Capítulo 5 – Resiliência
Sam pendurou o boné azul e branco de Theo na parede da UTI, num gancho não utilizado. O contemplou por alguns instantes, numa nostalgia silenciosa. No leito, nenhuma evolução, Theo continuava em estado crítico, com uma infecção avançando.
Naquela manhã o carro azul, um dos coadjuvantes mais importantes da longa jornada, havia sido levado até à mansão, e escondido na garagem. Sam foi até lá buscar o boné, lhe trazendo algumas recordações.
Era o quarto dia de visita de Sam, Lindsay havia partido para a Inglaterra naquela manhã, a deixando apenas na companhia de Mike. No meio da tarde, Sam teve a agradável companhia de uma das conselheiras do grupo Archer, Claire.
– Obrigada por cuidar do esquema de segurança, eu temia que algo de ruim pudesse acontecer à Theo, ela está vulnerável aqui. – Sam disse após cumprimentá-la.
– Pois não está mais, o controle de entrada nesse quarto é rígido. E a partir de hoje, você poderá controlar esse acesso, ok? – Claire era uma mulher elegante, seus cabelos loiros presos num coque impecável, aparentava pouco mais de trinta anos.
– Agradeço a você e ao conselho por toda agilidade e cuidado que vocês tiveram desde o início.
– Sam, quero que isso fique entre nós, ok? Mas a maior parte dos conselheiros não aceitam que Theo, ou você, assumam a presidência.
– Mas a Archer é de Theo por direito. – Sam dizia, sentada no sofá cinza, inclinada para frente. Claire estava na cadeira ao lado do leito.
– Está acontecendo uma batalha silenciosa nos corredores da Archer, são oito conselheiros, nove comigo, e sou a única contra a medida cautelar.
– Que medida cautelar?
– Querem declarar Theo incapaz de forma definitiva, e assumirem os 75% dela.
– Mas eles não podem fazer isso. – Sam dizia com indignação.
– Bom, legalmente estão procurando brechas na lei, porque a Archer está com queda contínua na bolsa de valores, querem afastar o fantasma da falta de presidência, que segundo eles, é o que vem causando a queda.
– E o que você acha?
– Eles estão corretos em parte, a falta de uma chefia por conta da morte de Benjamin, e o coma de Theo, fazem o mercado olhar com dúvida para a Archer, os investidores costumam recuar com empresas com esse tipo de problema. Mas essa não é a questão, o conselho pode continuar cuidando dos assuntos importantes e urgentes, o mercado irá acalmar com o tempo.
– Não posso deixar isso acontecer, Theo confiou a mim a Archer.
– Sam, escute. – Claire saiu da cadeira, sentando ao seu lado no sofá, ajeitando cuidadosamente sua saia. – Eu acho que você poderia se inteirar desses assuntos de forma mais efetiva, com sua presença.
– Na Archer?
– Sim, comece a visitar a empresa, conheça os processos e as pessoas, assim você terá como intervir em qualquer tentativa de golpe.
– Mas não posso deixar Theo sozinha aqui.
– Você não precisa deixar de vir aqui, mas tire algumas horinhas de vez em quando para andar pelos corredores da empresa, conversar com as pessoas, entender as regras de negócio.
Sam balançava a cabeça, pensando na possibilidade de passar a frequentar a Archer.
– Você estará lá, para me orientar?
– Claro, você pode contar comigo. Mas tenha cuidado, algumas pessoas poderão se aproximar com más intenções, principalmente os desafetos de Benjamin.
– Você sabe quem são?
– Sim, mas prefiro não citar nomes, apenas fique alerta.
– Ok, eu vou cuidar para que a Archer continue sendo de Theo, eu vou me esforçar para entender o funcionamento e tentar convencê-los a desistir dessa medida cautelar.
– Você sabia que Theo era conselheira honorária? – Claire disse, agora num tom descontraído.
– Não. Ela trabalhava lá?
– Bom, trabalhar de fato, não trabalhava, mas frequentava nossas salas. – Claire riu. – Vivia destruindo o minigolfe da sala do pai.
– Eu gostaria de ter conhecido a Theo de antes… – Sam murmurou.
– Não gosta da Theo de agora? Ela mudou?
– Eu gosto, bastante. Mas pelos relatos que ouço, acho que os últimos anos apagaram um pouco do seu brilho.
