2121 – Capítulo 33

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Capítulo 33 – Subterfúgio

 

Se você está num jogo de cartas e não sabe quem é o peixe, você é o peixe.

 

Naquela noite em Feira de Santana o jogo havia dado uma guinada, Sam ainda fitava seu comunicador se dando conta que de nada adiantava conhecer as regras, se não conhecia os jogadores.

Guardou o comunicador no bolso e saiu transtornada, a voz alta de uma mulher a chamou.

– Moça! Moça!

Virou-se e percebeu que a garçonete a chamava.

– Esqueceu seu pedido. – Disse erguendo a sacola parda.

Sam tomou o saco e partiu para o carro, com ares perturbados.

Abriu a porta do passageiro, assustando Theo.

– Sabe que horas são? – Theo perguntou em tom de brincadeira.

– Saia do carro.

Atirou a sacola para dentro do carro e arrancou Theo de dentro pelo braço, com violência.

– Hey! Sam??

Sam jogou Theo de bruços por cima do capô do carro, a inclinando para frente e ficando por trás. Bateu com seu rosto contra a lataria, e com a outra mão puxou o pulso esquerdo de Theo para trás, o segurando contra suas costas.

– O que é isso?? – Theo perguntou, sem entender.

– Comece a falar a verdade. – Sam disse com raiva, segurando a cabeça dela com força na lataria gelada. Theo tentava soltar seu braço esquerdo.

– Que porra você está fazendo??

– Eu descobri quem você é, a casa caiu. Qual sua missão? Sabotar minha busca?

– Você está delirando? Falou com algum lunático dentro do bar?

– Pare de se fazer de desentendida! Você trabalha no grupo Archer!

– Que? Ficou louca?? De onde tirou isso?

– Eu vi uma foto sua, pare de mentir, você me traiu esse tempo todo! Eu confiei em você, porra, eu confiei em você! – Sam bradava com raiva, empurrando novamente o rosto dela contra a lataria, já cortando seu supercílio.

– Me solte! Você está enlouquecendo! Isso é mania de perseguição!

– Poupe meu tempo, eu vi você numa foto de funcionários da Archer, era você! Você joga do outro lado, está me espionando!

– Eu não sei do que você está falando!

– Chega, Theo! Confesse! Quem mandou você? O que você faz dentro da empresa?

– Sam, pelo amor de Deus, não sei do que você está falando! Ninguém me mandou!

Os ânimos esquentavam, Sam parecia mais possessa a cada segundo, a ponto de explodir.

– Você trabalha na Archer! Isso é fato! Eu vi a foto, era você!

– Você está surtando!

– Eu confiei em você, acreditei como uma tola, caí na sua armadilha!

– Eu não estou mentindo! Eu também confio em você, estou ao seu lado porque me importo de verdade com você!

– Confia em mim? Diabos que confia! Você nem deixa eu te tocar!

Theo enfureceu-se, tentou soltar-se energicamente.

– Acha que é mais forte que eu? Eu acabo com você num piscar de olhos. – Sam bradou.

– Me solte!

– Confesse!

– Eu não tenho o que confessar!

– Será que não? Vamos testar.

Sam deslizou a mão pelo pulso de Theo, envolveu sua mão ferida e passou a apertar com força.

– Pare! – Theo gritou em desespero.

– E agora? Vai continuar negando que trabalha na Archer?

– Solte minha mão! Solte minha mão! – Theo se retorcia fechando os olhos com a dor extrema que sentia em sua mão, que já sangrava além do curativo.

– Confesse logo!

– Por favor, Sam, solte minha mão.

Sam apertou ainda mais.

– Confesse e eu solto.

– Eu não tenho o que confessar! Não faça isso com a minha mão, eu imploro!

Sam tirou a mão da cabeça de Theo, correu até a perna e sacou sua pistola.

– Você tem cinco segundos para começar a falar a verdade. – Sam enfiou o cano da pistola na palma da mão dela. – Se você não confessar eu vou fazer mais um furo na sua mão, e eu duvido que você consiga sequer chegar perto de um piano novamente.

Theo tentou erguer seu tronco de cima do carro, sendo empurrada com força de volta, batendo novamente o rosto.

– Fale logo!

– Não faça isso, não atire, vamos conversar de forma civilizada.

– Um.

– Sam, você não sabe o que está fazendo, eu não trabalho nessa empresa, por favor pare com isso.

– Dois.

– Não faça isso, Sam! Por favor!

– Três.

– Sam!

– Quatro. – Sam empurrou o cano, empinando a arma.

– Eu confesso! Eu confesso! Mas não atire!

Sam tirou a arma e voltou a empurrar sua cabeça para baixo.

– Então confesse que você trabalha para a Archer e que foi enviada para me sabotar. O que você é? Uma espiã que veio garantir que eu morra tentando?

– Eu não trabalho nem sou espiã porra nenhuma!

Sam voltou a apertar sua mão.

– Pare de brincar comigo, diga que trabalha na Archer e eu solto sua mão.

– Eu não trabalho em merda de Archer alguma! Eu sou filha do dono!

Sam paralisou, fitava sua nuca em silêncio, boquiaberta. Parou de apertar a mão dela.

– Agora me solte, por favor. – Theo implorava.

Sam não a soltou, baixou suas sobrancelhas, parecia incrédula.

– Você quer que eu acredite que você é filha do proprietário de uma das maiores empresas da Nova Capital?

– Eu sou, eu juro, é por isso que eu estava na foto.

– E foi mera coincidência você aparecer na minha frente? Está dizendo que não sabia de nada?

– Acredite, foi coincidência.

Sam voltou a apertar sua mão ferida.

– Não! Não faça de novo! Eu estou falando a verdade! Não tenho mais nada para confessar! Minha mão de novo não!

– Você só está ao meu lado para que eu morra!

– Se eu realmente quisesse sua morte teria deixado você enterrada naquele buraco! Solte minha mão!

Sam olhou para baixo, viu o sangue escorrendo pelo pulso, por cima da tatuagem do símbolo do infinito, aquela imagem pareceu tê-la despertado. Soltou Theo imediatamente.

Theo se virou e deu dois passos para longe de Sam, segurando sua mão esquerda com dor.

– Você acabou com a minha mão… Olha o que você fez com a minha mão… – Theo resmungou, curvando-se.

– Então você é filha de Benjamin Archer? – Sam perguntou, estarrecida.

– Que merda…

– É ou não é? – Sam bradou.

– Sim, infelizmente sim!

– E nosso encontro foi obra do destino?

– Eu estava fugindo de um bordel, sem enxergar, sendo perseguida por seguranças, e você foi a primeira pessoa que cruzou meu caminho, acha que planejei isso?

– Mas você sempre soube que era a empresa do seu pai que eu procurava, porque não me contou?

– Eu descobri isso no mesmo momento que você descobriu, depois da fuga daquele depósito no Peru, antes de encontrarmos Mike.

– Você quer que eu acredite nisso? Você é uma mentirosa, mentiu o tempo todo, como vou acreditar em você?

– Ok, eu menti algumas coisas, omiti outras, mas saiba que eu usei tudo que eu sabia para te ajudar na busca, o fato de omitir essa informação não atrapalhou você em momento algum, eu tenho feito tudo que está ao meu alcance.

– Você quer uma carona para a empresa do papai, apenas isso.

– Eu teria formas menos dolorosas de chegar até lá.

– Se ele é seu pai, porque não liga para que ele te ajude?

– Ele não sabe que fugi do Circus.

– Então ele vai ficar feliz em saber que a filhinha está de volta,

– Muito feliz. – Debochou, Theo já estava erguida, respirando com força.

– Peça para ele te buscar, você pode conseguir mais informações ao lado dele.

– Eu nunca ligaria para aquele verme.

– Não fale assim, você deve respeito ao seu pai.

– Foi aquele desgraçado que me colocou no Circus!

Sam a fitou assustada.

– Seu próprio pai? Você quer que eu acredite nisso?

– Também não estou orgulhosa do pai que tenho, acho que ele não ganharia nenhum prêmio como pai do ano.

Sam se aproximou, a analisava, agora a via sob novo prisma.

– Qual seu nome verdadeiro?

– Você sabe meu nome.

– Não mentiu?

– Procure aí no seu comunicador por Theodora Bedford Archer.

Sam hesitou, mas acabou sacando o comunicador e buscando imagens do nome citado. Confirmou a identidade de Theo e guardou o aparelho no bolso, pensativa.

– Por que não me falou? Você tem mentido desde o início, eu merecia mais, eu nunca menti para você. – Sam perguntou ainda com ares possessos, dando alguns passos à frente. Theo afastou-se instintivamente, esbarrando no carro.

– Era o mais seguro não te contar, quanto menos pessoas souberem, melhor.

– Você achava que eu faria algo contra você, por conta dessa informação?

– Não, você e inofensiva, não é mesmo? Incapaz de me fazer mal. – Zombou.

– Você não é a vítima aqui, então mude esse tom. Foi você que mentiu descaradamente por todo esse tempo, inventando um monte de historinhas humildes, estava tentando me comover? Não enxergar não era o suficiente? Você me manipulou a acreditar em algo que você não era.

– Essa aqui sou eu! A diferença é que agora você sabe minhas origens, grande merda! – Theo falava com irritação, segurando a mão junto ao peito.

– Quem mandou você?

– Ah Sam, estou com dor demais para aguentar suas paranoias, eu só quero sair daqui.

– Naquela noite, quando encontrei você, de onde você estava vindo? Quem estava com você?

– Eu fugi da porra de uma casa de prostituição!

– Eu não acredito nisso, fugiu facilmente, mesmo sem enxergar? Sendo que já havia tentado outras vezes, quando enxergava, sempre sem sucesso. – Sam ironizou.

– Fugi facilmente?? Eu matei um homem e arranquei o braço de outro para conseguir fugir, isso é fugir facilmente?

– Você fez isso? – Sam arregalou os olhos.

– Sam… você não faz ideia mesmo, não é? Não acho que um dia você vá entender as coisas por qual passei. Você é limitada, você tem um cabresto ao redor dos olhos, uma má vontade enorme com as pessoas diferentes de você. Fingia acreditar em mim, mas nunca acreditou em nada do que falei.

– Com razão, acabei de descobrir que dividia a cama com uma mentirosa. – Sam retrucou.

– O que todas as minhas mentiras mudam no panorama atual? Na busca não faz diferença alguma, eu usei tudo que sabia ao seu favor. Mas agora você tem bons motivos para me tratar mal e me agredir, vai ter sempre o subterfúgio de que eu menti, toda sua merda é justificável agora. Tudo bem, vá em frente, coloque em prática toda a covardia que você aprendeu muito bem com Mike nesses anos de convivência.

Sam olhou para a mão de Theo e sentiu-se mal. Apesar de agora uma culpa chegar de mansinho, continuava irada com ela.

– Você me obrigou a fazer isso, só assim você confessou.

– Haviam outras formas de conversar sobre isso comigo, acredite.

– Ok, agora que arranquei a verdade, fale o resto.

– Que resto?

– Tudo mais que você escondeu, comece falando sobre seus pais, que não morreram porra nenhuma.

– Meu pai está vivo, mas minha mãe morreu.

– Ou não. – Sam sorriu.

– Meu pai matou minha mãe, e nunca achei que me sentiria tão mal por ouvir seu sorriso.

– Ele matou sua mãe e continua solto?

– Comprou a justiça, arquivaram o caso como suicídio. E nem sei porque estou dando satisfações a você.

– Você me deve satisfações. Muitas.

– Eu tenho a consciência tranquila de que nada do que fiz prejudicou você, pelo contrário, sei que fiz até agora tudo que estava ao meu alcance. – Theo respondeu, incisiva.

– Então você é milionária?

– Eu pareço milionária? Meu pai é.

– Mas você era.

– Era.

– Seu pai não faz ideia de que você fugiu do Circus?

– Espero que não.

– Ele te colocaria lá de novo?

– Ou coisa pior.

Sam baixou a cabeça, encarou o chão de terra daquele estacionamento por alguns instantes. Tentava assimilar as informações antigas com as recém adquiridas.

– O que mais é mentira?

– Aquelas coisas que falei para Mike, que morava num bairro modesto, que trabalhava no comércio local. Eu morava numa colina num bairro fechado, e apenas estudava. O resto é verdade.

– Todo o resto é verdade?

Theo baixou a cabeça, parecia constrangida.

– Não… Tem outra coisa que eu menti. – Theo disse com a voz moderada, sem jeito.

– O que?

– Eu disse a você que não trabalhei depois que me cegaram, mas é mentira.

– Você trabalhou depois de perder a visão?

– Até o momento da minha fuga.

– Por que mentiu isso?

Theo moveu a cabeça com hesitação antes de responder.

– Eu percebi que você tinha preconceitos, achei que teria… sei lá… que sentiria repulsa por eu ter trabalhado recentemente. Eu não queria que você se sentisse assim ao meu lado. – Theo falou, cabisbaixa.

– Eu não me sentiria assim. – Sam sentiu um nó na garganta. – Você poderia ter me contado a verdade.

– Esse não é um assunto fácil. Não quis arriscar. – Theo reassumiu sua postura séria.

– Eu não sei mais no que acreditar.

– Problema seu.

Sam voltou a se enfurecer.

– Eu deveria largar você aqui nesse estacionamento, você traiu minha confiança, não sei se quero uma traidora ao meu lado.

Theo abriu os braços, munida de um sorriso irônico.

– Vá em frente.

– Entre logo nesse maldito carro. – Sam disse abrindo a porta do passageiro, e a empurrou para dentro, seguindo para seu lado.

Pouco depois Sam parou ao lado de um reservatório de água desativado, no alto havia a grande caixa d’água em formato de nave espacial, dentro havia espaço e segurança o suficiente para passarem a noite.

Seguiram a rotina noturna em silêncio, após um rápido banho Theo foi até o carro em busca da caixa médica. Sam percebeu sua intenção e se antecipou, tomando a caixa do banco de trás do carro.

– Deixe eu cuidar da sua mão. – Sam disse.

Theo puxou a mão de forma agressiva.

– Não, você não vai encostar nessa mão. – Theo tomou a caixa de Sam, a abrindo em cima do banco.

– Ok, você que sabe. – Sam seguiu para o colchão, deitou-se e observava Theo limpando e cuidando de sua mão, com dificuldade.

– Quer ajuda?

Theo não respondeu.

Sam virou-se para cima, esfregando as mãos no rosto, com desolação. Assim que Theo terminou, seguiu também para o colchão.

– A esquerda, um metro a esquerda. – Sam a orientava.

The corrigiu sua rota finalmente chegando até o colchão. Deitou-se e prontamente virou-se para o outro lado, recebia um olhar pesaroso de Sam. Depois de algum tempo, Sam resolveu se manifestar, algo estava bem apertado dentro do seu peito.

– Não adianta fazer essa birra, a culpa é sua, não esqueça disso. – Sam falou, fazendo Theo apenas abrir os olhos.

– Você poderia ter evitado isso. – Sam continuou. – Eu não queria ter agido daquela forma com você.

– É verdade, a culpa é toda minha, me perdoe, eu deveria inclusive ter dado a outra mão para você destruir. Melhor, eu deveria ter lembrado você do meu tiro recente na cintura, para que você enfiasse o cano da arma dentro. Mil perdões.

– Foi você que provocou essa situação, eu perdi o controle por um motivo razoável, então não banque a engraçadinha agora, não tente inverter a situação, você que está em débito comigo.

– Boa noite, Sam.

***

Não se falaram pela manhã, o clima continuava hostil e ninguém fazia nada para mudar isso, apenas um visível arrependimento era perceptível em Sam sempre que relanceava seus olhos para Theo.

A única interação que houve entre elas foi quando Sam entregou analgésico e antibiótico após o café da manhã. Theo estava com uma aparência cansada, não dormira nada naquela noite devido a dor na mão.

Próximo das dez da manhã já circulavam pelas ruas de Salvador, a sensação ruim que tomava conta de Sam foi levemente amenizada ao ver novamente o mar e belas praias. Também percebeu a companhia dos drones vigilantes, que eram numerosos nas capitais e grandes cidades. Estranhou os inúmeros casarões coloridos de arquitetura antiga pela orla, o Pelourinho havia sido transferido pelo governo para aquela área nobre da cidade.

– Você sabe para onde devemos ir? – Sam rompeu o longo silêncio.

– Para as barcas.

– Eu não sei onde ficam as barcas, você tem algum palpite? Ou terei que fazer uma pesquisa no comunicador?

– No Mercado Modelo.

– Não sei do que você está falando.

– Não sabe colocar isso no seu localizador? Você não é uma Borg com implantes cerebrais de localização visual? Não vou mais fazer seu serviço.

– Por que continua nesse mau humor? – Sam perguntou com irritação, parando o carro num acostamento na orla.

– Sam, você é muito nova para ter lapsos de memória.

– Não vou admitir esse comportamento ao meu lado, então é bom parar de coitadismo e falar direito comigo.

– Senão o que? Senão vai me largar aqui? Engraçado, dias atrás lembro de ter alguém implorando de joelhos para que eu continuasse a viagem.

Sam enfureceu-se.

– Não acredito que você foi capaz de jogar isso na minha cara.

– Você foi capaz de coisa pior.

– Porque machuquei sua mão? Sua mão já estava machucada, pare de supervalorizar uma besteira dessas, eu não fiz nada, eu só reagi a uma situação.

Theo balançou a cabeça em desaprovação, decepcionada.

– Você lembra uma promessa que me fez depois que fugimos daquele hotel bunker na Zona Morta? – Theo falava com tristeza na voz.

– Não.

– Você prometeu nunca me machucar, nunca me fazer mal. E eu acreditei, achava que você seria incapaz de fazer isso. Mas fez. Você quebrou aquela promessa. – Terminou a frase com a voz embargada.

A consciência de Sam começava a lhe punir.

– Eu lembro…

– Eu não sei do que você é capaz, você foi treinada para torturar, ferir e matar. Eu deveria saber que você seria capaz de agir como um soldado irracional comigo. Mas você me surpreendeu.

Sam esfregou os olhos, o arrependimento agora era consciente.

– Me desculpe.

Theo permaneceu em silêncio.

– Você vai me desculpar algum dia? De preferência algum dia antes do dia treze. – Sam continuou.

– Considere-se desculpada.

– Você está falando da boca para fora?

– Não.

– Posso me sentir menos culpada?

– Sinta-se como quiser, não é porque você fez eu me sentir mal que quero fazer o mesmo com você.

– Você ainda se sente mal?

– Bastante.

– Não se sinta, sua mão vai melhorar.

Theo deu um sorriso torto, balançando a cabeça.

– Tem coisas doendo muito mais que minha mão.

Aquela mesma sensação, de quando viu Theo decepcionada com ela no hotel, assombrava novamente Sam.

– Não fique assim, não foi nada demais.

– Nunca irei me acostumar com violência.

– Mas não temos tempo para esse tipo de coisa, então acho melhor passarmos por cima do que aconteceu e focarmos no que viemos fazer aqui, encontrar e arrancar algo importante desse tal Igor.

– Fico feliz em ver você agindo de forma prática.

O comunicador tocou, era Lindsay.

– Diga, minha irmã. – Sam atendeu sem muita animação.

– Já encontrou o homem que vai ajudar você?

– Estamos a caminho, em alguns minutos estaremos no local onde ele trabalha.

– Ontem depois da missa pedi ao Padre Clive para colocar seu nome nas intenções, para que essa pessoa dê informações úteis, e você encontre logo esse laboratório. Fizemos uma corrente de oração inclusive.

– Obrigada, Lynn, continue orando por mim, eu realmente preciso, tenho apenas uma semana.

– É o que tenho feito desde que você fugiu do exército, tenho pedido para Deus iluminar seus passos e seu juízo.

– Concentre-se apenas em iluminar meus passos. – Sam tentou brincar.

– Eu decidi ignorar momentaneamente esse seu desvio de moral, não quero falar sobre isso agora, quando você voltar teremos uma boa conversa. Apenas volte, ok?

– Se tudo der certo, semana que vem estarei aí matando a saudade. – Sam disse.

– Deus te ouça, não perca seu tempo com assuntos desnecessários, apenas extraia tudo que essa garota puder te ajudar, ela será passado dentro de alguns dias.

Sam não respondeu prontamente.

– Deixemos esses assuntos de lado, vamos falar apenas da minha busca.

Lindsay se despediu, Sam encarou o volante por alguns segundos.

– Sua irmã adora falar de mim, não é? – Theo disse.

– Não é por mal, ela só não entende algumas coisas.

– Dá para ver que são irmãs… – Theo resmungou, massageava a base da mão ferida, numa tentativa de aliviar a dor.

– Eu não vou mais perder tempo pensando nessas coisas, e é bom você fazer o mesmo, engula o que aconteceu e siga em frente.

– Não diga o que eu devo fazer. – Theo disse de forma ríspida.

– Eu dou as cartas aqui, esse é meu jogo, é um jogo que vale a minha vida, não posso perder tempo com distrações.

– Então ligue a merda deste carro e siga para o Mercado Modelo.

Em alguns minutos estacionavam o carro num grande shopping chamado Mercado Modelo, que fora construído ao redor da antiga casa de comércio que havia no local, formando um conglomerado.

– E agora? – Sam perguntou olhando ao redor.

– Temos que descer até as docas. – Theo disse ajeitando seu boné para frente.

Sam tomou Theo pela mão e desceu uma pequena escadaria até o local onde os barcos faziam a travessia até a ilha de Itaparica e Morro de São Paulo.

Perguntaram por Igor para alguns homens uniformizados, recebendo a informação que ele era um condutor das grandes lanchas, e que retornaria de uma de suas viagens por volta do meio-dia.

Sentaram-se num pequeno muro de pedras, lado a lado e sem trocar palavras. Havia um sol entre nuvens forte o suficiente para incomodar os olhos de Theo, que os mantinha apertados. Sam tomou seus óculos escuros e colocou em Theo, a pegando de surpresa.

– Não precisa. – Theo tirou os óculos, devolvendo.

– Você precisa mais do que eu, tome. – Sam voltou a colocar os óculos em Theo.

– Obrigada.

Sam a observou por algum tempo, analiticamente.

– Você deve ter tido os melhores óculos, as melhores roupas, o melhor estudo…

– O pior pai. – Theo a interrompeu.

– Ele sempre foi um pai ruim?

– Sempre foi um pai distante, colocava a empresa acima da família.

– Não teve irmãos?

– Não.

– E sua mãe?

– Bom, essa era a melhor do mundo.

– Por que seu pai a matou? Quando foi isso?

– Meses antes de me mandar para o inferno. Acho que ele descobriu que minha mãe fazia parte da resistência.

– Ela fazia?

– Sim, entrei nesse mundo através dela.

– Ele sentiu-se traído, porque sua mãe trabalhava em causas que iam contra os negócios dele, foi por isso?

– Agora acredito que sim.

– Mas fazer isso com a esposa, por causa da resistência? Talvez sua mãe tivesse feito outras coisas que o irritaram, ela o traía?

– Eu não vou falar mais nada sobre minha família com você. – Theo rasgou a conversa.

– Mas você…

– Mas eu não devo satisfação alguma, não quero falar sobre isso com você e toda essa sua carga de julgamentos que vem de brinde quando você abre a boca.

– Ok. – Sam fechou seu semblante. – Só estava tentando conversar com você. Não quis ofender, mas entendi o recado.

Uma hora depois um funcionário gesticulou na direção de Sam, uma barca havia acabado de atracar. Aguardaram todos os passageiros descerem, e entraram na cabine de comando do barco, havia um homem jovem, moreno, e de porte atlético, conversando com um outro.

– Igor? – Sam chamou, e o homem de cabelos negros virou-se na direção delas.

– Sim?

– Você é o Igor, certo? Você teria alguns minutos para conversar? Posso pagar seu almoço. – Sam falou de forma simpática, o outro homem saiu.

– E vocês seriam quem?

– Samantha, prazer. Eu era tenente no exército da Europa.

– E a garota?

– Theo. – A própria respondeu.

– O que querem? Se precisam fretar um barco falem diretamente no escritório da companhia.

– Não, apenas queremos trocar algumas palavras com você, é possível?

– Estou trabalhando. Só posso falar depois do expediente.

– Que horas?

– Hoje vou até a última barca, as nove.

– Nove da noite? Não tem alguns minutos agora?

– Não, tenho que conduzir essa barca dentro de quinze minutos.

– Pode conversar no caminho? – Theo tentou.

– Por que a insistência? Nem conheço vocês. Voltem à noite.

Sam aproximou-se, largando a mão de Theo.

– Foi Odín, da Colômbia, que nos mandou aqui para falar com você. Você é da vermelha, certo?

Igor mudou o semblante para algo mais tenso.

– Como conheceram Odín? – Ele perguntou em voz baixa.

– Através do antigo emprego dele, em Gracias a Dios, Honduras.

– O que vocês querem?

Theo aproximou-se também.

– Informações que a célula azul não tem.

– Vocês são da azul?

– Ela é, a mãe dela também era, em San Paolo.

– Eu não caio nessa.

– Igor, sabemos das vacinas com Beta-E, estamos em busca do local onde essa substância é fabricada. – Sam abriu o jogo, pegando Igor de surpresa.

– Por que não pedem informações ao comando da célula azul, então?

– Essa cruzada é nossa, é missão individual, não estamos em contato com nenhuma célula no momento. – Theo disse.

Igor olhou pelas janelas de sua cabine, os passageiros já embarcavam.

– Por favor, só queremos alguns minutos, a vida dela depende disso. – Theo insistia.

Igor olhou hesitante para as duas garotas, um outro tripulante adentrou a cabine, as cumprimentando sorridente.

– Ok, tenho uma hora de intervalo do outro lado, paguem a passagem e façam a travessia lá fora.

– Travessia para onde? – Sam perguntou.

– Morro de São Paulo. Aproveitem a viagem. – Igor deu um sorrisinho e iniciou os comandos para ligar a embarcação de dois andares.

 

Subterfúgio: s.m.: Desculpa ou artimanha que se usa para não cumprir uma obrigação ou livrar-se de dificuldades; pretexto; evasiva.

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16 comentários Adicione o seu
  1. O que eu posso dizer… Acho que depois desse capítulo vou parar de acreditar que a Sam pode mudar. Sério, eu acreditava que ela só iria magoar a Theo com palavras, mas fisicamente foi demais pra mim. Eu sei que a Theo já sofreu nas maos de um monte de gente e eu realmente não esperava que a Sam poderia magoá-la fisicamente. Decepcionei geral com ela, vai precisar de um milagre pra eu voltar a acreditar que ela pode mudar. Acho que a carga de violência sobre a Theo deveria convergir pra Sam para nivelar mais as coisas, às vezes fico imaginando qual das duas está mais perto da morte. Vamos ver o que acontece nos próximos capítulos, sinceramente não tenho ideia quais sejam os dois mistérios que faltam ser revelados… nem palpites tenho kkkkk, não consigo pensar em nada nada mesmo…
    Tirando as paranoias da Sam, estou achando tudo extremamente envolvente, acho que 2121 está bem perto de superar a Lince e a Raposa para mim, acho que só não superou ainda por causa da Sam… mas vamos ver o que vem aí, vai que ela me surpreende.

  2. Aff, você tá testando a gente com 2121 né não?!?! A história é intensa demais! A gente vai do amor ao ódio em pouquíssimo tempo!
    Tipo assim Sam é a maior babaca de muitos personagens que já li em muitas histórias por aí. Tudo bem, eu tento entender a história de vida dela. Fazendo uma má comparação, a mala da personagem chamada Laís, de Babilônia, tem um quê de Sam, com o preconceito por conta da criação, religião e tals. Mas fica difícil defender Sam, quando ela parte pra violência pra cima de Théo, cega e bem mais frágil que ela. Tudo bem de novo, ela tem poucos dias de vida, tá na maior pressão e tals, mas fica difícil. E pra coroar, ela não admite o mínimo que seja em pedir desculpas sinceras, insistindo em menosprezar a dor de Théo. Tudo bem, Théo pode estar mentindo, e continua omitindo coisas ainda pra ela. É até compreensível a Théo ainda omitir coisas de Sam, acho que ela não acreditaria em tudo que a gente leu no capítulo 31.
    Como li o conto que originou 2121, imagino as coisas que podem estar vindo por aí, e não consigo esquecer o seu post com a imagem de Katniss, de Jogos Vorazes, onde ela diz, “Nãoooo, o livro não pode terminar assim!!” E tenho medo, muito, muito medo de como 2121 pode acabar. Mas enfim, do jeito que for, vai ser uma história muito bem escrita, digna de virar roteiro pra um filme hollywoodiano!
    Isso aqui tá intenso demais!!
    Bjão

    1. Tô enfrentando dificuldades com Sam também, tá difícil procurar compreensão pra desculpar esses comportamentos, bem o que você disse, ela nem se arrepende.

      Mesmo que Theo fosse uma espiã maligna, partisse pra agressão verbal então, pode até perder a classe, mas sem violência.

      Dona Schwinden mexe mesmo com as emoções!

      1. Mesmo que Theo fosse o anticristo em pessoa, a violência não se justificaria, nesse ponto concordo plenamente com vocês. É que eu gosto de mexer com traumas alheios, colocar o dedo na ferida das personagens.
        E se Theo for uma alienígena mesmo, deu azar de ser uma não resistente a dor… rs. Ah, só para te assustar: no conto original tem alienígenas.
        Beijos!

    2. Acho que você encontrou o termo correto, estou testando até onde uma personagem pode errar antes de conseguir o ódio total do leitor. É reversível? Não sei, vocês me dirão daqui algumas semanas.
      Não estou mais assistindo Babilônia mas sei qual é a personagem que vc citou, é a namorada do filho do casal les, não é?
      Vai ser um desafio bem interessante para mim, e irei aguardar as opiniões de você. Vamos ver como estará a relação amorXódio pela Sam quando chegarmos próximos ao capítulo 40.
      Sobre o final, bom, só posso dizer que é intenso.
      E tomara que os santos hollywoodianos ouçam minhas preces.
      Obrigada por comentar 😉
      Beijos

      1. Isso mesmo a norinh das lés, que aliás tá ficando amigável com elas. Essa novelinha não tem defesa, antes tivéssemos todo dia um capítulo de 2121 pra acompanhar no horário da novela. hahaha
        Acredito que vamos passar no teste 2122. E ainda vamos perdoar Sam por todas as merdas que ela disse, fez e ainda falará e fará com Théo até o final da história, não sei qual vai ser o preço do perdão, mas enfim, vamos aguardar.
        Sonhar não custa nada e muitas vezes os sonhos se realizam né! Quem sabe a gente não vê 2121 nas telas grandes! Eu fico na torcida sempre!!!
        Bjão

  3. Oi,
    capítulo legal! Sam finalmente descobriu as origens de Theo e parece q n recebeu mt bem. Nornal a reação dela, n achei fora do padrão para alguém com os costumes dela . Temos que lembrar que ela é do exército e reagem mais violetos.Um reage geralmente de acordo com a vida que leva. Sam, sempre ta em conflito como qq ser humano. Sempre temos dualidades. Confiar ou j confiar. Realmente desde o começo ela ja n confiava. Se aprende isso no exército, confiar ppde gerar morte.N era algp q ela eaperava, esse segredo. Claro que ela poderia ter perguntado de outra forma, mas o medo foi maior. N sei pq julgam tanto . As pessoas veem de fora, se tivessem ao dentro, certeA agiriam pior.As pessoas q menos creem q vao fazer são as piores. Vemos pelos comentários np face qndo alguém é o estuprador e o pessoal diz barbaridades, pessoas a dizem ser a melhores.O ser humano n é ruim nem e mal…somos os dois.O ser humano eata em constante contradição.A condição humana é tudo aquilo q faz o homem ser como é. Uma pedra e pedra sempre , ja o homem muda constantemente. Por isso acredito sim que Sam ainda possa mudar….

    Belo capítulo. Beijos

    1. Pois é, foi uma reação bem agressiva, Sam não poderia errar dessa forma, ainda mais com alguém que já passou por tanta violência, pisou feio na bola. Mas agora ela irá correr atrás do erro, tentando consertá-lo, a questão é se tem jeito ou não, pois limites foram ultrapassados.
      Bjos!

  4. Só para esclarecer, o fato de eu ter me decepcionado com a Sam não quer dizer que ela seja um personagem mal desenvolvido. Pelo contrário, ela me surpreendeu bastante, com uma coisa ruim, mas tá valendo…
    Quero ver como vc vai conseguir sair dessa, dona Cristiane.
    Bjo 🙂

  5. Karoline, confesso que é com tristeza no coração que tenho escrito estes capítulos, eu também estou decepcionada com Sam, mas tudo o que posso falar agora é que essa fase faz parte de um plano maior (nossa, pareci a bíblia agora…). Bom, faz parte da evolução dela, Sam precisará estar preparada para tempos difíceis.
    Eu compreendo sua revolta, acredite. rs. E também espero que ela saiba canalizar essa agressividade para onde deve.
    Sobre superar a Lince, também é um filhinho que tenho muito apego, acho que 2121 supera a Lince no quesito técnico e na complexidade da trama. Mas a Lince tem o casal Anna&Jenny e não preciso dizer mais nada (apenas vomitar arco-íris).
    Obrigada pela opinião sincera, são estas que me desafiam!
    Beijos!

  6. Sam é uma lixa de enrolar prego, estou com muita raiva, mas não estou surpresa, é com razão que Theo não confia nela. Sam é muito inconstante, imatura e grossa. O que me dar mais raiva é o fato de que ela não acha que foi grave sua atitude, simplesmente pede para a Theo relevar como se ela tivesse apenas pisado no pé.
    ps: Meu comentário do cap. anterior sumiu!

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