Capítulo 30 – Gymnopédies

Capítulo 30 – Gymnopédies

 

O grupo de garotas, agora menor, acomodou-se num espaço reservado num bom restaurante no centro de Ilhabela, era possível ver os outros clientes, mas alguns seguranças faziam uma discreta linha de segurança as separando do restante das pessoas.

Pediram a sobremesa, a essa altura Theo já estava à vontade, apesar de estar num local público.

– E que fim levou Isadora? Foi embora hoje cedo mesmo? – Maritza perguntou.

– George disse que chamou um taxi para ela. – Sam respondeu.

– Isadora. – Theo falou se dando conta.

– Já está bem longe, não se preocupe. – Sam afagou sua mão.

– Foi ela, foi ela que tirou os tubos do lugar.

Sam a encarou com confusão.

– Hoje cedo? Você acha que ela fez isso?

– Não, eu estou lembrando agora, ela veio ao meu quarto, brigamos, ela fez algo que parou o oxigênio.

– Ela foi ao nosso quarto enquanto eu estava na cozinha? Eu não acredito! – Sam se enfurecia, atirando o guardanapo na mesa.

– Foi, disse que queria se despedir e pedir desculpas, eu estava possessa demais para desculpar qualquer coisa, a conversa não seguiu nada bem. Por isso que eu desci as escadas correndo, porque eu não consegui religar o oxigênio, acabei caindo, perdi a máscara, saí feito uma desesperada para te buscar.

– Isso não vai ficar assim, eu vou encontrá-la.

– Não vai adiantar nada, Sam.

– Theo, o que ela fez foi tentativa de homicídio, você sabe que poderia ter morrido, não é exagero, eu quero que ela pague por isso.

– Ela está em San Paolo agora, ou sabe-se lá onde. – Letícia disse.

– Você lembra de mais alguma coisa? Algo que ela tenha feito com você?

– Foi só o oxigênio mesmo. – Theo respondeu.

– E todas as merdas nos últimos dias… – Sam transpirava irritada, bebeu quase metade do seu copo de vinho. – Aquela vadia.

– Sam, não xingue. – Theo a recriminou.

– Desculpe interromper, mas vocês conhecem aquele cara ali fora? Ele já está há algum tempo olhando para nossa mesa. – Dani apontou com a cabeça na direção de uma vidraça que ficava atrás de Sam e Theo.

Sam virou-se discretamente, e avistou um homem alto, recostado num carro, falando num comunicador, distante dali uns trinta metros.

– Deve ter parado o carro para atender uma ligação. – Letícia disse.

– Pode ser, mas que é estranho é, com esse bigodão e sem um braço. – Dani disse.

– Que? – Theo congelou, apavorada.

– Realmente está estranho. – Sam continuou olhando por cima do ombro. – Mas já está indo embora.

– Sam, é o segurança!

– Que segurança?

– Do Circus, aquele que eu enfiei a motosserra no braço, ele tem um bigode grande e bizarro.

– Deve ser coincidência. – Sam virou-se para trás, olhando melhor.

– Um cara alto, magro, cabelos castanhos, calvo, provavelmente o braço amputado é o esquerdo.

– Bate. Droga. – Sam levantou da mesa rapidamente.

– É ele.

– Eu vou atrás dele.

– Não, não, Sam, não vá. – Theo pedia.

– Eu levo um segurança comigo.

– Sam, não.

– Ok, levo dois. Eu já volto.

Dez longos minutos depois, Sam e os seguranças retornaram.

– Sumiu. – Comunicou e voltou a sentar ao lado de Theo.

– Ele estava nos espionando.

– A mando de Elias.

– Talvez seja vingança pessoal, mas é bem provável que seja a mando de Elias mesmo.

– Então estamos correndo algum risco aqui? – Maritza perguntou.

– Não acho que alguém tente algo num lugar público, mas os seguranças ficarão mais alertas, não se preocupem, ok? – Sam acalmava a mesa.

– Sim, não há com o que se preocupar, é só alguém observando meus passos, se algum dia ele tentar algo, será para me levar com vida para a Zona Morta para que eu sirva como cobaia de laboratório, está tudo em paz.