– Acho improvável que algo apague o brilho dessa menina.
***
– Lembra quando assistíamos filmes no sofá da minha casa? Minha mãe trazia um balde enorme de pipoca. – Mike comentou, estava deitado num dos sofás da sala multimídia da mansão de vidro. Sam estava despojada numa poltrona reclinada.
– Eu lembro. – Sam respondeu, com preguiça. Assistiam um filme na grande tela à frente.
– Sente saudades dessa época? A vida era tão leve, tudo era simples.
Sam permaneceu um tempo pensativa antes de responder.
– Era mais leve, mas isso não significa que era melhor.
– Sam, nós éramos felizes, você não pode negar isso.
– Eu achava que era, mas não sabia que poderia ser e ter mais do que aquela vida.
– Eu sinto falta daquela tranquilidade, e de fazer planos com você. Tínhamos tantos sonhos a realizar.
– Meus sonhos tiveram uma reviravolta incrível nos últimos tempos. – Sam sorriu de lado.
– Eu não me importo de mudar meus planos, posso morar aqui com você, além do mais, você teria toda a liberdade de escolher outra carreira.
– Eu continuarei morando aqui, mas esqueça qualquer possibilidade de reatarmos nosso noivado, ok?
Mike bufou contrariado, voltando a assistir a tela em silêncio.
***
No dia seguinte, a visita foi novamente de Letícia, que desta vez estava acompanhada.
– Sam, essa é Daniela, minha garotinha. – Letícia apresentava sua namorada, uma loira de porte alto, mas aparente timidez.
– Sua namorada? – Sam a cumprimentou.
– Uhum.
– Médica também?
– Não, analista de sistemas. – Daniela respondeu, e aproximou-se do leito, afagando o rosto de Theo.
– Você a conhecia? – Sam indagou, ao seu lado.
– Sim, Theo me apresentou Letícia, foi nosso cupido.
A conversa foi interrompida pelo neurocirurgião de Theo, acompanhado de outro médico.
– Sam, precisamos conversar, quer ir até minha sala ou pode ser aqui? – Doutor Franco parecia sério demais.
– Pode ser aqui. – Sam respondeu preocupada.
– Esse é o doutor Amaro, ele é ortopedista. – Sam o cumprimentou. – Fizemos uma reunião agora cedo, para definirmos nossos próximos passos, e a equipe foi unânime, precisamos agir de forma imediata, Theo está com quadro de infecção generalizada.
– Façam tudo que estiver ao alcance, e se tiver algo ou alguém em outro hospital, vocês sabem que estão autorizados a ir atrás, não importa o custo.
Os médicos se entreolharam, doutor Franco voltou a falar.
– Sam, sente-se, o assunto é delicado.
Letícia foi até Sam, e a sentou no sofá, lado a lado, parecia prever o teor da conversa.
– Você sabe o que está causando essa infecção, não sabe? – O médico perguntou.
– Não, não sei.
– A mão? – Letícia respondeu.
– Sim, a mão esquerda. Ela tem piorado, e nada está conseguindo combater essa infecção, até que aconteceu o que temíamos, se espalhou.
– Ela tem problemas de imunidade, pode ser isso, vocês precisam aumentar a imunidade dela.
– Samantha, precisamos amputar a mão, e com urgência.
Sam arregalou os olhos, perdeu a voz, e sentiu algo gelado percorrendo a espinha.
– Já tentaram os nanobots? Eles costumam ter alta taxa de sucesso no combate a infecções. – Letícia questionou.
– Já tentamos, ela parece ser imune aos nanobots que programamos e injetamos em sua corrente sanguínea.
– Não… – Sam balbuciou, estarrecida. – Ela não pode perder a mão.
– Infelizmente não temos escolha, é a única chance de sobrevivência dela, seu quadro só tem piorado, ela não suportará mais do que três dias nesse ritmo. – O ortopedista disse.
Sam apoiou os cotovelos nos joelhos, esfregando o rosto em desespero.
– Ela tinha tanto medo de perder a mão… Theo nunca mais vai tocar piano.
– Não temos escolha, Sam, é para o bem maior dela. – Letícia a consolava, estava com o braço por cima de seus ombros.
– Colocaremos uma prótese, será uma prótese funcional, tentaremos manter o pulso, atrelaremos uma prótese cibernética, com micro condutores. – O neuro explicava.
