Capítulo 16 – Faileas

– Espera, como você sabe que sua urina estava vermelha? Visão supersônica interior? – Meg a questionou.

– Magda me disse ontem.

– E ela não fez nada?

– Me deu antibiótico e disse que me levaria para o hospital, mas eu a convenci a esperar um pouco.

– Precisamos ter uma conversa séria com Magda, não é a primeira vez que ela vacila.

– Nããããão, Magda foi legal.

***

Próximo ao meio-dia, a dupla militar entrou no quarto de um hotel de três estrelas. Sam orientou Maritza com suas coisas, e deitou-se em sua cama, mexia em seu comunicador.

– Essa será sua moradia até amanhã, então fique à vontade, peça comida se quiser. – Sam orientava, digitando algo.

– Para onde você vai?

– Procurar um lugar, vou aproveitar que estou na Zona Morta.

– Quando vai?

– Dentro de duas horas, já reservei o helicóptero. Por que ninguém me atende? – Sam tentou algumas ligações, sem sucesso.

– Você ganhou na loteria?

Sam largou o comunicador no colo, fitando Maritza.

– Esse dinheiro não é meu.

– Você e Mike reataram? Eu soube que ele descolou uma grana com aquele negócio ilícito. – Maritza estava sentada em sua cama, e falou num tom baixo.

– Não, não reatamos. E pelo que soube, confiscaram as contas bancárias dele depois que ele foi expulso.

– Ele foi expulso?

– Do exército, de casa…

– O que você está fazendo aí?

– Mandando mensagens, pedindo informações sobre Theo, já que ninguém me atende.

– A pessoa que você ligou mais cedo?

– Sim.

– Seu namorado?

– Namorada. – Sam respondeu sem tirar os olhos do comunicador.

Maritza riu.

– Você realmente não quer me contar quem é esse patrocinador sigiloso, hein? É algum militar?

– Acabei de contar.

Maritza parou de sorrir, a fitando séria.

– Você tem uma namorada?

– Tenho sim. Não se mexa. – Sam apontou o comunicador para ela.

– O que você fez? Você tirou uma foto minha?

– Sim, registrando sua reação. – Sam riu.

– Que história é essa? Você não é homossexual, é alguma piada comigo?

Sam esfregou os dedos nos olhos, e largou o comunicador na cama.

– Não, não tem piada, eu gosto de uma garota, qual o problema? Vai me julgar?

– Não, não vou… – Maritza baixou a cabeça, assimilando.

– As pessoas mudam, evoluem, se descobrem. Existe vida além quartel, Maritza.

– Tudo bem, não vou te julgar, a vida é sua. Mas que é estranho, é.

– Daqui a pouco você se acostuma, e duvido que continuará achando isso estranho quando conhecer Theo, ela é um docinho. – Sam dizia com um sorriso bobo.

– Você mora com ela?

– Moro sim, e é para lá que você está indo, ela ofereceu a casa a você com boa vontade, disse que você pode ficar o tempo que quiser.

– Ela que está pagando tudo isso? Em troca de que?

– Maritza, ainda existem pessoas de bom coração no mundo. E para seu conhecimento, saiba que foi sugestão dela que eu viesse te buscar.

– Mas ela nem me conhece.

– Ela sabe que você é minha amiga, e ela esteve ao meu lado o tempo todo enquanto buscávamos um novo coração, ela entende o que você está passando.

– Mas quem precisava de um coração era você, não ela.

– Conhece a palavra empatia?

Maritza continuava sentada na beirada da cama de lençóis brancos alinhados, um tanto incrédula. Coçou a cabeça e voltou a falar.

– E ela tem dinheiro?

– Tem sim.

– É por isso que você está com ela?

– Não faça eu me arrepender por ter resgatado você.

– Desculpe, eu não consigo visualizar você namorando uma mulher, e fazendo aquelas coisas com uma mulher, e fazendo… É meio repugnante essa coisa de homem com homem e mulher com mulher, você também achava isso, essa coisa de sexo gay é nojento, é o que eu acho.

– Se você continuar seguindo essa linha, eu juro que vou trancar você no banheiro e vou embora. – Sam se enfurecia.

– Não está mais aqui quem falou. – Maritza foi para o banheiro, voltando minutos depois, com uma roupa mais confortável.

– Se você pedir algo para comer, posso almoçar com você antes de sair, tem o cardápio aí na tela, escolha algo. – Sam disse, novamente compenetrada no comunicador.

