

“E ainda escolhe horário. Vai agendar?”

“Hum…” Falei rolando o e-mail para cima e para baixo, pensativa.

“O que tenho a perder? Tenho a tarde livre mesmo. Vou respondê-la agendando.”

“Então tá, uma a mais uma a menos… Qual o nome dessa?”

“Lina.”

 

 

            Capítulo 5 – O garoto da sessão da tarde

 

Não lembro exatamente quantos anos eu tinha, acho que uns nove ou dez anos, só sei que estudava a tarde e naquele dia acordei cedo e esfomeada, coisa que não era muito rara, não sei como não era uma almôndega gorda naquela época.

Enfim, logo cedo comi três sanduíches de pão com mortadela e queijo e quatro copos de achocolatado, que não me caíram muito bem, o que me fez ir ao banheiro várias vezes ainda naquela manhã. Sei que não preciso explicar exatamente o que fui fazer no banheiro porque isso seria altamente desnecessário e escatológico, mas eu não estava numa situação muito confortável, vamos colocar desta forma.

Minha mãe permitiu que eu faltasse a aula, o que de certa forma compensou um pouco a moléstia que me acometia naquele dia, uma folga inesperada é sempre bem-vinda. Vocês devem estar se perguntando porque me lembro em detalhes deste dia tão corriqueiro de uma simples dor de barriga, mas realmente foi um dia que marcou para mim e talvez vocês entendam logo a seguir.

Naquela tarde, entre uma ida apressada ao banheiro e outra, assisti um filme na sessão da tarde, o nome não me ocorre agora, sinceramente nunca pesquisei sobre ele mesmo passando dezoito horas por dia na frente de um computador com internet, talvez eu não queira mexer nas memórias que tenho dele. Acredite, este é um assunto delicado e tenho certeza que todo mundo tem seus filmes de sessão da tarde que guardam em caixinhas aveludadas dentro do coração, mesmo que estes não despertem apenas boas sensações.

No filme, como todo bom filme clichê de sessão da tarde, havia uma escola e um garoto desajeitado, porém não feio, apaixonado por uma bela garota popular. Ele passou o filme inteiro tentando algo com a menina, mas não tentando de verdade, ele estava sempre por perto mas esperava que a sorte desse uma ajudinha, ou pedia para que os amigos criassem situações em que ele pudesse ficar com a garota do seus sonhos.

E nós, telespectadores com dor de barriga, sabíamos que a garota também gostava dele, mesmo ela tendo um namoradinho lindo e loiro do time de futebol, mas ela também tinha dificuldade em se aproximar do garoto tímido, na verdade ela nem sabia que ele gostava dela.

Então todas aquelas idas e vindas que nos prenderam a atenção no levaram ao? Sim, ao baile de primavera.

Por uma armação do destino, eles acabam indo juntos ao baile, para alegria e excitação do nosso protagonista. Durante a famosa dança dos casais, lá está nosso protagonista (vamos chamá-lo de John, porque não lembro do nome dele), dançando cheio de sorrisos com sua garota, até que o namoradinho fortão dela aparece, soltando fogo pelas ventas, e a puxa pelo braço, com brutalidade.

E vem aquelas falas que também já conhecemos, o fortão fala ‘você é minha namorada, o que está fazendo com esse bundão’, ela responde ‘eu danço com quem eu quiser, me deixe em paz’, ‘anda venha comigo, largue esse banana’, ‘não vou, eu não te amo mais, eu gosto do John’. Daí John olha assustado para ela, e ela olha para ele, esperando que ele se manifeste, que fale que também gosta dela, fale qualquer coisa, mas fale algo!! E o que John faz? John fica mudo, ele não faz nada. E a garota fica com a cara no chão, decepcionada com John.

“Fale alguma coisa seu idiota!” Eu falava do sofá, com a mão na barriga.

E John continuava a olhando, com sua cara de pastel, e a menina ainda esperando por alguma reação dele.

“Diga que a ama!” Eu bradava.

E a garota foi embora com seu namorado bruto. John ficou paralisado, no meio do salão, com todos os outros alunos parados lançando olhares recriminatórios. Ainda daria tempo dele sair correndo atrás dela e falar que também gostava dela, e que queria ficar com ela, nem precisaria dizer que amava, porém seria bonitinho se dissesse. Mas ele não foi, ele foi para casa, pulou na cama e cobriu a cabeça com o travesseiro.

Mais zé mané que isso impossível.

Quando o filme terminou me recordo de pensar apenas uma coisa.

“Eu não quero ser o garoto da sessão da tarde.”

Daí eu cresci, passei por várias situações parecidas e me tornei o garoto da sessão da tarde. Claro que não teve nenhum baile da primavera, nem salões inteiros me recriminando, mas sim, eu sou o garoto da sessão da tarde. Quantos momentos especiais eu estraguei por não falar o que deveria ser dito? Quantas pessoas magoei por frustrar suas expectativas? Nos textos que escrevo tudo flui lindamente, meus personagens falam o que sentem com tamanha facilidade que às vezes até parece novela mexicana.

Mas aquele dia em que alguns sanduíches e achocolatados me fizeram ficar em casa marcaram para sempre minha vida. Não que eu seja assim por causa do filme, mas o filme faz eu me lembrar que sou assim.

 

A tarde de terça-feira chegou e conforme marcado, as cinco da tarde eu estava na mesma cafeteria esperando pela única candidata do dia, a candidata retardatária que eu havia resolvido dar uma segunda chance.

Eu batia papo no celular com Si quando uma mulher com cabelos castanhos médios comuns, não muito lisos, nem muito encaracolados, se aproximou olhando ao redor, procurando por alguém, por mim provavelmente, era a minha candidata. Trajava roupas de escritório, uma camisa azul escura de botões, com os detalhes do punho e gola em branco.

“Alice?”

“Eu mesma. Sente-se.”

Mas os olhos não eram comuns, eram incrivelmente verdes, daqueles que parecem ter um campo de força dentro.

“Oi, eu sou a Lina, desculpe por ontem, eu tive um imprevisto, acabei ficando presa no banco.”

“Ah sei bem como são essas coisas de banco, um serviço péssimo, você entra lá a tarde e acaba ficando horas e horas naquelas filas ou então pega uma senha trezentos e oitenta números a frente do número que está sendo chamado, e tem aqueles caixas horrorosos que trabalham de má vontade, parecem que saem o tempo inteiro para almoçar ou lanchar, são uns lerdos e mal comidos!”

“Na verdade eu sou a caixa.” Falou com uma voz branda e um sorriso tímido.

Cadê Moisés nessas horas para abrir o chão como ele fez com o mar Vermelho?

“Nossa… Me de-desculpe, eu não… eu não quis te chamar de lerda, nem de… mal comida.”

Ela ria de uma forma tão gostosa que eu começava a acreditar que ela não havia se zangado comigo.

“Tudo bem, sei que não somos uma classe muito amada…”

Minhas mãos suavam, não que eu estivesse intimidada por ela, talvez um pouquinho, mas de uma forma boa.

“Eu não odeio os caixas de banco, que fique claro. Vocês são pessoas úteis.” Tentei sorrir, mas acho que eu estava piorando as coisas, eu lia isso na expressão dela.

“Exceto quando saímos para lanchar ou almoçar.” Ela tirava uma com a minha cara, com todo direito.

Eu ri, balançando a cabeça.

“Ok, Lina. Lina é seu nome mesmo?”

“Não.”

Fiquei aguardando ela dizer seu nome. Mas ela não disse, apenas ficou me olhando, com um sorriso suspenso, e eu também.

“E seu nome seria…”

“Evangelina.”

“Ah… É um nome… incomum.”

“Minha mãe diria outra coisa.”

“Ficaremos no Lina então?”

“Por favor.”

“Bom, você deu sorte, porque ainda não tomei a decisão para a vaga feminina, então quando recebi seu e-mail ontem à noite… pensei, por que não?”

“E por que você está procurando uma amiga e quer pagar por isso?” Ela me perguntou e me surpreendeu.

“Ãhn… é para um projeto literário, como descrevi no anúncio.”

“Que tipo de projeto literário?”

Ela tinha um ar curioso mas não metido, algo nela me dava vontade de responder tudo que me perguntasse. Se ela me pedisse a senha do banco eu lhe entregaria prontamente.

“Eu estou escrevendo um livro, e percebi que preciso de algumas experiências que não tenho no momento, com pessoas mais velhas.”

“Mais velhas?” Ela ergueu as sobrancelhas.

Fiquei com medo de tê-la ofendido de novo.

“É… não tão mais velhas, só um pouquinho mais velhas que eu, uns dez anos a mais. Quantos anos você tem?”

“Trinta e cinco.”

“Perfeito, exatamente essa idade que eu procuro.”

“E o que pretende fazer com as duas pessoas que contratar?”

“Amizade.”

Ela sorriu, não sei exatamente o que ela quis dizer com aquele sorriso, mas tenho certeza que era algo bom.

Lina tinha uma boca grande, lábios grandes, dentes grandes, mas não dentes feios, que precisassem de aparelhos ou grandes demais, eram do tamanho perfeito para sua boca, e mais perfeitos quando sorriam. Se formavam duas curvinhas abaixo das bochechas, em cada canto da boca e era para lá que eu olhava toda vez que ela sorria.

“Que tipo de livro você está escrevendo?” Ela me questionou.

“Um romance, se ambienta em Boston, ainda estou no primeiro capítulo.”

Lina estava fazendo uma ótima entrevista comigo.

“Hum… Acho que entendi. E os personagens do livro tem mais idade que você.” Lina falava com uma naturalidade encantadora, como se já me conhecesse e estivesse batendo um papo descontraído.

“Exato!”

“Então… se eu for a escolhida, eu vou inspirar um personagem do seu livro?”

Olhei para o lado, fiz um semblante de dúvida, voltei a encará-la e falei.

“É, é sim, você irá inspirar uma das personagens.”

“Isso seria sensacional!” Ela falou sorrindo, animada.

Eu estava apaixonada pela animação dela. Eu sequer havia tirado ainda sua ficha de dentro da pasta, mas mentalmente já havia marcado todos os quadradinhos. E com coraçõezinhos.

“Gosta de ler?”

“Demais. Sou uma verdadeira traça literária. Eu vou poder ler seu livro só depois que for publicado?”

“Na verdade eu vou publicando aos poucos no meu blog, exigência da editora.”

“Ousado, mas Bruna Surfistinha fez o mesmo e deu certo.”

Ok, vocês não tem mais ninguém para me comparar não?

“É, o editor chefe falou a mesma coisa…” Tirei o sorriso do rosto.

“Desculpe pela comparação.”

“Não, que isso, tudo bem.” Voltei com o sorriso no rosto.

“Posso perguntar uma coisa?”

“A vontade.” Me prontifiquei.

“Quando vai começar?”

“Começar o quê?”

“A entrevista.”

“Ah, claro, a entrevista. Bom, na verdade, deixa eu pegar sua ficha aqui.”

Entrevista para o quê? Eu queria conversar com Lina até o dia seguinte. Mas com minhas mãos afoitas peguei a ficha dela e logo preenchi a idade, que ela já havia me fornecido. Sinceramente, não estava com muita vontade de seguir o protocolo e fazer exatamente as perguntas que estavam lá, apenas queria continuar batendo papo com ela, mas tentei dar um ar profissional à ocasião.

“Você é formada em que, contabilidade?”

“Artes cênicas. Por que contabilidade?” Ela perguntou com a testa franzida.

“Por causa da sua profissão. Artes cênicas? Nossa, você está bem longe da sua área não?”

“Às vezes eu uso um pouco do que aprendi na faculdade para lidar com clientes mal-educados.” Zombava.

“Até imagino quais tipos de clientes…”

Ela apenas sorriu.

“Quais seus hobbies?”

“Gosto de ler no parque.”

“E eu gosto de escrever no parque. Engraçado, nunca te vi por lá.”

“Talvez porque sempre estamos com a cabeça enfiada nas nossas respectivas coisas.”

“Cabeças enfiadas nas coisas?” Perguntei sem entender.

“Você no seu notebook, caderno, tablet, ou seja lá onde você escreva, e eu no meu livro.”

“Ah claro!”

Caramba, como consegui pensar besteira?

“Também jogo handebol e pratico tiro esportivo.”

“Tiro, tiro com arma de verdade? Matando coisas?”

“É, tiro, mas não tiro em pessoas, nem em animais. Você entendeu que não é caça esportiva, e sim tiro esportivo, certo? Tiro em alvos ou pratos.”

“Talvez por um instante eu realmente tenha pensado em outras coisas.” Falei ajeitando os óculos.

“Se você quiser posso levar você para conhecer o esporte.”

“É um esporte?”

“Sim, tem nas olímpiadas.”

“Claro, por que não? Desde que eu não leve um tiro.”

Ela sorriu. Definitivamente ela precisava parar com isso, porque sempre que ela sorria eu não sabia o que falar a seguir.

“É seguro, fique tranquila. E eu posso te emprestar meu colete a prova de balas.”

Apenas arregalei meus olhos.

“Eu estava brincando.” Ela deu uma risada.

“Agora você vai ter que arranjar um desses coletes para mim…”

“Se importa se eu pegar algo para comer?” Ela falou.

“Não, claro que não, fique à vontade.”

Ela poderia ter me pedido para ir até a cozinha da cafeteria preparar um sanduíche para ela que eu teria ido.

Aproveitei para pegar meu celular e mandar uma mensagem para Maria e Bernardo.

Achei a Alexandra.”

Prontamente Maria respondeu.

Até que enfim! Já foi embora?”

Não, foi pegar um lanche.”

A entrevista virou piquenique?”

Virou qualquer coisa.”

Lina retornou e me entregou um copo de café.

“Não sabia como você gostava, então trouxe o meu preferido, com leite de coco e mel.”

Sorri surpresa. Até porque quando não sabemos como os outros gostam, escolhemos o mais comum, o padrão, e não o nosso preferido.

“Mas posso pegar outro se não gostar desse. Eu não me importaria de beber os dois, então não se sinta obrigada a beber.” Ela continuou.

“Não, esse está bom. Obrigada.” Respondi já dando um gole.

Eu nunca havia experimentado esse com leite de coco e mel, todos esses anos sempre entrava lá e pedia o comum. E esse era muito, muito melhor que o comum.

Voltei a fitar sua ficha, e a próxima pergunta era a de cunho mais pessoal de todas.

“Se importa de continuarmos?” A interpelei.

“Não, não quero roubar seu tempo, prossigamos.”

“Ãhn… Você é bissexual?”

“Sim. E você?”

Ah que danada!

“Eu? Eu é… é… também sou bisse-bisse-bissexual.”

Lembrei-me da minha tenra infância, e das várias vezes que meus pais queriam pagar um fonoaudiólogo para minha gagueira, e eu sempre dizendo que não precisava, que quando eu crescesse isso desapareceria. Parabéns Alice, olha o mico que você acabou de pagar.

Consegui enxergar Lina rindo discretamente por trás de seu copo de café.

Eu apenas baixei minha cabeça e anotei a informação em sua ficha, e escrevi do lado: ‘ela também sabe que eu sou.’

“Quer um pedaço do meu sanduíche?” Ela ofereceu gentilmente.

Também recusei gentilmente. E a partir daí não ouve nada mais referente à entrevista ou projeto literário, passamos mais uma hora conversando sobre coisas aleatórias, até eu receber uma chamada no celular.

“Onde você está?” Era Si.

“No café verde.”

Fez-se um silêncio do outro lado da linha, mas eu pude ouvir um suspiro irritado.

“Esqueceu de mim?”

Sim, eu havia esquecido completamente de Si, ela iria para minha casa depois da aula hoje. Droga.

“Um pouquinho… Mas você teve aula hoje?”

“Claro, e provas.”

“Estou finalizando a entrevista e vou para casa.”

“Tá bom, estou aqui embaixo te esperando.”