– Exato, e após algum treinamento e adaptação, ela terá inclusive o tato de volta, é uma prótese de tecnologia avançada. – O ortopedista completou.
Sam continuava cabisbaixa, com semblante transtornado.
– Ela vai dar a volta por cima, ela vai se adaptar a uma vida com uma prótese. Theo é resiliente. – Letícia falava num tom confortador com Sam.
– Quando? – Sam indagou.
– Hoje à tarde.
– Se for para salvá-la, então que seja feito. Mas coloquem a prótese mais moderna possível.
Os médicos deixaram o quarto, e Sam continuava abatida, sentada ao lado de Letícia.
– Sam, não é o fim do mundo, ela vai se adaptar. – Daniela disse, estava sentada na cadeira.
– Espero que sim, mas vai ser duro.
– Escute, conheço pessoas amputadas que levam uma vida totalmente normal hoje. No início claro que tem todo o choque da perda do membro, mas é possível superar isso, com o tempo as pessoas deixam de se importar, tudo volta ao normal.
Sam deu uma olhada hesitante em Letícia.
– Eu sei, eu sei que existe vida pós amputação. – Sam subiu a calça de sua perna esquerda, mostrando sua perna artificial.
– Você é amputada? – Letícia olhou com surpresa.
– Sou.
– Como perdeu a perna?
– Posso tocar? – Daniela pediu.
– Pode. – Sam respondeu como timidez. – É sensível ao tato.
Daniela abaixou-se à frente de Sam, correndo os dedos pela prótese metálica.
– E é quentinha. – Daniela sorriu.
– É, é sim. Perdi numa explosão de mina, ou granada, não sei. Durante uma missão do nosso grupamento.
– Grupamento? Você é uma soldado?
– Era, primeira tenente do exército europeu. Mas desertei no final do ano passado.
– Dani, você consegue imaginar Theo namorando uma militar de 23 aninhos? – Letícia sorriu ao perguntar, tentava quebrar o clima tenso por conta da amputação.
– De jeito nenhum. – Daniela também riu, voltando a sentar na cadeira.
– Eu queria ter visto essa relação surgindo.
– Eu era noiva de um major, eu nunca havia ficado com mulheres, foi complicado, Theo teve muita paciência comigo. – Sam respondeu, um tanto sem jeito.
– Noiva de major? Amiga, você subiu no meu conceito. – Daniela deu dois tapinhas no braço de Theo.
– Theo não faz o estilo galanteadora, ela geralmente espera o primeiro passo da outra pessoa. Como ela te fisgou?
– Eu dei o primeiro passo. – Sam sorriu timidamente. – Eu não tive saída, é impossível não se apaixonar por uma pessoa que te acorda tocando piano no primeiro dia.
– Será que ela poderá tocar piano com a mão artificial? – Daniela perguntou, trazendo novamente um semblante triste de Sam.
– Após um bom tempo de adaptação e treinamento, é possível sim, só vai depender dela. – Letícia respondeu.
– Se for preciso que eu aprenda a tocar, para ajudá-la, eu aprendo. – Sam disse.
Naquela tarde Theo seguiu para uma nova cirurgia, voltando ao quarto no início da noite, já com uma mão protética. Era branca com detalhes em preto, o pulso havia sido conservado intacto, parte da prótese acoplava-se por cima do braço.
Pela segunda vez, Sam teria que se acostumar com uma amputação, o convívio diário com um membro artificial.
No decorrer daquela semana Theo teve grande melhorar no quadro clínico, as infecções sumiram, mas continuava com atividade cerebral quase nula. Sam fez algumas visitas ao grupo Archer, ficando a maior parte do tempo na sala de Claire, se inteirando dos processos e negócios, mas logo desinteressou-se, e deixou de ir até lá.
No início da tarde de sábado, Sam cochilava no sofá cinza da UTI, quando foi acordada por Letícia, que trazia balões coloridos.
– Achei que este quarto estaria em festa hoje. – Letícia brincou, prendendo os balões ao lado do leito.
– Festa?
– Hoje é aniversário de Theo, esqueceu?
– Eu só sabia que era em fevereiro, não sabia o dia.
– 28 de fevereiro, anote na sua agenda.
– Então precisamos de um bolo.
– Daniela vai trazer mais tarde.
