Capítulo 13 – Brio
– Bom dia, recruta. – Sam entrou no quarto com duas canecas de café. – Tem uma novidade na sua dieta, acho que você vai gostar.
– Bife?
– Café. Descafeinado e com leite desnatado, mas tá valendo.
– Café!
– Que ótimo ver você de bom humor. – Sam lhe entregou a caneca.
– Não, coloque aí do lado, me ajude a sentar na poltrona, quero tomar café sentada.
– Seu pedido é uma ordem.
Enquanto tomava seu café e comia biscoitos no sofá, Theo tateou a mesa ao lado.
– O que procura?
– Pegue essa tela, olhe isso que está sendo exibido, eu quero um desses, já marquei hora nessa clínica para hoje à tarde.
Sam olhava confusa para as imagens na tela.
– É de algum filme de ficção científica?
– Não, é um exoesqueleto de última geração, eu quero um desses, mas preciso ir até a clínica para que façam sob medida para mim, você pode me levar lá?
– Mas você tem condições de sair de casa?
– Tem. – Meg respondeu, sentada em sua poltrona do outro lado da cama. – Já pensei e providenciei tudo que ela precisa para poder sair de casa numa cadeira de rodas, inclusive os seguranças e o helicóptero.
– Me leva a tarde?
– Se Meg diz que é possível, então pode contar comigo, vamos comprar um exoesqueleto.
– Pode me fazer mais dois favores?
– Claro.
– Chame o fisioterapeuta, e marque também minha psicoterapia.
– É impressão minha, ou Theo voltou de férias? – Sam brincou.
– Só resolvi retomar as rédeas.
– Você vai ver como as coisas irão evoluir rápido, agora que você está com essa atitude, vai andar logo.
– Eu sei, mas uma coisa de cada vez.
– Ok, então. Sobre a fisioterapia, recontrato Eron, ou quer um novo?
– O que aconteceu com Eron?
– Você demitiu.
– Eu demiti?
– Tudo bem, você esquece algumas coisas, isso é normal.
– Esqueço, fazer o que. – Theo deu um longo gole no café. – Esse é o melhor café ruim da minha vida.
***
Três dias depois, e Theo estava hesitante, sentada em sua cama, Sam já havia colocado o novo exoesqueleto em suas pernas e cintura, era branco e preto, como a mão.
– Eu sei que aqui não tem as barras de apoio que tinha lá na clínica, mas eu e Meg somos suas barras de apoio agora. – Sam dizia, ao seu lado, segurando sua mão.
– Não se apresse. – Meg completou.
– Parecia mais fácil lá. – Theo estava nervosa, criando coragem para se erguer.
– Jeito, é só questão de jeito, como essa sua mãozinha cyborg, que já consegue até fazer malcriação. – Meg disse.
Sam a ajudou, e finalmente estava de pé, no meio do quarto, deu alguns primeiros passos inseguros, com Sam ainda segurando firmemente em sua mão.
– Está indo bem, tente chegar até a porta, mas cuidado para não cair. – Sam disse.
– Era exatamente isso que eu dizia aos meus filhos quando estavam aprendendo a andar, a diferença é que eles tinham um aninho, e andavam mais rápido que você.
Theo ergueu o dedo médio mecânico para Meg.
– Ok, agora venha até o meio da sala, pode seguir reto, não tem obstáculos. – Sam a soltou, e foi para a sala a esperar.
Theo continuou andando, tinha que fazer grande esforço a cada passada, seguia passo após passo, fraquejou num momento, caindo de joelhos.
– Opa, isso acontece. Quer descansar? – Sam disse.
– Quero, vou ficar um pouco sentada aqui, isso é cansativo.
– No chão?
– Me faça companhia.
– Com todo prazer. Meg, junte-se a nós.
Sam sentou ao lado de Theo, no piso da sala, Meg sentou-se num sofá.
– Prefiro não arriscar minha coluna. – Meg disse, rindo.
Marcy apareceu, sem entender a cena.