“Vou comprar um café para você.”

Si estava um pouco estressada com as provas da semana, eu havia prometido dar um pouco de mim para ela hoje à noite, mas havia esquecido completamente, Lina me absorveu de uma forma tão impressionante que eu jurava que hoje era sábado.

“Lina desculpe mas eu realmente tenho que ir, esqueci de um compromisso.”

“Eu que peço desculpas, eu falo demais, pergunto demais, acabei te prendendo.”

Guardei minhas coisas, me levantei e ficamos de pé, em frente a outra. Eu a fitei por um instante e falei:

“Posso ser sincera? Você foi a selecionada. Eu poderia dizer que pensaria hoje à noite, que gostei muito de você mas analisaria alguns perfis e daria a resposta amanhã, mas estaria mentindo.”

Ela só olhou para baixo e sorriu.

“Eu realmente tenho que ir, mas vou entrar em contato novamente, para marcarmos alguma outra coisa ainda essa semana, tudo bem?”

“Eu fico feliz que tenha me escolhido Alice.”

Eu estendi a mão para me despedir mas ela me abraçou, admito que gostei da opção dela. E do perfume dela.

Em dez minutos já estava subindo o elevador com Si, que estava com um semblante cansado, com a maratona de provas que tivera naqueles dois últimos dias.

“Beba, antes que esfrie.” Entreguei seu copo de café e fui para o banheiro, largando minhas coisas na mesa da sala.

“Que café diferente é esse?”

“Ah, é um tipo especial, com leite de coco e mel.”

“É horrível.” Pude ouvir Si reclamando na sala, já de dentro do banheiro.

 

 

            Capítulo 6 – As expectativas e a quebra superação delas

 

“Empatia! Paixão! Sedução! E sexo!”

Ulisses bradava e a cada palavra proferida ele batia com sua mão na mesa, fazendo o grampeador saltar. E a cada batida na mesa, eu pulava na minha cadeira, piscando os olhos.

“Mas os protagonistas acabaram de se conhecer, nem terminei o primeiro capítulo…” Falava baixinho, como se minha voz pudesse despertar algo maligno.

“Eu sei, mas é isso que eu quero ver nos próximos capítulos, e ainda não consigo enxergar isso neles.” Ulisses levantou e colocou a mão espalmada cobrindo sobre seus olhos enquanto caminhava atrás de sua mesa.

“Eu fecho meus olhos e não consigo imaginar Christopher seduzindo Alexandra na biblioteca da universidade, nem atirando Kate no meio dos livros.”

“Ãhn… talvez ele não faça isso, Christopher é um pouco tímido.”

Ele se aproximou bruscamente e falou perto do meu rosto, pude sentir seu hálito de chiclete de menta.

“Christopher é um sedutor nato! Ele não irá seduzir duas mulheres ao mesmo tempo?”

“Mais ou menos… na verdade é Alexandra que vai seduzir duas pessoas ao mesmo tempo, Kate e Christopher.”

Eu sentia que Ulisses queria transformar meu livro num desses romances de banca de revistas, centralizar o romance num touro sedutor que pega geral. Seria uma batalha árdua não permitir que ele fizesse isso. Eu não permitiria isso.

Ele voltou para sua cadeira, sentou-se devagar me encarando. Quando eu falo devagar, é bem devagar, como se houvessem pregos em sua cadeira.

“Um encontro dos três no final deste capítulo, os três juntos, se conhecendo melhor, confraternizando. Vamos ver como é a química deles num mesmo ambiente, os olhares, a aproximação, as expectativas e quebra delas. Você consegue? Se não conseguir me avise, eu altero a classificação do seu livro para infanto-juvenil e aviso Robério.”

“Consigo.” Falei enfática.

Mais do que enfática, falei como se aceitando um desafio, um duelo de armas arcaicas na frente de um bar no velho oeste. Infanto-juvenil? Humpf.

 

Esse encontro com meu novo mentor Ulisses foi na sexta-feira de manhã. Eu odiava esses hábitos matinais dele, mas não tinha escolha, ele era uma pessoa matinal. Naquela tarde me senti a promoter de balada, chamei todo mundo para ir ao Bear, inclusive Lina e Paul, a primeira reunião com eles não seria algo profissional, seria algo bem casual, para ser sincera seria um teste. Como meus novos amigos de aluguel se comportariam num bar, com meus amigos de verdade?

As dez eu estava no nosso querido bar-pub-quase-dancete/ria com Bernardo, Si e Felipe, aguardando o restante do pessoal, já nos alcoolizando, e a banda iniciava alguns acordes num minúsculo palco no final do ambiente mal iluminado.

Paul chegou e não demorou muito para que todos amassem ele, principalmente Bernardo que parecia ter toneladas de assuntos em comum. Mas eu o roubei porque aquela noite era mais que uma simples noite de bebedeira e ouvir o som de uma banda ruim, era um teste com meus candidatos semiaprovados.

“Eu aprendi a tocar essa música essa semana, e toco melhor que esse cara.” Paul apontava com a garrafa para o guitarrista da banda ruim.

“Então eu vou aprender a fazer o baixo dessa música e a tocaremos melhor que eles.” Falávamos sobre a música ‘Supermassive Black Hole’ do Muse, sentados lado a lado na última mesa de madeira, recostados em nossas cadeiras, olhando para o palco, segurando pequenas garrafas de cerveja.

Paul estava com os cabelos ainda mais desgrenhados, mas ainda mais meticulosamente desgrenhados, ele fazia aquilo na frente do espelho, tipo, por horas? Não sei, mas ficava incrivelmente bom. E usava uma camisa verde aberta com uma camiseta branca do antigo jogo Pitfall por baixo. Pitfall. Pitfall! Um dos jogos que mais joguei na minha infância/pré-adolescência. Eu estava apaixonada pelas camisetas de Paul. E só conhecia duas camisetas até então.

“Sabe, fiquei feliz quando me ligou dizendo que havia me escolhido, mas mesmo que você não me escolhesse eu ia ligar para você chamando para dar uma surra no Fifa.” Paul falou com um sorriso cínico.

“Quanta pretensão…” Dei uma olhada rápida, de relance.

Havia algo encantador nele, não sei exatamente onde, ou o que, mas que pedia que continuasse o fitando, e eu fazia isso o tempo inteiro, relanceava meus olhos e via aquele homem com ar de garotão que esqueceu de crescer, aquele semblante de bom moço, que chamaríamos de rostinho bonito, e quando sorria parecia um emoticon. Pronto, achei a definição para Paul, ele era perfeito como um emoticon.

Algum tempo depois Maria chegou com animação em demasia, e eu sabia exatamente o que isso significava, ela já estava calibrada.

“Onde foi a festa?” Perguntei.

“Aniversário do meu sobrinho.” Respondeu se atirando na cadeira a minha frente, com as pernas abertas, mesmo de vestido.

“E tinha álcool numa festa infantil?”

“Você não tem ideia da quantidade de vodca com frutas que servem nessas festas, para compensar a chatice dos mágicos e palhaços que enfiam óculos com luzinhas de led e pulseiras de neon em você.” Maria falou beliscando do prato de petiscos à sua frente.

“Essa porção já estava aí quando chegamos.” Paul falou para Maria, que parou um pedaço de frango à milanesa na boca, arregalada.

Eu olhei para Paul e ele estava sério, mas eu explodi numa risada, Bernardo idem, e então Maria fez aquela cara de ‘ok, muito engraçado’, e continuou comendo.

“Só tinha brigadeiro agora no final, uma merda.” Ela falou de boca cheia.

“Quando conheceremos Alexandra?” Bernardo perguntou./

“Quem?” Felipe perguntou confuso.

“Lina. Ele quis dizer Lina, nossa nova amiga. Não sei, ela disse que viria, mas talvez tenha dado para trás.” Respondi.

Mas Lina não havia dado para trás, e quando olhei para o lado lá estava minha nova amiga, agora sem roupas de escritório, com uma jaqueta de couro preta e jeans, mas com o mesmo sorriso de curvinhas da cafeteria.

Não escondi minha felicidade em ver que Lina não havia desistido do projeto, e a apresentei ao restante do pessoal na mesa.

“Essa é a Lina, ou Alexandra, do livro.”

Ela sentou-se à minha frente.

“Hey, e qual é meu nome?” Paul perguntou, curioso.

Eu dei uma risada e o encarei.

“Christopher.”

Ele franziu as sobrancelhas.

“Acho que posso me acostumar com esse nome. Posso associá-lo ao nome do ator do super-homem?”

“Fique à vontade.”

“Christopher Reeve… Christopher Reeve…” Escutei ele falando baixinho, para si.

“E o meu é Alexandra?” Lina se inclinou para frente e me perguntou.

“Ahan. Pode se acostumar também?”

“Acho que sim.”

“Oi, e eu sou o Christopher Reeve, prazer em conhecê-la Alexandra a grande.” Paul estendia a mão, fazendo graça com Lina.

Acho que eles vão se dar bem, percebi. Ou profetizei.

“Então é você o escolhido?” Lina falou, abrindo um grande sorriso.

“Derrotei cento e dezoito candidatos, vinte deles eram modelos profissionais, sete tinham PhD e dois eram ganhadores de prêmio nobel.” Falou balançando a cabeça, se gabando.

“Pelo que Alice me contou, eu derrotei uma prostituta, uma mãe de quatro filhos hiperativos, e uma ninfomaníaca.”

“Uou! Não deve ser fácil vencer uma ninfomaníaca, mas estou curioso para saber como fez isso.”

Eu apenas me esbaldava com a conversa paralela à minha frente.

“Eu não saio contando por aí…” Ela piscou para mim. E lógico que mudei de cor.

Já era final de noite e estávamos eu, Maria, Si e Lina ao redor de uma pequena mesa alta à frente do palco vazio, jogando conversa fora, enquanto os três meninos conversavam animadamente num sofá.

“Meninas a semana na faculdade foi bem tensa, eu vou nessa.” Si falou já guardando seu celular na bolsa.

“Me dá uma carona?” Pediu Maria. “Também quero minha cama.” Falou com os olhos baixos.

“Lógico, vem comigo.” Si respondeu.

Elas se despediram de todos e Si veio se despedir de mim, me dando um beijo, um beijo de verdade, não daqueles apaixonados e demorados, mas foi um beijo, teve até uma participação tímida de línguas.

Si sorriu e foi embora, levando Maria, Lina me olhou meio de lado, com um sorriso meio desconcertado, e eu a olhei sem graça. Ficamos algum tempo assim, sem saber o que fazer ou o que dizer, até ela quebrar o silêncio.

“Quer ir para o sofá?”

“Claro.”

Ao lado do placo haviam dois sofás vermelhos, um grande onde os garotos conversavam, e um menor, vazio, onde nos sentamos, com nossos copos nos fazendo companhia. Além do som ambiente, alguns poucos frequentadores ainda ocupavam as mesas de madeira.

“Então Si…” Ela me lançou um olhar por baixo. “É Si de Simone?”

Já falei que gosto de pessoas que não são óbvias?

“Não.”

“É de Simara?”

“Também não.”

“Silene.”

Balancei a cabeça negativamente.

“Sibele?”

“Nops.”

“Síntia?”

“Não.” Eu já começava a rir.

“Sinara, Silvana?”

“Hum hum.”

“Siriana? Ãhn… Siriema?”/

“Siriema não é um pássaro?”

“Ok desisto.”

“Siobhán.”

“Saúde.”

“Engraçadinha.”

“Que raios de nome é esse?”

“É irlandês.”

“Ela é irlandesa?”

“Não.”

“É descendente de irlandeses?”

“Também não.” Dei um gole em meu copo e percebi pela minha visão periférica que ela me encarava.

“Os pais acharam o nome bonito e colocaram oras.”

“Não conhecia.”

“Aqui é estranho mesmo, mas até que não é tão incomum no Reino Unido, tem umas pessoas famosas com esse nome lá.”

“E se escreve assim?”

“Sim, mas na verdade no Brasil se lê como se escreve, porque a pronúncia correta não é essa, a pronúncia seria uma coisa meio ‘shivon’, bem diferente.”

“Melhor Si.”

“Assim como você prefere Lina.”

Ela sorriu.

“Você deu sorte com seu nome.”

“Gosta?”

“É um dos meus livros preferidos.”

“Acredita que só fui ler Alice no país das maravilhas quando já era adolescente?”

“Antes tarde…”

“Que horas você costuma ler no parque?”

“Depois do trabalho, eu saio as quatro.”

“Hum…”

“Hum?”

Também a encarei com um olhar por baixo. Eu estava levemente alcoolizada, pessoas levemente alcoolizadas tem essa tendência em olhar de lado, por baixo, como loucos.

“Vamos juntas ao parque.” Propus.

“Quando?”

“Segunda-feira. Tem compromisso?”

“Não.”

“Quer ir? Eu escrevo e você lê seu livro. E trocamos ideias.”

“Eu adoraria.”

“Mas?”

“Mas preciso consultar meu marido.”

Mudei drasticamente meu semblante. Eu incrivelmente ainda não havia perguntado o estado civil dela. Eu a encarei com uma decepção tão natural que ela deve ter percebido e acho que ficou consternada.

Lina inclinou-se e delicadamente repousou seu copo numa mesa de centro à nossa frente, sentou-se um pouco mais para trás no sofá, e para o lado, para o meu lado, e eu acompanhava tudo com atenção.

“Eu estava brincando com você, não tenho marido. E mesmo que tivesse, marido ou esposa, eu não pediria permissão para ler no parque.”

Será que ela percebeu o longo suspiro aliviado que exasperei?

“O anúncio não fazia objeção à maridos, namorados e afins. Mas ainda não sei qual sua resposta.” Respondi.

“Segunda, quatro e meia, em qual local do parque você costuma ficar?”

“Debaixo de uma árvore bem grande, de onde caem flores brancas bem pequenas.”

“Acho que tem dezenas dessas por lá…”

“É… ok, passando o lado feio do lago, umas dez árvores a esquerda.”

“Hum… acho que consigo te achar. Eu sempre fico na frente do lado bonito do lago, por isso nunca te vi.”

“Perto do lado bonito do lado tem gente demais.”

“Não gosta de gente?”

“Só as que eu conheço.” Respondi sem sequer pensar.

“Agora entendo o porquê do anúncio…” Ela riu.

É, agora eu também entendo.

Paul chegou e sentou-se ao meu lado, espremendo-nos no sofá de dois lugares, àquela altura da noite acredito que ninguém naquele recinto estivesse isento de álcool.

“Então, sobre o que é o livro?” Ele questionou.

Olhei para ele, depois para Lina, que também aguardava minha resposta, olhei novamente para Paul, depois para meu copo quase vazio, olhei finalmente para Paul e respondi com a convicção que a cerveja costuma me dar.

“Um triângulo amoroso.”

“Entre… nós?” Escutei Lina do meu lado.

“Não, entre Kate, Alexandra e Christopher.”

“Quem é Kate?” Paul falou.

“Ninguém, é um personagem fictício.”

Senti os olhares deles sobre mim, me fulminando, ou me analisando por um instante.

“Como se chama o livro?” Ela perguntou.

“As três margens do Rio Charles.” Eu podia sentir tanto o calor do corpo de Paul me espremendo do lado direito, com nossos braços em contato, quanto o de Lina, eu estava com minha perna praticamente em cima da perna dela, e meu braço também na mesma situação, estava estranho, mas não estava ruim.

“Por causa do triângulo?” Paul sabiamente questionou.

“E quem vai ficar com quem?” Ele continuou.

“Ah… ainda estou no começo.”

Na verdade eu não queria explanar muito para eles, até porque havia coisas em aberto na história, Ulisses querendo mudar para uma pornochanchada, eu tentando finalizar o primeiro capítulo para finalmente entregar para a editora, achava que quanto menos soubessem, melhor.

“Ainda não sei… acho que Alexandra fica com ambos.”