– Ok. – Maritza respondeu, mas continuou de pé fitando Sam.

– E então? – Sam ergueu a cabeça, correspondendo o olhar.

– Por que não tenta voltar com Mike? Ele é um cara legal.

– Mike é um babaca, é mais fácil eu cortar minha perna restante com uma faca de manteiga do que voltar para aquele idiota.

– Tem outros caras por aí, não tem homens bonitos em San Paolo?

– Ok. – Sam suspirou longamente, sentando na cama. – Theo teve paciência comigo, então terei paciência com você.

– Ela nem tem nome de mulher.

– O nome dela é Theodora.

– Ela é tipo, sabe… Aquelas mulheres macho? – Maritza falou com nojo.

– Eu acho que não tenho a mesma paciência que Theo… – Sam balbuciou de cabeça baixa, tentando manter a calma.

– Eu não estou te julgando, é só curiosidade, quero tentar entender no que você se meteu.

– Ótimo, então pouco importa a aparência dela.

– Sim, pouco importa. – Maritza continuava confabulando. – Ela é tipo aquelas mulheres que andam como se tivessem uma batata quente entre as pernas?

– Ela nem anda! Pare de falar merda, pelo amor de Deus.

– Ok, desculpe. Por que ela não anda?

– Por que sofreu um acidente.

– Você namora uma aleijada?

– Esquece, não vou almoçar com você. – Sam levantou, procurando o casaco no cabideiro do closet.

– Sam, me desculpe, eu prometo parar com as perguntas, não quis te ofender, nem ofender sua namorada. – Maritza foi atrás dela.

– Você vai parar com as perguntas idiotas?

– Vou, prometo. Vamos fazer o seguinte, vou pedir almoço, e depois eu vou com você procurar essa coisa que você está procurando.

– Prefiro que fique no hotel. – Ambas estavam dentro do closet.

– Não quero ficar aqui sozinha, eu vou com você, posso te ajudar, sou Borg agora.

Sam a fitou pensativa.

– Ok, mas temos que manter o máximo de discrição, ninguém pode nos ver, vamos passar a noite rodando por ruas escuras e lugares decadentes.

– Tudo bem, serei seu braço direito.

– Vamos procurar até o meio da tarde de amanhã, se encontrarmos ou não, pegaremos nosso voo para o Brasil à tarde, lá de Winnipeg mesmo, assim ganhamos tempo.

– Combinado. Só uma pergunta: o que estamos procurando?

– Um bordel, chamado Circus.

Maritza franziu o cenho.

– Um bordel? – Fez um semblante enojado. – Por que você está procurando um bordel? Não me diga que você…

– Ahhhhh!

– Ok, nada de perguntas.

Uma hora depois a dupla já cortava os céus nublados da Zona Morta num helicóptero, mas Sam não contemplava a paisagem, estava compenetrada no comunicador.

– Aconteceu alguma coisa? Você não solta esse aparelho. – Maritza perguntou.

– Eu deveria ter os IDs de contato das pessoas que trabalham lá em casa. – Sam resmungava, seu comunicador tocou e ela atendeu prontamente.

– Claire, aconteceu algo? Não consigo falar com ninguém aí.

– Não sei, cheguei no hospital agora.

– Theo está no hospital?

– Sim, mas está tudo sob controle, não se preocupe, ela está fazendo exames.

– Por que?

– A princípio é uma infecção urinária, ela já teve outras, vai se recuperar rapidinho.

– Não poderiam ter tratado isso em casa? Theo sempre pede que não a levem ao hospital.

– Não, ela realmente precisa de alguns exames mais complexos, mas ela está estável, está tranquila, já estou aqui no quarto com ela.

– Ela pode falar?

– Pode sim, e já está gesticulando pedindo para falar com você. Só um instante.

– Ok.

– Sam? – Theo estava com a voz baixa, debilitada.

– Amor, o que aconteceu?

– Nada, Meg insistiu em me trazer para exames, ela disse que vou embora daqui a pouco, é só uma infecção, como as outras que já tive. Como estão as coisas aí?

– Aqui está tudo bem, não se preocupe conosco, ok? Estamos chegando em Winnipeg agora.

– Não faça nenhuma besteira, não aja por impulso, estamos entendidas, oficial?

– Sim, senhora. Onde estão Letícia e Daniela?