– Vocês caíram? – Ela perguntou, confusa.
– Não, estamos tendo uma tarde agradável no chão da sala, quer juntar-se a nós? – Theo convidou.
– Não, estou bem de pé, obrigada. Mas tem alguém que vai gostar de juntar-se a vocês. – Marcy saiu, e voltou com Levon, que correu na direção das garotas.
– Levon! Por onde você andou, garoto? – Theo brincava com o cachorro, entre suas pernas abertas.
– Passou um tempo no canil, coitado. – Marcy disse.
– Por ordem do meu pai, não foi? Ele odiava Levon. – Segurou a cabeça do cachorro com ambas as mãos. – Mas suas mamães te amam, viu?
Sam riu.
– Querem um chá? Um café? – Marcy perguntou.
– Se importaria de trazer café e rosquinhas para nós? – Theo disse.
– De forma alguma.
– O meu é puro. – Meg disse.
Após o inusitado café no chão, Theo se reergueu.
– Quer tentar ir até o piano?
– O piano ainda existe? – Theo disse maravilhada.
– Claro, está lá no canto, já até brinquei um pouco.
– Que fofo, vou comprar uma guitarrinha de plástico para você.
– Quer ou não quer ir?
– Me ajude. – Theo estendeu a mão, e algum tempo depois chegaram ao piano, ambas sentaram no banco em frente.
A tampa no teclado levantou-se ao toque, Theo pousou ambas as mãos nas teclas, emocionada, com um sorrisinho nostálgico.
– É o mesmo piano. – Por fim disse.
– Ele é lindo, nunca tinha visto um piano assim transparente.
– Todos os pianos são bonitos. Esse é mais bonito porque era da minha mãe. E sim, ele é lindo também por ser de um polímero transparente.
– Foi ela quem te ensinou a tocar?
– Foi, a única que teve paciência.
– Não vai tentar nada?
– Não tem graça tocar com uma mão só.
– Quem sabe sua outra mão possa fazer algo, não precisa tocar Liszt logo de cara.
Theo resolveu arriscar algo, mas a mão esquerda realmente não ajudava muito, depois de algum tempo resolveu parar, um tanto decepcionada.
– Qual era?
– Gimnopedia nº1 de Satie.
– Um pouco de fisioterapia pode resolver isso. – Sam a consolava.
– É… Em breve quem sabe eu te acorde com Morning Mood de novo.
– Theo, você ficou de pé hoje, caminhou, sentou no seu adorado piano, tem ideia quantas casas avançou nesse jogo?
– O suficiente para me motivar a fazer mais amanhã. – Theo disse com determinação.
Sam abriu um sorriso.
– Sabe aquela sensação maravilhosa de ter certeza que me apaixonei pela mulher certa? – Sam a beijou.
– Ok pombinhas, vou ajudar Marcy na cozinha. – Meg levantou do sofá, indo para a cozinha.
***
Theo passou um bom tempo no dia seguinte treinando com o exoesqueleto, já andava pela casa toda, indo inclusive para o jardim, estava exausta à noite, o aparelho demandava extremo esforço físico. Na tarde seguinte, Sam saiu para resolver algumas coisas da surpresa que estava preparando, Theo estava em sua cama, ouvindo algum filme, quando Marcy surgiu na porta.
– Psiu. – Marcy gesticulou.
– Livre? – Meg perguntou.
– Chegou agora.
– Ótimo. – Theo abriu um sorrisinho maquiavélico.
– Tem certeza? – Meg perguntou.
– É agora ou nunca.
– Coloque as pernas para fora. – Meg ordenou à Theo, Marcy já havia se mandado.
– Olhe o localizador.
– Barra limpa, ela está há mais de trinta quilômetros daqui. Anda, pernas para fora.
Meg prendeu o exoesqueleto em Theo, ajeitou as bolsas que estavam ligadas ao corpo de Theo por sondas, e logo ela ficou de pé com agilidade.
– Quer que eu te leve até lá? – Meg perguntou.