Paul olhou para Lina e deu um sorrisinho balançando a cabeça.

“Sinceramente ainda não sei como venci a ninfomaníaca.” Ela respondeu e deu de ombros para Paul.

“E eu, como venci tantos oponentes? Foi meu charme nerd?”

“Foi sua camisa do Atari.” Respondi.

“Minha camisa da sorte!”

Era hora de encerrarmos nosso primeiro encontro, o Bear já estava fechando.

“Paul, você já programou ao ar livre?” Perguntei.

“A área de fumantes do shopping serve?”

“Que tal o parque?”

“Hum… desafio aceito. Quando?”

“Segunda-feira à tarde, depois das quatro, se você puder, e se nossa amiga Lina não se opor.”

Antes que Lina se manifestasse, Paul falou:

“Ela também vai? Então prefiro não ir. Ela é irritantemente adorável.”

Acho que sorrimos ao mesmo tempo.

“Eu não quero aparecer em público com um marmanjo que ainda não aprendeu a pentear o próprio cabelo.” Lina falou.

“Será um prazer passar um final de tarde com vocês duas.” Paul falou agora com sinceridade.

“Fechado!”

 

 

            Capítulo 7 – Não mexam com Link

 

Estava na minha cama, já com minha roupa de dormir, uma calça de flanela qualquer e uma blusinha cinza velha, a gola já queria fugir dela, estava descosturando, mas eu adorava aquela blusa cinza com alguns escritos desgastados em azul. Eu havia acabado de apagar a luz do abajur, acho que ia dar uma da manhã, não estava com sono. Olhava para cima e encarava o teto branco e o ventilador com as pás paradas.

Si surgiu acima de mim, com seus pequenos olhos, eu os encarei, eu sabia que ela ia falar algo, com aquele sorriso de quem está incomodada com alguma coisa e não sabe como iniciar a conversa, eu apenas aguardei.

Ela realmente não sabia como iniciar a conversa, primeiro me encarou, e me beijou, primeiro nos lábios, depois no pescoço, ela se apoiava com os dois braços ao meu redor, então a envolvi e puxei para próximo de mim, para junto do meu corpo, estava quente. Ela ainda me deu alguns beijos no pescoço.

Se eu não conhecesse Si diria que ela estava preparando o terreno antes de começar a falar, mas eu sabia que tinha apenas uma menina incomodada deitada em meu peito.

“Tem aula amanhã de manhã?” Perguntei enquanto mexia em seus cabelos.

“Tenho, mas só depois das nove.”

“Tem prova?”

“Não…” Si subia seus dedos pelo meio dos meus seios, devagar, e descia. “Você vai encontrá-los amanhã?”

“Quem?”

“Seus novos amigos.”

“Lina e Paul?” Sorri, e ela deve ter percebido, porque olhou para cima. “Sim, resolvi reunir todo mundo no parque amanhã à tarde, acho que vai ser no mínimo interessante.”

“Eles não trabalham?”

“Lina sai do banco as quatro e Paul montou uma empresa com os amigos, então ele faz seus horários.”

“E não tem maridos, namoradas, nem nada do tipo?”

“Não que eu saiba.”

Ela ficou em silêncio por um instante.

“E quando acabar seu livro, como vai ser, vai acabar o contrato e a amizade?”

“Espero que apenas o contrato.”

Acho que ela não gostou da resposta.

Ainda ficamos assim por um tempo em silêncio, e então Si saiu de cima de mim e deitou-se ao meu lado, de bruços, se cobrindo.

Não sei exatamente há quanto tempo ficávamos, um ano talvez, nunca houve nenhum acordo de exclusividade nem nenhuma conversa do tipo. Durante esse tempo fiquei com duas garotas e um garoto, ela não viu, mas soube, eu falei, e não foi grandes coisas. E ela nunca me falou se ficou com outras pessoas, mas acho que não ficou.

 

Era a segunda semana de aulas do segundo semestre, Alexandra chegou um pouco atrasada para sua primeira aula naquela manhã, seus alunos já a aguardavam na grande sala de aula, que parecia uma arquibancada de mesas e cadeiras. Discretamente enquanto caminhava até sua mesa marrom relanceou seus olhos para os alunos, que haviam mudado suas conversas animadas para alguns poucos sussurros quando a viram entrar, ela procurava pela aluna de cabelos loiros com quem havia conversado na festa de boas-vindas naquele final de semana, Kate.

A professora depositou seu material sobre a mesa, com gestos lentos, seus movimentos eram naturalmente sensuais, e então seus olhos foram de encontro aos olhos azuis de sua aluna, mas pode ver também ao seu lado um garoto, que deveria ser ainda mais jovem que sua colega, sussurrando de forma animada em seu ouvido, despertando sorrisos nela a cada sussurro.”

Acho que o escrever no parque era tão produtivo por eu não ter acesso à internet lá, eu não tinha internet móvel lá de propósito. Mas eu realmente gostava de estar ali, sobre a grama que às vezes transpassava a grossa toalha e me pinicava, debaixo de uma árvore tão frondosa e de tronco largo, num lugar mais elevado, há uns cinquenta metros do lago, um lago oval e de águas escuras, amarronzado às vezes, com pedras ao redor. O movimento maior de pessoas fazendo suas caminhadas, corridinhas, empurrando carrinhos de bebês ou cachorros, era do outro lado do lago, mesmo assim por ali também passavam algumas pessoas aleatoriamente. Mas eu gostava mesmo do movimento ao longe, de ver as pessoas andando sob às sombras disformes das árvores grandiosas do parque, nas várias pistas de saibro ou ladrilhadas. Eu ficava imaginando a vida delas depois dali, para onde iriam, que tipo de casa elas moravam, imaginava até o que estariam pensando enquanto faziam seus exercícios vespertinos respirando aquele ar semi fresco; e se quando chegassem em casa, se haveria alguém lá – felizes, aliviados, ou talvez apenas indiferentes – por elas estarem de volta ao lar.

“Desculpe o atraso.” Lina falou com um sorriso que por si só já pedia desculpas, formando sombra, de pé em cima da minha toalha na grama.

“Sem problemas, sinta-se na sua toalha.” Sorri de volta.

A cumprimentei com meu notebook sobre minhas pernas, eu tinha certo procedimento para escrever no parque. Levava uma mochila com o notebook, uma pequena almofada preta que usava para me apoiar na árvore que soltava florezinhas brancas, uma toalha de mesa marrom grossa para sentar sobre a grama, uma garrafa de água, bloco de anotações, canetas, uma maçã e um guarda-chuvas. E um patinho de borracha amarelo, ele não tinha nenhuma função específica, apenas ficava ali do meu lado, me olhando, era uma espécie de amuleto. Seguia aquele ritual duas ou três vezes por semana, e meus melhores textos geralmente surgiam ali. Ainda não havia descoberto qual elemento turbinava minha criatividade, mas estava tentada a acreditar que era alguma substância nas florezinhas brancas. E o patinho amarelo.

“Como está Alexandra hoje?” Lina perguntou, já sentada ao meu lado, ainda se acomodando, procurando uma melhor posição.

“Atrasada.” Rá! Havia acabado de escrever sobre o atraso de Alexandra.

“Cadê Paul?”

“Está mais atrasado que você.”

“Eu não entendo direito o que ele faz, com o que ele trabalha, ele faz jogos de vídeo game?”

“Jogos para tablets e smartphones.” O próprio Paul respondeu de pé a nossa frente.

“Até que enfim.” Falei.

“Até que enfim achei vocês!” Paul falou ofegante, com um notebook debaixo do braço.

“O parque não é tão grande assim, era só seguir a margem esquerda do lago, uns trinta metros depois.” Respondi.

“Mas tem dois parques na cidade.”

“Não acredito que você foi na floresta negra.” Era como nos referíamos ao outro parque, porque tinha árvores demais, basicamente só tinha árvores.

“Fui.”

“Mas… nem tem um lago na floresta negra!” Lina exclamou.

“Agora eu sei que não tem lago lá.”

“Tá bom, senta aí, tem toalha para todo mundo.” Falei.

Paul sentou-se meio desajeitado, o notebook acabou caindo do seu colo, passado o susto ele voltou a funcionar normalmente e depois nos mostrou como fazia seus jogos, a programação e as telas, Lina ficou maravilhada, acho que ela não tinha muito contato com essas coisas, tecnologia e tal, eu era um pouco nerd e já estava ambientada com todos essas terminologias e processos, mas parecia um mundo novo para Lina, e eu achava aquilo tão bonitinho.

“E onde vocês vendem seus jogos?” Lina perguntou.

“Na internet. Pelo seu tablet mesmo, tem um aplicativo onde você pode pagar e baixar em um minuto.”

“Eu não tenho um tablet.”

“Tá, então faça de conta que você tem um. Você paga com um clique, instala com outro clique, e pronto, está jogando.”

“Eu tenho tablet.” Me manifestei.

“Então já deve ter feito isso.”

“Já comprei aplicativos, mas jogos até hoje não.”

“É porque não conhece os nossos jogos.”

“Achei que você fosse rato desenvolvedor, e não marqueteiro.”

“Faço de tudo um pouco.” Paul deu aquele sorriso bobo que aparecia um pouquinho da parte de cima da sua gengiva.

Ele estava sentado de frente para nós duas, com uma camiseta azul, sem nada, fiquei desapontada, porque as outras duas camisetas haviam sido tão legais. Resolvi perguntar.

“Suas outras duas camisetas eram tão legais, essa é assim sem graça?”

Ele se virou, e estava escrito “Insert player name” em suas costas.

“Ah claro…”

“Quem nunca.” Ele falou.

“Quem nunca deixou em branco.

“Exatamente.”

“Do que vocês estão falando?” Lina perguntou confusa.

“Gamers talk.”

“Quê?”

“Papo de jogadores.”

“Ah.”

“Tá, tenho outro assunto para tratar com vocês.” Falei já tirando uns papéis da pasta transparente de dentro da mochila.

“Contratos?” Lina adivinhou.

“É mera formalidade. Como podem ver, são bem simples.” Falei já entregando suas cópias.

“Você vai postar os capítulos no blog?” Paul perguntou, ao ler uma cláusula que citava isso.

“Um por um.”

“Que legal, achei que só ia ler isso ano que vem.”

“Quando você vai postar o primeiro?” Lina perguntou.

“Espero que ainda essa semana, estão me pressionando, mas Ulisses não para de me pedir modificações.”

“O editor?”

“O nazi-editor.”

“Eu também tenho um blog.” Paul comentou.

“Deixa eu adivinhar. Sobre games.” Falei com certo deboche.

Ele me olhou sério.

“Não, não é sobre games.”

“Sobre o que é?” Lina perguntou.

“É do nosso grupo teatral, o ‘Vai ou racha’, que eu faço parte, pediram para criar um blog, e eu criei.”

“Você faz parte de um grupo teatral?” Lina falou com os olhinhos brilhando.

“É, faço, estamos voltando à atividade agora, ficamos um tempo parados, nosso diretor e mentor nos deixou…” Paul baixou a cabeça, seu semblante passou para algo bem triste. “Foi para um lugar melhor.”

“Nossa, que triste… Sinto muito pela morte dele.” Lina falou consternada.

“Mas ele não morreu.”

“Você disse que ele os deixou, foi pra um lugar melhor.”

“Sim, foi morar em Paris.”

Apenas lançamos olhares fulminantes para Paul.

“Eu fazia parte de um grupo teatral, mas encerrou as atividades… e sabe como é, fiquei de procurar outro e até hoje não fui atrás.” Lina falava mexendo em algo no meu notebook, pensativa, empurrava duas ou três teclas do canto com os dedos.

Discretamente fechei o arquivo onde estava digitando meu livro, para que ela não apagasse algo acidentalmente.

Não é uma sensação estranha? Quando você vê alguém mexendo em algo seu, e é como se estivesse, por extensão, mexendo em você? Estranha, mas agradável.

“Acabamos de retornar à atividade, se junte à nós, sem testes nem nada.”

“Sério?” Falou animada.

“Claro! Considere-se parte da trupe do Vai ou racha. Eu faço o blog, tenho direitos lá.”

Lina de fato animou-se, me senti feliz por ter indiretamente causado aquilo, e todo entrosamento adicional seria bem-vindo.

“A princípio estamos nos reunindo aos sábados, as quatro da tarde, no teatro Imperial, vai lá neste sábado.” Paul continuou.

“Você está falando sério, não está? Porque eu vou mesmo… Hey, Alice também poderia fazer parte!” Olhou para mim, com olhos esperançosos.

“Claro, eu poderia colocar vocês duas no grupo sem problemas.” Paul respondeu.

Eu apenas dei meu melhor sorriso ‘mas nem fodendo’ e completei:

“Vocês não vão querer me ver no palco…”

“Todo mundo pode atuar.” Lina falou inocentemente.

“A última vez que atuei foi numa peça no terceiro ano do colegial, eu fazia um pequeno papel de empregada da família e gaguejei em todas as falas, e ainda consegui a proeza de derrubar minha colega que fazia o papel de patroa, em cima de uma mesa de centro de vidro, que se partiu em trocentos pedaços. Ela cortou a mão, sangrou como um porco sendo abatido, a peça foi interrompida e ela levou quatro pontos.”

“Nossa…”

“Espera, não terminou!” Bradei.

Eles se assustaram um pouco.

“No dia seguinte os pais dela foram até a escola e se reuniram com a diretora, uma semana depois o estatuto do nosso colégio teve uma cláusula alterada não permitindo mais nenhum tipo de objeto ou móvel nos cenários das peças teatrais que fossem encenadas no seu interior. Daquele dia em diante as peças na escola tinham menos cenografia que o filme Dogville. Tudo por minha culpa. ”

Quando terminei de falar eles ainda estavam boquiabertos, me olhando.

“É… melhor não.” Paul falou baixinho.

“Melhor não…” Lina concordou.

“Qual é a do patinho?” Paul perguntou.

Peguei carinhosamente meu pequeno pato emborrachado com as duas mãos, e sem medo de ser taxada de ‘a louca do pato’, o fitei e falei:

“Na verdade todas as ideias são dele, eu apenas as digito.”

“Ele é seu ghost writer.” Lina sentenciou.

“Exatamente.”

“Ghost o quê?” Paul perguntou.

“Deixa pra lá.”

 

Não rendi muito na escrita naquela tarde, mas conversamos até o sol se pôr e dividi minha maçã com eles, eu nunca havia dividido minha maçã com ninguém antes. E senti que algo havia se criado naquela tarde, um vínculo, um elo, ou talvez apenas alguma ligação afetuosa, não sei, algo humano havia se formado entre nós, eu não sabia o que era, mas sabia que era algo que nascera predestinado a tomar formas maiores com o tempo. O quê, e com quem, bom, eu não tinha a menor ideia.

 

“Espera, como é o nome da empresa dele?” Bernardo fez a pergunta retórica, arregalado, do meu sofá. Era quarta-feira.

“Alpha Games, já disse.” Respondi largada do meu pufe branco. Maria estava no sofá ao lado dele sem entender direito o que se passava. Si estava no meu computador entretida.

“Ele te falou isso?”

“Não, eu vi no Facebook dele.”

“Você tá de zueira…”

“Por quê? Essa empresa tá metida em algum escândalo? Esquema de lavagem de dinheiro?”

“Não, essa empresa é só tipo, uma das maiores empresas de games para tablets do mercado nacional. Eu tenho um game deles instalado no meu.”

“Então é uma empresa grande? Mas ele disse que era uma empresa que abriu com os amigos.”

“E que deu certo, porque é uma das mais famosas.”

“Isso significa…” Maria perguntou.

“Que seu novo amigo é bem riquinho.”

“Por que será que ele escondeu isso de nós?” Questionei um pouco incomodada.

“E por que ele tem que sair falando por aí que tem grana?” Maria o defendeu.

Ok, Maria tinha razão, às vezes ela tinha.