– Com 24 velas, eu espero. Que horas ela vem? Eu sairei para jantar com Mike hoje.
– Mike, seu ex-noivo?
– Sim, preciso espairecer um pouco.
Letícia deu um beijo demorado na testa de Theo, e lhe encarou com um sorriso aberto.
– Parabéns, linda. E acorde logo, temos muito papo para colocar em dia. – Ela sussurrou, sentando ao seu lado.
– Está de folga hoje? – Sam a indagou.
– Entro no plantão as oito da noite.
– Se Theo estivesse acordada, como ela comemoraria o aniversário?
– Com uma festa na piscina que duraria mais de doze horas.
– Hoje a mansão de vidro estaria em… Espera. – Sam franziu o cenho, confusa.
– O que foi?
– Hoje não é aniversário dela.
– Claro que é.
– Não é.
– Sam, sempre foi.
– Não é hoje, e eu acho que é em abril.
– Abril?
– A senha… – Sam se dava conta. – A senha era 980417. O aniversário de Theo é nesta data, 17 de abril.
– E ela nasceu em 2098, e não em 2097?
– Isso. Theo não está fazendo 24 anos hoje, ela na verdade tem apenas 22. Quem diria, eu sou mais velha que você – Sam olhou para o leito, sorrindo.
– Sam, que drogas você anda usando? Encontrou o esconderijo de ácido no quarto de Theo?
– Ela tomava ácido?
– Ás vezes. Ok, mas volte ao assunto, de onde você tirou que hoje não é aniversário dela?
– Eu não posso te contar.
– Eu sou a melhor amiga dela, Theo me contava absolutamente tudo, e quando eu digo tudo, é tudo mesmo, inclusive detalhes disso que você está pensando.
Sam hesitou, não sabia como Theo lidaria com este assunto, nem se a autorizaria a falar sobre isso com terceiros, mas resolveu arriscar.
– Esse assunto não pode sair deste quarto, é algo bastante sério. – Sam começou falando, receosa.
– Você está realmente me assustando.
– Theo achava que era de fevereiro de 97, mas um pouco antes desse acidente com ela…
– Você também não me contou ainda porque raios ela deu um tiro na cabeça. – Letícia a interrompeu.
– Uma coisa de cada vez.
– Ok, prossiga.
– Theo é um clone, nós acabamos de descobrir isso.
– Que tipo de brincadeira é essa?
– A verdadeira Theo morreu com cinco meses de idade, o pai dela fez alguns clones da filha, e apenas Theo vingou.
– Qual Theo?
– Essa que está ao seu lado.
Letícia olhava assustada na direção do leito.
– Meu amor, você é um clone??
– E a senha de um dos laboratórios da Archer é 980417. Provavelmente é a data de nascimento dela, bate direitinho.
– Isso é surreal demais, Samantha. – Letícia fitava Sam em choque.
– Eu sei, ela mal teve tempo de assimilar tudo isso.
– Como descobriram?
– Isso é melhor eu manter segredo, para sua própria segurança.
– No que vocês se meteram?
– Você não faz ideia da quantidade de encrencas que a gente se meteu nos últimos dois meses. Mas é uma fonte confiável, a informação é legítima.
Letícia levantou, andando pelo quarto tentando assimilar aquilo.
– Um clone…
– Daqui a pouco você esquece desse detalhe, eu já havia esquecido.
Letícia continuou andando pelo quarto, perplexa.
– É dela? – Letícia apontou para o boné no alto da cama.
– É sim.
– Theo adora bonés, ela tinha uma coleção enorme. – Letícia o tomou em mãos, o observando com um leve sorriso.
– Ainda tem, o pai não jogou fora.
– Os azuis são os preferidos, pelo visto isso não mudou.
Sam riu antes de responder.
– Mas ela não sabe que é azul e branco, ela pensa que é rosa e verde, eu esqueci de contar a verdade.
– Como assim? Ela não sabe a cor do próprio boné?
O sorriso de Sam foi se desfazendo.
– Você não sabe, não é? – Sam se dava conta.
– Do que?
– Eu achei que os médicos tinham te contado. Theo perdeu a visão.
– Você está me dizendo que Theo está cega?
– Sim.
– Completamente cega?
– Está. Tiraram a visão dela no Circus.