– Não, já aprendi o caminho até a cozinha, e contei os passos para chegar lá.
– Ok, então respire fundo e vá até o fim com firmeza, não se intimide, e se precisar de ajuda, ou se der tilt no cérebro, me chame, estarei por perto.
– É só o começo. – Theo deu um sorrisinho. – E alcance meu boné.
– Esse azul e branco encardido pendurado na parede?
– Ele está limpo, ok?
Colocou o boné e caminhou devagar pelo corredor, tateando as paredes, e contando as passadas. Entrou na cozinha, e encontrou Mike junto à um balcão, preparando um lanche.
– Deixaram o robô sair do quarto? Cadê suas babás?
– Eu não sei se você está sentado ou de pé, mas eu espero que esteja de pé, porque vamos falar de igual para igual. – Theo disse calmamente.
– Eu nunca serei igual a você, não sonhe com isso, você é apenas um empecilho imprestável. A propósito, eu estava mesmo já planejando minha próxima visita, ter uma conversa mais séria e resolver nosso assunto em definitivo.
– Eu me adiantei, vim ter nossa conversa final aqui. Na verdade, espero ter ainda uma outra conversa com você, em breve.
– Às vezes acho que você esquece quem está dando as cartas aqui. – Mike dizia com cinismo, dando uma mordida em seu sanduíche, recostado no balcão.
– Me encher de ameaças é dar as cartas? Eu vim aqui para informar minha decisão sobre o acordo que você propôs, que nem deveria ser chamado de acordo, porque o único beneficiado seria você.
– O acordo está atrasado, você sabe disso, não sabe? Já era para você ter se afastado da Sam, e ter terminado tudo com ela. Mas ainda não vi nenhum sinal de que você esteja se afastando dela, será que terei que invadir seu quarto de novo, e dessa vez injetar algo que tire você do jogo em definitivo?
Theo estava nervosa, a mão e a testa já suavam, mas se esforçava para se manter firme e não ser traída pelo seu cérebro disfuncional.
– Eu decidi que nunca, jamais, abrirei mão da minha felicidade, eu vou ficar com Sam, e ela será minha mulher.
Mike parecia surpreso com a determinação de Theo.
– Escolha errada, e você sabe as consequências disso, já te avisei várias vezes.
– Você não seria capaz de fazer isso com ela, se você diz que a ama, não lhe faria mal.
– Nós temos visões diferentes do que é fazer mal à Sam. Sim, eu teria coragem de sequestrá-la, e levá-la mesmo contra sua vontade para a Inglaterra, eu tenho amigos que me ajudariam com o rapto, e estando em nossa casinha, longe dessa ameaça lésbica, ela perceberia o erro que estava cometendo.
– Erro? Você acha que ela está infeliz comigo?
– E tem como alguém ser feliz ao lado do ser rastejante que é você? Theo, pense um pouco, Sam ficou comigo por oito anos, você acha que ela ficaria esse tempo todo comigo se não estivesse feliz? Ela apenas tem pena de você, é apenas gratidão que a move.
– Eu não presenciei esses oito anos, mas agora é para meu quarto que ela vai quando chega em casa.
Mike se enfureceu.
– Considere isso um ultimato: ou você termina tudo com ela ainda essa semana, ou acabo com a sua raça, e saio impune, porque já tenho tudo arquitetado.
– Ex-major Mike, eu não tenho medo de você. – Theo dizia com convicção. – Considere isso um ultimato: saia da minha casa ainda essa semana, com o resto da sua dignidade no bolso, e nos deixe em paz.
– Você está brincando com fogo, sua prostituta inconsequente, eu não sairei.
– Aviso dado.
Theo virou as costas e voltou pelos corredores, com a respiração ofegante e tonta. Meg tomou seu braço no caminho, a ajudando a chegar ao quarto.
– Gravou? – Meg perguntou.
– Tudo. – Theo respondeu, tirando seu comunicador de dentro da camiseta.
– Bom trabalho, andorinha.
– Você tem alguma fixação com pássaros?