“Isso muda alguma coisa no processo seletivo?” Bernardo falou com certo sarcasmo.

“Claro que não.” Eu ainda processava a informação, estava lenta nas respostas. “Não muda nada, tivemos uma tarde ótima na segunda-feira, no parque. Nós três tivemos uma convivência bem… agradável. Paul é uma figura… ele sempre tem alguma piada ou comentário para tudo… Vamos novamente amanhã.”

“Eu ia perguntar como havia sido a tarde com eles, rendeu?” Bernardo falou.

“Mais do que eu imaginava.”

“Então terminou o capítulo?”

Jura que ele estava falando do livro?

“Não consegui escrever muita coisa, mas não tem problema, já estou finalizando, devo postar o primeiro capítulo sábado.”

“A Kate do livro tem amigos tão descolados quanto nós?” Maria se manifestou.

“Ela tem amigos tão infantis e metidos quanto os meus.” Falei, recebendo almofadas atiradas na minha direção.

“Seu amigo infantil e metido aqui quer saber se você lembrou de convidá-los para a festa do meu aniversário na sexta.” Bernardo falou.

“Lembrei sim, eles disseram que vão.”

“E lembrou de avisá-los que por ser uma sexta-feira treze é festa a fantasia, não é?”

“Droga, sabia que tinha esquecido alguma coisa.” Falei dando um murro de punho fechado no pufe.

“Porra Alice.”

 

Cheguei um pouco mais cedo no salão de festas do prédio onde Bernardo morava, para ajudá-lo na decoração sexta-feira treze aterrorizante que ele tentava fazer, enchendo o teto com esqueletos plásticos enormes pendurados.

“Ninguém vai se locomover ou ver algo na sua festa com esses esqueletos pendurados, vamos melhorar isto.” Falei arregaçando minhas mangas marrons, eu estava fantasiada de Link, do jogo Zelda. Mas não estava de orelhas pontudas, para algumas coisas em nossa vida tem que haver limites. Mas estava lá com minha roupinha e gorro verde, com as tiras de couro marrom por cima e o escudo.

Em uma hora eu havia redecorado o ambiente, com os esqueletos mais ao canto, alguns morcegos e aranhas estrategicamente espalhadas. Alguns poucos convidados já estavam no local quando algo verde, grande e estranho tentava entrar pela porta, fui até lá tentar ajudar e percebi que aquele arbusto na verdade era Felipe. Bernardo, já paramentado como o homem de ferro vem até nós e ajuda o arbusto ambulante a adentrar o ambiente sem derrubar a decoração. Quem vem à uma festa a fantasia vestido de arbusto?

Maria veio logo em seguida e parecia ter esquecido que a festa era temática, usava apenas um vestido verde simples, justo e razoavelmente curto, e seus cabelos ruivos soltos.

“Esqueceu a fantasia ou não quis participar da tradição?” Perguntei ao vê-la.

Ela se aproximou e falou:

“Sou a hera venenosa.” E deu uma piscadinha, sorrindo.

Ok, ponto para a criatividade de Maria.

Enquanto eu estava num canto falando no celular com Si, que me explicava o porque de não poder vir, tinha uma prova na manhã seguinte, eu vi entrando Paul e Lina. Provavelmente apenas uma meia dúzia ali naquele lugar saberiam o que era a fantasia de Paul, era do jogo Skyrim, aqueles chifres eram inconfundíveis. E Lina, bom, eu ainda estava um pouco incrédula se ela estava vestida do que eu estava pensando, era um vestido azul e branco.

Eles cumprimentaram Bernardo e seguiram até o cantinho onde eu ainda falava no telefone, na verdade apenas ouvia Si falando ‘você ainda está aí?’.

Aguardaram eu finalizar a ligação e me saudaram, cheios de sorrisos.

“Paul se isso aqui fosse um concurso de melhor fantasia, você seria um dos jurados.” Falei o fitando, estupefata com a perfeição da sua paramentação, todas aquelas partes de couro, penugem, metal. “A propósito, o pessoal que desenvolveu o jogo me ligou pedindo sua roupa de volta.”

“É… ficou legal né? Mandei trazer do Canadá.” Falou orgulhoso, batendo com a mão em alguns detalhes, ele segurava uma espada.

“Eu não faço ideia do que é a fantasia dele, mas também achei sensacional.” Lina completou, ao seu lado.

“E você… não é o que estou pensando, é?” Falei para ela.

Ela riu e baixou a cabeça.

“É?” Insisti.

“Você me avisou em cima da hora que a festa era a fantasia, e eu só tinha essa fantasia, não tive tempo de providenciar outra.”

“Então você está vestida de mim no país das maravilhas?”

“Estou, tem duas Alices na festa hoje, espero que não se importe com a concorrência.”

“Eu? De forma alguma, mas apenas uma sobreviverá até o final da noite.” Falei com um semblante psicopata.

“Estou vendendo a minha espada, é de quem pagar mais.” Paul falou erguendo sua espada, que parecia genuína.

“Não preciso, tenho meu escudo.” Retruquei.

Maria se aproximou trazendo dois copos e me entregou um.

“Olá pessoas.” Os cumprimentou. “Si não vem?”

“Tem prova amanhã cedo.”

“Sábado?”

“É prova do curso de francês, alguma espécie de prova final.”

“Bom, ações expressam prioridades, não é o que diz o ditado popular?”

“Na verdade foi Gandhi que falou isso.” Lina a corrigiu.

“Que seja.” Falou e bebeu seu copo quase inteiro.

Um pouco mais tarde e alguns coquetéis depois, meus novos amigos já estavam totalmente socializados com o restante do pessoal, mas acabaram voltando para perto de mim, e resolvemos ir para a parte externa do salão, onde um grupo fumava e bebia animadamente.

“Muito, muito melhor aqui fora…” Paul falou ao se recostar numa mesa.

“Deve estar fazendo uns cinquenta graus aí dentro, não?” Era visível que Paul suava dentro daquela fantasia toda.

“Por que não tira esse capacete que parece uma mistura de carneiro, gladiador e satan?” Lina sugeriu, do alto da meiguice que sua fantasia sugeria, até os sapatinhos pretos brilhosos, com a meia branca ela trajava, e uma tiara com laço preto nos cabelos.

“Claro que não, minha fantasia perderia sua identidade.”

Eu também estava gostando do frescor do lado externo, e bebia displicentemente meu copo com algo bom e vermelho dentro, quando um dos caras que fumava no grupo ao nosso lado esbarrou nas minhas costas, se bem que pareceu mais uma trombada… Enfiei o copo no meu rosto, derramando todo o líquido na minha fantasia novinha em folha.

Ele apenas deu uma olhadela para trás, com um risinho, e voltou a conversar com seus amigos. E não usava fantasia alguma, não sei quem era, mas começava a acreditar que aquele pessoal, ou pelo menos parte deles, não eram convidados da festa.

“Que babaca mal educado!” Bradei, tentando me enxugar.

Ele virou-se para nós com uma cara enfezada, e ele era um cara grande.

“Falaram alguma coisa?” Ele perguntou.

“Sim, que você é um babaca mal educado.” Paul respondeu, com ares zangado.

“Sequer pediu desculpas!” Lina completou, também parecia revoltada com o cara grande.

Fiquei meio preocupada, e sem ação.

“Ah que lindo, uma branca de neve e um chifrudo defendendo essa gnomo que não sabe manter a boca fechada.”

“Do que você me chamou? Gnomo é sua vó, nunca jogou Zelda não?” Respondi, agora também irada.

“Peça desculpas para ela!” Lina bradou.

“Você não quer conhecer a ira do chifrudo aqui.” Paul disse.

Sinceramente não ouvi direito tudo que foi falado por nós três, o cara grande e seus quatro amigos. Foi tudo ao mesmo tempo, por uns dois minutos. Mas não foram palavras de carinho nem motivacionais.

A discussão exaltada teve uma interrupção abrupta quando Paul sacou sua espada, e se ela realmente tinha fio de corte ou não, tanto faz, os caras se calaram e deram um passo para trás. Eu empunhei meu escudo, mesmo ele sendo de plástico, nunca se sabe. Coincidentemente foi nesse momento que Bernardo também veio para o lado de fora, talvez tenha percebido o fuzuê que rolava ali.

“Alice!”

Eu e Lina olhamos para trás, afinal hoje ela também era uma Alice.

“Tá tudo bem aqui?” Bernardo falou meio confuso.

Paul e eu baixamos nossas armas, e todos se entreolharam. Não sei como chegamos neste ponto, mas neste momento me dei conta que de fato havia feito dois novos amigos. E era engraçado constatar isso olhando para um cara vestido com chifres e muito couro, e uma Alice que havia sido confundida com a branca de neve.

 

 

            Capítulo 8 – Touché

 

Duas semanas haviam se passado desde o aniversário de Bernardo, que felizmente terminou bem apesar da indisposição que tivemos com aqueles penetras. É, descobrimos que aqueles babacas mal-educados não eram convidados, eram apenas conhecidos de um dos convidados, quanta petulância hein? Por sorte eu tive um Dovahkinn – eu descobri o nome do personagem do jogo Skyrim o qual Paul estava caracterizado, e uma Alice número dois me defendendo deles. E consegui tirar a mancha vermelha da minha fantasia verde.

Talvez aquela noite tenha sido algum divisor de águas, que eu ainda não sei explicar exatamente do quê, mas nestas duas últimas semanas tive alguns encontros com Lina e Paul, geralmente no parque à tarde, e todas as vezes que estamos juntos é como se uma algo químico finalmente reagisse, com a junção dos três elementos. Bom, não me encontrei apenas com um deles separadamente neste período, então não sei se essa reação química também acontece quando somente dois elementos são aproximados. Veremos.

Além de nossas tardes produtivas no parque, umas seis ou sete vezes até agora, às vezes com o Almodóvar, as vezes sem, os convidei para o Bear outra vez na semana passada, e a noite terminou com um improviso no palco, raptamos os instrumentos da banda que havia se apresentado e nós três, eu no baixo, Paul na guitarra e Bernardo no vocal, fizemos uma apresentação impecável de uma música e meia. Não deixaram terminar a segunda música, mas estávamos indo muito bem. Fomos ao cinema uma vez também/, nesse dia todo mundo foi, inclusive Si.

Hoje, sexta-feira, os convidei para vir a minha casa à noite, para muito vinho e sexo. Mentira, era para cerveja e vídeo games. Chamei todos, mas apenas Bernardo topou, além da minha nova dupla preferida, que já havia confirmado. No final da tarde, quando Si ligou dizendo que não viria à minha casa hoje à noite eu senti um certo alívio não intencional. Voltei ao computador e alguns minutos depois olhei demoradamente para o celular, acabei ligando de volta para ela, perguntando se ela tinha certeza que não queria vir.

“Prometo que não terá apenas vídeo game.” Insisti.

“Eu sei honey, não é por isso, é porque amanhã realmente tenho que acordar cedo, tem a apresentação de balé da minha irmãzinha, que inclusive convidei você para ir também.”

“Eu lembro que você convidou, mas é praticamente um crime hediondo acordar as sete horas num sábado.”

“Tudo bem, mas eu pretendo cometer esse crime hediondo, e se eu for aí hoje à noite é bem provável que não consiga honrar com a promessa que fiz à minha mãe e a minha irmã.”

Me senti um pouco melhor depois de desligar o telefone, mas foi quando li a mensagem engraçadinha de Paul no meu Facebook que finalmente um sorriso me foi arrancado.

Era a foto de uma capa de chuva, que ele disse que levaria para mim hoje à noite, e eu havia respondido perguntando ‘para quê?’

“É para a chuva de gols que você vai levar.”

A noite estávamos nós quatro nos revezando entre cervejas, o sofá, pufe e joysticks. Lina não jogava, mas as vezes assistia um pouco, e num momento em que a dupla dominando o console era Bernardo e Paul, eu dividi o pufe com ela.

“Sempre gostei de assistir, mas não jogar.” Lina me falou, reflexiva, olhando para a grande TV à sua frente, mais à direita.

“Nunca teve vontade?” Respondi, no mesmo tom confessional, baixo, que ela usara.

“Não, acho que não sou competitiva…”

“Tem alguns jogos, que você não compete pra valer, sabe? Você tem missões, objetivos, não precisa correr contra o tempo, derrotar inimigos, nada disso, quem sabe desses você goste.”

“Tem?”

“É, tem, são mais tranquilos./”

No sofá ao nosso lado Paul e Bernardo praticamente se digladiavam com termos não muito lisonjeiros entre si, empolgados com o jogo.

“Acho que estou entrando num caminho sem volta não?” Ela falou novamente em tom confessional.

A olhei de lado, com as sobrancelhas baixadas, sem entender.

“Como assim?”

“Vou acabar virando também uma gamer, não é assim que se fala? Estou cercada por todos os lados agora.”

“É… gamer.” Dei um sorriso e voltei a olhar para a TV, ainda sorrido.

“Eu gosto um pouco, é bom para limpar a mente, descarregar o estresse. Esses dois aqui acho que levam um pouco mais a sério.” Continuei.

“Eu quero a revanche!” Paul bradou do nosso lado.

“Levam sim…” Lina concordou.

“E também é porque eu tenho dois irmãos mais velhos, então… bom, você pode imaginar a quantidade de vídeo game que joguei com eles na nossa infância, às vezes sob chantagem emocional. Você tem irmãos? Sabe como é né…” Falei.

“Não, não tenho. Onde estão seus irmãos agora?”

“Moram no interior do estado, numa cidade vizinha à dos meus pais.” Respondi.

“Da cidade onde você veio?”/

“Uhum. E você, de onde veio? Qual planeta?”

“Daqui da capital mesmo.”

“Ah, e seus pais devem morar por perto então.”

“Apenas meu pai.”

“E sua mãe?” Eu sou uma curiosa desenfreada.

Lina mudou seu semblante, fechou um pouco.

“Ela já faleceu.”

“Desculpe…” Tentei, devo ter feito uma cara de ‘ooops foi mal’.

“Tudo bem, tem alguns anos já.”

Ok, hora de matar a conversa, ela parecia realmente entristecida por eu ter tocado neste assunto. Por sorte – na verdade não sei se posso chamar isso de sorte, porque estava tão bom dividir um pufe nem tão gigante assim com Lina – os meninos me chamaram, era minha vez de assumir um joystick.

Um pouco depois da meia-noite Bernardo foi embora, Lina estava sonolenta no pufe enquanto eu e Paul nos enfrentávamos ferozmente no jogo de futebol, estava acirrado, mas eu precisava fazê-lo engolir aquela foto da capa de chuva que ele havia me mandado à tarde.

“O pufe está me matando, me deixem sentar no sofá, eu não sentei nem um segundo aí hoje.” Lina pedia.

“Dorme lá na minha cama se quiser.” Falei.

“Ou dorme no pufe mesmo.” Paul respondeu.

“Não quero dormir, eu quero sentar no sofá.”

Pausamos o jogo e à olhamos ao mesmo tempo.

“Ok, mas não atrapalhe nosso jogo.” Falei em tom de brincadeira com fundo de verdade.

Abrimos espaço e ela sentou-se no nosso meio. Em uns vinte minutos – ou menos – Lina estava com a cabeça caída para trás e a boca entreaberta, dormindo.

“Não falei que ela ia dormir?” Sussurrei para Paul.

“Você apostou que ela dormiria em uma hora, eu apostei meia hora, ganhei.” Paul respondeu, também sussurrando.

“Contente-se em ganhar apost/as hoje, meu caro Paul.”

Jogamos mais alguns minutos e pausei o jogo. Dei uma olhada em Lina e falei metodicamente.

“Ok, vamos deitá-la senão ela vai acordar com um baita torcicolo.”

“Deitá-la aqui? Como vamos jogar?”

“Você fica com as pernas, dá pra jogar por cima.” Falávamos tudo em sussurros.