– Meu Deus… – Letícia devolveu o boné à parede, e correu sua mão pela testa de Theo.
– Eu já a conheci assim. – Sam murmurou.
– Então ela nunca te viu?
– Ela me via com as mãos. – Sam quase sorriu.
– Mas é reversível, certo?
– Não sei, ainda não verificaram isso, a princípio não é reversível, Doutor Franco diz que seria arriscado demais mexer nesta área, com tudo que aconteceu com seu cérebro.
– Tem que ser reversível.
– Uma coisa de cada vez, Letícia. Minhas orações agora são para que ela acorde do coma, depois consertamos o resto.
Letícia sentou-se atordoada ao lado de Sam, no sofá.
– Emoções demais para um dia?
– Demais para um ano! Acho que vou pedir para Dani cancelar o bolo.
– Não, não cancele, podemos comemorar nas duas datas.
– Meu Deus! – Letícia bradou assustada, como se estivesse se dando conta de algo terrível.
– O que foi?
– Theo é de áries!
***
Uma semana se passou, Theo estava em sua terceira semana de coma. Naquele dia Lindsay chegaria de viagem, passaria cinco dias com Sam, que foi buscá-la no aeroporto.
– Pai?? – Sam exclamou, ao ver Lindsay e Elliot vindo em sua direção.
– Trouxe uma visitinha para você. – Lindsay disse animada.
Sam o abraçou com força, abrandando um pouco da imensa saudade que sentia.
– Você parece ótima, filha.
– Meu Deus, que saudades que eu estava. Por que não avisou que viria?
– Lynn insistiu em fazer uma surpresa para você. – Elliot respondeu, com sua voz grave e forte, usava uma boina cinza.
Sam, Lindsay, Mike, e Elliot fizeram um festivo banquete à noite, na mansão. Após a janta, Sam e seu pai ficaram sozinhos na sala de estar, conversando.
– É bom estar reunida com minha família novamente. – Sam disse, aos sorrisos.
– Lynn me disse que você não pretende voltar para casa. – Elliot a indagou.
– Aqui é minha casa agora.
– Achei que você já havia parado com essa bobagem, que tivesse voltado ao normal.
– As coisas mudaram muito, pai. Minhas prioridades mudaram, eu ficarei aqui, com Theo.
– Uma mulher que está praticamente morta?
– Ela vai melhorar.
– Por que você continua se enganando? Você ainda não cansou de brincar de menininha moderna? Seu lugar é na Inglaterra, ao lado de sua família, casada com Mike, e frequentando a igreja, que você abandonou. – Elliot preparava um charuto, sentado no confortável sofá branco.
– Não abandonei a igreja, nem minha fé, e eu terminei tudo com Mike.
– Eu vi os olhares que vocês trocaram hoje, eu sei que vocês irão voltar, vocês precisam ficar juntos, é assim que deve ser, Deus fez homem e mulher para se unirem em Seu nome.
– Ele é apenas meu amigo agora, ele me ajudou quando estava me recuperando do transplante.
– Samantha, eu entendo que você tenha passado por uma fase difícil, buscando um novo coração. Eu já perdoei você por ter largado o exército, Mike me explicou que trocaram seu coração por um artificial. Mas eu não posso aceitar que você caia nessa vida mundana, essa pouca vergonha que andou vivendo, abandonando os bons valores que ensinei.
– Pai, eu sigo seus valores, eu estou tentando fazer as coisas da maneira mais correta possível, mas é aqui que devo ficar.
– E se o óbito dessa mulher for oficialmente declarado? Vai fazer o que aqui?
– Vou tocar minha vida, vou trabalhar.
– Se você quer ficar aqui, então fique, mas pelo menos se case com Mike, ele é um homem honrado, assim como o pai, Coronel Philips, que é um dos nomes mais respeitados no exército europeu.
– Não me casarei com Mike, eu não o amo mais. Mesmo que algo aconteça com Theo, não será com Mike que eu ficarei.
– Isso é besteira, essa mulher encheu sua cabeça de ilusões, dinheiro não é tudo na vida, Samantha.
– Não tem nada a ver com dinheiro, eu escolhi ficar com Theo antes de saber quem ela era de fato.
– Ela nunca mais vai acordar, no fundo você sabe disso. – Elliot deu um baforada, um tanto irritado.
– Eu rezo todos os dias para que ela acorde.