– Na praia, emprestei a casa para elas passarem o final de semana, estão comemorando aniversário de namoro.

Sam reparava na voz minguante de Theo, na dificuldade em falar.

– Theo, quer ir para a praia quando estiver melhor?

– Quero, você iria? – Animou-se.

– Claro, basta nos planejarmos com antecedência, e poderemos passar uns dias na sua casa em Ilhabela, que acha?

– Você não está prometendo isso só porque estou doente, não é?

– De forma alguma, nós vamos para a praia em breve, você tem minha palavra de oficial.

– Eu quero. – Theo se esforçava para falar, estava com febre e falta de ar.

– Anote na sua agenda. Agora tente ficar quietinha, logo você estará melhor e em casa, vou pousar aqui.

– Cuidado.

– Terei cuidado redobrado. Te amo, fique bem logo, temos uma praia para ir.

Sam desligou e olhou pelas janelas, o helicóptero já se preparava para pousar.

– Mais tranquila agora? – Maritza perguntou, tomando sua atenção.

– Ela está com infecção, isso sempre é preocupante no caso dela, ela pode piorar rapidamente.

– Pelo menos se falaram, não fique tão ansiosa.

– Você tem alguma arma?

– Não.

– Não trouxe nenhuma arma do exército?

– Você não disse para trazer, disse para pegar meus objetos pessoais e roupas.

Sam suspirou, tirou uma arma das costas, e a entregou.

– Guarde essa com você, tenho outra aqui na frente, e uma pequena na perna.

– Você está armada até os dentes? Estamos lidando com o que? Cafetões?

– A pior raça de cafetões.

Um carro alugado já as esperava, em poucos minutos o carro fora estacionado numa rua lateral à rua onde Sam encontrou Theo na noite de Réveillon.

– Foi aqui. – Sam olhava para os lados, pensativa.

– Aqui o que? – Maritza esfregava as mãos com frio.

– Que encontrei Theo. Mas estava escuro e chovendo.

– Vocês devem ter uma boa história para contar aos seus filhos, sobre como se conheceram.

Sam deu alguns passos silenciosos para o interior da rua estreita e úmida, havia lixo por toda a extensão, Maritza hesitou, mas por fim a seguiu.

– Nossa busca será a pé? O que devo procurar? Letreiros? Mulheres da vida semi-nuas?

– Só estou tentando traçar um ponto de partida, de qual rua ela veio, e criar um raio de busca. – Sam mexia agora em seu comunicador

– Ok, apenas me esclareça uma coisa, essa garota saiu desse tal Circus, e veio parar aqui? Por que não pergunta a ela onde fica?

– Ela não sabe onde fica.

– Que péssimo senso de direção. – Maritza deu um risinho. – Ela morava aqui perto?

– Morava.

– Era frequentadora desse prostíbulo? Por que dizem que gays também frequentam esses buracos.

Sam parou de olhar ao redor e fazer cálculos. Baixou o comunicador e fitou Maritza, não teria como escapar da curiosidade dela por muito tempo.

– Ela trabalhava lá, em regime de escravidão, ela não faz ideia de onde fica porque nunca saiu de lá. Na verdade, quando finalmente conseguiu fugir, acabou nessa rua que estamos agora, onde a resgatei, mas não sabe por quanto tempo correu, nem por quantas ruas andou.

Maritza arregalou seus olhos, a olhando boquiaberta, quando fez menção de falar algo, Sam voltou a falar.

– E se você soltar uma vírgula de julgamento sobre isso que acabei de contar, eu decepo sua língua.

Imediatamente Maritza fechou sua boca entreaberta, mas ainda parecia chocada.

– Agora que você já sabe o que procuramos, vamos voltar ao carro e começar nossa ronda.

Sam caminhou com pressa e passadas firmes até o carro, com Maritza ainda assustada logo atrás.

– Mas… Mas… – Maritza balbuciou ao entrar no carro e fitar Sam.

– Mas o que? Fale logo. – Sam arrancou o carro.

– Uma… Uma mulher da vida? Já que você resolveu virar lésbica, porque não procurou algo melhor? Tantas mulheres limpinhas por aí.

Sam deu uma olhada rápida em Maritza, antes de começar a falar, calmamente.

– Use seus implantes de geolocalização, vamos ficar algumas horas rodando procurando por lugares suspeitos, depois vamos abordar moradores e transeuntes, vamos fazer uma pesquisa, preciso de você atenta o tempo todo. Posso contar com você, Ritz?