“Tá bom, o que eu faço?” Paul falou largando o controle.

“Ok, erga as pernas dela e puxe para cima das suas, eu vou deslizá-la para o meu lado, mas faremos ao mesmo tempo, entendeu?”

Ele apenas confirmou com a cabeça. E fizemos conforme o planejado, a deitamos de lado sobre nós, mas ela meio que acordou no meio do processo.

“Ãhn?” Ela resmungou.

“Pode continuar dormindo.” Falei, com ela já deitada sobre minhas pernas.

“Não estou dormindo…” Ela balbuciou de volta.

“Imagine se estivesse.” Paul retrucou.

E continuamos jogando, com um pouco mais de dificuldade porque agora tínhamos uma pessoa dormindo sobre nossos colos, eu estava praticamente com meus braços por cima dela, mas era uma cena no mínimo curiosa.

“Foi pênalti!” Bradei com sussurros, gesticulando.

“Se o juiz não deu não foi.” Paul respondeu.

“Carrinho por trás dentro da área e não foi pênalti? Tem bug nesse jogo, só pode!”

“Nem sempre o carrinho por trás é falta, esse nem pegou nas pernas do jogador!”

“Juiz ladrão!”

“Pode xingar, ele não vai te ouvir nem consultar o quarto árbitro.” Debochou.

“Tá na regra da Fifa, desde noventa e oito carrinho por trás é cartão vermelho, então tinha que ser no mínimo pênalti!”

“Ele foi na bola, você não viu não? Tá na hora de trocar esses óculos!”

Tudo isso sendo proferido praticamente sem o som de nossas vozes, mas com gesticulação.

“Foi na bola e derrubou o…” Paramos de falar quando percebemos que Lina havia se mexido, e a olhamos.

“Acordou?” Ele perguntou.

A olhei mais um pouco.

“Acho que não.”

A observamos mais um instante, para se assegurar.

“Quatro a três, ganhei!” Ele voltou a bradar quase silenciosamente.

“Ganhou porra nenhuma, foi pênalti!”

E a noite terminou assim, tivemos que acordar Lina as três da manhã, porque queríamos sair do sofá. E Paul ganhou de mim no futebol.

 

Na terça fui ao parque, e agora não marcaríamos mais, quem quisesse ir lá simplesmente iria, e se desse sorte, encontraria os outros dois por lá. Uma roleta russa de parque? Talvez. Mas lógico que deixei avisado que eu tinha o hábito de ir às terças e quintas. Às vezes as segundas também, mas daí dependia de como o domingo havia terminado. E nada nos impedia de trocar mensagens entre nós também.

Naquela terça era apenas eu e Lina no parque, estava meio nublado e apesar de ser o primeiro dia de outubro estava um pouco frio. Havia desistido de ficar recostada na árvore, estava deitada com a cabeça sobre a almofada preta, e com o notebook sobre meu abdome.

“O que você está lendo?” Olhe/i pela lateral o notebook e perguntei para Lina, que estava entretida com seu livro de capa escura, sentada ao meu lado, com as pernas cruzadas.

“A casa dos espíritos.”

“É mesmo? É bem bom.”

“Também acho.”

“Já leu?”

“Ahan.”

“Está lendo de novo?”

Ela baixou o livro e me fitou sorrindo.

“Não, aqui dentro do livro estou escondendo palavras cruzadas, porque não quero que você descubra que todas as vezes que venho ao parque é para, de fato, fazer palavras cruzadas.” Falou com um sorriso debochado.

“Ufa, achei que você estivesse escondendo um livro de piadas.” Ergui meus óculos. “Ou então Cinquenta tons de cinza.”

“Já li.”

Eu apenas a olhei, tentando decifrar se ela estava falando sério ou não.

“É ruim, não recomendo. Mas tem algumas sugestões interessantes, fiz anotações.”

Ela falava de forma séria.

“Bom, eu ainda não li.” Respondi.

“Não perca seu tempo, se quise/r te passo as anotações depois.”

Como se diz mesmo? Eu ruborizei.

“Alguém que leu Crepúsculo e teve ideias de sexo com dominação, não é?”

“Dizem que sim.” Lina ainda me encarava com seu livro baixado.

Ela estava de cabelos soltos, colocados atrás das orelhas, usava um casaco fino, branco. O clima nublado não tirava a cor incrivelmente clara e faiscante de seus olhos, mas deixava indefinido.

“Posso deitar em você?” Ela me pediu, me surpreendendo de tal forma que foi inevitável o:

“Ãhn?”

“Ficar lendo sentada assim está doendo as minhas costas. Se você não se importar, posso deitar em você?”

“Claro.” Eu continuava deitada e me senti um pouco egoísta por não ter oferecido minha almofada ou algum conforto adicional à ela, nem minha mochila eu havia a oferecido.

Subi um pouco meu notebook e Lina deitou sua cabeça na minha cintura, eu apenas a observei se acomodando. Eu usava uma jaqueta de nylon vermelha, estava bem aquecida, mas ela acho que não estava tão bem aquecida assim.

Lembram quando perguntei se aquela reação química aconteceria apenas com dois elementos? Não, aquela reação química não aconteceu apenas com a presença minha e de Lina, mas todo mundo já deve ter estudado química na escola, e sabe que dois elementos também podem ter uma reação bem diferente se combinados entre si, sem um terceiro elemento. E uma outra reação acontecia ali, diante dos meus olhos.

Lina abriu novamente seu livro e voltou a lê-lo, mas eu não consegui voltar a escrever em meu notebook, por mais que eu encarasse aquela tela e teclados, tudo que passava por minha cabeça era o peso, confortável, de Lina em mim.

“Está ruim? Posso deitar em suas pernas, se for mais cômodo.” Ela tentava.

“Não, por mim está tudo bem.”

“Quando vai postar o segundo capítulo?” Ela perguntou.

“Talvez neste final de semana, se Ulisses não pedir duzentas alterações.”

“Por que ele se mete tanto no seu texto? Não é seu livro? Se confiaram em você deveriam deixar você trabalhar sem ninguém se /metendo.”

“Repita tudo que acabou de falar, mas desta vez vou gravar e mostrar para o editor chefe, Robério.” Falei em tom de brincadeira.

“Não conheço Ulisses, mas imagino que seja alguém difícil de lidar.”

“Você não faz ideia… e ele deve ser um fã de carteirinha de Cinquenta tons de cinza, ele vem tentando transformar meu livro em algo do tipo desde o início.”

Coloquei o notebook ao meu lado, e a encarei. Ela virou-se um pouco, na minha direção.

“Não deixe que digam o que você deve fazer, ou escrever. Eu li o primeiro capítulo, está bom, mas não tão bom quanto seus outros textos.”

“Você leu meus outros textos?”

“Li bastante coisa do seu blog, depois de algumas horas tentando descobrir como se fazia isso.” Ela sorriu.

Eu já falei que quando ela sorria formavam-se curvinhas abaixo de suas bochechas? E que eram curvinhas hipnotizantes?

“Ulisses pediu várias alterações, mas estou tentando não ceder tanto neste segundo capítulo.”

“Siga seus instintos. Quando vocês escrevia sem pressão, por prazer, seus textos eram tão leves e verdadeiros… mesmo que eu não te conhecesse, eu saberia muita coisa sobre você apenas os lendo.”

“Quando o segundo sair, você vai ler e vai me dizer se está menos tesourado pelo meu nazi-editor, combinado?”

“Não está aí? Posso ler?”

Dei um sorriso meio sem graça,/ era tão difícil dizer não para Lina.

“Não gosto que leiam antes de estar pronto. Nada pessoal, é uma mania minha, que só pode ser lido depois de revisado e postado. Desculpe…”

“Sem problemas, só me avise quando postar no blog então.” Virou-se novamente para cima, como estava antes, assim que deitou-se em mim.

Eram sensações estranhas, confesso. Mas era muito, muito bom, ao mesmo tempo. Era como… andar de montanha russa de parquinho de interior. Não sei, mas o frio na barriga era semelhante, porque você sente frio na barriga o tempo inteiro, achando que seu carrinho precário vai se desmontar e sair voando. A cada movimento dela, cada passada de página, eu a sentia, quente, em minha pele, mesmo ela estando duas camadas de roupas acima de mim.

“Você joga handebol?” Ela baixou novamente o livro.

“Jogava na escola, um pouco. Mas levava pancada a torto e a direito.”

“Quer ir num dos meus treinos?”

“Assistir?”

“Sim, mas sempre tem vaga para quem está de fora, então…”

“Adoraria apenas assistir.”

“Quinta-feira, as sete no ginásio municipal.”

“Quinta? Hum…”

“Ok, eu aguardo você consultar sua agenda.”

“Tá.”

“Consultou a agenda?” Ela riu.

“Combinado, quinta as sete.”

“Mas vá com roupas que dê para jogar, em caso de precisarmos de alguém no coletivo.”

“Sabe quanto tempo não encosto numa bola dessas?”

“Você já encostou, isso que importa, handebol não se esquece.”

Ela virou-se novamente sobre meu ventre, sorrindo e me encarando com aqueles lábios grandes e obscenos, que tiraram de uma vez por todas o resto de possibilidade de eu escrever algo para meu livro naquela tarde. E tudo que eu tinha para oferecer em troca era meu rosto quadrado.

“Posso levar você ao tiro também, qualquer dia desses, e falo sério dessa vez.”

“Primeiro o handebol, depois pe/nsamos no tiro esportivo. Quem sabe Bernardo queira ir também, acho que ele gosta.”

“Perfeito, o convide, e vamos nós três.”

Eu sustentei seu olhar por um instante.

“Como uma pessoa como você não casou e teve quatro filhos?”

Acho que pela primeira vez, eu a havia pego de surpresa.

“Você não sabe.”

“Casou?” Perguntei intrigada.

“Casei. E descasei logo em seguida. Não era o cara certo.”

“Não deu tempo de ter quatro filhos.”

“Não.”

“Desistiu do casamento? Não quis casar de novo?” Eu estava bem ousada hoje.

“Ainda não.”

“Hum…” Balancei a cabeça devagar.

“Hum?”

“Mas teve namoros depois do casamento?”

“Você já namorou?” Ela resolveu mudar o jogo.

“Sim.” Falei com convicção. “Bernardo foi meu namorado.”

“Sério?”

“Ahan, por quase dois anos.”

“Por que está solteira agora?”

Engraçado, ela me viu ficando com Si duas vezes, e mesmo assim me fez essa pergunta. Ela deve ter percebido que entre eu e Si não rolava nada sério.

“Você está devolvendo a primeir/a pergunta que te fiz?” Aquilo estava ficando intrigante. E interessante.

“Sim.”

“É uma pergunta bem capciosa.”

“Que bom que você sabe disso.” Ela sorriu com malícia.

“Mas minha pergunta foi diferente.”

“Por quê? Porque sou quase dez anos mais velha que você eu deveria estar casada e ter quatro filhos?”

Touché.

E ela era boa nisso.

“Não. Eu fiz essa pergunta porque não entendo como uma pessoa interessante, bonita e perspicaz como você ainda não foi definitivamente fisgada e removida do mercado.”

Touché.

E ela riu.

“É agora que eu falo aqueles clichês de que não apareceu a pessoa certa e bla bla bla?”

“Já apareceu alguém que você achasse que era a certa? Já que estamos falando de clichês…”

“Sempre achamos que é a certa.”

Olhei para o lado, mexi numa folha seca caída, porque eu não concordava com o que ela acabara de falar, mas não sabia se tinha intimidade o suficiente para discordar.

“Sempre preferi o raciocínio inverso.”

“Qual?”

“Começar sem expectativas.”

Acho que ela se decepcionou com meu pensamento. Tudo bem, eu também achava algo bem triste e pessimista de se pensar.

“Não é logicamente errado, só é… morno demais para um início. E os inícios são as melhores partes.”

Eu simplesmente balancei a cabeça concordando.

“Talvez você tenha razão…” Falei pensativa.

“Não tem problema criar um pouco de expectativa, afinal quase tudo é mistério, e você, como escritora, não concorda que o mist/ério é a chave de tudo?”

Ela havia levado a conversa para um lado tão confortável agora, que eu nem lembrava que há menos de um mês atrás ela era apenas uma simples desconhecida numa cafeteria. Eu queria contar sobre todos os relacionamentos que tivera, tudo que deu errado, as expectativas que não criei e as que destruí, mas fiz um esforço e voltei a realidade.

“Bem lembrado, acho que preciso bolar passados sombrios para os personagens do meu livro, para criar mais mistério.”

“Ulisses que pediu?”

“Não, meus personagens estão pedindo.”

Foi a vez de Lina me fitar de forma pensativa, aquele instante em que alguma pergunta é formulada e repensada.

“Por que uma triângulo amoroso?”

“Antes de qualquer coisa, não é um fetiche meu.”

“Mas isso não responde a pergunta.”

Eu queria me ajeitar um pouco, mas preferi não me mexer para não mexer com ela, então só coloquei uma mão por baixo da cabeça e dei um meio sorriso.

“Não sei ao certo… achei que poderia ser divertido lidar com essa ambiguidade.”

“Da bissexualidade, mas ao mesmo tempo.”

“É… exato.”

Eu tinha algumas outras razões para ter escolhido escrever esta história, mas não era conveniente que Lina soubesse. Nem vocês.

 

 

            Capítulo 9 –  Gol sangrento

 

Eu preciso contar uma coisa para vocês: eu não estou contando tudo sobre mim.

Dito isto, tem algumas informações que, estas sim, não me importo de dividi-las. Bernardo é a pessoa que mais me conhece nos dias atuais, que mais sabe de mim, e sobre mim. Talvez eu até conviva mais com Maria, mas – como já mencionei – Bernardo era o mais mulher dos meus amigos. Ele prestava atenção, se importava pra valer. Não que Maria não se importasse, mas ela tinha outra personalidade, outra visão de mundo e outro ritmo.

E dizem que velhos amigos são como nosso espelhos, então…

Ontem no parque, quando estava incrivelmente confortável, eu contei para Lina dos namoros que tive. Três. Otávio Júnior no ensino médio, Bernardo no colegial e Gabriela na faculdade. Parece até que só namoro quando estudo, um por grau escolar. Estou até pensando em fazer uma pós ou mestrado para ver se acabo namorando de novo…

Já me apaixonei algumas vezes, mas nenhuma das vezes que me apaixonei foi por Otávio Júnior, Bernardo ou Gabriela, ou seja, foram apenas relacionamentos. Otávio Júnior hoje em dia é militante das causas GLBT e casou com um outro companheiro de causa, continuo vendo seu perfil nas redes sociais porque ele e o marido não param de postar fotos em praias ou sem camisa, e digamos que… eles estão de parabéns. Bernardo se tornou meu melhor amigo e publicitário, e Gabriela, bom, a última notícia que tive é que estava fazendo algum trabalho social em algum país africano.

E eu… agora eu sei que o comodismo é como um óculos de lentes velhas, você acostuma-se com o bom, e não enxerga que existe o melhor.

 

Ainda não acreditava que estava entrando no ginásio municipal munida de shorts, camiseta, tênis e um abrigo. Mas, como num mantra, repetia para mim que não entraria em quadra, apenas assistiria o treino de handebol naquela noite. Sentei num degrau no meio da arquibancada e me recostei, aquele concreto estava gelado. Não tinha praticamente ninguém ao meu redor, mas algumas garotas – fortes, e a maioria bem interessante – já se aqueciam na quadra amarela e laranja. Menos Lina.

Assim que saquei meu celular para começar a pentelhar meus amigos com mensagens eu a vi entrando apressada na quadra, já uniformizada como suas colegas, tênis azul, meias brancas, shorts justos pretos, uma camisa amarela e o cabelo preso. Ela cumprimentou o pessoal que estava sentado no chão se alongando e ergueu a cabeça, sorriu quando me encontrou. Atravessou a quadra e me chamou na cerca.