– Em paz?? – Letícia assustou-se.

– Vocês não correm risco. – Theo arrematou.

As sobremesas foram servidas, mas todas apenas olharam seus pratos ou taças. Theo percebeu que não mexeram em suas refeições, não ouviu os ruídos.

– Pessoal, é o aniversário dela, esqueçam isso, comam as sobremesas, peçam mais vinho. – Theo pediu.

– Está tudo sob controle, relaxem. – Sam incentivou.

– Se vocês garantem. – Maritza deu de ombros e começou a comer.

Sam também começou a comer seu doce vermelho.

– Theo, prove esse doce.

– Onde? Qual?

E a beijou.

– Morango? – Theo sorriu.

– Uhum. Quer se certificar?

– Quero. – Theo respondeu de forma arteira, Sam conseguira dissipar seu nervosismo com sucesso.

***

– Sinto muito pelo luau. – Sam disse.

Estavam sentadas no tapete da sala, era próximo da meia-noite. As outras garotas haviam subido há pouco para seus quartos, o casal permaneceu ali, numa conversa lenta. Theo estava sentada no chão, recostada no sofá, Sam encaixada em seu colo, lateralmente, recebendo afagos em seus cabelos.

– O dia foi agitado demais, teremos outras ocasiões para o luau. – Theo respondeu num suspiro.

– Mas eu fiquei satisfeita com o jantar, queria que soubesse disso. Estou feliz por ter passado meu aniversário com você.

– Era para você estar casando com Mike hoje, não era? – Theo riu.

– Era. – Sam sorriu, se dando conta.

– Se você não tivesse me conhecido, ou se eu tivesse batido as botas, você estaria agora devidamente casada, seria oficialmente a senhora Philips.

– Graças a Deus é aqui no seu colo que eu estou agora.

– Sua vida seria mais simples, mais tranquila. Você estaria agora na festa do seu casamento, dançando com seus sobrinhos em cima dos seus pés, orgulhosa com uma aliança dourada na mão esquerda, se preparando para lançar o buquê. Daqui a pouco se despediria de algumas pessoas e do padre Clive, e partiria para a lua de mel, no carro emprestado do cunhado, para alguma cidade litorânea dentro da Inglaterra. Você talvez tivesse largado o exército para se dedicar ao seu marido, Mike estaria de licença, reclamando que seus subordinados estão sozinhos no quartel, que é por uma boa causa, mas no fundo ele realmente estaria pensando nisso, no quartel sem a ilustre presença dele. Vocês fariam sexo por dez minutos, você não gozaria, gostaria mais do que nunca ter tido mais prazer, é uma noite especial, mas entenderia, é assim que funciona. Mike está cansado, o deixaria dormir sem incomodá-lo, afinal ele já cumpriu a parte do homem no casal. Mas você estaria radiante, desde os oito anos que você imagina como seria esse dia, em cada detalhe, não saiu como esperado, mas não importa, agora você é uma mulher casada, ganhou o respeito máximo da igreja e dos vizinhos, teria encontrado finalmente seu lugar na sociedade, estaria com a sensação de estar acertando na vida, estar honrando seu pai, suas únicas preocupações agora seriam cuidar da casa nova recém entregue e adotar algumas crianças daqui dois anos. Estaria feliz, um outro tipo de felicidade.

– Uau. – Sam acompanhou tudo atentamente, ainda assimilava.

– Acertei quanto?

– Errou o fim. Eu não estaria feliz, estaria conformada.

– Isso é subjetivo.

– É o que importa. Nessa sua descrição do meu dia hipotético de casamento, você errou os pesos. A Samantha dessa sua historinha não existe mais, eu rompi essa linha cronológica, por mais improvável que parecesse há um ano atrás, mas… Aqui estou, vivendo o avesso do meu papel e feliz.

– Mas se não tivesse rompido, nunca saberia da existência desse avesso, e estaria feliz dentro da sua ignorância.