– Vai precisar do anti convulsivo?
– Com certeza, estou quase surtando, me aplique uma ampola com urgência. E me alcança o oxigênio.
– Vai resolver tudo amanhã à tarde? Você vai falar com Sam antes ou depois? – Meg colocava o tubinho de oxigênio abaixo do seu nariz.
– O delegado disse que vem no início da tarde, resolverei com Sam depois, ela disse que vai me mostrar a surpresa a noitinha, quando chegar.
– Como se sente?
– Forte, por dentro e por fora. – Theo recostou-se na cama, com um sorrisinho. – Ameaça lésbica? – Riu sozinha.
***
No começo da noite do dia seguinte, Sam entrou animada no quarto de Theo, que a aguardava ansiosamente.
– Vem comigo?
– Meeeeg! – Theo a chamou. – Me ajuda a ir para a cadeira?
– Meg, hoje não é dia da Molly? – Sam perguntou.
– Sim, mas resolvi trocar com ela.
Depois de ajeitar Theo e seus tubos na cadeira de rodas, Sam a conduziu até o elevador, foram para o terceiro piso.
– Esse é o andar do quarto dos meus pais? – Theo indagou.
– É sim. Pronto, chegamos. Como você não enxerga, vou levar você para tatear algo, assim você pode se dar conta do que aconteceu aqui.
Sam levou a cadeira até um equipamento grande e complexo, e conduziu a mão de Theo até ele.
– Parece algo tecnológico… Hum… É um aparelho de musculação?
– Chegou perto, é um aparelho para fisioterapia, e tem mais doze nesse espaço.
– O que você fez? – Theo perguntou, com um sorriso surpreso.
– Reformei a grande suíte, derrubei paredes, e agora você tem um espaço para se recuperar e se exercitar, devidamente equipado com os melhores aparelhos, e com todos os aparatos e acessórios também.
– Nossa… Queria poder ver isso.
– Venha ver mais um.
– Esse é mais alto. – Theo tateava.
– Sim, é um andador, para você fazer suas caminhadas com suporte.
– Sam, você fez tudo isso sozinha?
– Com apoio técnico de uma equipe, da empresa que cuida de você e da sua UTI. Mas tive que decidir e correr atrás de várias coisas. O que achou?
– Eu achei maravilhoso! Eu imaginei várias coisas, até mesmo que você tinha construído um atelier, ou uma quadra de basquete lá fora, mas não tinha pensado nisso.
– Acho que você vai se recuperar mais rápido com uma fisioterapia bem equipada dentro de casa, já que você tem limitações para sair de casa.
– Meu anjo, assim eu vou andar sozinha semana que vem. – Theo riu.
– Nada de excessos, ok?
– Pegarei leve, mas com dedicação. – Theo ergueu o braço, a procurando. – Vem aqui.
– Que bom que gostou. – Sam inclinou-se para baixo, e a beijou.
– Obrigada, oficial. Você é meu anjo, já disse isso?
– Já. – Sam sorriu.
– Bom, eu tenho um assunto sério para tratar com você, mas agora estou feliz demais para fazer isso, então vamos jantar, e depois conversamos.
– Sobre o que é?
– Depois do jantar.
Sam parecia apreensiva no jantar, fazia sentada no sofá do quarto de Theo, que comia sentada na poltrona, em cima de um suporte.
– Quer conversar agora? – Sam puxou o assunto.
– Terminou sua refeição? – Theo falou de boca cheia.
– Sim.
– Ok, pegue meu comunicador na mesinha ao lado da cama.
– Pronto, peguei. Posso desbloquear?
– Como se você não soubesse que a senha é Levon, eu sei que você andou olhando minhas pornografias.
Sam arregalou.
– Sabe?
– Eu estava acordada aquela noite, inclusive escutei seus comentários, saiba que eu tenho tudo aquilo lá no meu quarto. – Theo largou os talheres. – Meg, leva para a cozinha?
– Volto mais tarde?
– Uhum.