“Eu apostei com Paul que você viria com roupas para jogar, ele apostou que não. Você não se importaria se eu tirasse uma foto sua com o celular depois, não é mesmo?” Ela falou e riu.

“Agora virei motivo de aposta? Perfeito.” Falei fingindo revolta.

“Foi brincadeira nossa, saiba que estou contente por te ver aqui, que legal que você veio e mais legal ainda que veio pronta para jogar, sério.”

“Só em último caso.”

“Tá bom, se faltar gente no coletivo te chamo para aquecer, combinado?”

“Não lembro como se faz isso.”

“Corra, lembra como se corre?”

“É umas das poucas coisas que ainda faço.”

“Ótimo. Tenho que voltar lá, estou atrasada, mas venho te buscar depois. Promete que não vai fugir?”

Nem que uma bomba atômica caísse ali eu fugiria daquele monte de mulheres bonitas com shorts curtos.

“Prometo.”

Eu gostava de handebol. Não era o meu esporte favorito para praticar, mas na escola até me saia bem. Não sou alta, com meus um metro e sessenta e cinco eu me enfiava nas barreiras adversárias e acabava pegando a goleira desprevenida. Eu preferia atletismo, correr, saltar e pular, e hoje em dia é o único exercício que faço, correr de vez em quando. Saltar e pular apenas no vídeo game.

Eu já havia treinado futebol de salão na época do colegial então conhecia a rotina. Alongamento, aquecimento, alguns exercícios com a bola, treinos táticos, fundamentos, algumas jogadas ensaiadas e por fim, o jogo coletivo. Elas já estavam na parte das jogadas ensaiadas, uma hora e meia já havia se passado e eu acompanhei tudo atentamente, nem mexi no celular. Ok, tirei algumas fotos, mas não é todo dia que você assiste um treino de handebol feminino, era bom quebrar a rotina, precisava registrar o acontecimento.

Pelo que entendo do esporte, Lina era uma armadora, ficava ali no miolo, comandando. Acho que ela era uma boa jogadora, mas não tenho muito no que me basear para tirar conclusões acerca disso. As outras jogadores me pareciam tão brutas, tão automáticas, e Lina parecia ter mais leveza, talvez por sua função, de armar as jogadas, definitivamente eu preferia o estilo de jogo dela. Mas talvez eu seja suspeita para falar.

Se eu tivesse feito metade do que ela havia feito até agora, já estaria convulsionando com falta de ar, a caminho do hospital, mas as meninas tinham bastante energia, e Lina estava esfregando seus dez anos a mais na minha cara, lindamente.

Às vezes, entre uma jogada e outra, ela dava uma olhada rápida na minha direção, talvez para se certificar que eu não fugira, mas não importa, eu gostava daquilo. Algumas olhadelas até vinham com um sorrisinho de brinde.

O treinador as chamou e conversava com elas, quando ela olhou para trás, para mim, e então veio novamente na grade.

“Você tem três minutos para se aquecer, tá faltando uma no nosso time.”

“Você tá falando isso só para me ver sofrer.” Respondi incrédula.

“Eu estou falando sério, só ficou seis no nosso time, venha, fica de ala direita, só pra encher o lugar, não precisa fazer nada.”

“Se não preciso fazer nada porque eu deveria entrar então?”

“Quando te passarem a bola, você encontra alguém com o colete da mesma cor que o seu e passa a bola de volta, combinado?”

“Acho melhor não, tem cem anos que não jogo…”

“Dois minutos e meio para se aquecer. Venha, te ajudo.”

“Eu vou ser massacrada.”

“Fique na ala direita, fuja das grandalhonas e nada de ruim te acontecerá, prometo.”

A fitei por um instante, hesitação era meu nome do meio naquele momento, mas Lina e seu incrível poder de convencimento me tiraram da arquibancada e quando percebi já estava dentro da quadra tendo meus braços sendo puxados para trás por ela.

Alonguei mais um minuto, corri dois, tirei meu abrigo e vesti meu colete verde. Ver Lina também com o colete verde fez eu me sentir melhor, não sei se protegida era a palavra correta, porque a maioria das garotas com colete laranja eram maiores que ela, mas diminuiu um pouco minha tremedeira e taquicardia.

Entramos na quadra e segui a orientação de Lina, fui para a lateral direta da quadra e era por ali que pretendia ficar até o apito final. Quem me passasse a bola receberia de volta, caso eu não achasse alguém disponível, simples assim.

Quando o treinador deu o apito inicial me senti num estouro de boiada, com aquelas mulheres encorpadas e suadas correndo ao meu redor, lutava para localizar o único rosto amigável no meio daquela selvageria. Talvez eu esteja exagerando um pouco, mas eu estava realmente assustada naqueles primeiros minutos e torcia para que ninguém me passasse a bola.

Houve alguma confusão ou falta do outro lado da quadra e Lina veio falar comigo.

“Vai sobreviver ou quer sair?”

Acho que ela sabia que no fundo eu estava um pouco perdida ali. Mas esporte para mim é como vídeo game, e eu sou competitiva. Eu estava ali dentro, não estava? Ficaria até o fim. E sabe do que mais? Já estava ficando irritada que praticamente ninguém passava a bola para mim.

“Vou até o fim.” Respondi com determinação.

Ela sorriu, acho que ficou feliz com minha súbita vontade de jogar pra valer.

“Então vamos marcar alguns gols.” Ergueu a mão espalmada.

“Que tal começarem a me enxergar aqui na lateral? Ninguém me passa a bola!”

Ela riu e apontou o indicador para mim, correndo de costas, voltando para sua posição. O jogo ia recomeçar.

Novamente corri para cima e para baixo e recebi apenas duas bolas, ainda no campo de defesa, as quais repassei sem maiores dificuldades – e sem emoção – para a colega ao lado. Pelo menos estava divertido esse corre-corre da defesa para o ataque, e vice-versa, sempre que a bola mudava de mãos, mesmo que minha participação fosse mais simbólica do que efetiva, eu corria de um lado para outro. E era divertido participar de algo que era importante para Lina, estar ali correndo e suando com ela, sempre que ela fazia um gol vinha comemorar comigo, por menos que eu tivesse participado da jogada, e por menos leia-se nada.

Era um treino, como tantos outros que elas faziam, e pelo que soube, treinavam uma vez por semana, duas vezes quando tinham competição. Mas mesmo assim o placar estava apertado e a rivalidade estava evidente, o time verde – meu time – estava perdendo por um gol e estava correndo desesperado para tirar esse prejuízo, o coletivo já estava na sua parte final e ambos os times estavam mais violentos e suados do que nunca. Vejam só, entrei em quadra olhando arregalada para minhas mãos que tremiam como se eu tivesse misturado álcool com bombinha de asma, e agora estava no meio de uma batalha pela vitória, e com zero de medo, destemida, correndo como uma autêntica jogadora do time verde, lutando para conquistar o gol do empate.

Lógico que ninguém me marcava, e quase ninguém me passava a bola também, Lina estava com a posse da bola, extremamente marcada e me viu sozinha no canto direito, a poucos metros da área, me olhou com um semblante meio desesperado e me passou a bola, logo comecei a ouvir os brados.

“Arremessa!”

“Arremessa!!”

“Arremessa pirralha!”

“Arremessa porra!”

“Arremessa essa bola caralho!”

E eu arremessei. E quase no mesmo instante senti algo batendo no meu rosto, se estivesse num pesadelo descreveria como um golpe de um lutador de vale tudo bem no meio do meu rosto, mas era handebol, e era o braço da defensora me acertando no nariz.

Minha visão ficou turva por alguns segundos e percebi que havia caído no chão, ainda deitada ouvi os gritos de gol. Eu havia marcado um gol! E o gol do empate. Logo minha visão voltou ao normal e vi um monte de gente em cima de mim, me olhando com expressões sérias e curiosas.

“Você tá bem?” Ouvi e vi o treinador, um magrelo bem alto, me fitando de perto.

“Foi gol, não foi?” Respondi, me sentando.

Quando me sentei pude então ver Lina agachada à minha frente, fazendo uma cara dolorida de ‘que porra aconteceu com você’, e senti também um líquido quente escorrendo sobre meus lábios.

“Espera, você tá sangrando.” Ela disse e tirou o colete verde, depois tirou sua camisa amarela, ficando apenas com um top branco.

“Eu fiz um gol!” Falei sorrindo para ela e senti o sangue entrando na minha boca.

Mas ela não sorriu, estava com um semblante preocupado. Rapidamente ela embolou sua camisa e enfiou embaixo do meu nariz, colocando sua outra mão por trás da minha cabeça.

“Vamos para a enfermaria. Consegue se levantar?”

“Uhum.” Murmurei por baixo da camisa.

Me ergui e seguimos pela quadra, depois por um corredor até uma porta que estava aberta, o lugar estava bem iluminado mas não tinha ninguém lá dentro. Ela continuava segurando a camisa e minha cabeça.

“Sente-se aqui.” Lina ordenou que eu me sentasse numa cadeira branca, e continuava me segurando.

Uma mulher rechonchuda chegou empunhando uma vassoura e um balde com rodinhas, e Lina falou sem muita paciência.

“Onde está o médico de plantão?”

“Ãhn… Não sei.”

“Não faz ideia de onde ele pode estar? Tomando café, batendo papo por aí, vamos lá, se esforce um pouco, ela precisa de atendimento.”

“Bom, talvez ele esteja na cantina, no outro prédio.”

“Então você pode fazer a gentileza de chamá-lo?”

Ela olhou para Lina meio contrariada, mas acabou indo chamar o médico.

“Raramente acontece alguma coisa aqui, esse cara tem o emprego mais fácil do mundo…” Lina resmungou, ainda olhando para a porta.

“Uhum.” Foi o que consegui responder.

Ela então se virou para mim, ergueu mais ainda minha cabeça, e eu destetava estar com a cabeça erguida, porque não conseguia vê-la trajando apenas um top branco parcialmente suado. Mas pelo pouco que consegui contemplar, a visão era ótima, Lina tinha os seios redondos, um tamanho perfeito, e razoavelmente cheios. E descobri que não eram apenas em seu rosto que se formavam duas curvinhas, elas também estavam no seu abdome, cada uma ao lado do seu umbigo.

Balbuciei algo indecifrável.

“Quê?” Ela respondeu e tirou um pouco a camisa de cima da minha boca. Ela continuava séria.

“Eu fiz um gol!” Falei sorrindo.

Ela riu.

“Fez sim, isso não é incrível? E você nem queria jogar.”

Eu percebia que a camisa amarela estava já bastante tingida de vermelho.

“Acho que não foi nada demais… Será que quebrou?”

Ela tirou um pouco a camisa e olhou de perto.

“Não dá para saber… Acho que não.” E voltou a colocar a camisa embaixo do nariz.

“De onde aquela garota surgiu? Eu estava livre quando arremessei.” Eu falava a fitando, ela ainda estava com o rosto suado e vermelho, com um pouco de suor escorrendo pelas laterais de sua testa.

“Elas são rápidas, e traiçoeiras.” Ela sorriu meio torto.

Lina ajeitou o pano sob meu nariz e agora ela segurava minha cabeça pousando sua outra mão em meu rosto, cobrindo toda minha bochecha.

“Tem que manter a cabeça erguida, daqui a pouco o médico vai olhar melhor, talvez mande você tirar um raio-x, mas deve te liberar em seguida.” Ela olhou para a porta.

O médico poderia demorar um ano, quem se importa, eu não fazia ideia que ter a mão quente dela em meu rosto seria tão perturbador assim. Não sentia dor alguma, mas sentia cada centímetro da palma da sua mão e seus dedos em meu rosto.

Ela voltou a me olhar, eu estava ali sentada a encarando, e ela correspondeu. Estava de pé, bem à minha frente, apenas sustentando o olhar; eu não sabia o que falar, e cá entre nós, não sei se conseguiria falar algo naquele momento, acho que olhar era o que nos bastava, e ela me olhava com tanta ternura, não estava mais séria, aquele era seu olhar natural? Não, não era, seu olhar estava diferente, e tenho quase certeza que o meu também estava diferente. Porque ela começou a deslizar seu polegar em meu rosto, devagar, carinhosamente. E todas as borboletas que estavam hibernando no meu estômago há anos, começaram a bater as asas naquele instante.

Mas daí o médico chegou, e não parecia feliz em ter seu tempo ocioso na cantina interrompido. Era um gordinho com uma camisa gola polo branca apertada na região da barriga.

“Caiu de cara no chão?” Perguntou tentando parecer engraçado, pegando alguma coisa no armário.

“Foi uma pancada durante o jogo.” Lina respondeu por mim.

“Ah… um direto de esquerda da coleguinha?”

Lina não respondeu.

“Vamos ver isto.”

Ele limpou um pouco meu rosto com algumas gazes úmidas, depois começou a olhar, de todos os ângulos, e então começou a mexer.

“Au! Hey!”

“Não quebrou não.”

“Mas dói.” Resmunguei.

“É por causa do impacto. Provavelmente alguns vasinhos sanguíneos romperam, causando esse sangue todo. Mas nada para se preocupar.” Falou ainda mexendo no meu nariz, eu estava me esforçando para não dar um tapa nas mãos dele.

“E você, pegue leve da próxima vez, senão ela vai acionar a lei Maria da Penha viu?” Ele falou para Lina, se achando super engraçado.

“Não foi ela.” Respondi.

“Ah… bom, de qualquer forma, coloque gelo quando chegar em casa, também recomendo um raio-x amanhã, só para garantir, e pelo menos uma semana longe das quadras ok?” Ele falou já tirando as luvas.

Lina me olhou e deu um sorrisinho.

“Vamos, te deixo em casa.” Ela disse já me conduzindo para a porta.

Saí de lá segurando duas gazes, já quase não sangrava. Pegamos nossas coisas na quadra e ela me deu uma carona até meu prédio.

“Quer que eu te leve em algum hospital para fazer uma radiografia?” Ela se ofereceu, assim que parou o carro na frente da minha portaria.

“Não, ele já falou que não quebrou, então não há necessidade.”

“Mas vá amanhã. Posso te levar à tarde.” Ela ainda mantinha uma mão na direção, e a outra no câmbio.

Eu apenas me esforçava para não bradar alguns palavrões, o sangue já havia esfriado e meu nariz estava doendo pra valer, mas não conseguia esconder algumas feições doloridas de vez em quando.

“Você tem certeza que vai ficar bem?” Ela falou olhando por baixo, e de lado, tentando descobrir o nível da minha dor.

“Sim, sim, não se preocupe, os lutadores de MMA levam várias dessas por noite e aguentam firme.”

Ela voltou a olhar para frente.

“Desculpe, eu não deveria ter insistido para você jogar, agora você deve estar imensamente arrependida e se perguntando de onde saiu essa louca do handebol.”

Ela conseguiu me arrancar um sorriso apesar da cabeça pulsando de dor.

“Relaxa, eu não estou arrependida, pelo contrário, eu adorei.”

“Você tá falando isso para que eu me sinta melhor.”

“Por que eu teria essa consideração com você?”

Ela riu.

“Gostou então?”

“Claro, acidentes acontecem… tirando o nocaute o restante foi perfeito.”

“E você estava com medo de ir no tiro esportivo.”

“Não quero nem imaginar o que vai acontecer comigo lá.”

“Prometo ficar mais alerta.”

“Não foi culpa sua.”

“Eu não deveria ter passado aquela bola para você.”

“Como não? Foi a sua melhor jogada essa noite!”

Ela já sorria despreocupada, pela primeira vez depois do incidente.

“Quer que eu suba com você?”

“Precisa não, amanhã é dia de trabalho, vá para casa se vestir.”

Ela olhou para si um pouco assustada.

“Se você não falasse não teria me dado conta que estou ainda usando apenas um top.”

“Tenho certeza que os clientes do banco não reclamariam.” Falei com sarcasmo.