– Theo, eu sabia que existia um avesso, eu nunca fui feliz seguindo meu papel, então porque estaria feliz hoje, dentro daquela igreja num vestido branco? Eu tinha consciência que não era feliz vivendo aquela vida, só nunca imaginei que eu tinha direito de romper.

– Você percebia que tinha algo errado?

– O tempo todo, meu amor. – Sam sorriu. – É isso que você não entendeu ainda.

– E agora? Ainda é estranho, né?

Sam tomou a mão dela, brincando com seus dedos.

– Eu estou onde sempre quis estar, mesmo sem saber onde era esse lugar. Isso… – Sam levou a mão dela até sua boca e beijou. – Ou o que eu sinto quando faço isso, entre tantas outras coisas, é o que me diz que agora estou fazendo a coisa certa.

– Eu queria ver sua carinha agora. – Theo deixou seus dedos correndo suavemente pelo rosto dela.

– É uma carinha feliz, pode apostar. – Sam lhe roubou um beijo.

– Quem diria, tínhamos 23 anos quando nos conhecemos, agora você tem 24 e eu fiz 23 de novo. – Theo riu.

– Tenho quase o dobro da sua idade.

– Por falar em aniversário, você deve estar se perguntando onde está seu presente.

– Isso sequer passou pela minha cabeça.

– Mas eu comprei um presente para você.

– Ah é? E onde está?

– Digamos que não ficou pronto.

– Pronto?

– É uma longa história, mas não posso entrar em detalhes, é surpresa.

– Você mandou fazer algo?

– Não, já está pronto, mas ainda… Ah, Sam, não posso explicar. Eu achei que poderia te entregar por agora, mas não deu.

– Só para eu entender: ainda ganharei?

– Sim, em breve.

– Me dê uma pista.

– Eu quero te entregar numa viagem à Baia.

– Por que lá?

– Tem um motivo especial, mas não falarei mais nada. – Theo cruzou os dedos sobre os lábios.

– Isso não foi uma pista.

– Segure a curiosidade. Não gosta de surpresas?

– Prefiro fazer surpresas. E você?

– Eu gosto mais de receber.

Sam roubou um beijo.

– Como beijos surpresas?

– Principalmente beijos surpresas.

Sam roubou um beijo mais longo.

– Você nunca consegue roubar beijos, você vem com essa mãozinha nervosa procurando minha boca antes de me beijar.

– Talvez porque eu não enxergue. Se eu não usar a mão para me guiar, na melhor das hipóteses, vou beijar sua orelha, ou sua sobrancelha. – Theo ironizou.

– Eu adoro quando vejo sua mãozinha vindo na minha direção.

Theo riu e cobriu a boca dela. Sam removeu a mão dela de cima da boca, a pegou pela cintura, e a deitou no tapete, ficando por cima dela.

– Vamos dormir aqui na sala? – Theo perguntou rindo.

– Claro que não, mãozinha nervosa, só vou dar uns amassos antes de dormir. – Sam brincou, lhe dando um longo beijo repleto de suspiros.

Cessou o beijo para descer pelo pescoço dela, e a mão por dentro da blusa, levantando seu sutiã.

– Você fica ainda mais tarada quando bebe vinho. – Theo zombou, Sam riu abertamente.

– Eu sou tarada por você. – Sam disse maliciosamente, com o rosto acima dela, os cabelos caindo pelas orelhas.

– E o que a aniversariante vai pedir hoje?

– Sexo de dez minutos.

Ambas gargalharam.

– Não trabalhamos. – Theo respondeu.

– Então eu quero te levar para o quarto e arrancar sua roupa… – Sam sussurrou em seu ouvido.

– Ah… Acabei de lembrar de uma coisa, uma má notícia que esqueci de te dar.

– Que má notícia? – Sam sentou em seu quadril.

– Na verdade é uma boa notícia, mas para você neste momento é péssima.

– Pare de enrolar.

– Eu fiquei menstruada hoje.

Sam franziu o cenho.

– Mas você não fica menstruada.

– Finalmente a visitinha retornou.

– Mas você ainda toma um monte de remédios, eles cortam, não cortam?

– Eu tomo bem menos agora, Sam, meu corpo está voltando ao normal.

