2121 – Capítulo 34

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Capítulo 34 – Gaslighting

 

A travessia até a bela ilha levaria meia hora, as nuvens haviam dado espaço para o sol finalmente reinar sozinho no céu, deixando um dia perfeito para navegar até aquele pequeno pedaço de paraíso.

Poderia ter sido um passeio agradável no meio de tanta correria e preocupações, mas entre o casal aventureiro as coisas estavam cinzas.

O barco já seguia numa boa velocidade e ambas estavam no andar de cima, lado a lado no parapeito da grade de segurança. Em silêncio, suas roupas e cabelos tremulavam com o vento, Theo guardara o boné na presilha da calça.

Sam dividia seus olhares entre a paisagem e Theo. De forma hesitante pousou sua mão sobre a mão dela em cima da grade. Ao se dar conta do que acontecia, Theo deslizou sua mão para o lado, a retirando.

– Tem um assento vago ali no canto, não quer sentar? – Sam perguntou, tentava qualquer coisa para iniciar uma conversa.

– Não, obrigada. Mas sente-se lá se quiser.

– Você pode sentar no meu colo, minha perna mecânica aguenta a compressão de até meia tonelada. – Sam brincou.

– Estou bem aqui. – Theo respondeu sem mudança de expressão.

O sorriso de Sam desapareceu, dando lugar à desolação.

– Você disse que me desculpou, mas está distante, fria.

– Discordo, estou sendo cordial e respeitosa com você.

– Você está diferente, Theo.

– Não, eu estou te tratando de forma normal, como quando nos conhecemos.

– Mas naquela época não tínhamos nada.

– Exatamente.

Sam a olhou por alguns segundos, em silêncio.

– Entendi. – Sam balançou a cabeça, assimilando. – Ok, se você quer que as coisas sejam assim, então que seja.

O barco atracou num dos spots da ilha, conectando-se ao cais, a dupla aguardava por Igor na saída do barco.

– Já almoçaram? – Igor perguntou ao passar por elas.

– Eu te convidei para almoçar primeiro. – Sam brincou.

– Bem lembrado. Me sigam, vamos comer um peixe fresco.

Os três subiram pela entrada da ilha, desceram uma ruela e adentraram um restaurante simples.

– Esse aqui não é para turistas, mas a comida é até melhor. – Igor disse já sentando numa mesa plástica, sendo acompanhado por elas.

– Peixe, quanto tempo não como peixe. – Sam falou, Theo permanecia quieta.

– Você não enxerga? – Igor perguntou a Theo.

– O que?

– Não, não enxerga. – Sam respondeu por ela.

– E não ouve? – Igor riu.

– Ouço sim, mas não estava prestando atenção. – Theo respondeu rispidamente.

Sam bateu com seu pé no pé de Theo por baixo da mesa, chamando sua atenção.

– Então, o que uma tenente do grandioso exército europeu procura nestas terras?

Sam se aproximou de Igor, inclinando-se para frente.

– Aqui é seguro? – Sussurrou.

– Estamos entre amigos.

– Ok. – Sam ajeitou-se na cadeira de madeira. – Serei direta: você sabe onde o Beta-E é fabricado?

– Bem direta. – Igor servia seu prato.

– Você poderia dar uma resposta direta também. – Theo disse.

– Se eu tivesse uma resposta, eu não te daria, nem sei quem é você.

– Theo está num dia ruim. – Sam se desculpou. – Você sabe do que estou falando, você sabe das vacinas, então mesmo que não saiba onde estão as matrizes do Beta-E, talvez tenha suspeitas, ou outras informações.

– Sabe. – Igor mastigava devagar, olhando para o lado, onde haviam alguns coqueiros. – Uma vez a polícia do governo mandou um casal à paisana falar com um companheiro meu, aqui em Salvador mesmo. Se passaram por turistas, fretaram seu barco, fizeram um lindo passeio ao redor de Itaparica. – Olhou com um sorrisinho para Sam, e continuou. – O casal nunca mais foi visto, talvez estejam no fundo desse mar.

– Não somos da polícia do governo, abrimos o jogo desde o início. – Theo respondeu.

– Sabemos que é o grupo Archer que está por trás da fabricação. – Sam soltou a informação, mudando o semblante de Igor.

– Odín disse isso?

– Não, descobrimos sozinhas.

– Vocês têm ideia no que estão se metendo? A Archer não é a empresa mais poderosa da Nova Capital à toa, é um império antiético que controla um braço do governo, eles têm poder de justiça, esmagam quem se coloca no caminho deles.

– Não vamos desafiá-los, só precisamos pegar as matrizes do Beta-E.

– Para que?

– Entregar para outro laboratório. – Theo respondeu.

– Qual laboratório?

– Não sabemos.

– Tem recompensa pelas matrizes?

– A recompensa é um novo coração artificial para mim, o meu vai desligar semana que vem.

– Quem é seu contratante? O exército europeu? Esse laboratório que quer as matrizes é europeu, não é?

– Não sabemos, tudo que sei é que meu contato se chama David, mas não sei qual é a empresa ou nação por trás disso.

– Por que não rouba um banco e compra um coração no mercado negro?

– Eu preciso de um coração específico.

– Espera aí… – Igor arregalou os olhos. – Então é verdade? Vocês existem?

– Vocês?

– Borgs. Você é uma Borg?

– Você sabe sobre os Borgs? – Sam indagou surpresa.

– São lendas que ouço, nossa célula vermelha é especializada no planejamento tático e administrativo, mas ouço coisas da célula amarela sobre os avanços tecnológicos, é a especialidade deles.

– Qual a especialidade da azul? – Sam perguntou a Theo.

– Espionagem.

– Então você tem um coração de Borg? O que mais é artificial em você?

– Minha perna.

– Não tem implantes neurais?

– Tenho, não apenas neurais.

Igor sorriu fascinado.

– Estou quase pedindo um autógrafo a você.

– Preferiria não ter nada disso. – Sam sorriu com timidez.

– Posso ver sua perna?

– Ok, voltando ao assunto. – Theo interrompeu. – Temos a informação que as matrizes estão no mesmo local onde o Beta-E é fabricado, então procuramos algum laboratório grande e clandestino, o que você sabe sobre isso?

– Não sabia das matrizes, nunca ouvi falar disso.

– Mas sabe sobre o Beta-E.

– Apenas sei que o Beta-E é fabricado numa ilha.

Os olhos de ambas brilharam com a informação.

– Qual ilha?

– Boa pergunta.

– Você sabe, não sabe?

– Não faço ideia.

– Pelo amor de Deus, Igor, minha vida depende disso, qual ilha? – Sam implorou.

– Eu juro pelo Senhor do Bonfim, não sei qual é a ilha.

– Amigo, você tem ideia quantas ilhas tem no Brasil? Você deve ter mais informações, ou sabe como consegui-las, então pare de nos enrolar. – Theo disse.

– Não sou seu amigo, e não será nesse tom que você conseguirá alguma coisa.

Theo respirou fundo, engolindo a ansiedade.

– Sabe o estado pelo menos? – Sam tentou.

– Não, não sei. Escutem, eu realmente não tenho mais informações, gostaria de poder ajudar, nossa célula também procura a origem do Beta-E, mas isso é tudo que sei.

– Você faz parte da liderança?

– Estou chegando agora, ainda não tenho acesso a todas as informações, estou tomando aos poucos o lugar que meu pai deixou, ele era um dos líderes.

– Onde está seu pai?

– Se foi, sumiu no MT, você sabe o que acontece com quem some.

– Nunca mais aparece. – Theo respondeu.

– Você poderia procurar o núcleo e pedir por mais informações hoje, nós estamos sem rumo, esperando alguma pista concreta, podemos aguardar um pouco.

– Eles me passaram todas as informações que podiam, não me darão mais nada.

– Peça como favor pessoal. – Sam insista.

– Mocinha, acho que você não sabe como funciona o grupo, não é? Não somos uma irmandade, não somos amigos, cada um trabalha em prol de um bem maior, mas sem maiores contatos com outros membros, por segurança.

– Porque se um for pego, não tem muito o que entregar. – Theo completou, mexia devagar na mão ferida, com dor.

– Você pode pelo menos tentar? – Sam pediu.

Igor correu a mão pelos cabelos curtos negros ondulados, hesitante.

– É melhor terminarem suas refeições, o barco parte em quinze minutos.

Os três deixavam o restaurante e retornavam ao cais, era a metade de uma tarde agradável.

– Já conhecia Morro de São Paulo?

– Não. – Sam respondeu.

– Então não posso te deixar ir embora sem ver isso. – Igor mudou o rumo, as conduzindo numa estrada estreita.

Despontaram num mirante, que dava para o outro lado da ilha, era possível ver três praias com águas claras azuladas e alguns corais por baixo.

– Nossa… – Sam olhou impressionada para aquelas porções cristalinas de mar emolduradas por coqueiros.

– Já viu algo mais bonito? – Igor perguntou, orgulhoso.

– Nunca vi nada parecido, não sabia que o mar poderia ter essa cor. – Sam continuava olhando encantada.

– Se você tiver oportunidade de voltar, venha com tempo, mas cuidado, muitos não conseguem sair daqui. – Igor riu.

– Theo, eu encontrei. – Sam dizia com um sorriso.

– O que?

– Algo para comparar com seus olhos, eles são da mesma cor dessas águas.

– São?

– Sim, seus olhos já não são inefáveis. – Sam teve vontade de pousar a mão em seu rosto, mas desistiu, temeu ser repelida.

– Você também nunca esteve aqui? – Igor perguntou a Theo.

– Não, nunca estive.

– Bom, contemplação finalizada, vamos descer para o cais. – Igor saiu caminhando na frente.

– Voltaremos aqui, algum dia. – Sam sussurrou no ouvido de Theo, tomando sua mão para a caminhada.

Ao desembarcarem em Salvador, foram até a cabine falar novamente com Igor.

– Pelo menos aproveitaram o passeio? – Igor brincou.

– Você realmente vai nos deixar de mãos abanando? – Sam falou com uma voz cuidadosa, próximo dele.

– Eu dei uma informação.

– Vaga. – Theo resmungou atrás de Sam.

– É tudo que tenho.

– Não conheço a cidade, o que acha de nos mostrar um pouco de Salvador hoje à noite? – Sam convidou.

Igor não respondeu, deu alguns comandos numa tela de comando a sua frente.

– Um jantar quem sabe? – Sam insistiu.

– Você é insistente.

– E persistente.

– Tenho compromisso hoje à noite, mas passem aqui amanhã antes das oito, quem sabe eu tenha novidades.

– Você vai falar com alguém? – Sam se animava.

– Não prometo nada, mas um bom café eu poderei oferecer.

– Combinado. – Sam estendeu a mão, o cumprimentado.

Assim que entraram na caminhonete, Sam percebeu o semblante fechado de Theo.

– Passaremos a noite em Salvador, quer dar uma volta? Ainda nem são três da tarde e o dia está lindo.

– Quero analgésicos. – Falou de forma ríspida.

– Quanto mau humor. – Sam virou-se para trás, pegando um comprimido da caixa médica.

– Tome. – Entregou com uma garrafa de água. – A mão está doendo?

– Bastante.

– Deve incomodar o tempo todo, não é?

– Sim.

– Ok, vou deixar você quieta. – Sam deu partida com o carro.

– Você estava flertando com Igor? – Theo perguntou incisivamente.

– Claro que não.

– Vocês estavam flertando.

– Não, não estava flertando coisa alguma.

– Estava sim.

– Eu estava sendo educada para conseguir informações, e você deveria ter feito o mesmo.

– Vocês estavam flertando. – Theo resmungou baixinho, de forma quase inaudível.

– Pare de repetir isso.

Ficaram em silêncio por alguns minutos, Theo voltou a falar.

– Para onde estamos indo?

– Procurar algum lugar para ficar, vou aproveitar essas horinhas para lavar roupas, depois descansar.

Estacionaram numa pousada num casarão antigo nas proximidades, pegaram um quarto e passaram a tarde e a noite sem trocar palavras. O lugar era todo bege e marrom, incluindo a roupa de cama, tinha uma pequena janela com vista para a Baia de Todos os Santos.

Sam acordou no início da madrugada e não encontrou Theo na cama, a fazendo levantar rapidamente.

– Theo? Está no banheiro?

Ninguém respondeu, foi até o banheiro e a porta estava trancada por dentro.

– Theo, você está aí dentro?

– Estou.

– Por que trancou a porta?

– Quero privacidade. – Theo falava com uma voz fraca, triste.

– O que você está fazendo?

– Nada.

– Então saia daí e volte para a cama.

– Não.

– Anda, venha dormir.

– Não consigo dormir.

– Por causa da mão? – Sam falava com as mãos espalmadas na porta marrom.

– Sim.

– Saia daí, venha que eu te ajudo a dormir, te dou mais analgésico.

– Eu quero ficar aqui.

– Por que?

– Quero ficar longe de você, me deixe em paz. – Sua voz era sofrível.

Sam ficou em silêncio, tentando entender.

– Deixe de frescura, saia daí logo.

– Você conseguiu, parabéns.

– Consegui o que?

– Nunca mais chegarei perto de um piano, não era isso que você queria? Você conseguiu, eu não mexo mais meus dedos.

Sam sentiu-se mal, enjoada.

– Perdeu o movimento dos dedos?

– Perdi.

– Eu sinto muito.

– Não sente não.

Sam fechou os olhos recostando a testa na porta.

– Me desculpe.

Theo não respondeu.

– Saia do banheiro, eu cuido da sua mão aqui fora e te ajudo a dormir.

– Não.

– Por que você tem que ser tão teimosa? Saia logo daí.

– Por favor, me deixe em paz.

– Você está sofrendo porque quer.

– É, estou sim.

– Não ache que estou com pena de você, a culpa também é sua. – Sam falava agora num tom sério.

– Não quero sua piedade, quero só ficar longe de você.

– Você vai embora?

Theo demorou para responder.

– Não.

– Eu não quero que você vá.

– Tanto faz.

– Estou tentando te ajudar, mas você é tão arrogante que não permite, vai ficar aí sofrendo com dor na mão.

– De arrogância você entende, não é mesmo? – Theo retrucou.

– E de vitimismo você é profissional.

– É por isso que nunca vou conversar sobre minhas coisas, não tenho a menor vontade de dividir minha vida com uma pessoa egoísta como você.

– Egoísta foi você não me dando as informações mais importantes, você pensou só no seu bem estar, na sua segurança, e agora vem bancar de vítima? Você tem uma boa vida e um futuro pela frente, e eu? Eu estou tentando sobreviver! Mas você é uma exagerada, faz drama desnecessário.

– Como se eu ignorasse sua busca, não é? Você me decepciona cada vez mais, nos últimos dias só tem me surpreendido negativamente. – Theo disse com pesar.

– Olhe tudo que já fiz por você! Por causa de um rompante meu, um rompante totalmente justificável, que fique claro, você anula tudo que já te fiz, o quanto já cuidei de você e dessa maldita mão que só me dá dor de cabeça!

– Deixe a porcaria da minha mão então! Eu cuido do meu jeito, eu não te pedi nada, você que está me enchendo o saco aqui, desde o início dessa conversa idiota que estou pedindo para me deixar em paz, mas você é chata, é insistente.

Sam a essa altura já se exaltava do outro lado da porta.

– E você é petulante! E muito mal-agradecida!

– Obrigada por ser esse animal incontrolável e foder com a minha mão! – O clima piorava cada vez mais, os ânimos se inflamavam.

– Eu tive minhas razões! Você não consegue entender o que passei? Eu tinha certeza que você era uma traidora, que trabalhava nessa merda de empresa! Eu vi a foto e deduzi que você era alguém enviado para acabar com a minha vida!

– Nada justifica sua violência!

– Eu estava desesperada! Eu fiquei sem chão, mas que merda! Você não vai me entender nunca? Como você se sentiria se descobrisse que a mulher que ama quer sua morte?

– O que você disse? – Theo franziu as sobrancelhas, confusa.

– Oh droga… – Sam fechou os olhos deixando a cabeça cair junto a porta, ao lado das mãos espalmadas.

A discussão se encerrara de forma abrupta e inesperada, trazendo um silêncio carregado de confusão. Depois de longos segundos, Sam voltou a falar, agora já recomposta.

– Se quiser que eu olhe sua mão e dê mais analgésicos estarei aqui fora.

– É verdade o que você disse? – Theo perguntou ainda assimilando.

Sam demorou para responder.

– Por que você acha que terminei tudo com Mike?

Theo não respondeu.

– Eu vou dar uma saída, não abra a porta para ninguém. – Sam informou.

– Onde você vai?

– Dar uma volta.

Sam trocou de roupas e saiu da pensão. Theo saiu do banheiro algum tempo depois, foi até a cama e não a encontrou. Deitou-se, mas não conseguia dormir.

Meia hora depois, ouviu a porta se abrindo.

– Sam?

– Sou eu.

Sam foi até seu lado na cama.

– Chegue para lá um pouco. – Sam pediu, e sentou-se na beira da cama.

Theo não fazia ideia do que estava acontecendo, permaneceu deitada, com semblante apreensivo. Sam tomou seu braço direito, esfregando seus dedos por sua pele.

– Não mexa o braço. – Sam pediu, e aplicou lentamente uma injeção em sua veia.

– O que é?

– Hidrometa, 2 ml.

Theo logo sentiu a onda de calor subindo por seu corpo, fechando os olhos com força.

– Tem mais 8ml, usaremos com moderação nos próximos dias, ok? – Sam disse.

Theo balançou a cabeça concordando. Sam ergueu-se da cama e guardou o restante das ampolas na caixa médica. Trocou novamente de roupa e deitou-se ao seu lado.

– Tente dormir. – Sam orientou, virando-se para o lado de fora da cama.

– Obrigada. – Theo murmurou.

***

Theo sentou-se na cama num rompante, já estava quase amanhecendo.

– O quarto. – Falou assustada.

– Ãhn? – Sam acordou também, sem entender o que acontecia.

– O quarto. – Repetiu.

– Que quarto?

– Branco. – Theo tateou ao seu lado avidamente, procurando por Sam.

– Estou aqui. – Sam disse, segurando sua mão. – Que quarto branco?

Theo parecia confusa, soltou sua mão, esfregando o rosto com um semblante angustiado. Suspirou fundo e deitou-se, virada para fora.

– É por causa dessa porcaria, você tem pesadelos quando toma hidrometa e acaba me acordando também. – Sam resmungou.

Theo permaneceu em silêncio, Sam inclinou-se por cima dela, a observando, estava apertando os olhos com os dedos, com a respiração forte.

– Você está bem? – Sam perguntou.

– Me deixe em paz. – Theo encerrou, com a voz baixa.

– Ok. – Sam voltou a dormir.

***

– Bom dia, tenente! – Igor cumprimentou Sam assim que desceram as escadas do cais, onde os barcos e lanchas atracavam logo cedo.

– Bom dia, capitão. – Sam brincou, Theo estava ao seu lado com cara de poucos amigos.

– Vieram pelo café?

– Um bom café enriquecedor, eu espero.

Igor riu e se dirigiu até elas, apertou a mão de ambas.

– Vou ao escritório e já volto para levar vocês para o melhor café de Salvador.

– Espero que faça jus a propaganda. – Sam disse, e sentaram-se na mureta de pedras.

Theo entregou seu boné para Sam, tentava prender seu cabelo.

– Temos que ter um plano B. – Sam dizia, pensativa.

– Para o que?

– Para que Igor nos ajude, eu tenho certeza que ele tem mais informações do que diz ter, então por favor, seja simpática hoje.

– Serei um poço de simpatia.

Sam continuava compenetrada, fazendo planos.

– Temos uma carta na manga, e se for preciso teremos que usar.

– Qual carta? – Theo tomou o boné de volta, recolocando já com um rabo de cavalo.

– Você.

– Eu?

– Se ele não colaborar, diremos a verdade, que você é filha do Benjamin Archer.

– Eu não sou seu objeto de barganha. – Theo dizia com indignação.

– Que mal tem? Ele vai ficar fascinado com essa informação, vai querer fazer parte da nossa busca, não vai te fazer mal algum.

– Eu decido para quem contar, não você, é minha vida pessoal.

– Por segurança? Para a sua segurança? Você está pensando só em você, Theo.

– É o que eu tenho feito desde o início. – Theo debochou, e Igor retornou.

– Vamos? – Igor as chamou, e seguiram para um bar popular numa esquina dos casarões restaurados ali perto.

– Tem café aqui? – Sam olhava para todos os lados, era um lugar pequeno com três mesas metálicas com cadeiras.

– Tem sim, e sabe o que não tem aqui?

– O que?

– Os pássaros. – Igor apontou para o alto, na direção da porta.

– Ótimo. – Sam sorriu, e pediram seu desjejum.

Os minutos passavam e a conversa não saia das amenidades, Theo evitava participar da conversa, sua mão, que agora não mais se movia, voltara a doer com força total.

– Igor, já estou no segundo café, o que acha de falarmos sobre suas descobertas? Nosso tempo é curto. – Sam interrompeu a conversa sobre a carreira de ambos no exército, Igor havia servido na marinha da Nova Capital por seis anos.

– Não está gostando do café? – Igor sorriu.

– Você está nos enrolando, não é? – Theo entrou na conversa, já impaciente.

– Não, apenas estou sendo educado com vocês. Mas já que entraram no assunto, conversei com algumas pessoas ontem e não consegui nada de novo.

– Mais nenhuma informação? – Sam perguntou com desalento.

– Se eles possuem informações, me ocultaram, apenas me disseram que continuam investigando o grupo Archer, colocando espiões infiltrados nas diversas sedes.

– E até agora os espiões não deram nenhuma informação importante? – Sam perguntou.

– Nada que ajude vocês.

– Você conhece algum dos espiões infiltrados? – Theo perguntou.

– Não, isso não é da minha alçada.

– Algum nome? Sabe o nome de algum? Talvez eu conheça. – Theo insistia.

– E por que você conheceria?

– Por que eu sou filha do presidente da empresa, eu conheço um bom número de funcionários.

Igor e Sam arregalaram os olhos ao mesmo tempo, Igor a olhava estupefato.

– Você quer que eu acredite que essa garota maltrapilha sentada a minha frente é filha do Benjamin Archer? É alguma piada?  – Igor perguntou a Sam.

– Procure no seu comunicador. – Theo respondeu antes que Sam pronunciasse algo.

– Procurar o que?

– Meu nome, Theodora Bedford Archer.

Igor olhou hesitante para Sam.

– Faça o que ela está dizendo, busque o nome.

Igor sacou o comunicador e confirmou a identidade de Theo, olhando boquiaberto para a pequena tela.

– Então você está do outro lado. – Igor falou nervosamente.

– Não, ela está do seu lado, e do meu lado, está me ajudando na busca.

– Como vou acreditar que ela não está defendendo os interesses do papai?

– Não está, acredite. – Sam disse.

– Eu faço parte da célula azul, lá eles sabem quem eu sou. E nesse momento meu objetivo é conseguir as matrizes para ela, foda-se meu pai, células, Archer, eu só quero achar esse laboratório. Para isso eu me coloco a sua disposição para dar as informações sobre a Archer que você quiser. – Theo falou.

– Em troca de que?

– Tudo que você está escondendo de nós. – Theo disse enfática.

Igor esticou-se para trás na cadeira de metal, pegou seu copo de café dando o último gole. Fitou analiticamente para ambas, como se decidindo seus próximos passos.

– E então? Precisa de um terceiro café ou vamos acabar com a enrolação? – Theo arrematou.

Igor largou lentamente seu copo em cima da mesa, ajeitou seu cabelo ondulado para trás.

– Ilha das Peças, Rio.

Ao final da conversa, um pássaro drone espião abandonou a porta do bar, sem ser percebido em nenhum momento.

 

***

Gaslighting: Técnica de manipulação emocional que desqualifica a pessoa, mesmo que ela tenha razão. O gaslighting pode ser qualificado como violência de controle/cerceamento ou também como violência psíquica/verbal.

Exemplos: “Calma, era só uma brincadeira”, “Você está exagerando”, “Você está surtada”, “Cadê seu senso de humor?”, “Você é sensível demais, relaxa um pouco”, ‘Tá de TPM?”.

Nesse tipo de relação, o abusador tende a distorcer, omitir ou mesmo inventar informações, fazendo a vítima duvidar de sua memória, razão e sanidade. Ele também pode afastar a vítima de pessoas conhecidas, convencendo-a de que é o melhor a se fazer, ou que aquelas pessoas que foram afastadas eram pessoas ruins.

Mais informações:
http://www.papodehomem.com.br/porque-as-mulheres-nao-estao-loucas

http://revistaglamour.globo.com/Na-Real/noticia/2015/03/voce-ja-foi-vitima-de-gaslighting-nao-sabe-o-que-e-gente-explica.html

http://www.dicasdemulher.com.br/gaslighting/

 

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31 comentários Adicione o seu
  1. Caramba, Sam é toda torta mesmo! Muito difícil tentar defendê-la, os argumentos e atitudes dela são sofríveis! Eu até tento buscar os argumentos na bendita religião, na criação, nas regras do exército mas tá difícil de defender! Muito difícil!
    Mas confesso que ainda tenho esperança que elas fiquem bem! Admito sou team Samthéo! hahaha
    Bjs

    1. Pior que quando a gente acha que ela tá melhorando, tá se dando conta da merda, ela vai lá e estraga tudo de novo…
      Não posso declarar torcida, mas confesso que também estou na torcida que esse climão acabe logo.
      #SamTheo

      1. Sam é bruta demais, e totalmente dúbia, tem momentos que ela é gentil e delicada feito Mike, ou seja, tem atitudes dignas de um ogro da pior espécie, tem momentos em que é gentil e amorosa, poucos momentos, verdade seja dita, acho que é mais forte que ela a grosseria. hahaha
        Pois é, ThéoSam, a sua antena parabólica, capta sinal de satélite até no subterrâneo! hahaha Realmente não combina com elas. hahaha
        Eu sou fã de final feliz, então tenho toda esperança do universo que elas vão ficar bem! 😉

        1. Não vou dizer que Sam é bipolar porque talvez quem realmente sofra desse problema não goste, mas que ela é volúvel, é sim.
          Mas veja por outro lado: que graça teria colocar duas protagonistas perfeitas? Vamos polemizar, é mais divertido. rs
          Ok, então fica #SamTheo mesmo, nada de parabólica.
          Bjos!

          1. Isso aí #SamTheo forever!
            Mais do que tudo a polêmica e o fato delas ser tão diferentes é o que mais atrai em ler 2121, pq é como se elas se completassem, pq a Sam é do exército, toda cibernética, mas a estrategista e quem usa até mesmo de força para salvá-las é a Théo. Pq a maioria das vezes Sam entra em pânico né! hahaha Bipolar ela não é mesmo não, vc é que criou essa personagem toda doida e descompensada que faz a gente ter amor e odiar ao mesmo! hahaha
            Bjão

  2. CARAMBA!
    PRIMEIRAMENTE, tava numa loucura de faculdade, mal tive tmp de dedicar um momentinho de atenção e comentar aqui. CARA! Tu fez um site pra demonstração do search da Theodora? Caraaaaca! Aí eu aplaudi.

    To apreensiva.

  3. Massa demais, adorei a interatividade desse capitulo. Com site sobre o grupo archer e tudo, fico pensando no trabalho q vc teve pra editar as imagens e mexer no template, montar uma história para o site e tudo. Dá pra ver q vc é muito dedicada e dá pra sentir isso só lendo o q escreve e vc tbm está sempre aberta a discussoes, críticas e sugestoes. Há muito tempo q eu nao lia nada de bom na net, sempre as mesmas coisas, aí eu conheci a lince e a raposa e virei sua fã.
    Eu nao conhecia esse termo gaslighting, fiquei muito surpresa com a definicao, li os sites q vc deu como referencia e achei o tema muito interessante, muito mesmo. Parabens pela historia, pelo site e pela sua simpatia com nós leitores.
    Eu acho q no comentario do cap passado eu fui muito incisiva,mas é pq eu me revoltei com a Sam, eu continuo revoltada mas agora é menos. Só acho as desculpas dela pouco convincentes sei la pode ser culpa dos gaslighting. Enfim, muita coisa falta ser revelada, a Sam ta perto do dia D e aTheo coitada vivendo nesse mar de incertezas

    Bjo.

    1. Pois é, fico fazendo site de mentirinha e depois não entendo porque continuo pobre… rs
      Levei algumas horas fazendo, mas agora percebo que deveria ter dedicado mais tempo a montagem fotográfica, porque ficou tenebrosa.
      Karoline, confesso que esse seu comentário fez meu dia, fiquei aqui toda feliz, sorrindo serelepe. É bom ter esse retorno, é muito bom saber que tá dando certo, que a dedicação vale a pena. Estarei sempre aberta a um bom papo, eu adoro vocês.
      Também conheci o termo gaslighting a pouco tempo, porque a prática é algo tão banal que raramente alguém problematiza esse tipo de manipulação. Não serei radical de dizer que sempre que alguém fala algo do tipo está praticando manipulação, temos que ter bom senso e não nos tornarmos paranóicos, mas é um alerta válido, muitas vezes essas ‘brincadeiras’ são o início de práticas mais graves.
      Continue incisiva, eu gosto dos comentários sinceros e escritos no calor da emoção. Bom, o desafio de reverter a situação de Sam começou. Me deseje boa sorte. 😉
      Beijos e obrigada!

  4. as vezes penso que a Sam 75% humana….ave sei não viu a menina perdeu o movimento da mão e parece que pra ela só quebrou a unha…agora que a salvou nesse cap foi declaração que ela ama a Théo. tomara que ela troque logo esse coração…rsrsrsrs

  5. Oi Cris, nossa como eu estava desatualizada da história! mas enfim, coloquei em dia. Quanta informação! E Sam tsc, tsc, sei não… veio como um rolo compressor pra cima de Theo tadinha!
    Vc sempre trazendo uma novidade né? Eu desconhecia o termo, informação valiosa.
    Admiro sua escrita, sua preocupação em fazer com que os detalhes sejam importantes e prendam a atenção de quem lê, isto torna o enredo cada vez melhor, parabéns.
    Abraço

    1. olá Lilian! Bom te rever por aqui!
      Uma chuva de novas informações, agora que o final se aproxima, vem mais por ai…
      Confesso que tb conheci o termo gaslighting a pouco tempo, mas achei pertinente colocar uma explicação porque é algo corriqueiro, nem percebemos as vezes.
      Obrigada! bjos (e me diga quando pode tomar um café na cultura de novo, viu?)

  6. Quando e que a sorte de Theo vai mudar??? Ela só se ferra… E a sam e uma ogra… Ansiosa pelas próximas descobertas… Muito bom.

  7. Bom capítulo. Mas não concordei com alguns diálogos q vc colociu como sendo violência psicológico pq eatava fora do contexto. Mas td bem..é q tem q ser todo o trnpo em todas as situações e n sp de de conflito entende. Pq qndo brigamos é normal falarnos coisaa q ferem…mas no dia a dia é diferente.
    Theo parece q mostrou um pouco dos seus sentimentos ainda q Sam n se deu conta…se abriu um pouco e ta maos sensível.
    O problema q Sam reforça a desconfiança de Theo em s abrie pq sempre menospreza osl q elq sentr pq sempre q elq tenta falar estão numa briga.