Nem eu, falei mentalmente.

“Se precisar de mim amanhã, não hesite em chamar.”

“Posso chamar mesmo sem precisar?”

“Sempre.”

“Ok. Hey, sábado à noite vamos num bar que vai inaugurar no Centro, precisamos conhecer para dar nosso aval, vem com a gente?”

“Sábado? Não posso tenho o teatro.”

Franzi minha testa intrigada, porque sabia que nesse mato tinha coelho.

“Mas o teatro é a tarde, não?”

“Sim… mas Paul me chamou para jantar depois do teatro. Com o pessoal do grupo.”

“Ah sim… Ok então. Bom, nos falamos, vou subir e procurar algum analgésico… ou morfina.”

“Está doendo muito?”

“Está numa escala de dor entre ‘vai ser difícil dormir’ e ‘não morrerei disso’.” Eu ainda segurava dois pedacinhos de pano parcialmente vermelhos abaixo do meu nariz.

Nos despedimos e subi para casa, ainda no chuveiro processava todas as informações daquela noite, e meu nariz latejava.

Lina estava saindo com Paul? Não que isso fosse da minha conta. Talvez fosse sim um pouquinho da minha conta, eles são meus contratados. Não, não é bem por aí…

O que aconteceu lá naquela enfermaria? Provavelmente nada e eu estou queimando neurônios à toa, o melhor que tenho a fazer é deixar tudo isso pra lá e arranjar gelo para enfiar no meu rosto.

Acordei no dia seguinte com uma tremenda dor de cabeça, cambaleei até o banheiro e levei um susto com meu nariz vermelho e meio inchado quando me vi no espelho, eu poderia fazer o papel da rena Rudolph do Papai Noel.

Fui para o computador e me deparei com um e-mail agradabilíssimo de Ulisses, dando o retorno sobre o capítulo que eu havia enviado para ele, prontinho para postar, só aguardando o seu OK.

“Por acaso Christopher é algum veadinho ou homossexual enrustido? Porque ele ainda não pegou Alexandra??? Isto está muito lento!! Altere este capítulo até sábado, e quero ver alguma ação acontecendo entre esses dois. E não me mande nada que não seja sexo!”

Era o que dizia o e-mail.

Eu gostaria, do fundo do meu âmago, de poder mandá-lo tomar no meio do olho do seu, bom, vocês sabem. Mas eram regras contratuais, eu só poderia postar no blog depois que o texto fosse cem por cento aceito por Ulisses.

Tirei meus óculos e esfreguei as mãos no meu rosto desolada. E em um micronésimo de segundo me lembrei do nariz dolorido e exclamei um bom palavrão.

Eu tinha que reescrever algumas partes do capítulo e enviar até o dia seguinte, seria um dia bem desafiador, em vários, vários sentidos. E o pior de tudo – sem dúvida a pior parte de todas – era lidar com as sensações novas que estavam aflorando em mim, entender – ou não – o que elas queriam dizer, e eu muito menos sabia o que fazer com elas.

No final da manhã eu tive uma ideia. Achei o antídoto perfeito para lidar com tudo isso e com a árdua tarefa que me esperava até o dia seguinte.

“Si? Tá livre hoje?”

Peço que não me julguem por chama-la de antídoto.

“Estou saindo da faculdade agora e estou com o resto do dia livre sim, por que?” Ela respondeu no celular.

“Vem pra cá?”

“Estou indo. Levo comida?”

Estava catando os últimos gelos na geladeira quando ouvi o interfone tocando.

“Senhora Alice? É da farmácia.”

“Deve ser algum engano, não fiz nenhuma compra em farmácia.”

“Eu tenho sérios problemas de auto estima e não aceito não como resposta.”

Reconheci a voz.

“Muito engraçado, anda, suba.”

Era Paul.

“Mas é muito pior do que imaginava!” Paul falava me olhando arregalado, enquanto entrava pela porta.

“Você está me assustando, tá tão ruim assim?” Falei preocupada.

“Não, claro que não, estou querendo te deixar em pânico mesmo.” Me entregou um pacote de papel e sentou no sofá. “Na verdade nem dá para perceber.”

“Bom daí você está exagerando.”

“Eu sei, Lina mandou dizer isso, que não dava para ver nada.”

“O que tem aqui?” Falei abrindo o pacote.

“Um kit nariz quebrado.”

“Mas eu não quebrei o nariz.”

“Eu sei, mas ela chamou assim, me passou a lista e disse para entregar para você.”

“Ok, vamos ver o que tem no kit nariz quebrado… Analgésico… Outro analgésico… Bolsa térmica… Hum que isso, vaso constritor…”

“É para você respirar melhor.”

“Ah, isso vai ser útil. Outro analgésico… Camisinha sabor tutti-fruti??” Perguntei assustada.

“Esse eu que adicionei por minha conta, para ver sua reação.”

“Não pense que vou te devolver.”

“Não precisa, é presente. Mas depois não diga que nunca te dei nada.”

Sentei ao seu lado no sofá.

“Lembrarei deste presente quando o Natal chegar.”

“Tem colocado gelo aí?” Ele falou dando uma boa olhada no meu rosto.

“Um pouco.”

“Me dê aqui.” Paul tomou a bolsa térmica de gel e foi para a cozinha.

“Em dez minutos tá pronto para usar.”

“O que fez?”

“Coloquei no freezer.”

“É assim que funciona?”

“Confie em mim.”

Realmente em dez minutos ele buscou a bolsa já gelada e mandou que eu deitasse no sofá, repousando-a sobre meu nariz.

“Isso é tão… prático. E frio.” Falei maravilhada.

Ele voltou a sentar-se, passando minhas pernas por cima das pernas dele.

Mas não deixe muito tempo aí, intercale de cinco em cinco minutos, faça sessões de meia hora.”

“Você entende disso.”

“Eu sou goleiro de futebol, entendo de pancadas.”

“Goleiros sempre se ferram.”

“Não só goleiros, veja você.”

Eu balancei a cabeça concordando.

“Mas não acho que você deveria desistir.” Ele continuou.

“Desistir do que?”

“Do handebol.”

“Ontem foi só diversão, não pretendo seguir nesta carreira.”

“Você marcou um belo gol.”

“Como sabe?”

“Lina falou.”

Sorri internamente.

“Uma pena eu não ter visto meu próprio gol…”

“Está pronta para sair?”

“Para onde?”

“Vou te levar para tirar um raio-x.”

“Não precisa, não quebrei nada.”

“Mas está na lista, então tenho a obrigação de te levar, não discuta comigo.”

“Não vou, sério, tenho quinhentas alterações para fazer no novo capítulo até amanhã.”

“Posso ler?”

“Não, não gosto que leiam meu trabalho não revisado e publicado, sinto muito.”

“Eu estou adorando sua história, estou curioso para ver o novo capítulo.”

“Provavelmente amanhã à tarde estará no ar.”

“Sabe, eu até recuperei o gosto pela leitura com tudo isso, tinha um tempinho que não lia nada além de manuais técnicos e coisas do tipo, semana passada comecei a ler um livro que achei lá em casa.”

“Qual?”

“Jogos vorazes.”

“É um bom recomeço.”

A campainha tocou e Paul levantou para abrir a porta, era Si, acho que ela ficou meio surpresa por ele abrir a porta para ela.

Entrou carregando uns pacotes com nossos almoços e me olhou assustada.

“O que aconteceu com você?”

“Um incidente no handebol.”

“Handebol??” Ela me olhou uma sobrancelha erguida.

“Fui jogar com Lina ontem.”

“Ah… quebrou?” Ela olhou de perto.

“Não, foi só uma pancada mesmo. Mas marquei um gol.”

“Que bom.” Ela sorriu. “Vou colocar nossos almoços na cozinha ok?”

“Ãhn… bom vou deixar vocês almoçando em paz.” Paul falou com as mãos no bolso.

“Quer almoçar com a gente?”

“Não, obrigada, vou voltar pra empresa e como por lá mesmo.”

“Obrigada pelo kit, e pela visita.”

“Tem certeza que não quer fazer um exame nisso aí?”

“Tenho sim.”

Eu sorri, nós sorrimos e eu me dava conta o quão adorável esse cara era.

Passei a tarde no sofá com o notebook no colo fritando meus miolos e escrevendo feito uma condenada. Resolvi dar uma pausa à tardinha e fui deitar um pouco, Si foi me fazer companhia e apesar do nariz doendo o clima esquentou, mas não fomos além porque a campainha tocou e fui correndo atender, terminando de me vestir, abri a porta ainda meio ofegante. Era Lina.

“Vim ver o estrago.” Falou brincando.

“Não sei do que você está falando.” Falei fingindo.

“E você deveria ter ido fazer a radiografia.”

“Não foi nada, você viu que foi só uma pancadinha.”

“Confesso que fiquei um pouco apavorada quando te vi sangrando na quadra.”

“Besteira, não foi nada demais. Ah, obrigada pelo kit nariz quebrado, tem me ajudado imensamente.”

“Imaginei que você não ia querer ir numa farmácia quando acordasse.”

“Não mesmo… Mas anda, entra.” Falei abrindo mais a porta.

“Não, saí do trabalho agora e só vim ver como você estava, mas fico mais tranquila em saber que Si está aí tomando conta de você.”

“Como você sabe que ela está aqui?” Falei franzindo a testa.

Ela riu.

“Nos falamos depois ok? Se precisar de alguma coisa, outro kit, sabe como me achar.” Ela falou ainda sorrindo, e se despediu.

Naquela noite e na manhã seguinte Si continuou comigo. Me revezei entre escrever e ficar com ela, e as coisas simplesmente fluíram. Ela estava tão pacífica, tão atenciosa… ok, é justo que eu pare por aqui.

“E então, ele aprovou?” Si falou apreensiva, do sofá.

Era quase meio-dia de sábado, eu estava no computador, tinha lido o e-mail de Ulisses com seu aval – ou não aprovação –  sobre as alterações do capítulo que eu enviara uma hora atrás.

Levantei da cadeira e fui até o sofá, lhe dei um beijo, ainda de pé mesmo.

“Aprovou.” Sorri.

“Isso é ótimo! Você está livre!” Ela usava nada além uma camiseta minha e uma calcinha, estava com os cabelos soltos, e parecia radiante.

“Por hoje. Amanhã já inicio o capítulo novo.” Sentei ao seu lado e ela passou seu braço sobre meus ombros, me trazendo para seu colo.

“Dê uma folga para você, dê um tempo para as ideias surgirem.”

“Quem sabe…”

“Vamos naquele bar novo hoje?”

“Acho que não, meu nariz ainda está estranho, não quero sair na rua assim. Mas vá e divirta-se por mim.” Falei deitada em suas pernas, a olhando.

Ela foi embora no início da tarde, que eu aproveitei para me entupir de analgésicos e dormir. Não antes de postar no meu blog o novo capítulo, que eu reli, agora sozinha, e me odiei imensamente.

Acordei no início da noite, e eu detestava passar noites de sábado em casa sozinha, achava um desperdício de vida tão grande, não que eu precisasse badalar todos os sábados à noite, mas não gostava de passar só. Sabia que meus amigos iriam na inauguração do bar no Centro e não queria atrapalhar isto, e Lina e Paul, bom, eu sabia também que estariam indisponíveis naquela noite.

Escutei o bip do celular e li a mensagem que chegara.

“Como está o nariz? Só não me diga que teve que amputá-lo. 🙂 Boa inauguração de bar! p.s.: li o novo capítulo. – Lina”

Pelo menos não passei aquela noite de sábado sozinha, meus demônios me fizeram companhia.

 

 

—– História removida do ar ——-

Caso queira ler o restante, é só pedir que mando 😉

Opa! Cadê as histórias?

119 comentários Adicione o seu
  1. Schwinden, não me mata do coração, eu sinceramente pensei que fosse o final da história, meu pobre coraçãozinho quase não aguenta o impacto.
    Eu quase morro de ansiedade lendo e absorvendo cada palavra.
    Fazendo uma checklist: Final da história da Alice, Confere
    Segredo da Lina, confere
    Chifres do Paul, confere… kkkk esse é corno manso
    Passado enigmático da Alice…. waiting

    Eu tenho um final para Alice, mas não vou dizer, vou esperar ansiosamente pela surpresa…

    Apaixonadíssima pela história 🙂

    Bjos, de sua fã incrivelmente especuladora

    1. Olá leitora especuladora,
      Acostume-se, adoro dar sustos, que graça teria não brincar com os sentimentos de quem se dispõe a me ler? Assim é mais divertido.
      Seu checklist não está totalmente correto, Lina ainda esconde coisas. E chifres do Paul? Hum, isso é discutível.
      Ah me conta qual o final q vc tem para Alice, adoro ouvir teorias, às vezes as pessoas acertam na mosca o que vai acontecer, mas eu não posso dizer que ela está certa.
      Brigada pela leitura e elogios, bjão!

      1. Oi Cris!! Aproveitando a quarentena para reler suas histórias, pode me enviar Amigos de Aluguel, please 🙏
        Adoro seu estilo garota 😉😘

  2. Schwinden, há algum tempo acompanho essa história e simplesmente adoro.Você escreve de uma forma que nos prende a atenção e realmente me tornei sua fã.Se não fosse incomodo eu queria receber a história completa.Obrigada pela atenção.

    1. Olá Lara!
      Muitíssimo obrigada pelo comentário, fico lisonjeada, e espero que vc continue por aqui por muito tempo… rs
      Pode deixar que ao final eu mando a história sim.
      Abraços!

  3. Tbm gostaria de receber a história completa. Gostei muito, estou com o coração partido com a Alice… rsrs. Tadinha… Ainda torcia para ela ficar com a Lina… Mas enfim…

    1. Preciso da continuação dessa história, estou super curiosa sobre o que vai acontecer

  4. Poxa, tadinha da Alice, terminou sozinha, e a Lina ficou com o tapado do Paul… Ainda estou curiosa a respeito do passado da Alice e da cicatriz. Também estou especulando muito sobre o verdadeiro final da história e gostaria de receber a história completa. Cristiane, você escreve muito bem, os personagens são muito verídicos, o ritmo é envolvente e me identifiquei muito com a Alice! Torcia muito para que ela e Lina ficassem juntas…

    1. Olá Cristina!
      A saga da Alice só termina quando acaba… rs. Tem reviravolta aí, depois aparece aqui pra dizer o que achou.
      Ainda não sei se postarei a história inteira aqui, até pq não terminei de escrever ainda, mas pode deixar que te mando qdo finalizar. E até o fim esses mistérios se resolverão.
      Agradeço de coração os comentários elogiosos, agradeço tb a leitura 😉
      Grande beijo!

  5. Olá, gostaria de receber o conto completo. Ansiosíssima pelo final. Me apaixonei por Alice.
    Boa sorte na publicação!

    1. Oie Amanda!
      Fico feliz q vc esteja curtindo a história, ainda estou a escrevendo, e talvez até acabe postando tudo aqui, mas de qq forma te mando ela completa sim.
      Bjão, brigada!

  6. Adoraria receber toda a historia, acompanho desde do começo. Como não se apaixonar por Alice, Lina e Paul? Alice realmente precisa amadurecer e coisa e tal e esse tempo longe de todos vai fazer muito bem para ela. Dia sim e dia não sempre vinha aqui, olhar o seu Blog, ver se tinha algo novo de Amigos de Aluguel. Espero um retorno seu. Grande beijo. 🙂

    1. Olá Bandim!
      Que massa que vc acompanha desde o início, talvez eu acabe postando a história inteira aqui e deixe por uns dias, mas de qq forma te mando quando terminar sim.
      Vou postar capítulo novo hj, tá na reta final.
      Bjão, brigada!