– Então isso é uma boa notícia.

– De forma geral sim.

– Por que seria má notícia?

– Por causa das suas pretensões neste momento.

– Pretensões?

– Sexo, Samantha.

– E o que tem?

– Quando você deixou de menstruar?

– Aos 17.

– E como Mike não é um ser menstruante, então você não faz ideia do que é estar num relacionamento onde alguém menstrue, certo?

Sam ficou alguns segundos pensativa antes de responder.

– Não podemos fazer sexo nesses dias? – Finalmente assimilou.

– Algumas pessoas fazem, eu não me sinto à vontade.

– Ãhn… Tudo bem.

– Mas me refiro apenas a receber, eu não gosto que façam em mim nesses dias.

– O que isso significa?

– Que eu posso fazer uma infinidade de coisas em você.

– Não é a mesma coisa.

– Você está dispensando uma boa gozada? – Theo riu, Sam estava vermelha do vinho, do tesão, e agora de timidez também.

– Nessa conjet… conjec… conju…

– Conjectura.

– Nessa conjectura eu prefiro subir com você e ficar namorando, o que é tão bom quanto sexo.

– Como queira, aniversariante.

***

– Serão apenas três dias, você nem vai perceber minha ausência. – Sam comunicava enquanto arrumava uma pequena mala em cima da cama, dez dias após o retorno da praia.

– É impossível não sentir sua falta e imensa tristeza, mas talvez seja mesmo uma boa oportunidade para você dar um passo além na Archer, com essa viagem ao Uruguai. – Theo respondeu, estava deitada ao lado da mala, atravessada na cama.

– Você está deitada em cima das minhas calcinhas?

– Não.

Sam a virou para o lado.

– Hey!

– Você estava em cima das calcinhas.

– Quem mais vai?

– Claire, Stefan e Sandro.

– Quem te convidou?

– Claire, ela não queria ir sozinha com esses dois caras para Montevidéu, e também disse que seria interessante para mim, participar da negociação da compra de um laboratório.

– Vocês estão indo para começar ou fechar o negócio?

– Espero que fechar, estamos negociando há dois meses. – Sam respondeu enquanto colocava uma pilha de roupas na mala.

– Claire safada. – Theo riu, enquanto atrapalhava a arrumação de Sam com o pé.

– Você tá bagunçando tudo, Theo. – Sam disse segurando seu pé. – E que meia suja é essa? Você não toma banho?

– Tomo banho, mas reciclo as meias até ficarem sujas.

– Essa está imunda. – Sam disse e tirou as meias dos pés dela. – Achei que você não gostasse de andar de meia.

– Não gosto de dormir com meias, é diferente.

– Por que você disse ‘Claire safada’? – Sam atirou as meias no banheiro.

– Ela vai adorar passar três dias grudada em você.

– É uma viagem profissional.

– A quedinha dela por você não é nada profissional. – Theo voltou a mexer no interior da mala com os pés, agora sem meias.

– Ok, agora eu também concordo que ela talvez tenha uma quedinha por mim. – Sam segurou os pés de Theo e puxou. – Mas ela nunca tentou nada, e sempre me respeitou.

– Apenas se mantenha alerta e tenha juízo, minha cabeça já tem chifres demais.

– Não vai acontecer nada. – Sam virou a cabeça e fez uma careta. – Theodora, você tem chulé.

– Claro que não.

– Tem sim.

– Você pode soltar meus pés, por gentileza?

Sam soltou seus pés e foi buscar algo nas gavetas.

– Sam?

– Sim?

– Onde você foi essa madrugada?

– A lugar algum.

– Eu acordei e não encontrei você.

– Ah, fui na cozinha comer algo, fome da madrugada.

– Hum… Fome da madrugada. – Theo continuava deitada atravessada, com as mãos abaixo da nuca.

– Fui fazer um sanduíche.

– Semana passada também?

– Não lembro.

– Sam, é a quarta vez que acordo e não te encontro na cama, todas as vezes foram sanduíches?

– Provavelmente, eu costumo ter fome quando acordo para ir ao banheiro, eu janto cedo.

– Jantamos no mesmo horário.