– Pode, eu vou prestar atenção.

Circularam alguns minutos, e Sam voltou a falar.

– Sabe, depois que fugi do exército eu estava vagando por essas ruas, na minha busca por um coração novo, dormindo em casas abandonadas, tomando café requentado, era uma vida um tanto complicada, estava completamente sozinha, por minha conta.

– Mas tinha o suporte de Mike e sua família a distância.

– Não me interrompa. Num desses dias miseráveis de andanças pela Zona Morta, eu acordei, encarei o espelho quebrado de um banheiro sujo, e então uma luz surgiu: vou virar lésbica, vou arranjar uma namorada recém-saída de um puteiro, cheia de traumas e ferimentos, e vou levá-la comigo nessa jornada, não tenho nada melhor para fazer no momento, e talvez ela goste de passear de carro comigo, tenho seis semanas de vida e menos de dois mil dólares para sobrevivermos.

– Foi assim que aconteceu?

– Me responda você, acha que foi assim que aconteceu?

– Me parece uma história absurda, você estava numa situação crítica, parecida com a que estou agora, e não consigo pensar em outra coisa que não seja conseguir um coração novo.

– Que bom que conseguiu perceber a asneira que falou minutos atrás.

A noite já estavam na segunda parte do plano, conversando com pessoas, perguntando por pistas, mas até o momento não haviam encontrado absolutamente nada. Haviam acabado de retornar ao carro, depois de conversar com algumas pessoas num bar, Sam recebeu uma ligação de Meg.

– Sam, eu vou passar a noite no hospital com Theo, essa é minha ID, me ligue quando quiser notícia do quadro dela.

– Ela ficou internada?

– Ficou, a infecção era pior do que o imaginado, mas não fique preocupada, ok, querida? A vontade dela de voltar para casa é tão grande que a infecção vai embora rapidinho com tamanha teimosia.

– Posso falar com ela? – Sam parou o carro abruptamente.

– Não, ela está sedada, amanhã eu a coloco para falar com você, só estou ligando para te dar notícias, está tudo sob controle.

– Vou abortar minha missão aqui, estou voltando para San Paolo hoje. – Sam comunicou.

– Ela não se chatearia com isso?

– Não sei, mas não estou tendo resultados produtivos aqui, não acho uma pista sequer desse lugar de merda, estou rodando em círculos.

– Tudo bem, então venha, mas venha com calma, ela está passando a noite aqui por precaução, o estado dela é bom. Letícia já esteve aqui agora a pouco, prometeu voltar, e Claire também está nos dando toda assistência.

Sam desligou a ligação e batia os polegares no volante, decidindo os próximos passos.

– Está com sono? – Sam perguntou a sua amiga que estava com a cabeça recostada no banco, sonolenta.

– Eu não preguei os olhos essa noite, preocupada com a fuga. Sua namorada está bem?

– Mais ou menos, mas eu quero voltar hoje para casa.

– Então vamos.

– Faremos o seguinte: vamos procurar por mais algumas horas, e antes do sol nascer estaremos no aeroporto, embarcando para o Brasil, chegarei a tempo de acordá-la.

– Você que manda, tenente Samantha Cooper ex Phillips.

– Se você prometer nunca mais me chamar assim, te dou café agora.

– Prometido.

Andavam pelas mesmas ruas decadentes e com letreiros luminosos que já haviam dado voltas e voltas, conversaram com mais pessoas, e nada foi descoberto. As três da madrugada caminhavam pelo saguão do aeroporto, com suas pequenas bagagens, na direção do embarque.

Na entrada do portão designado, além de dois guardas do aeroporto que faziam a conferência dos passageiros, haviam quatro militares fardados e com armas em punho, olhando atentamente os passageiros que adentravam.

Havia uma pequena fila no embarque, ambas perceberam os olhares dos militares para Maritza. Quase na vez delas, um deles cochichou para o outro, e exibiu a tela do comunicador, assentindo com a cabeça.

– Senhora? – Um deles se adiantou, e foi até Maritza, que tremia de medo.

– Pois não?

– Para onde é seu voo?

– Costa Rica. – Sam respondeu por ela. – É nesse portão, correto?

– Não, senhora, aqui é para o Brasil.

– Nossa, que cabeça a nossa, Connie, estamos na fila errada, vamos procurar o portão correto. – Sam a segurou pelo braço, Maritza parecia não entender o que acontecia.