– Ótimo, agora Meg sabe que você tem pornografia no comunicador e no quarto.
– E sabe também que você viu. – Theo riu.
– Depois digo a ela que olhei por engano.
Theo ajeitou-se na poltrona, e se alongou.
– Desbloqueie, e olhe os dois últimos documentos. – Theo orientou.
Sam fez o ordenado, e lia os documentos com a testa franzida.
– Achou os documentos?
– O que é isso? Ordem de restrição? Quem fez isso? – Sam perguntou, confusa.
– Não leu tudo?
– Você solicitou uma ordem de restrição de aproximação para Mike? Para se manter afastado de você por no mínimo 250 metros, é isso?
– Exatamente. Veja o próximo documento.
Sam também leu com um semblante confuso.
– De mim? Ele também não pode ficar a menos de 250 metros de mim? Por que isso?
– Por que achei necessário, o delegado veio aqui hoje à tarde, e solicitei estas ordens.
– Não tem necessidade disso, Theo. Mike não representa perigo, ele só está tocando a vida dele aqui, mas logo vai embora.
– Ok. – Theo suspirou pesadamente. – Agora vá até o arquivo de sons, e escute o último áudio, mas escute tudo.
Sam ouviu atentamente o diálogo na cozinha entre Mike e Theo, minutos depois estava boquiaberta, encarando o chão.
– Sam? Ainda está aí?
– Eu não fazia ideia… – Sam balbuciou, ainda atordoada.
– Ele vem me torturando psicologicamente há algum tempo, mas a última vez que ele esteve no meu quarto, tive certeza que ele me mataria, ou naquele dia, ou em breve.
Sam coçou os olhos com os dedos, assimilando.
– Por que não me contou?
– Você escutou o áudio todo, correto? Ele disse que te sequestraria se eu contasse algo. O que eu poderia fazer para impedir que ele te levasse embora? Cega, cheia de tubos, deitada numa cama sem conseguir sequer ficar de pé com minhas próprias pernas? – Theo elevou o tom. – Eu agi com os meios que tenho acesso, gravei as ameaças e mostrei à polícia.
– Ele já sabe disso?
– Não, eu deixei essa última decisão nas suas mãos. Essas ordens restritivas já estão valendo, mas negociei um acordo com o delegado. Um agente e dois policiais virão aqui em casa amanhã cedo, e se Mike ainda estiver nessa casa, ele será preso.
– E qual a decisão que preciso tomar?
– Lembra que eu falei que não expulsaria ninguém da minha casa? Você fará isso. Ou os policiais se encarregarão de fazer, você escolhe.
Samantha largou o comunicador e inclinou-se para frente, com os braços sobre as pernas e as mãos unidas, pensativa.
– Caso decida fazer com as próprias mãos. – Theo prosseguiu – Sugiro que mostre esses documentos a Mike, para ele acreditar que não estou brincando, porque ele é chato demais, nunca vi pessoa mais pegajosa que ele.
– Theo… Eu já o expulsei, eu vivo o expulsando, mas ele jogou baixo comigo.
– Ele sempre joga baixo.
– Não, ele fez uma chantagem, por isso não tomei nenhuma atitude radical ainda.
– Que chantagem? – Theo fitava um ponto vazio à sua frente, com a testa franzida.
– Ele disse que contaria para a imprensa sobre seus dois anos no Circus, e o que você fazia lá.
Theo jogou-se para trás, recostando-se na poltrona, perplexa.
– Eu quis te preservar. – Sam continuou, com a voz cuidadosa.
– Que merda, que desgraçado!
– Ele é, é um grande desgraçado, um mau caráter hipócrita, eu não consigo acreditar que pude sentir algo de bom por esse homem, eu também quero vê-lo bem longe daqui.
Theo ficou um tempo pensativa, esfregando as mãos nos apoios da poltrona, nervosamente.
– Samantha, faça o que tem que ser feito. – Theo decretou.
– Você sabe o que ele vai fazer.