– Escute, o pior já passou, você tem um coração novo, tem saúde, e um homem disposto a formar uma família com você. Esse sempre foi seu sonho, e agora você tem a chance de colocar em prática, dê uma chance para Mike, deixe ele se aproximar, e as coisas vão acontecer naturalmente. Você vai perceber que ainda gosta dele, vai lembrar dos oito anos que ficaram juntos, e no fim vai se dar conta que é ao lado de um homem que você deve reconstruir sua vida.
– Pai… Eu não quero me aproximar de Mike. – Sam dizia incomodada.
– Ele me contou que vocês têm saído para jantar, que tem feito coisas juntos, e que estão se dando bem novamente. Você não acha que isso não significa algo? Seu sentimento por ele está voltando, tudo apenas ficou adormecido aí dentro durante o tempo em que você estava na estrada.
– Sim, temos nos entendido, saímos algumas vezes, mas é só amizade, ainda não tenho amigos aqui na Nova Capital.
– Dê uma chance ao amor de vocês, aquela mulher nem ficará sabendo, ela está em coma profundo, vegetando. Lynn me disse que os médicos acham que ela vai continuar assim para sempre.
– Existe chances de ela acordar. E mesmo que ela não acorde, eu não quero mais ter nada com Mike, eu apenas tenho carinho por ele, é uma companhia e um amparo que tenho aqui.
– Não me decepcione mais uma vez, filha.
– Eu sinto muito, pai… Eu só quero fazer o certo.
– Eu entendo seu gesto, acho nobre da sua parte querer tomar conta da mulher que tentou te salvar, mas sua gratidão é tudo que você deve, nada mais que isso.
Sam estava desconfortável com a conversa, seu pai era a figura que aprendera a ouvir e respeitar, sentia-se mal em contrariá-lo ou decepcioná-lo.
– Pai, você vai amanhã no hospital comigo visitar Theo?
– Claro que não, eu vim para esse continente apenas para tentar colocar juízo na sua cabeça.
***
Elliot passaria cinco dias na mansão de vidro, não foi em momento algum visitar Theo, nem ao menos perguntou sobre seu estado de saúde. No seu penúltimo dia de estadia, os quatro faziam um último passeio pelo litoral de San Paolo, no meio da tarde.
– Theo tem uma casa na cidade vizinha, em Ilhabela. – Mike disse, estavam todos num quiosque à beira-mar.
– Da próxima vez que vocês vierem, podemos nos organizar melhor e passar alguns dias na casa de praia, quem sabe Theo já poderá nos acompanhar. – Sam completou.
– Deve ser uma mansão também. – Lindsay comentou.
O comunicador de Sam tocou, era Leticia.
– Tudo bem por aí? – Sam a indagou.
– Mais ou menos, bom, você pediu para te manter informada, por isso estou ligando.
– O que aconteceu? – Sam curvou-se para frente, preocupada.
– Theo está com pneumonia, isso piorou tudo, tiveram que aumentar os parâmetros do ventilador mecânico, mas não tem adiantado muito, a taxa de oxigênio no sangue está baixa.
– Meu Deus… Mas ela vai ficar bem, não vai?
– Está medicada agora, temos que esperar. Escute, sei que você tem passado dias agradáveis com sua família, eu não quero interromper nada.
– Estou indo.
– Tem certeza?
– Sim, obrigada por me ligar. Onde você está?
– Ao lado dela.
– Ok, acho que consigo chegar aí em duas horas.
– Tudo bem, estarei por aqui.
Sam encerrou a ligação, Mike prontamente a indagou.
– Você vai voltar para a capital agora?
– Eu preciso ir, Theo não está bem, teve uma convulsão, e está com pneumonia.
– E ela acordou por acaso? – Elliot perguntou.
– Não, continua em coma, mas eu quero ficar ao lado dela.
– Mas estamos no meio da tarde, o dia está lindo. – Mike reclamou.
– É melhor irmos, Sam está preocupada. – Lindsay sugeriu.
Sam olhou para sua família na mesa, e decidiu.
– Estou indo, Theo precisa de mim. – Fez o pagamento com pressa, saindo em seguida da mesa.
À tardinha todos já estavam de volta, e Sam estava ao lado do leito na UTI, em companhia de Letícia, Mike, Elliot e Lindsay.