– Senhora, por gentileza posso fazer um escaneamento de reconhecimento? – O militar se dirigiu à Maritza.

– Outra hora, temos que correr senão perderemos nosso voo. – Maritza desculpou-se e saiu apressadamente com Sam. Perceberam dois militares as seguindo, passaram por uma grande tela de nanobots que havia acabado de se formar ao seu lado, e na tela era exibida a foto de Maritza, com o status de procurada.

– Ferrou. – Sam sussurrou, e apertou o passo.

Chamaram um elevador, e ouviram os militares as chamando.

– Senhoras, preciso que me acompanhem.

– Corre, Maritza.

Saíram correndo pelo aeroporto, esbarando em pessoas e malas, sendo perseguidas agora por quatro militares.

– Parem! – Um deles parou e efetuou mira nelas.

O tiro paralisador atingiu a perna mecânica de Sam, que sentiu uma onda de choque intenso percorrendo seu corpo, mas não foi o suficiente para derrubá-la. Continuaram correndo, e do lado de fora, tomaram o carro de alguém que aguardava um passageiro.

– Sam, roubamos um carro!

– Faz parte. – Sam ainda ofegava, e dirigia loucamente pelas ruas de Winnipeg, olhando nas telas retrovisoras.

– Estão me procurando, como vou sair daqui? – Maritza se desesperava.

– Não sei, temos que pensar em algo. Mas precisamos ficar em segurança primeiro.

Sam dirigiu até um posto de recarga, lá tomou outro carro, para despistá-los, e dirigiu por mais algumas dezenas de quilômetros, já estavam em outra cidade.

– E agora, Sam? Que lugar é esse? Não me deixe aqui, por favor.

Sam parou o carro num lugar ermo à beira da rodovia, deixando o carro entre as árvores.

– Saia do carro, pegue suas coisas.

– Onde vamos? Não tem nada por aqui.

– Tem uma vila três quilômetros à frente, vamos andando até lá.

– E depois?

– Vamos refazer nossos planos.

A dupla caminhava pelo acostamento, Sam mancava com o tiro elétrico que havia recebido.

– Parece uma cidade fantasma. – Maritza reclamou ao entrar no vilarejo de beira de estrada.

– Não está abandonado, tem gente morando aqui, vamos procurar um canto onde poderemos fazer planos em segurança.

– Será que tem algum hotel aqui?

– Não precisamos de hotel.

– Não?

Entraram num pequeno galpão, que parecia ser uma oficina mecânica, com peças e ferramentas espalhadas pelo chão e bancadas.

– Que lugar imundo.

– É um bom esconderijo, e parece recém abandonado. Arranje um canto confortável, você vai tirar um cochilo antes de seguirmos.

– Eu vou dormir aqui?

– Um cochilo, e pela manhã vamos embora.

Após uma longa conversa analisando as possibilidades, decidiram tentar um aeroporto na parte americana da Zona Morta, mas os helicópteros não tinham permissão para cruzar a fronteira, teriam que alugar um carro e dirigir até Dakota do Sul, onde havia um pequeno aeroporto operante.

– Poderíamos roubar um helicóptero, já que roubamos um carro. – Maritza ajeitava um canto sobre papelões.

– Você tem menos de três horas para dormir, não desperdice. – Sam observou, e ligou para Meg, que a tranquilizou, Theo teria alta a tarde.

***

Theo acordou ainda sedada as oito da manhã, confusa.

– Sam? – Virou se com dificuldade para cima.

– Bom dia, querida. Sam não está aqui. – Meg respondeu, Letícia acordou também, dormia no sofá.

– Aqui onde?

– No hospital, você veio por causa da infecção urinária, que estava se espalhando.

– Eu quero ir embora… – Resmungou baixinho.

– Theo, minha filha, tenha calma, você terá alta em breve. – Letícia disse, coçando os olhos e se aproximando da cama.

– Eu quero a Sam, ela vai me tirar daqui.

– Nem Deus te tiraria daqui sem a assinatura do médico, você terá alta a tarde provavelmente, sua infecção está diminuindo, os leucócitos estão baixando. – Letícia respondeu.

– Eu quero a Sam. – Continuava falando, de forma emburrada e sonolenta.

– Ela está na Zona Morta agora, foi resgatar Maritza.

– Zona Morta?