– Mas você não acorda com fome, eu sim, algum problema?

– Não, nenhum. Espero que esteja levando sanduíches para Montevidéu. Hey, o que é isso? – Sam atirou algo nela.

– Meias limpas.

***

Três dias depois.

– Eu estou com taquicardia de tanta saudade. – Theo dizia no comunicador.

– Você está sendo melodramática, Claire está aqui do lado rindo do seu drama. – Sam respondeu, tomava café da manhã no hotel com a loira.

– Eu vou mandar para seu comunicador o log das últimas medições dos meus batimentos, você vai ver como estou sofrendo de saudades. – Theo riu.

– Amanhã à tarde já estarei de volta. E conversaremos sobre aquele assunto que falei ontem.

– Qual?

– O conselheiro que não gosta de mim, Stefan. – Sam disse em voz baixa.

– Acho que isso é coisa da cabeça de vocês duas, Stef não iria sabotar o próprio patrimônio, ele também tem uma porcentagem da Archer, assim com Claire e os outros conselheiros.

– Não sei, algo me diz que ele está tramando algo.

– Ok, junte as provas e depois conversamos. Ah, comprei ingressos para nós.

– Ingressos de que?

– Um concerto daqui duas semanas.

– De qual banda?

– É um concerto de música clássica. Topa?

– Claro, mas e seu medo de sair em público?

– Já está na hora de curar isso, vamos fazer uma tentativa.

– Ãhn… Ok, quando eu chegar a gente conversa melhor.

Sam repousou o aparelho na mesa, e voltou a tomar seu suco, sob a observação de Claire, com seu habitual semblante sereno.

– Temos que nos precaver com Stefan, judicialmente. – Claire iniciou a conversa.

– Como?

– Não sei, quando voltarmos para San Paolo eu vou marcar uma reunião com os advogados, apenas aqueles em que confio, você vai participar, e acho que seria uma boa ideia Theo participar também.

– Theo não está nem aí para essas coisas.

– A empresa é dela, Theo precisa participar mais das decisões importantes, pelo menos se inteirar das operações e dados básicos.

– Eu vou convencê-la a ir até a Archer, já está na hora dela visitar a própria empresa.

– Bom, mas chega de negócios por hoje. – Claire levou o guardanapo aos lábios, havia terminado o café. – Hoje é nosso dia de folga.

– Não temos reuniões hoje?

– Não, nenhuma. – Claire sorriu.

– Vamos passar o dia no hotel finalizando os detalhes do contrato?

– Stefan e Sandro estão providenciando isso, eles estão voltando para San Paolo agora de manhã.

– E nós?

– Reservei esse dia para conhecermos um pouco de Montevidéu, o que acha? Dizem que a cidade é bastante cultural.

– Achei que seria mais um dia falando de números. – Sam sorriu sem jeito. – Mas sua ideia realmente me parece mais agradável.

– Eu soube que você gosta de artes plásticas, dei uma pesquisada e descobri um museu de arte aqui perto, o que me diz?

– Eu nunca fui em algo do tipo. – Sam respondeu de olhos brilhantes. – Podemos entrar?

– Claro, é aberto ao público. E tem um bairro aqui na capital cheio de murais e paredes com artes urbanas, podemos ir lá também, no final do dia dizem que tem música ao vivo. – Claire levantou da mesa, animada. – Vamos, prometo um dia prazeroso para todos os seus sentidos.

***

– Por que você está fazendo essa cara? – Theo perguntou, estava largada no sofá da sala de mídia da mansão, duas semanas depois da viagem de Sam.

– Como você sabe que cara estou fazendo? – Sam acabara de entrar na sala, mas parou na porta e a observava.

– Você chegou mas não veio para o sofá, ou está no comunicador, ou está me olhando com alguma cara pensativa. Ou está terminando de comer algo que não quer dividir comigo.

– Como está sua mão boa?

– A direita? Cansada, já que a esquerda é um tanto burra. Quer os serviços da minha mão hoje? – Theo perguntou com um sorriso malicioso.

– Quero, mas não para o que você está pensando. Pegue as muletas e venha comigo.