– Foda-se, eu vou lidar com as consequências. Eu quero esse estorvo bem longe da minha casa. Se você não for lá agora, ele vai embora amanhã pelas mãos da polícia.
– Eu vou, eu colocarei um ponto final nisso agora. E enfrentaremos as consequências juntas, vou tentar blindar você o máximo que puder.
Theo novamente parecia desconsolada, balançando a cabeça devagar.
– Eu queria poder arrancar isso do meu passado, mas não dá.
– Eu irei falar com ele essa noite, vou pedir apoio para Claire, ela sabe como manter a imprensa longe e aumentar a segurança. – Sam disse com firmeza.
– Acho que é a solução mais digna, não que esse babaca mereça dignidade, mas acho que você vai se sentir melhor assim, do que vendo seu ex-noivo saindo algemado daqui, onde ele nunca deveria ter pisado seus pés, foi um grande merda você ter trazido esse pária para minha casa.
Sam ficou em silêncio.
– Sam?
– Sim?
– Estou sendo dura demais com você?
– Não, você está resolvendo algo que eu já deveria ter resolvido há muito tempo.
– Espero ter reagido a tempo, ele estava me destruindo, ele só tem feito merda comigo desde o dia que me conheceu, e agora chega, quero colocar um ponto final nisso de uma vez por todas, e conto com seu apoio, porque já engoli muita coisa de vocês dois.
– É o fim, Theo. Eu peço desculpas por ter colocado Mike na sua vida, ficaremos mais tranquilas sem ele por perto, você fez certo, tomou as decisões que eu deveria ter tomado.
– Você fez um bocado de burradas também, mas sei bem que você se torna apenas uma sombra de quem realmente é quando está com ele por perto, ele suga seu lado bom, te aniquila, você muda com ele por perto.
– Eu sei que fiz… – Sam respondeu entristecida.
– E eu ainda não acredito que esse bolha te comeu dentro da minha própria casa.
– Quase duas vezes.
– O que?? – Theo franziu as sobrancelhas, tentando focar na direção de Sam.
– Teve uma quase segunda vez, mas eu não te contei.
– Que porra é essa?
– Foi contra a minha vontade. – Sam dizia envergonhada, cabisbaixa.
– Ele estuprou você? Quando? – Theo já começava a respirar mais rápido.
– Não, ele não chegou a fazer nada, eu consegui empurrá-lo.
– Mas mesmo assim é crime.
– Ele é meu ex-noivo, não acreditariam em mim.
– Hey, você está errada. – Theo interrompeu. – Não existe isso, não importa se ele é seu marido há quarenta anos, se foi contra a sua vontade, é crime!
Sam já derrubava as primeiras lágrimas, enquanto relembrava aquele pior dia de sua vida.
– Não aconteceu nada, eu juro, não aconteceu.
– Amor, venha aqui. – Theo estava agora compadecida.
Sam foi até a poltrona, abaixou-se à sua frente, e recostou sua cabeça sobre a perna de Theo.
– Quando isso aconteceu? – Theo repetiu a pergunta, agora num tom suave.
– No dia que contei a você sobre a primeira vez.
– Naquele dia? No dia que tentaram te matar?
– Sim, eu cheguei em casa à noite, eu estava arrasada, minha mão estava queimada e doendo, eu só queria tomar um banho e ficar quieta na cama, mas ele invadiu o banheiro e… Quase conseguiu.
Theo afagava seus cabelos, carinhosamente.
– No meu banheiro?
– Sim, eu não percebi ele entrando.
– Temos que denunciá-lo.
– Eu não quero, eu só quero deixar isso tudo para trás.
– Mas ele cometeu um crime.
– Não irá fazer de novo, ele vai embora daqui a pouco.
– Sam… Ele cometeu um crime grave.
– Eu não quero mais mexer nisso, por favor.
– Tudo bem, não é a decisão correta nesses casos, mas eu não vou insistir, é uma decisão pessoal, é você quem está sentindo essa dor.
– Que você já sentiu tantas vezes, minha dor não chega nem perto da sua.
– Também estou tentando deixar isso para trás, Sam.
– Então me ensina como se esquece isso.
– Não se esquece, fica marcado a ferro quente na alma, mas alivia quando você para de olhar a cicatriz.
– Para você é fácil falar, você não enxerga. – Sam deu um sorriso torto, fazendo Theo sorrir também.
– O que seria de mim sem seu humor estranho?
– Quer que eu te coloque na cama?
– Eu me sinto um bebê quando você fala assim. Mas não quero ir para a cama, eu quero ir com você quando for falar com Mike.
– Mais tarde, preciso de um tempinho, ok?
– Então me coloque na cama, isso aqui dói as costas depois de um tempo.
Sam ergueu Theo da poltrona, a colocando na cama e a cobrindo.
– Senta aqui do meu lado. – Theo pediu, e foi atendida.
– Precisa de alguma coisa?
– Por que você não me contou?
– Eu não consegui… Me desculpe. Eu fiquei com medo de perder você de novo.
– Promete que vai me contar tudo a partir de agora?
– Prometo. – Beijou sua testa. – Mas nem tudo.
– Por que?
– Senão as boas surpresas deixam de ser surpresas, como o salão de fisioterapia.
– Ok, exceto as surpresas.
Duas horas depois, Sam sentiu-se pronta e com um mínimo de serenidade para fazer o que precisava ser feito. Subiu para um banho, ensaiou um pouco em frente ao espelho, e desceu para buscar Theo no quarto.
– Quer ir de cadeira ou exoesqueleto? – Sam perguntou.
– O exo é cansativo, e tive uma tarde agitada hoje, prefiro a cadeira.
Meg e Sam a colocaram na cadeira, com todos seus anexos, inclusive o cilindro de oxigênio, sua respiração estava pesada.
– Marcy pediu para um segurança ficar de vigília por perto, ok? – Meg disse.
– Ótimo, não sei do que aquele covarde é capaz. – Theo resmungou, colocando o tubinho abaixo do nariz. – Vamos lá, hora da limpeza.
Brio: s.m.: 1. sentimento de honra, dignidade, valor; amor-próprio. 2. qualidade de quem é bravo; coragem.
Eita, este capítulo foi super especial. Que atitude fera da Theo, minha heroína, definitivamente! Todas as vezes que vejo as ações da Theo fico pensando que a Sam deveria ser pelo menos 10% do que a nossa menina é, mas aí caio na real que as duas são almas gêmeas e que caminham juntas, uma fortalece a outra em tudo. Então se a Sam é uma babaca a maioria das vezes, a Theo que tem o papel de vir e colacá-la nos eixos. Isso muitas vezes nos deixa enraivecida, mas se a Theo entende, então nós somos apenas as espectadoras e devemos tentar entender tbém. rsrsrsrs E Cris, concordo plenamente com vc sobre a versão vilã do Mike. Com certeza ele juntamente com a Sam e a Theo é o ponto forte da história. Eu odeio esse cara, realmente desejo a morte dele lentamente, de uma maneira ‘a la Vivian’, porém acredito que ele ainda tem muito o que contribuir com a história. Comentaram tbém sobre as diferenças da Anna pra Sam, que nossa lince nunca agiria da mesma maneira sonsa e até ‘burra’ da nossa borg, porém é isso que nos encanta. A Sam com esse seu jeitinho lerdo e muitas vezes retrógrado faz com que queremos matá-la, mas aí vem o seu arrrependimento, seu choro e a sua dificuldade em ser mais ativa e perdoamos tudo. Se lembrarmos a Sam do primeiro capítulo de 2121 para o último capítulo de agora de Resiliência, caraca, quanto progresso ela já teve. Tenho a certeza de que logo mais ela estará ainda melhor. rsrsrsrs
*enraivecidas
Capítulo ótimo… É bom saber que Theo está se reerguendo.
Um dos pontos que mais motivam em 2121 é essa força de Theo, adorei ver ela decidindo retomar o direcionamento da vida \o/