– Sim, lembra que ela foi buscar Maritza e procurar o Circus?

Theo ficou pensativa por um instante.

– Hoje é segunda-feira?

– É sim.

– Então ela vem hoje.

– Se tudo der certo, ela vem sim. – Letícia sabia do embarque malsucedido em Winnipeg, mas pouparia Theo destas informações.

Theo fechou os olhos, parecia ter voltado a dormir, mas instantes depois voltou a falar.

– Eu quero ir para casa, eu quero falar com a Sam.

– Quer que eu ligue para ela? – Letícia perguntou.

– Eu quero falar com ela.

– Ok, já volto, vou ver se ela pode falar com você.

Letícia saiu do quarto, Theo ouviu o barulho da porta.

– Por que ela saiu do quarto?

– Ela já volta.

Letícia fez a ligação, sendo atendida por Sam que tentava alugar um carro numa locadora barata.

– Sam? Theo acordou, quer falar com você.

– Ãhn… Ok. Maritza, vá verificar as condições desse carro que ele falou.

– Você não vem comigo?

– Vá na frente, eu já vou. – Terminou de gritar, e voltou a falar com Letícia. – Ela está bem?

– Sim, a infecção está diminuindo, vai ter alta a tarde, provavelmente. Mas ela está manhosa, quer você.

– O que você disse a ela, sobre o incidente dessa noite?

– Não contei, apenas confirmei que você foi resgatar Maritza e procurar o Circus.

– Eu vou pegar estrada agora, são 900 quilômetros até o aeroporto, se não conseguirmos embarcar neste local, só tem mais um aeroporto no lado americano da Zona Morta, e fica no Texas, no cu da Zona Morta.

– Por que vocês não vão de helicóptero até algum país da Nova Capital, como o México?

– Nenhum helicóptero tem permissão para atravessar as fronteiras.

– Ok, então boa viagem até Dakota do Sul. Estão em segurança? Precisam de algo?

– Dormimos menos de três horas numa oficina abandonada, tomei um tiro laser na perna mecânica, mas tirando isso estamos bem.

– Continuo enrolando Theo?

– Sim, se embarcarmos à tarde, chegamos de madrugada aí.

– Vou levar o comunicador para ela.

Letícia voltou ao quarto, e entregou o aparelho à Theo.

– Pode falar com ela.

– Ela quem?

– Sam, você pediu para ligar para ela,

– Pedi?

– Dê um oi para ela.

– Ok. Sam?

– Oi, amor, soube que você melhorou.

– Onde você está?

– Em Winnipeg.

– Você vem hoje? Vem me tirar daqui, por favor.

– Você vai sair do hospital à tarde, eu devo chegar só de madrugada.

– Me tira daqui, Sam… – Disse com a voz manhosa.

– Eu não posso, o médico precisa te dar alta.

– Eu vou comprar o médico.

– Você não pode comprar o médico, isso é antiético.

– Eu tenho dinheiro, eu vou comprar minha alta.

– Altas não estão à venda, Theo.

– Eu compro o que eu quiser e quem eu quiser.

– Escute, continue quietinha aí no hospital, dentro de algumas horas você vai voltar para casa, você consegue esperar um pouquinho? É para o bem da sua recuperação.

– Quando você chegar nós vamos para a praia?

– Ah, disso você lembra bem, né? Nós vamos para a praia daqui algumas semanas, combinado?

– Eu quero ir amanhã.

– Theo, eu preciso ir aqui, prometo que vamos conversar sobre uma data que agrade você, agora foque na sua alta, que eu vou focar no meu retorno para casa.

– Tá bom, mas venha hoje.

– E você deixe de fazer manha.

***

As cinco da tarde Theo teve alta, e retornou num helicóptero UTI para casa. Sam e Maritza chegaram ao aeroporto de Dakota do Sul, onde receberam voz de prisão assim que pisaram no saguão. Não houve tempo para reação ou como resistir a prisão, em alguns minutos estavam algemadas nos fundos de uma van.

 

Faileas: s. Escocês: reflexo.

 

6 comentários Adicione o seu
  1. Theo manhosa desse jeito é um amor, dá vontade de cuidar dessa fofa. Eu sabia que esse resgate de Maritza não ia acabar bem! Caramba, que final de capítulo, hein? Tenho medo de Theo piorar quando souber o que aconteceu com Sam.

    Obrigada, Cris! Bom final de semana!

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