    Q mais tenho q dizer..uii tem gebte q vai chegar antes nessa ilha…o cara fez tanto cu doce q qndo fslou n prestou atenção naa pessoas.
    continuo entendendo a Sam.Ela n podr entrndr dentto dos esquemas mebtais dela algo e por isso culpa e diz essas coisas..n é tao difícil de entender isso..Dentro da forma dela de conduzir as coisas e as duas tem forma diferente. Theo é maos sensível por isso se protege tanto…e sim.Isso e Theo lembrar de cosias do passado e associar e por osso foca mal eu entendo..acontece com pessoas q passaram por mt traumas.Ts associa e vira um círculo vicioso a qula uk n pode sair.Por isso uma pessoa depressiva demora maos de sair…n sublima, escolhe sempre o mesmo mecanismo de defesa e isso adoece.O mais efeitivo mecanismo de defesa é a sublimação.
    se cuidaa…e foi grandinho o capítulo. 🙂
    Beijos

    1. hola Lai!!
      Então, a questão do gaslighting, o problema não ocorre apenas quando a pessoa usa essa prática o tempo todo, bem como tb nem tudo é gaslighting, tem que existir bom senso para discernir o que é abuso do que parece abuso. Mas é algo que precisa ser combatido, mesmo que dito apenas uma vez, se for com intuito de diminuir o discurso da mulher.
      Um chefe que rebate uma funcionária mulher que sugere algo diferente do que ele pensa, dizendo ‘tá de tpm?’, mesmo sendo a primeira vez que ele fala uma bobagem dessas, é prejudicial, reduz o intelecto da mulher a ‘fala bobagens quando está prestes a menstruar’.
      Na verdade Theo está evitando desmoronar, está ainda mais fechada do que antes, hoje em dia ela não falaria mais nada sobre a época do bordel.
      Mas é complicado mesmo, Theo tem traumas demais, é tudo muito recente, quem sabe Sam se torne mais sensível com ela.
      Obrigada, beijos!

      1. E eu achei que o Easter Egg era o símbolo da Archer ser o mesmo do Axwell /\ Ingrosso ^^ … Também notei o drone, mas acredito que no ano 2121 eles realmente fossem corriqueiros. Ah e também estou acompanhando A Organização, tem uma história bem legal..recomendo 😉

        1. Joguei no google e vi que é a mesma logomarca desse duo de djs mesmo, mas foi só girar um V e pronto, coisas feitas em dois minutos no photoshop… rs
          Sobre os drones, hoje em dia já estão meio que corriqueiros, mas na verdade o nome drone veio a calhar para essa aplicação, porque na verdade os “pássaros espiões” da minha história são baseados nos do livro 1984 (que é um livro de 1949), naquela época não havia a palavra drone, mas se existisse, aqueles pequenos espiões seriam drones.
          Beijos!

  8. Minha nossa muito impressionada você fez um site da empresa do famigerado pai da Theo ,achei espetacular parabéns e nossa a Theo e uma gata não é atoa que a instável ,complicada mais ainda sim apaixonante Sam caiu de amores por ela

  9. A Theo é linda, esperta, tatuada, muito boazinha. Mas os bonzinhos cansam as vezes… (Sempre torci para os vilões isso pode me influenciar :D). Acho que ela sabe mais do que sempre informou, até pode ajudar a Sam mas não confia plenamente para divulgar.

    A Sam é um belo presente como personagem. Espero que posso evoluir bastante na segunda fase, ela é forte mas ainda se mostra fraca. Talvez se ela não tivesse a Theo para ajudar agiria diferente. Sobre as atitudes dela, no meio que foi criada não poderia agir diferente, porem é essa questão, é a sua possível mudança que me deixa ansiosa pela sua evolução.
    Eu queria mais Sam…
    Queria mais pensamentos dela…
    Quero sentir essa dificuldade que ela está passando, quero me deliciar com seus pensamentos.

    Sobre o site fake: Parabéns e obrigada… encaixou tempo para nós presentear.

    1. Sabe que quando eu assistia desenho animado na infância eu também torcia para o vilão? Queria muito que o Coiote pegasse o Papaléguas, e que o Tom se desse bem no fim, e não o Jerry. Então compreendo você.
      Essa história foi planejada para entrar apenas na cabeça de Sam, ouvir atenciosamente seus pensamentos e dúvidas, e agora lendo seu comentário percebo que realmente está faltando um pouco disso, de entrar na cabeça dela, talvez eu esteja acelerando a escrita e deixando de lado as ponderações e pensamentos da protagonista, eu também estou sentindo falta da humanização da Sam.
      O site fake foi um capricho nerd… rs
      Obrigada, beijos.

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