– Que susto você me deu, mocinha. – Sam tomou a mão direita de Theo, a pousando em seu rosto.
– Ela precisa lutar contra essa pneumonia. – Letícia disse num tom baixo, ao seu lado, com a mão no ombro de Sam. – Senão pode complicar bastante.
– É só mais um percalço na recuperação, ela vai superar, eu sei que vai. – Sam beijou a palma da mão de Theo, demoradamente.
– Claro que vai. – Leticia sorriu, em apoio.
– Amor, é hora de reagir, não deixe uma pneumonia te derrubar, ok? – Sam dizia para Theo.
– Por que você fala com ela? Theo não pode te ouvir, ela está em coma. – Mike disse.
Sam mudou de semblante, soltou delicadamente a mão de Theo de volta ao leito. Levantou da cadeira e fitou com Mike com cara de poucos amigos.
– Eu converso com ela todos os dias, eu converso por horas a fio, e além disso eu coloco música para ela ouvir todas as manhãs. – Sam ia vociferando. – Enquanto ela estiver viva, eu irei falar com ela, por que eu sei que isso faz diferença, e tenho certeza que ela sabe que estou ao seu lado. Portanto pense duas vezes antes de abrir a boca para falar asneiras.
Todos olharam assustados para Sam, que parecia ter perdido a paciência.
– Isso não é jeito de falar com seu noivo. – Elliot a censurou.
– Pai, Mike é meu ex-noivo, e mesmo se ele fosse meu marido, ou o diabo que o parta, ele não teria direito de falar nada a respeito de Theo.
– Pelo visto essa mulher te corrompeu mesmo, perdeu totalmente o respeito por nós.
– Não, pelo contrário, foi convivendo com Theo que eu aprendi o que é de fato respeitar quem a gente gosta, e vocês não estão me respeitando, nem respeitando a mulher que eu amo. – Sam percebeu a força em suas palavras, e gostou de como se sentiu.
– Eu não tenho mais nada para fazer nesse lugar decadente. – Elliot vestiu sua jaqueta e saiu do quarto. Mike e Lindsay a olharam sem reação.
– Levem ele para casa, por gentileza. Eu vou passar a noite aqui. – Sam determinou.
Resiliência: s.f.: Capacidade que um indivíduo ou uma população apresenta, após momento de adversidade, conseguindo se adaptar ou evoluir positivamente frente à situação.
Nossa! Fiquei com o coração na mão, a cada piora da Theo é uma palpitada no meu coração, ela não pode morrer, tem que viver, ficar com a Sam e superar isso tudo. Cris, que gosto é esse de maltratar a Theo? Podia pegar mais leve com ela :c
Maria, tenha pensamento positivo, é apenas uma fase difícil para Theo, mas ela já passou por coisas horríveis e sobreviveu. Veremos sim Theo andando por aí comendo bifes com batatas fritas.
p.s.: adoro maltratar a bichinha.
Adorei o capítulo!
Então Theo é ariana? Agora nem vou me preocupar mais,se ela é ariana vai sobreviver com certeza!!! Teimosia, ops, persistência é o dom dos arianos.
Senti uma ironia “sutil” no grito de horror de Leticia hahaha
Nem é pra tanto, né gente? Adoooooro meu signo 😉
Exato, Fernanda. Ela é ariana, ou seja, nada vai derrubar essa menina, nem que precise arrancar mais braços com motosserras.
Letícia vai se acostumar com o fato, mal sabe ela que áries é o melhor signo do zodíaco.
p.s.: também sou ariana e também adoro meu signo 😉
Jura que voce também é uma abençoada?!?! hahahaha
Eu deveria ter desconfiado dessa simpatia imediata que senti por vc quando comecei a ler Amigos de Aluguel. rs
Falando nisso, não posso deixar de te parabenizar mais uma vez pelo seu talento impar para tratar de assuntos delicados como a bissexualidade. Voce sempre faz isso de uma forma tão delicada e natural, sem tomar partidos ou menosprezar os dramas internos de cada personagem. E isso mesmo quando as suas leitoras estão a dois passos de pegar em armas para matar o personagem masculino kkkkkkkkkkkkkkkk
Exatamente!!
Foi isso que comentei no cap 2.
Enfim alguem que entende meu desconforto.
O cara fica pagando de patrão na casa da menina. Ainda nao perdoei a Sam.