– Devo lavar as mãos?

– Eu já falei que não é para o que você está pensando. Venha. – Sam a conduziu pelo corredor até o final da sala, com as mãos em seus ombros.

A colocou sentada ao piano, e sentou-se ao seu lado, abrindo a tampa transparente sobre as teclas.

– Quer que eu toque? – Theo perguntou.

– Quero, mas espere um pouco.

– Ok. Está escolhendo qual música quer? Tem que ser algo bem fácil, porque só a mão direta consegue tocar direito, e eu estou enferrujada.

– É que estou um tanto nervosa, preciso de um minuto. – Sam parecia inquieta.

– Nervosa por que? – Theo virou-se, procurando o rosto da namorada com a mão direita.

– Você pode tocar a Gymnopédie nº1 de Satie? Mas apenas com a mão direita.

– Ela vai ficar bem estranha tocada com uma mão apenas.

– Tudo bem. Você consegue?

– Consigo.

Theo pousou os dedos sobre as teclas, respirou fundo e iniciou a lenta melodia. Assustou-se ao ouvir o som das outras teclas tocando, Sam estava fazendo a mão esquerda na música.

Após a surpresa, Theo abriu um sorriso, iluminando a grande sala, e a dupla continuou tocando, em conjunto, Sam parecia compenetrada, mas também com um sorriso arteiro.

Depois de poucos minutos, a música encerrara, Sam pousou sua mão por cima da mão de Theo, sobre as teclas.

– Só sei até aqui. – Sam disse baixinho.

– Você sabe tocar piano? – Theo perguntou sem entender o que havia acontecido.

– Não, aprendi o básico, e ensaiei bastante essa música, para poder te acompanhar.

– Quando? Quando aprendeu isso?

– Eu fiz aulas nas últimas semanas.

– Fez? – Theo estava incrédula, mas alegre.

– Uma vez por semana, à tarde. E pratiquei algumas vezes de madrugada.

– Suas fugas na madrugada!

– Sim, não era fome, mas eu precisava inventar uma desculpa.

Theo sorriu balançando a cabeça, se dando conta.

– Eu não desconfiei de nada.

– Que bom.

– Desde quando?

– Lembra o dia que Michelle te visitou e vocês estavam especialmente irritantes? Eu sai de casa e fui procurar algum lugar que tivesse aulas de piano, queria ser a sua mão esquerda.

Theo segurou seu rosto com carinho, ostentando um sorriso bobo.

– Essa foi a coisa mais bonita que já fizeram por mim.

– Isso significa que gostou?

Theo balançou a cabeça de forma afirmativa, e a beijou.

– Você sabe, não sabe? – Theo perguntou baixinho enquanto a abraçava.

– O que?

– Que eu te amo.

 

As Gymnopédies são três composições para piano escritas pelo francês Erik Satie, publicadas em Paris a partir de 1888, mas também se referem a curtas e atmosféricas peças escritas no tempo ¾.

 

 

4 comentários Adicione o seu
  1. ‘… queria ser a sua mão esquerda.’ Linda, linda, linda! A Sam cada vez mais fofa, mais amável, mais apaixonante! Eu já disse anteriormente, e repito novamente, a Sam está se superando e eu realmente espero que ela possa continuar crescendo como pessoa, pq a Theo merece a perfeição, nada menos que isso.
    E olha, nada vai estragar esse momento mega guti-guti das meninas, mesmo o medo sendo exagerado, eu confio demasiadamente na Sam e sei que ela é capaz de dar a vida dela pela nossa menina. Puxa vida, voto por mais momentos assim delas duas. hahaha

    1. Olha, nem eu to reconhecendo a Sam ultimamente, ela é uma personagem que eu deixo me levar. Apesar da história ser planejada com antecedência, ela ganha várias cenas de improviso, que não estavam no mural de post its.
      Estragar, estragar mesmo, eu não vou tão cedo, mas um ou outro momento crítico acaba surgindo. Confesso que por mim só escrevia de agora em diante cenas leves e fofas, estou nessa vibe, mas o plot me chama.
      Obrigada, Ana, bjo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *