Capítulo 1 – Quatervois

Capítulo 1 – Quatervois

 

18 de fevereiro de 2121

Sam acordou naquela manhã com barulhos de tiros vindo da tela incorporada à parede do seu quarto de hospital. Com o novo coração batendo de forma acelerada, se deu conta que o barulho não era real, e então encontrou o rosto sorridente de Mike, que se levantava do sofá, lhe dando bom dia.

– Bom dia, Mike… O som da tela está meio alto, não acha?

– Desculpe, não quis te acordar. Como se sente hoje? Animada?

Sam olhou para o lado, e percebeu três balões azuis presos na cabeceira da cama.

– Quem trouxe?

– Lindsay.

– Ouvi meu nome? – A irmã de Sam adentrava o quarto, com dois copos de café, entregando um para Mike.

– Oi, Lynn.

– Gostou dos balões?

– Obrigada, não precisava disso. – Sam mantinha uma expressão abatida, como nos últimos quatro dias.

– Precisava sim, hoje é um dia especial, finalmente você vai para casa. – Mike respondeu.

Sam ergueu-se um pouco na cama, se ajeitando, tinha um grande curativo em seu peito, que ainda doía. Ficou um tempo pensativa, cabisbaixa, antes de falar.

– É… A casa dela, e isso está tão errado…

– Mas foi a própria garota que pediu naquela carta para que você desfrutasse da casa dela, é o melhor lugar para você se recuperar da cirurgia. – Lindsay disse.

– Não a chame de garota, por favor. – Sam resmungou com desalento.

Mike se aproximou, sentando numa cadeira ao seu lado, tomando sua mão carinhosamente.

– A casa é confortável e enorme, é perfeita. Eu pedi para arrumarem um quarto para você, ficou ótimo, você vai ver, a cama é tão grande. – Mike sorriu, animado. – Nós vamos cuidar de você, o transplante foi um sucesso, mas isso não significa que não precise de cuidados, você está em plena recuperação.

– Eu terei que voltar para Inglaterra daqui três dias. – Lynn se explicava. – Por causa das crianças, mas Mike vai tomar conta de você, eu voltarei sempre que possível.

Sam não se animava, mesmo com sua alta iminente, recostou a cabeça na cama que estava com cabeceira erguida, o olhar perdido para a porta.

– Vamos lá, cadê sua empolgação? Você vai ter alta! Adeus comida de hospital, que você tanto odeia. – Lindsay tentava.

– Quando vou?

– Depois do almoço, sua alta já está assinada, mas o Dr. Woler quer te ver antes de ir.

– Eu quero vê-la, antes de ir embora. – Sam disse, taxativa, pegando os dois de surpresa.

– Sam… – Mike resmungou.

– Vocês não querem me dizer onde Theo está, não querem tocar nesse assunto, mas ela deve estar aqui, e eu quero vê-la, eu tenho esse direito.

– Mana, para que isso? Vá para casa com a lembrança dela dos dias que passaram juntas, não vai lhe fazer bem vê-la desse jeito, vai te fazer mal.

– Sim, Lynn tem razão, você não pode ter esse tipo de emoção agora, vai lhe causar mal-estar, não é uma imagem agradável.

– Então ela está aqui? Vocês a viram? – Sam insistia.

Mike e Lindsay se entreolharam, hesitantes. Mike falou, de forma cuidadosa.

– Sim, a vimos, por isso achamos melhor que você vá para casa descansar, não pense nisso, não vai adiantar nada, e provavelmente o médico não permitirá que você faça isso.

– Falarei com ele. – Sam disse, mudando o canal da TV.

***

Próximo ao meio-dia, o cardiologista que havia a operado apareceu no quarto, para a preleção final. Depois de examiná-la e dar todas as orientações e indicações para sua recuperação, Sam voltou a tocar no assunto.

– Doutor, eu sei que Theo está aqui, eu quero vê-la antes de ir, por favor, só quero alguns minutos.

– Garota, garota… Para que passar por essa perturbação agora, quando você precisa de repouso e paz? – O senhor alto e quase careca falou colocando as mãos no bolso do jaleco.

– Foi o que falamos. – Mike concordou.

Sam exasperou, com um ar chateado, e não parecia querer desistir da ideia.

– Por favor, só quero alguns poucos minutos, se estou viva e em plena recuperação, eu devo isso a ela.

– Você não vai desistir, não é? – O médico sorriu de lado. – Ok, cinco minutos, nada além disso, vou deixar a orientação para quem vier te buscar. Cinco minutos, ouviu, mocinha?

– Obrigada. – Sam agradeceu sobriamente.

Um enfermeiro apareceu com a cadeira de rodas logo no início da tarde, Sam já estava com suas próprias roupas e terminava de prender um rabo de cavalo.

– Eu posso ir andando, não preciso desta cadeira.

– Faz parte do protocolo da alta. – O enfermeiro respondeu.

– Vamos, amor, sente-se, você precisa cuidar dessa perna que levou os tiros. – Sam foi ajudada por Mike a sentar-se na cadeira.

Sam olhou para trás, para o rapaz que a conduziria. – Você sabe aonde me levar, não sabe? O médico disse que deixaria instruído.

– Sei sim, mas não temos permissão para acessar esta área do hospital, por isso tem que ser rápido.

– Cinco minutos, foi o que ele me prometeu.

– Ok, vamos lá. Está preparada para o que vai ver?

– Sim, eu estou bem.

Os quatro seguiam pelos corredores, tomaram um elevador até o último andar, e de lá pegaram o curso de um corredor mais estreito, iluminado.

– É aqui. – O enfermeiro disse, abrindo a porta e passando com a cadeira, com cuidado.

Sam entrou no recinto com ansiedade visível. Os olhos atentos e temerosos logo correram para cima daquela maca, um baque em seu novo coração foi sentido, uma sensação fria que subiu pela espinha. Ela conduziu sua cadeira na direção de Theo, ficando ao seu lado, sem conseguir pronunciar nada, tinha vontade de chorar, mas se manteve firme.

– Theo… – Finalmente balbuciou algo, já com os olhos brilhantes. Era a primeira vez que a via, depois daquela noite.

– Talvez não tenha sido uma boa ideia… – Mike disse, se aproximando.

– Me deixem a sós com ela. – Sam disse, e ninguém se moveu. – Por favor, apenas alguns minutos, eu estou bem, não vai acontecer nada comigo.

O enfermeiro concordou, e os três saíram, esperando no lado de fora.

Sam finalmente deixou algumas lágrimas caírem, observando o corpo inerte de Theo, que se mantinha vivo graças à vários tubos e fios em seu corpo. Máquinas fazendo ruídos e bips aparelhavam aquela UTI, uma estrutura plástica branca em sua boca deixava os lábios entreabertos. Conectados à estrutura plástica saiam dois tubos sanfonados azuis, ligados ao respirador artificial, que se movia sincronizado com a subida e descida de seu tórax. Haviam eletrodos em seu peito, e um em cada lado de sua testa.

– Meu amor… Por que você fez isso? Por quê? – Sam a olhava com uma tristeza imensurável.

– Deus quis que você sobrevivesse, ele tem um propósito para você, um destino para nós duas. – Sam inclinou-se em sua direção, pegando em sua mão direita repousada, havia um acesso intravenoso na parte de cima.

– Sua mão está quentinha… – Sam esboçou um sorriso, e sentir aquele calor aqueceu um pouco sua alma.

– Eles estão fazendo tudo que podem, eu sei que você vai sair dessa. – Sam dizia, baixinho, a encarando. Theo estava um pouco pálida, com a cabeça levemente inclinada para trás.

– Três cirurgias, ela passou por três cirurgias. – Uma voz grave ressoou ao seu lado, despertando Sam do diálogo intimista que levava.

– E o senhor é… – Sam enxugou rapidamente o rosto.

– O neurocirurgião dela, Doutor Franco. Tenho acompanhando o caso de vocês de perto, afinal não é todo dia que alguém atenta contra a própria vida para salvar outra, me senti incumbido de salvar essa garota. – O médico aparentava uns sessenta anos, tinha cabelos brancos desgrenhados e óculos, o que poucas pessoas utilizavam nestes dias.

– Ela não está em morte cerebral, está? – Sam perguntou de bate pronto, o fitando.

– Não, todos os dias fazemos alguns exames para detectar se ainda há alguma atividade cerebral, e todos os dias detectamos baixa atividade em algumas regiões. Ela está viva e lutando.

Sam voltou a olhar para o leito, de forma entristecida.

– Ninguém me dava informações precisas, achei que estavam escondendo que ela já havia partido.

– Estavam te poupando deste assunto, você precisava de tranquilidade para se recuperar. Vim aqui conversar com você agora porque Dr. Woler me garantiu que você teria condições de suportar uma conversa franca sobre o estado dela.

– Sim, por favor, é tudo que eu quero, que me digam o real estado dela.

O médico se aproximou de Sam, ficando ao seu lado também olhando para Theo, ficou um instante pensativo antes de voltar a falar.

– Não posso garantir que ela irá sobreviver, eu estaria lhe dando falsas esperanças se falasse que ela sairia daqui algum dia. Talvez nos próximos dias seu cérebro pare de ter atividades, e teríamos que declarar o óbito. Bem como ela pode nos surpreender e mostrar recuperação.

Sam sentiu a cabeça doendo, girando, ao ouvir aquelas palavras, mas tentava se manter sob controle para conseguir ter aquela conversa sem que ele interrompesse.

– Ela ainda está aqui, eu sei que ela vai lutar. – Sam disse.

– É o que ela tem feito, a pouca idade tem a ajudado. Bem como o mau disparo.

– Como assim?

– Ela agiu com pressa, pelo que soube das circunstâncias em que isso aconteceu. Ela sacou a arma e não teve tempo de fazer uma boa mira, por isso a bala entrou na têmpora, e saiu na nuca. Digamos que ela teve sorte por não ter feito um disparo ideal para conseguir o que queria.

– Isso é bom, significa que não houve tantos danos assim.

– Não é bem assim, ela teve muitos danos, muitos. Inclusive em áreas nobres do cérebro. – Dr. Franco não parecia cheio de dedos nem tentava a poupar dos fatos.

Sam hesitou antes de perguntar.

– Há chances dela acordar algum dia?

– Minha jovem, estamos em estado tão avançado na medicina moderna, mas o cérebro continua sendo o maior mistério na nossa área, já presenciei verdadeiros milagres, bem como tragédias inesperadas. Se ela reagir nos próximos dias, que são os mais críticos nestes casos, ela terá alguma chance de um dia acordar.

Isso encheu Sam de esperanças.

– Então ela irá acordar, ela está sob a mão de Deus.

– É o que desejamos. Mas tenha ciência que se isso ocorrer, ela terá várias sequelas, não temos como saber de antemão quais seriam, mas houve perda significativa da estrutura cerebral, isso nunca é bom.

– Será um longo caminho, eu sei, mas eu estarei aqui no dia que ela acordar, estarei todos os dias. – Sam disse.

– Mas você precisa ir para casa agora, precisa se recuperar e ter saúde para cuidar dela posteriormente.

– Eu quero ter notícias dela enquanto não puder ficar aqui.

– Eu manterei você informada o tempo todo, prometo não lhe esconder nada, assim como não lhe escondo agora.

Sam continuava acariciando sua mão inerte, carinhosamente.

– Tem uma escala para o coma, não tem? Onde ela está nesta escala?

– A escala Glasgow, você a conhece?

– Um pouco.

– Ela está com pontuação três.

Sam fitou o médico, preocupada e um pouco assustada.

– Você pediu que eu fosse sincero. – Dr. Franco continuou.

– Três é estado vegetativo. – Sam respondeu com abatimento.

– Nem sempre, próximo disso às vezes. Escute, vá para casa, descanse nos próximos dias, quando estiver em condições venha tomar conta de sua namorada. Deixarei meu ID, você terá um boletim médico sempre que quiser.

Ouvir ele se referindo a Theo como namorada mexeu com Sam, ela sabia que sua ligação com ela era forte, mas nunca havia se colocado desta forma.

– Vamos. – Mike entrou no recinto sem que Sam percebesse, já com as mãos em sua cadeira de rodas.

– Espera. – Inclinou-se para frente, segurou a mão de Theo com ambas as mãos. – Eu volto logo, aguente firme.

***

No banco de trás de um caríssimo carro esportivo branco, Sam ainda estava atordoada com a imagem de Theo sendo mantida viva por tantos aparelhos, seguia viagem num silêncio providencial, devido ao nó em sua garganta.

– Viu como não foi uma boa ideia? – Lynn quebrou o silêncio, estava sentada no banco da frente, ao lado de Mike, que conduzia.

– Eu estou bem. – Sam resmungou baixinho.

– Ela vai se recuperar, não se preocupe com isso agora.

Sam apenas balançou a cabeça, concordando.

– E mesmo que ela acabe morrendo, você vai superar isso. – Mike dizia. – Você precisa manter os pés no chão, o estado dela é crítico, talvez não resista.

– Theo é a pessoa mais forte que já conheci, ela vai se recuperar. – Sam rebateu, séria.

– Deus te ouça. – Lynn completou.

Alguns minutos introspectivos depois, em que olhava distraidamente pela janela a paisagem de San Paolo, Sam voltou a falar.

– Que carro é esse?

– Não faço ideia. – Mike respondeu. – Tinham tantos carros naquela garagem, peguei o mais potente, deve ser do papai falecido. – Deu dois tapinhas no volante, satisfeito.

– Pegou?

– Eu precisava de um carro para uso pessoal, para nós. E você agora é detentora de tudo que era dela.

– Não sou, apenas estou temporariamente respondendo legalmente pelos bens de Theo, até ela acordar.

– Se ela bater as botas você fica com tudo para sempre. – Mike respondeu, recebendo um olhar de repreensão de Lindsay. – Ok, desculpe a forma como falei.

Sam percebeu um penduricalho na tela retrovisora do teto, era um pequeno chaveiro de uma bola de basquete, com a sigla de uma faculdade.

– É dela. – Sam disse com um sorriso bobo.

– O que?

– Esse carro é de Theo.

– Não deve ser, isso é carro de homem. – Mike respondeu.

Sam não respondeu, apenas continuou olhando ao redor, ainda ostentando um sorriso. Percebeu algo caído no chão, entre os bancos, tirando dali, era uma mochila. Abriu e viu alguns eletrônicos em seu interior, e um comunicador, que estava descarregado. Sentiu uma pontada forte no peito, fechando os olhos, colocou a mochila ao seu lado.

– Estamos chegando? – Sam perguntou.

– Sim, a casa é um tanto afastada, numa colina artificial. Já estamos dentro do condomínio, em cinco minutos estaremos lá. – Mike respondeu.

Lindsay virou para trás, com um olhar preocupado.

– Você está bem?

– Estou, isso ainda incomoda um pouco. – Respondeu, com a mão sobre o curativo.

Logo o carro parou numa grande portaria espelhada, os muros altos e brancos pareciam uma fortaleza. Um guarda uniformizado e armado fez uma conferência rápida no interior do carro, gesticulando posteriormente na direção da portaria, fazendo o portão se abrir.

– Chegamos. Bom, teoricamente já estamos em casa, mas a casa mesmo fica uns quinhentos metros à frente, isso parece uma vila. – Mike disse, enquanto Sam olhava o interior da propriedade pela janela.

Além de um lago artificial, haviam campos gramados e com floreiras no decorrer da estrada interna, era possível ver também algumas quadras esportivas e casas menores.

– O que são essas casas?

– Duas são para os funcionários, duas são para visitas. A residência oficial é essa a nossa frente.

Sam pode ver uma suntuosa mansão, a maior parte de suas paredes eram de vidro, e possuía três pavimentos. À frente, um espelho d’água com duas estátuas em tamanho real no centro, de dois homens.

Mike tentou conduzir Sam pelo braço, a ajudando, mas ela recusou a oferta. Aproximou-se do espelho d’água, fitando as estátuas.

– Benjamin… – Murmurou. – Esse maldito.

– Quem? – Lindsay perguntou, logo atrás dela.

– É o pai de Theo. – Sam apontou para a estátua de porte altivo e arrogante. – O outro deve ser o avô.

– Ambos já morreram, alguém matou esse cara. – Mike disse.

– Sim, eu sei, alguém fez esse serviço para a humanidade. Não fará falta alguma, era um pária.

Aquela noite no laboratório na ilha passou rapidamente por sua memória, lhe deixando nauseada.

– Você precisa ver a área da piscina, lá atrás. – Mike falava com empolgação. – Parece um resort!

– Não quero saber de piscina, eu quero ficar de repouso para me recuperar o quanto antes, e poder ficar ao lado de Theo no hospital.

– Que diferença faz? Ela não saberá que você estará lá, melhor ficar aqui nesse paraíso. – Mike respondeu.

– Meu lugar é ao lado dela. – Sam disse sisudamente, e seguiu para o interior da casa, mancando e carregando a mochila azul e marrom.

– Venha, preparamos um quarto lá em cima para você. – Lindsay a levou até o elevador envidraçado.

Quando entrou no quarto, Sam olhou ao redor, viu um expositor iluminado, com uma coleção de bonés arrumados lado a lado, caprichosamente.

– É o quarto de Theo. – Constatou.

– Sim, é o segundo maior quarto. E o meu é logo em frente. – Mike disse.

– Achamos que você se sentiria desconfortável na suíte do falecido patriarca, por isso resolvemos alojar você aqui.

– Tudo bem. – Sam dava passos lentos pela imensidão do quarto, que possuía poucos móveis e objetos.

– Providenciamos tudo que você precisa para ficar confortável aqui, inclusive tem roupas no armário. – Lindsay explicava.

– Roupas de Theo?

– Não, roupas novas.

– Onde estão as coisas dela?

– Segundo Marcy, a senhora que cuida da cozinha, o pai mandou jogar tudo fora, só deixou essa coleção de bonés porque vale alguns milhares de dólares.

Sam largou a mochila sobre a cama, sentando-se ao lado, ainda conhecendo o quarto.

– Quer que eu faça a apresentação do restante da casa e dos empregados? – Lindsay perguntou.

– Não, agora não. Quero ficar um pouco sozinha.

– Vou pedir para trazerem o almoço aqui então.

– Não precisa, depois eu desço e como algo. – Sam percebeu que nenhum dos dois se moveu. – Vocês devem estar com fome, almocem, eu estou bem, sério.

Assim que ficou sozinha, ergueu-se da cama com dificuldade e caminhou até a lateral do quarto, um outro ambiente, com chão rebaixado e sofás negros, chegando até uma parede com persianas digitais. Tocou, as abrindo, e uma imensa varanda surgiu à sua frente. Aproximou-se e a porta de vidro deslizou, caminhou devagar até o parapeito, e pode ver o quintal, uma área recreativa com um complexo de piscinas e deques.

– Meu Deus… – Estava impressionada com a dimensão das coisas naquele lugar, uma grandeza nunca vista antes.

Após a contemplação, seguiu para o banheiro, novamente assustando-se com o tamanho.

– Isso é maior que meu quarto. – Resmungou, olhando ao redor.

Ficou um bom tempo embaixo do jato morno, regozijava-se com um banho sem supervisão ou auxílio, pela primeira vez em muitos dias.

Vestiu-se com um roupão branco atoalhado, com a marca da Archer em dourado no alto, sentiu novamente uma pontada no peito e tonturas, deitou-se e acabou adormecendo. Acordou assustada, sem saber onde estava num primeiro momento, sentou-se na cama e lembrou onde estava.

– Ah, meu amor… Eu queria que você realmente estivesse aqui. – Havia acabado de sonhar que Theo dormia ao seu lado em um dos tantos abrigos improvisados onde passaram suas noites.

– É tão estranho não ter você por perto. – Murmurou cabisbaixa, tentando não chorar.

Vestiu-se e desceu para a cozinha, onde uma mulher de aproximadamente cinquenta anos e cabelos quase grisalhos guardava alguns pratos.

– Boa tarde. – Sam a cumprimentou com a voz baixa, a pegando de surpresa.

– Você deve ser a Sam. – Ela sorriu em resposta.

– Sim. – Sam deu alguns passos tímidos adiante.

– Eu sou a Marcy, que felicidade finalmente conhecê-la! – Aproximou-se, lhe dando um abraço rápido. – Sente-se, você não deve fazer esforços.

– Por que finalmente? – Sam puxou uma cadeira junto à uma mesa central retangular, sentando-se devagar.

– Você não é a namorada da nossa Theo?

Sam ficou ainda mais sem jeito.

– Ãhn, bom, nunca oficializamos… Mas… Tínhamos algo sim.

– E não tem mais?

– Temos, temos sim. – Sam sorriu torto.

– Quando ela volta para casa?

Sam desfez o sorriso aos poucos.

– Talvez demore, ela precisa se recuperar, o estado dela ainda é delicado.

– Eu sei que você vai trazê-la de volta.

O sorriso tímido de Sam voltou a aparecer, balançou a cabeça concordando.

– Quer almoçar? – Marcy convidou.

– Sim, preciso de alguma coisa que não pareça comida de hospital.

– Pode ir para a sala de jantar, já sirvo você em um minuto.

– Não se incomode, eu faço algo.

– Menina, já tem tanta comida pronta, e acho que você vai gostar.

– Não quero lhe dar trabalho.

– Eu vou deixar você forte e saudável, combinado?

– Combinado. Posso comer aqui na cozinha?

– Claro! Já sirvo você.

Sam correu seus olhos pelo ambiente, tentando reconhecer todos aqueles aparatos modernos, sem sucesso.

– Mike e Lindsay já comeram?

– Sim. Mas eu fiz algo especialmente para você.

A jovem senhora serviu alguns acompanhamentos e por fim colocou a sua frente um prato com bifes e batatas fritas.

– Bife com batatas fritas. – Sam sorriu ao ver.

– Achei que talvez Theo tivesse lhe contaminado com seus gostos devido a convivência. – Marcy respondeu.

– É, digamos que eu comi esse prato várias vezes nas últimas semanas.

– Vou deixá-la à vontade, deseja algo mais?

– Importa-se de me fazer companhia?

– De modo algum. – Marcy sentou-se à mesa também.

Sam terminava de comer parte das comidas colocadas à mesa, apesar da fome, comia sem pressa.

– Há quanto tempo a senhora trabalha aqui? – Sam perguntou.

– Dezessete anos.

– Dezessete? Então viu Theo crescendo.

– Vi sim, tantas coisas que ela quebrou nessa casa com a bola de basquete… – Marcy riu.

– Como foi quando descobriu que ela estava viva?

– Menina, eu pulava de felicidade, Lucian teve que me trazer água, quase passei mal!

Sam riu.

– Acho que muita gente ficou feliz com a notícia, não é mesmo? – Sam perguntou com interesse, já havia terminado a refeição.

– Sim, pegou todo mundo de surpresa, foi uma benção. Principalmente depois do falecimento do senhor Benjamin, estávamos sentindo muito sua morte, não poderíamos ter recebido melhor notícia.

– Foi uma morte sentida por todos que trabalham aqui também?

– Sr. Benjamin era um homem duro, sério, mas era justo conosco. Coitado, teve uma morte tão violenta. Ele e aquela menina que Theo namorava, não lembro o nome.

– Evelyn?

– Isso, Evelyn. – Marcy balançava a cabeça como se lembrando nostalgicamente do passado. – Ela só esteve aqui uma vez, era uma moça tão bonita, não a conhecia direito, mas ninguém merece uma morte horrível dessas, dizem que cortaram as duas mãos dela.

– Foram só quatro dedos. – Sam respondeu de bate pronto.

– Misericórdia. – Marcy fez o sinal da cruz.

– Realmente ninguém merece uma morte assim, mas Evelyn não era uma boa pessoa, ela fez muito mal a Theo.

– Theo não falava muito sobre essa menina, dava para perceber que não eram apegadas.

– A senhora conheceu as outras namoradas?

– Letícia. – Marcy abriu um sorriso. – Letícia é uma menina abençoada, você a conheceu?

– Não, não a conheço ainda.

– Ela quase morava aqui, de tanto que frequentava essa casa, depois que terminaram o namoro parece que ficaram ainda mais próximas, cada coisa, né?

– Teve mais alguma?

– Que ela tenha me contado só a moça jornalista, mas essa não falava muito, como era mesmo o nome dela? Jane… Janet. O nome dela era Janet. Foi antes de Letícia, Theo era nova demais, nem tinha dezoito ainda.

– Então Theo conversava sobre sua vida amorosa com você.

– Ela sentava nessa cadeira onde você está agora, me pedia uma tigela de cereais e ficava conversando comigo, jogando bolinhas para o cachorro.

– Onde está o cachorro agora?

– Sr. Benjamin mandou colocar no canil lá atrás, junto com os outros.

– Bom, então a senhora já sabe de qual missão está incumbida hoje. – Sam sentenciou.

– Soltar o cachorro?

– Uhum. Posso contar com a senhora?

– Pois falo com Lucian agora! – Marcy levantou animada.

***

A noite Sam lembrou da mochila, que estava no chão ao lado da cama, tirou o comunicador de dentro e pousou sobre a mesinha ao lado, o carregando. Ao tomá-lo de volta, a tela acendeu.

“Informações biométricas não identificadas, tente novamente ou insira a senha.”

– Hum. Senha? Ok. – Olhou para cima, pensativa. – Theo. – Falou ao comunicador.

“Senha incorreta.”

– Theodora.

“Senha incorreta.”

– Bedford.

“Senha incorreta.”

– Archer.

“Senha incorreta.”

– Basquete.

“Senha incorreta.”

– Hum. – Sam fez um semblante contrariado. – Evelyn.

“Senha incorreta.”

– Que bom. – Resmungou. – Letícia.

“Senha incorreta.”

– Imogen.

“Senha incorreta.”

– Ok, deixa pra lá. – Guardou o aparelho novamente na mochila.

Assistiu TV até tarde, apesar de não estar mais no hospital, sentia-se desconfortável no quarto de Theo, adormeceu já tarde. Acordou na manhã seguinte com o movimento de alguém deitando-se ao seu lado.

– Bom dia, amor. – Mike a cumprimentou sorridente.

– O que faz aqui? – Sam o olhou com estranheza, coçando os olhos.

– Vim acordar você, a enfermeira vem trocar seus curativos dentro de uma hora.

– Eu posso trocar sozinha.

– Não pode, não. Sam, aproveite as mordomias de ser uma milionária, você pode ter um batalhão de empregados aos seus pés.

– Mike, olhe minha cara de quem está super feliz por ter empregados aos meus pés. – Sam disse de forma ranzinza.

– Ok, ok. Você continua nesse mau humor, isso não vai ajudá-la a se recuperar. Você sabe que estou aqui querendo o seu bem, não sabe? – Mike se aproximou devagar. – Tenho tanto carinho para te dar…

– Eu sei, agora me deixe levantar e tomar meu café, me deixe sozinha.

– Por que? – Mike se aproximou ainda mais, colocando a mão em seu rosto.

– Mike, saia. – Sam tirou a mão de seu rosto, de forma ríspida.

Ele saiu da cama contra sua vontade, deu uma olhada em Sam e seguiu para a porta.

– Você deveria se importar com quem ainda está vivo. – Resmungou, e saiu.

***

As instruções médicas ditavam cinco dias de repouso para Sam, mas em seu terceiro dia na mansão de vidro, já não suportava a espera. Mesmo sob os protestos da irmã e do ex-noivo, Sam saiu com o carro branco a procura do Dr. Woler, para que liberasse seu acesso ao quarto de Theo, Lindsay a acompanhou.

– Eu não tenho a menor chance contra você, não é mesmo? – O médico brincou.

– Não, eu não sairei desse consultório enquanto não tiver a autorização para visitar Theo. – Sam insistia, de pé a frente de uma mesa.

– Você venceu, mas apenas amanhã, fechado? Amanhã você estará liberada, hoje vou fazer você passar por uma bateria de exames.

Sam meneou a cabeça, mas acabou aceitando o acordo. Passou o restante do dia no hospital fazendo exames de todas as naturezas.

À noite, ostentando cansaço, jantava na cozinha, com a companhia de Marcy e do cachorro, um vira lata de médio porte, branco amarelado.

– Quando eu estiver gerenciando as visitas, eu vou liberar sua entrada, e vou te levar lá. – Sam prometia à Marcy.

– Eu poderia vê-la? – Ela se animou, com um semblante radiante.

– Sim, vou levar você e seu marido, Lucian. E quem mais quiser ir, mas aos poucos.

– Isso seria perfeito! Não vejo a hora dessa menina voltar para nosso lado.

– Em breve, temos que manter nossa fé. – Sam disse, gesticulando com o garfo.

– Faço minhas orações por ela todas as manhãs, na gruta.

– Que gruta?

– Atrás das casas tem uma gruta de pedra, a senhora nunca viu?

– Não, ainda não desbravei essa casa, mas gostaria de conhecer.

– Amanhã eu levarei a senhora lá.

– Marcy, não me chame de senhora, eu tenho a idade de Theo. – Sam sorriu.

– Tudo bem, chamarei de criança, como a chamo.

Sam continuou sua refeição, Marcy conversava de pé, recostada no balcão da pia.

– Combinado. Amanhã irei ao hospital, me deram a permissão para ir. – Sam voltou a falar.

– Tenho certeza que ela irá adorar receber sua visita, as pessoas sentem essas coisas, mesmo em coma.

– Espero que sim.

Marcy aproximou-se da mesa, sentando numa das cadeiras, parecia se preparando para perguntar algo.

– Sam, posso fazer uma pergunta?

– Claro.

– Você ainda é noiva de Mike?

– Não, ele é apenas meu amigo agora.

Marcy olhou demoradamente para Sam, parecia não acreditar totalmente nela.

– Mas vocês irão reatar o noivado, não?

– Claro que não, por que está perguntando isso?

– Mike disse que vocês estão se acertando, e que irão reatar quando Theo estiver melhor.

– Ele disse isso? – Sam perguntou com as sobrancelhas baixadas.

– Duas vezes.

Sam bufou irritada.

– Não é verdade.

– Sam, eu não quero causar nenhuma intriga, nem nada do tipo. Eu não sei há quanto tempo você conhece Theo, mas espero que seja tempo suficiente para saber que ela é uma boa menina, e que não merece ser enganada por ninguém. Além disso ela está sozinha, perdeu toda a família.

– Eu sou a família dela agora.

Quatervois: (francês): Encruzilhada. Decisão crítica ou ponto de virada na vida de alguém.

8 comentários Adicione o seu
  1. A espera chegou ao fim! Confesso que fiquei mto preocupada com o futuro da Theo, não sei como ela vai se sair daqui pra frente, se ela vai demorar mto para acordar (espero que não demore, gosto da interação entre ela e a Sam, suas conversas e brincadeiras), quais serão as sequelas que ela terá por causa do tiro, se a bendita mão vai sobreviver tb… Espero que ela não demore a voltar a ativa pq o babaca do Mike ta de volta e sinto que ele ainda vai aprontar. Não entendo como a Sam deixou ele "voltar" depois de tudo que ela soube que ele aprontou no exército e o que ele fez com a Theo, a impressão que dá é que lela continua submissa a ele, sempre abaixando a cabeça para suas atitudes, não se impondo, enfim, vou aguardar e ver como ela vai lidar com ele, agora que a Theo não está presente para ajudá-la.

    Cris, vc não tem ideia de como faz eu e mais um monte de gente feliz com essa história…Parabéns não só pela excelente história, como pelo cuidado e comprometimento que vc tem com seus leitores. Bjos moça 😉

  2. Theo esta viva!!!? Theo esta em coma… ? vejo que vou chorar horrores nessa segunda parte…Estava com o coraçao na mão esperando!!

  3. Nem adianta falar do Mike.. A ingrata ja aconselhou o uso do sonrisal pq ele veio pra ficar.

    Acho que a Theo vai acordar com amnesia… E esquecer do perido com a Sam… Tipo, ela pode acordar achando que o tempo nao passou e ainda namora a Leticia..
    Seria legal. Mas pode ser qualquer coisa. Mike pode ate ficar, mas quero que Theo dê as cartas agora, ele nao a humilhava quando ela que dependia deles (Sam e Mike)?
    E eu achei que ja tinha perdoado a Sam por tudo, mas so o fato dela deixar esse idiota por perto, me faz lembrar por cada coisa que Theo passou na mao deles dois.
    Ja escrevi muito e sinto a raiva tomar conta, entao acabarei aqui antes que comece a xingar.

  4. Cris, estou tão feliz por vc está de volta com a Theo e a Sam, senti saudades. Como esperado vc sempre se supera a cada capítulo e esse foi perfeito. Como esperado tbm continuo odiando o nojento e grudento do Mike, aff, Sam está dando muita liberdade a esse safado. E esse lado da Sam sentimental eu adoro, é fofo demais, foi tão linda a declaração" Sou a família dela agora". Outra cena que me emocionou foi o encontro das duas, imaginar Theo naquele estado doeu. Estou torcendo para que ela se recupere logo e mande Mike pastar.bjs

  5. Nosssa! Finalmente, estava aciosa para a volta dessa historia! Cris, parabéns você escreve super bem, mas esse Mike me da náuseas, oh guri cretino! Espero que a Theo fique boa logo, sinto falta dos capitulos dela com a Theo! kkk

  6. 2121
    A volta da estória entre Sam e Theo…………………não tem preço!
    Adore o capítulo, Cris !!!!!
    Muita coisa para acontecer………………….e vc, Cris, conduz muito bem essa narrativa !!!!
    Fico com o coração na garganta de tanta ansiedade!
    Não judia muito da gente,não! Posta logo os capítulos!
    Parabéns!
    Agaurdando os capítulos!
    😉

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