  7. Aaaaaaah, não acredito! Todos os dias vindo aqui pra ver se já tinha um novo capítulo… Essa história é boa demais! Quero receber tudo também, ainda espero um final diferente. Como faz?? 🙁

    1. Oie Aline!
      A história não acabou não! Eu estou escrevendo já o último capítulo, com uma dorzinha no coração por me despedir deles, mas é provável que eu poste tudo aqui, e deixe por alguns dias. Mas te mando qdo terminar tb.
      Bjão, obrigada por me ler!

  8. Olá! estava acompanhando sua história pelo abcLES e tbm aqui pelo blog.Gostei muito da forma como vc escreve (li A lince e a Raposa tbm) e desejo mto sorte em relação à publicação com uma editora. Queria mto receber o restante do livro. Abç

    1. Oie Tatty!
      Ah que massa que vc tb acompanhou a Lince, obrigada por me acompanhar, agradeço de coração os bons votos, quem sabe um dia essas histórias virem livro?
      Te mandarei a história completa sim.
      Bjão!

  9. Finalmente li esse capítulo! Sabe que amei o capítulo, eu queria que Alice ficasse com Lina, mas não esperava que ficasse. .rs.
    Gostei da atitude dela de contar pra Paul e de tirar um tempo pra ela, conhecer..sabia q terminando assim seria o final ideial.parecido com o q tinha dito!
    Falar que nem meu sobrinho de 3 anos:Não gostei não, tô chatiadoo…todo mundo te chamando de Schwinden….vou ter q começar a chamar de outra coisa e n tava afim! kkkkkkk

    Agora quero o.passado de Alice e o de Lina faz o favor!
    E n esquecendo o puxar de saco…vc escreve pra caraioooooo!!!!

    Amodoreiilovelike!!!!

    Beijo e cheiro pq tô na Bahia!! Hahahaha

    1. Hi darling!
      Enfim, esse seu comentário era sobre o capítulo melancólico que parecia ser o fim da história, então…
      Alice deu uma de elefante moribundo, que se afasta da manada quando está mal ou doente. De certa forma foi bom, pq forçou a pateta da Lina a caçá-la.
      Ah deixa todo mundo me chamar de Schwinden, eu saberei q vc foi a primeira.
      Brigada pela puxada de saco, meu ego de escritora agradece.
      E poxa, uma pena a gente ter tido poucos dias pra fazer coisas aqui em Salvador né? Eu nem pude te mostrar os livros da Sarah Waters…
      Tá bom, vamos nessa que o sol quer raiar, bjão e brigada!

  10. Então é assim?? Eu não esperava que terminasse assim. Sei que ainda não acabou mas dá a entender que será cada uma pro seu lado. Só não quero a Alice assim deprimida, no entanto quero também descobrir o que vai na sua mente.
    Mas eu quero o final, se não te importares. Eu agradecia.
    Bjos

    1. Olá Ana Bela!
      Desculpe responder este comentário tanto tempo depois…
      O sustinho já passou, e aquele final não era o final, felizmente.
      Resolvi que vou postar até o fim aqui, e algumas semanas depois removerei.
      Bjão!

  11. Olá Cristiane, adoroooo o seu conto, comecei a ler a pouco e foi amor à primeira leitura, está de Parabéns.

    Beijos

    Ah, e também gostaria que me enviasse depois. Obrigada 🙂

  12. Olá Cristiane!

    Sou muito fã das suas histórias, mas acho que ainda não tinha comentado aqui.
    Quase me matou do coração com o último capítulo kkk
    Mas agora tô curiosa, o que vem a seguir, com a visita da Lina? Vida de leitora não é fácil, parece sempre uma eternidade o intervalo entre um capítulo e outro rs’
    Estarei esperando ansiosamente pelo próximo ^^

  13. Nossa…quando você escreveu tb chorou como quando eu li esse capítulo?
    Ei, eu gosto das músicas de Taylor…um dos meus segredos…rs.

    Gostei das músicas e amo a 2 q vc colocou! :).

    Nossa, sempre q batiam na porta eu pensava que fosse Lina..Parece q mamis falou pra Lina onde Lilica se encontraca! kkk.O que será que quer??Vou te embebedar pra q me conte!! Hohoho.
    Amei o capítulo…como sempre, mas sou suspeita pra falar!!
    Saudades de comentar pq isso pra mim n é comentário, mas logo poderei escrever mais tranquila..rs.
    Beijoooooo, até daqui a pouco! Tomara!!:)

  14. Você é má! rs

    Saiba que há muito não lia um conto em que a história permanecia na minha cabeça, como um filme, imaginando as cenas seguintes e os desfechos. Há muito não sentia aquele frio na barriga ao ler, e olha que leio muito!

    Por tal razão te parabenizo, mas também reclamo aqui: vc é má! Onde já se viu terminar o capítulo desta maneira, meu Deus… ficarei em cólicas até o próximo capítulo, e pior nem sei quando será postado…rs

    De qualquer forma, meus parabéns e continue assim, vc é talentosa e mexe com o imaginários das leitoras.

    Abraço,

    Luciana

  15. Schwinden, esse capitulo está maravilhoso assim como os outros. Além de escrever bem você tem um bom gosto musical.
    Sem exageros, a sua história é a melhor que acompanho.
    Abraços

  16. Oie, Cristiane…

    Ufa, ainda bem que tem mais trama pela frente. Gostei de saber que a Lina ainda tem coisas a revelar, tomara que nada muito trágico. Esse lance dela namorar o Paul parece mais uma das suposições erradas da Alice, visto que no último capítulo a Lina resolveu ir atrás dela. Bem, na verdade acho que ela não deve ter gostado nada do final da história da Alice e foi lá tirar satisfações, pois no final a Alexandra dá um baita pé na bunda da Kate sem dó e piedade, e sei lá, ela deve ter pensado:”Puxa, a Alice acha que eu sou assim… Vou lá jogar na cara dela que eu sou uma pessoa bem melhor que isso”.
    Bem, eu adoro romances trágicos, com cenas fortes, diálogos marcantes e finais ultramegapower surpreendentes e, claro, felizes… mas até chegar à felicidade é bom cutucar as feridas.
    O meu final para Alice:
    Bem, depois das revelações, discussões e possíveis ameaças de separação, eu daria a Alice um diálogo bem carregado com a Lina e o Paul, daqueles que o pulmão dela não aguentaria de tanta emoção… e então ela finalmente tomaria vergonha cara e diria que a ama…
    Mas eu gostaria muito que tivesse um apocalipse zumbi só para deixar as coisas mais interessantes kkkkk

    bjos, sua fã…

  17. Ainnnnnn…. Que lindoooo!!!! Tah que a Lina deu a entender que era uma sacana, mas agora vi que era soh insegurança… Enfim, sempre torci por elas. Alice merece ser feliz. Se entregar de verdade a alguém. Paul tbm merece, afinal ele eh um cara legal, mas não a Lina. Ele tem que ficar com a Maria. Rsrs. Parabéns pelo capítulo. Curti muito mesmo. Cheguei a achar que era tudo sonho da Alice, jah tava ficando frustrada… mas que ótimo que não foi. Continue a história pq estou curiosa pra saber como termina… 😉

  18. Hola darling,

    Como posso definir esse capítulo em palavras? Esse não é meu forte..mas foi uma poesia para meus olhos! Tô com palavras engasgadas…sinto que n posso dizer o q senti lendo esse capítulo! Tá magnífico, espetacular, sublime.Se alguém dizer qie não tá bom, não entende nada sobre escrever e não digo pq te conheço ou pq é minha escritora preferida, digo pq é verdade! Superou todas minhas expectativas, eu tô no cel, mas perfeito ficaria ruim.
    O que foi essa cena de amor? Poesia pura, dps dessa pode parar de falar que tem dificuldade dr escrever cenas de amor..vc tem um jeito lindo de descrever sem precisar apelar e ainda nos faz sentir varioas emoções n coração, pulmão,fígado em todo o corpo. .é algo lindo, me pergunto como saiu essa magia das suas maos.Cara, se n sair esse livro, prometo fazer baixo- assinado(é assim?).Pq ta foda demais..sorry, mas tinha q falar. .n é poético, mas tenho q tirar isso do meu peitp!
    Quando Lina chegou e falou td q sentia e Alice ficou parada, meua Deus, eu gritando internamentr..corre corre..pega Lina, pega! Correeeeeee..deixar de ficar sem reação, vamosss menino da sessão da tarde!! E quando ela acordou e n viu Lina? rsrs…o texto q vc usou pra descrever os sentimentos de Alice , como ela ela se sentia, coisa lindaaa, viu!! Sem palavras. .e Lina leuuuuuu, que tudooo!!!
    Esse defintivamente superou os outros capítulos, agora e o meu preferido!
    Hj n tenho pra quem da esporros..Lina vc superou todos os pontos, Alice, vc mostrou pra ta aqui..teve coragem, estou mais q feliz!!!!Pena de Paul, mas ele vai superar e trm Marcelo a né? ! Tadinho. ..
    Pensando sobre o que Lina tem a contar…ela n confia nas mulheres. .Alice em relacionamentos..mas as duas tão aí. .agora é a vez de Lina revelar um mega segredo, revelacao do ano..e n, Lina j confia pq perdru a mae..normalmente mt gente, homrm ou ate mulher pes n confia por ter acontecido algo c mae.. morte , abandono, mas parece q ela ja teve uma relacao profunda c uma mulher…q será q a mulher fez pra deixar uma pessoa assim? Pq abandnar, levar corbo todos levamos..mas a questão é como aconteceu..n q aconteceu. E como ela recebeu isso ts!
    Amei o capítulo e se vc enviasse pronseus clientes uka partr elea iam entender seu atraso! kkkkkkk
    Vc fez vários strikes c esse capítulo, brocou geral!!!
    Ja sei q esse livro vai ser um sucesso pq sei q terá kts críticas e vc vai ter q mudar algumas coisas nos capítulos, coisas mais técnicas, mas a essência ta aí e é isso q vai explodir. .vai ficar mt bom! ! Tô ansiosa e na expectativa pra saber..junte esse dinheiro logo, meus deuss!! Posso ajudar c uma pequena colaboration!! Rsrs.
    Dps de 1 mês na terrinha e com depoimentos pobres e escrevi algo mais grandinho!! Kkkkkk
    #capítulo34chegalogo!!
    Beijoooo

  19. Oie, Cristiane…
    Bem, adorei mesmo, mesmo, mesmo
    Já posso dizer que virei fã da Lina de vez, antes eu achava que ela era uma agente secreta, manipuladora misteriosa kkkk
    Eu não sei o que dizer na verdade, foi sublime, a flor da pele mesmo, sentimentalismo puro… quando vc lançar o livro vou comprar um exemplar e vou fazer propaganda kkk pq essa história é muito demais…
    Olha eu vi esse vídeo e lembrei de vc:

    http://www.ted.com/talks/matt_cutts_try_something_new_for_30_days#

    Estou esperando ansiosamente pelo próximo capítulo…
    bjos, Sua Fã

  20. eu sempre desconfiava que a Lina era apx na Alice… o Paul é legal, mas…. nao tinham a mesma quimica que havia entre lince lina+alice, olha eu shippando KKKKKK. ah ta tudo belo ai

  21. Estou triste pois a história foi removida! Tem algum motivo especifico ou foi um erro? Ficarei ansiosamente esperando, a história mt boa p não ser divulgada para o mundo! rsrs

  22. Olá, você poderia me enviar por email também…amo esta história e gosto de ficar relendo quando sinto saudades…parabéns, você é muito talentosa, sou sua fã…beijos

  23. olá, eu tenho mania de fuçar na internet sempre à procura de algo pra ler e por acaso encontrei teu blog e fiquei realmente interessada na história, não sei se você ainda tá disponibilizando o restante, mas eu gostaria muito de receber, se você puder me mandar ficarei muito grata. Anyway, você escreve muito bem se um dia você publicar eu com certeza irei querer ter um exemplar.

      1. Oi Cris!
        Adorei a história e adoraria ler até o final… seria possível me enviar por e-mail? Ficaria muita grata é que estou tão ansiosa para saber com quem a Alice ficará… 😉 Aguardo respostas suas beijoss

  24. Gostei muito do que li, acho que as duas poderiam ser publicadas como livro. Quais os planos para publicação? Vi que você mora em Salvador, sou suspeita pois adoro viver aqui, mas sei das limitações…

    Abraço.

  25. Oi, eu amo essa historia, mas ela foi removida do abcles e gostaria muito de lê novamente, ficaria grata se me mandasse o link. Obrigada

  26. poxa vida, quer me matar de vontade de ler, cade o resto da história, comecei a ler e não consegui para, até agora…por favor, me envie o restante da sua história, e estou amando…

  27. Bom dia!!!

    Adorei a história e seus personagens são apaixonantes, não vejo a hora de ler o próximo capítulo!
    Poderia me mandar?!?
    Bjos

  28. Oi Cristiane, estou muito envolvida com historia, você é uma excelente escritora. Peco que me envie a continuação. Obrigada.

  29. Ia ler A Lince e a Raposa, mas não resisti e corri aqui ler de novo um pouco de Amigos de Aluguel, eu sinto cada pedaço de mim se desconstruindo quando leio esse seu romance, sério, acho que ele é fácil fácil a melhor leitura que já encontrei na internet.
    É muito bom! Parabéns de novo Cris, posso te chamar de Cris né?
    As sensações de Alice bagunçam minha alma de um jeito muito bom, você precisa publicar e autografar minha cópia! Bom restinho de semana! Beijo

  30. Olá! Li Amigos de aluguel a um tempo atrás e me apaixonei pela estória. Gostaria muito de ler novamente. Teria como me enviar?

  31. Olá! Comecei a ler a história e estou totalmente envolvida, gostaria de se possível continuar a ler então desculpe o incômodo, mas gostaria de receber a resto.
    Beijos

  32. Oi eu gostei bastante da história e queria continuar vendo. Envia o resto para mim por favor. Obrigado pela atenção.

  33. :O Amigos de aluguel removida também? Que triste, estava na esperança de que, como A lince e a Raposa foi removida, essa nao teria sido também, assim poderia reler. Então autora, vou aproveitar e abusar um pouco da senhora kkk Tem como me enviar as duas histórias por e-mail? Sou fascinada nelas. Alinelo_ve@hotmail.com
    Obs: Não me mate com o fim de 2121, cada vez com mais medo.

  34. Boa noite, Cris!
    Como faço para continuar lendo a história? Não achei-a no Lettera.
    Ficarei grata pela informação.
    Abraços

  35. Quando vi essa história a tempos atrás na vdei crédito, acho que encaixo as histórias que leio no momento que estou vivendo. Enfim, devorei os 9 capítulos disponíveis hoje e gostaria muito de continuar a ler, você poderia me mandar?.

    Ps. Você escreve muito bem, quase tive um troço com o fim do abcles, me imaginei sem saber o final. Esta de parabéns e eu ansiosa pela continuação

  36. Olá!!!! Tô amando d+++ a história ?,cara, totalmente viciante. Vc poderia por favor me mandar a continuação por email ?jarena2127@gmail.com bjus

      1. Teus livros são incríveis, não de onde sai tanta criatividade, to adorei lê 2121 que tá na Wattpad, queria muito ver o resto desse!

          1. Oi, Cris !!!
            Estava lendo essa história é adorável, estou doida pra saber como vai acabar
            Me mande o restante por favor 😄😄

  37. Oi, Cris! Tô adorando a história! Será que teria como você mandar a continuação por e-mail? Por favor! E parabéns pelo seu trabalho.

  38. Boa noite, sou nova no seu blog, porém li algumas histórias sua, gostaria de reler Amigos de Aluguel, se puder me enviar agradeço.Parabéns pela escrita, termino sempre maravilhada.
    Bjs

  39. Boa noite, Cristiane! Virei sua fã, te descobri por acaso. E esse lance de senha, ainda esta valendo? Também quero, se possivel, para continuar te lendo. E com certeza, vou precisar dos seus livros na minha cabeceira. Obrigada!

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